M. Barreto Condado's Blog, page 3
March 23, 2020
in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 7
SETE- Seis séculos? Seis séculos? – Maria saía do quarto a falar alto chocando com Fionn que já corria na sua direcção – Au! Vê lá por onde andas. – acordara com a impressão de que tudo não passara de um sonho até sentir as dores. Fionn olhava espantado para Maria sem saber o que fazer ou dizer o que até para ele era estranho. Maria agarrou-o pelos ombros movendo-lhe a cabeça de um lado para o outro - Que idade tens Fionn?Fionn parecia divertido.- Quantos? - Maria insistia, lembrava-se da conversa deles e do que Maeve lhe dissera. Não conseguia tirar da cabeça que eram todos muito mais velhos do que aparentavam, mas séculos? Só a ideia era absurda.- Vinte e dois.- Queres dizer seiscentos e vinte e dois? – deitou a pergunta para o ar esperando.- Mais coisa menos coisa. – Fionn sorria divertido, não o deixava de espantar a astúcia e ouvidos apurados de Maria. A verdade é que descobrira a sua verdadeira idade e ainda não desmaiara, era muito bom sinal.- Seiscentos e vinte e dois?- Na realidade deixei de fazer anos ao atingir os vinte e dois.- Seis séculos? – só podia estar a gozá-la, o que acabara de dizer não fazia sentido - Seis séculos?- Devias comer, pareces-me mais pálida do que ontem, talvez estejas com falta de açúcar. - Quem são vocês? – Maria agarrou o pescoço com as mãos tapando-o.Fionn não aguentou mais rindo alto. - Estás com um ar esgazeado, não te penteaste? Deve ser isso. Começou a andar lentamente para trás afastando-se dele até chocar com Eoghan, sem que se tivesse apercebido da sua presença. Maria gritou quando ele a agarrou evitando magoá-la.Fionn não conseguia parar de rir, as lágrimas caíam-lhe pela cara perante um espantado Eoghan apontando na direcção de Maria sem conseguir falar.Enquanto o irmão se ria como um louco Maria já se afastava deles colocando-se de costas para a parede com as mãos a envolverem-lhe o pescoço. Eoghan não percebia e também ninguém lhe explicava o que se passava.- Diz-lhe a tua idade Eoghan. – já lhe doía o estômago, mas Fionn não conseguia parar.- Vinte e cinco. Mas o que tem isso a ver com a tua loucura? – olhava para os dois sem entender o que se passara entre eles.- Agora já podes fazer as contas. E para ficares com o registo completo a Maeve tem dezanove anos e o Rhenan vinte e sete. Assustada? O teu querido é o mais velho, se calhar devias repensar a tua escolha.- Enlouqueceram? – Eoghan continuava sem perceber o rumo daquela ridícula conversa - Maria dói-te o pescoço?Com a pergunta Fionn deixava-se cair no chão a rir. - Pára! Ainda me matas.Eoghan mantinha distância porque quando se tentava aproximar reparava que Maria se encolhia. Não queria que se sentisse desconfortável com a sua presença apesar de não compreender o que se passava.- Maria, diz-me só se te sentes bem. Maria anuiu com a cabeça.- Então, porque continuas a agarrar o pescoço? Fala comigo, se tens algum mal-estar deves dizer-me. - Sim, por favor diz-lhe. – Fionn levantava-se do chão segurando-se ao corrimão.Eoghan continuava à espera de uma resposta e Maria começava a sentir-se ridícula.- Seis séculos?- O que queres dizer com seis séculos? – não percebera a pergunta dela nem o motivo pelo qual o irmão agia como um idiota chapado. Maria parecia-lhe particularmente estranha naquela manhã.- E depois o idiota sou eu. Permite-me que te explique o estranho comportamento da nossa sidhe.- Também não me pareces muito normal, isto tendo em conta que nunca foste.Fionn ignorou propositadamente o comentário do irmão.- A Maria chegou à brilhante conclusão da nossa real idade.O olhar de Eoghan fixou-se no do irmão que lhe sorria divertido, levantou as sobrancelhas começando a compreender o porquê de todo aquele drama, voltou-se para Maria falando-lhe com a calma que o caracterizava. - É verdade! – sorria-lhe - Temos esses séculos todos em cima e continuaremos por muitos mais, mas podes largar o pescoço que ninguém te vai morder ou sugar-te o sangue. Não somos vampiros. - estendeu-lhe a mão - Agora deixa-me ver se o penso está sujo, ordens da minha mãe. Maria sentia-se ridícula, avançou confiante deixando que a ajudasse. - Está limpo, é muito bom sinal. - Não seria melhor levar uma injecção contra o tétano, tomar um antibiótico?- O que a minha mãe te deu a beber ontem faz isso tudo. Não te preocupes que numa semana tiro-te os pontos.- Tu?- Sabemos fazer quase tudo ou já te esqueceste que somos muito velhos? – Eoghan piscou-lhe o olho apertando-lhe a mão - Por acaso não queres regressar às aulas? A mãe disse que devias. - Onde está o Rhenan? - olhava para Eoghan esperançada.- Partiram esta madrugada. – Eoghan esticou-lhe um envelope que trazia no bolso do casaco - O Rhenan pediu-me que te entregasse isto. Maria olhava para o pedaço de papel sem lhe conseguir pegar.Eoghan sentia o sofrimento dela e vira como o irmão estava abatido quando o deixara no aeroporto naquela madrugada.- Vamos descer, tens de comer. – colocou-lho na mão sem que Maria oferecesse resistência apesar de lhe ter visto uma lágrima. Duvidava que a decisão da mãe tivesse sido a melhor - Sabe que estaremos sempre por perto. A Rita está avisada, não lhe disse o que aconteceu, limitei-me a justificar a tua ausência com o facto de estares perdida com a nossa biblioteca e que ficarias aqui os dias que achasses necessários para consultares os livros.- Claro que achou normal. – Maria sorriu apertando-lhe o braço que lhe estendera para a ajudar a descer - Quero que saibas que toda esta informação está a dar cabo da minha sanidade. A parte racional do meu cérebro diz-me que tive uma concussão e estou em coma algures num hospital de Dublin. A parte sensitiva, diz-me, que tudo isto é verdade. Mas vou precisar de tempo e de toda a ajuda que me puderem dar.- Somos a tua família desde o momento que o meu irmão te viu. É connosco que deves contar.Maria sorriu-lhe triste com a lembrança de Rhenan longe.- Nunca vi o meu irmão feliz e apaixonado como está por ti. Conseguiste fazer o impossível que foi dar-lhe uma razão para viver. Ficou emocionada com as palavras de Eoghan. - Sei que estou apaixonada por ele, mas tenho medo.- Dos seis séculos? – Eoghan apertou-lhe a mão.- Não! Tenho medo de o perder.- Isso não acontecerá. – Maria acabava de lhe dar a confirmação de que necessitava para saber que era a mulher certa para o irmão - A verdade é que andávamos perdidos até apareceres. Graças a ti, finalmente temos uma hipótese de sermos uma família. Maria parou quando chegaram ao vestíbulo obrigando-a a encará-la.- Teremos muito tempo para falar. - Tenho medo de envelhecer e perdê-lo.- Confia em mim quando te digo que isso nunca acontecerá. - Promete que não contas a ninguém o que te disse. - O teu segredo fica seguro comigo. – Eoghan beijou-a na face.Freya deixara-lhes a mesa preparada. Maria reparou num livro com a capa virada para baixo. Sentou-se, virou-o e…- FIONN! – tinha-lhe deixado um original de “Drácula” de Bram Stoker. Eoghan sorria enquanto lhe aquecia uma caneca de café com leite. Maria ainda sofreria muito às mãos do irmão mais novo, com eles passava-se o mesmo e há muito mais tempo.
Published on March 23, 2020 03:00
March 22, 2020
in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 6
SEIS
- Bom dia, dorminhoca, pronta para o dia? - Maeve estendeu-lhe uma caneca de café com leite morno quando Maria entrou na cozinha. Ainda não vira ninguém. Naquele dia só lhe apetecia voltar a ser normal e se possível ir para casa e mudar de roupa, já andava com a mesma há dois dias, o que lhe valia é que Maeve lhe arranjara roupa interior lavada. Aceitou a caneca com prazer colocando um pedaço de bolo de canela na boca. Pegou num prato e sem cerimónias serviu-se de mais sentando-se numa cadeira ao lado de Maeve. - Estamos sozinhas? Maeve anuiu com a cabeça.- Felizmente teremos um pouco de sossego. - Onde foram?- A tua casa. - Porque não me levaram? - pousou a caneca tentando não cuspir migalhas enquanto falava. - Tem calma, a tia foi protegê-la e os meus primos foram protegê-la a ela. - Nesse caso, quem nos protege a nós? - a voz devia ter saído mais sarcástica do que pretendia, Maeve lançou-lhe um olhar reprovador - Acredita quando digo que vos estou muito agradecida por me terem aturado este fim-de-semana. Não quero parecer ingrata, mas hoje tenho aulas e gostava de ir. Além de que ainda tenho de encontrar as palavras certas para desancar a Rita. Resumindo, tenho uma vida fora desta casa que não posso descurar só porque caí num conto de Fadas.- Antes fosse um conto, menos de Fadas. - Maeve suspirou desanimada - Os homens estão a tratar de tudo, fica descansada que esta tarde vais ter uma nova colega. - Vou?Maeve levantou-se feliz rodopiando sobre si mesma. - Eu! - Pareces-me feliz de mais, espera até conheceres alguns dos professores.- Vai ser fantástico. Aquela família não deixava de a surpreender, mas a verdade é que depois de tudo o que vira e ouvira começava a sentir-se preparada para tudo. Acabou de comer, levantou-se arrumando a loiça suja como os vira fazer dentro da máquina. - Vou dar um passeio, queres vir comigo Maeve?- Vais onde?- Apanhar um pouco de ar fresco. – depois de toda a chuva o sol brilhava radioso, já estava cansada de estar fechada dentro daquela casa sem poder fazer nada. – Será que posso sair, minha senhora? – Maria fez uma reverente vénia.- Não deve haver problema, afinal é dia. - Maeve levantou-se passando por ela - Está frio lá fora, vou buscar-nos camisolas, depois vamos.Não lhe apetecia particularmente ir acompanhada, mas parecia que andar sozinha deixara de ser uma opção. - Despacha-te! – estava desejosa de sair dali e simplesmente respirar ar fresco - Antes que o sol desapareça.Maeve com uma singular graciosidade subiu a escadaria a correr. Não conseguia deixar de admirar a beleza de todos, mas Maeve era particularmente bonita. Um corpo perfeito, praticamente da altura dos primos, pernas bem torneadas, olhos azuis, um cabelo loiro cheio que lhe caía ao longo das costas praticamente até à cintura, rosto angular. Bastante parecida com a tia. A mãe também devia ser da mesma beleza estonteante. Sentia-se um patinho feio num lago de cisnes.Maeve regressava com uma camisola grossa vestida e outra para ela.- Toma veste, tenho a certeza de que esta cor te fica muito bem. – Maeve entregou-lhe uma camisola azul-marinho que lhe assentava que nem uma luva. Obedeceu para não perderem mais tempo.Abriram a porta deixando-a encostada. O dia estava realmente muito bonito, apesar da temperatura ter descido drasticamente. - Não podemos sair da luz. - Maeve sentia-se francamente assustada, não sabia se tinha sido boa ideia saírem de casa. Maria sentia o seu nervosismo, deu-lhe a mão apertando-lha, assegurando-a de que nada lhes aconteceria. Caminharam até ao lago onde estivera com Freya, Maeve continuava hesitante olhando constantemente para trás parecia temer que as seguissem.- Não nos devíamos distanciar de casa.Para Maria não estavam assim tão afastadas.- Tenho andado para te perguntar. Quantos anos tens Maeve? - Quantos me dás? - Maeve parecia divertida.
- Dezassete? - Pois…, - deixou a voz arrastar-se continuando em tom zombeteiro. – um pouco mais, dezanove.- Quando foi o teu aniversário?Maeve soltou uma gargalhada de puro deleite. - Já há algum tempo. - os olhos sorriam deliciada com a pergunta.Maria sorriu-lhe não insistindo, tinha a certeza que na noite anterior escutara mal quando ouvira falar em séculos. Fizeram o resto do caminho em silêncio contornando a casa, tendo o cuidado de evitar a escuridão. Com o temor que via no olhar de Maeve, Maria começava a ter a sensação de que eram observadas do cerrado bosque no exterior da propriedade. Maeve sentia o mesmo. Evitava olhar naquela direcção pois sempre que o fazia via olhos brilharem no escuro, seguindo-as. Ouviram o que lhes pareceu um rosnar, apertaram as mãos, tudo o que as separava do que tinham escutado era a luz do sol, mas já não se sentiam seguras.Pela primeira vez Maria sentia o temor que Maeve lhe tentara transmitir desde o início do passeio. Instintivamente aceleraram o passo regressando para a frente da casa. Maeve apertou-lhe o braço fazendo-lhe sinal para que olhasse para o céu. Maria apercebeu-se do que a afligia, aproximavam-se nuvens que iam deixá-las na escuridão antes de conseguirem regressar. Sem pensar, apertou com força a mão de Maeve, começando a correr, os sons que ouviam provindos do bosque também se tinham apercebido do que estava para acontecer começando a rugir mais alto. Começaram a correr com a velocidade que as suas pernas permitiam, tentando não tropeçar nos ramos caídos ao longo do caminho. Conseguiam ouvi-los cada vez mais perto quando a primeira nuvem tapou o sol, Maria apercebeu-se que algo lhes tentava cortar o caminho, instintivamente puxou Maeve para trás de si sentindo uma excruciante dor no braço direito. Não pararia, o seu único pensamento era colocarem-se a salvo, afinal era por sua culpa que se encontravam naquela situação. Maeve avisara-a e não fizera caso. O sol voltava a espreitar através das nuvens, era a oportunidade de que necessitavam. Puxou Maeve com força galgando os degraus da entrada, empurrou a porta mergulhando para dentro de casa quando a escuridão se abatia sobre Yggdrasil. Maria suspirou alto, estavam em segurança. Ouviram um uivo de raiva no exterior da porta, num misto de ódio e desespero. Maria fechou a porta com um pontapé, ainda não estava preparada para ver fantasmas ou o quer que aquilo fosse. Sabia que tão cedo não esqueceria aquele som, soara-lhe ao lamento de uma mulher. Deixou-se tombar com o olhar fixo no tecto quando sentiu a dor, um latejar ao longo do braço direito as lágrimas afloraram-lhe aos olhos a custo sentou-se reparando que tinha a manga rasgada do ombro ao cotovelo de onde lhe escorria sangue numa quantidade considerável, tendo já manchado o bonito chão de pedra. - Maria! Estás a sangrar? O grito de Maeve trouxe-a de volta. Sangrava em abundância, não percebia onde se ferira daquela maneira. - Temos de colocar pressão sobre a ferida. – Maeve levantou-se andando de um lado para o outro - Onde guardamos o kit de primeiros socorros? – sentia-se confusa.- Estou bem, parece pior do que é. Estás ferida? Maria levantou-se com dificuldade, sentia uma dor dilacerante que lhe atravessava todo o lado direito do corpo, não conseguia mexer o braço. Observou Maeve, sentia-se feliz por não estar ferida, sentia que cumprira com a sua obrigação. “Que coisa estranha, para pensar.”. A dor dava-lhe náuseas, sentia vontade de vomitar.- Vou ter de me sentar.- Estás com tonturas?Não se sentia com força para lhe responder. Apoiando-se em Maeve sentou-se no chão ao lado da poça que se formara com o seu sangue.Maeve tinha de ir buscar uma toalha limpa para pressionar a ferida, mas não a queria deixar sozinha. Ouviram barulho no exterior, viram a porta entreabrir-se, Maria com dificuldade colocou-se de pé posicionando-se à frente de Maeve.Maeve estava espantada com a sua perseverança, não sabia onde arranjara forças para se voltar a erguer, estava cada vez mais pálida. - Mantém-te atrás de mim! Maeve abraçou-a pela cintura evitando que caísse.Maria olhava à sua volta irritada, com tantas armas a decorar as paredes e não tinha nada com que as defender. Mas não cairia sem dar luta, o braço que não estava ferido teria de servir.Maeve segurava-a com determinação quando a porta se abriu e viram a cara de Eoghan. Suspiraram de alívio. Eoghan reparou de imediato no sangue avançando com a fúria no olhar pronto a atacar quem se atravessasse à sua frente. Gritou pelos irmãos que em segundos entravam a correr.Rhenan percebeu que Maria estava ferida e perante o olhar suplicante da prima tomou-a nos seus braços.- O que aconteceu? - Freya entrara por último, olhara de imediato para a sobrinha reparando que apesar de se encontrar em choque, estava ilesa. Já o braço ensanguentado de Maria pendia ao lado do corpo. Rhenan já a transportava para o sofá da sala. - Coloca-me no chão, garanto-te que não volto a desmaiar, apesar das circunstâncias sinto-me estranhamente bem. – a vontade de vomitar e a dor de cabeça tinham passado apesar de se sentir dormente. - Isso é da adrenalina, mas não estás bem, estás a sangrar. – Rhenan sentou-se no sofá com Maria ao colo, mais do que ela necessitava daquele contacto. A ideia de a perder estava a enlouquecê-lo. - Foi só uma arranhadela, – o braço recomeçara a doer - vou sujar o sofá. Rhenan virou-se para a prima com os olhos a faiscarem de dor. - Não te tínhamos dito para não saírem de casa? - Foi só um passeio. - Maeve sentia vontade de chorar não tirando os olhos de Maria – Tivemos o cuidado de caminhar sempre na luz, mas de repente apareceram nuvens e saiu algo do bosque que nos perseguiu. Se não fosse a pronta resposta da Maria nenhuma de nós estaria aqui. - A culpa foi minha. – fora por insistência sua que tinham saído. Não resistiu passando a mão ao de leve na barba por fazer de Rhenan que gemeu ao seu toque fechando os olhos – Insisti, estava um dia tão lindo. - Maria encostou a cabeça ao seu pescoço enquanto falava.O hálito quente de Maria de encontro à sua pele estava a enlouquecê-lo.Fionn abraçava a prima acalmando-a. - Desculpa Maeve, mas a camisola está estragada. - Estás preocupada com a camisola? - a situação de tão ridícula que era fez Maeve sorrir.Freya entrou transportando uma bandeja com uma infusão, gazes, uma tesoura e material de sutura. - Vou levar pontos? – Maria observava tudo o que Freya pousara na mesa – Não sou muito amiga de agulhas. – torceu o nariz quando viu o tamanho da agulha.Freya sorriu-lhe.- Prometo ser cuidadosa. Não vais ter mais dores do que as que sentes neste momento. Vou anestesiar-te o braço. - Preferia que me dessem com uma marreta na cabeça. Eoghan e Maeve riram-se aliviados pela boa disposição que Maria mantinha apesar das circunstâncias.- Pode arranjar-se, mas se preferires trago-te algo forte para beberes. – Fionn já servia uma dose dupla de Jameson.- Posso começar? – Freya falava para Maria – Vamos ter de te despir da cintura para cima, tenho de ver a extensão da ferida e limpá-la bem, é capaz de doer um pouco.Maria fez-lhe sinal com a cabeça, afastando-se de Rhenan o suficiente para que Freya a ajudasse a despir-se voltando a encostar-se.Rhenan respirou fundo, o contacto da sua pele quente era uma prova à sua capacidade de resistência. Evitava olhar para a sua nudez, sentia o coração bater descompassadamente. Os irmãos observavam-no num misto de pena e gozo sabiam o que sentia com Maria seminua nos seus braços. Trocando um olhar cúmplice entre eles, sorriram.Freya concentrou-se no que fazia começando por limpar a ferida, felizmente não era funda, mas ainda era extensa. Parecia ter sido feita com uma adaga, ou uma garra, a sutura ia ser maior do que pensara inicialmente, mas faria tudo para que mal se notasse a cicatriz.Fionn entregou o copo com whisky a Rhenan que o encostou aos lábios de Maria.- Bebe devagar para não te engasgares. – a voz soou mais rouca do que o habitual.Freya olhou para o filho percebendo pela sua expressão que tinha de se despachar. Maria bebeu, tossindo, fazendo sinal com a mão a Freya para que esperasse, ainda não se sentia preparada. Fionn voltou a encher o copo, entregando-lho.Só depois do terceiro copo se sentia pronta, confortavelmente descontraída assentiu com o polegar virado para cima. Os seus receios bem como as suas inibições caíram por terra e enquanto Freya tratava dela encostou a boca ao pescoço de Rhenan começando a beijá-lo, a sua cara roçando a dele, roçando-lhe os lábios com os seus, mordiscando-o. Os olhos de Rhenan ardiam de prazer, evitando mexer-se, segurando-a para que mantivesse o braço imóvel. - Por favor mãe, despacha-te. - a voz de Rhenan saía praticamente inaudível, transpirava por todos os poros enquanto Maria continuava a sua viagem tortuosa pelo seu pescoço. Rhenan não conseguiu evitar gemer alto. - Maria, tens de parar. Mas Maria já não o ouvia, continuando a provocá-lo sem se aperceber que o fazia. Com o ambiente consideravelmente desanuviado, sentados nas cadeiras do bar cada um com um copo na mão, Fionn e Eoghan apreciavam o autocontrolo do irmão limitando-se a comentar em surdina. - Acho que vou tirar a camisola, estou a suar só de olhar. - Fionn piscou o olho a Eoghan - Esta sidhe não brinca em serviço.Eoghan lamentava a situação em que o irmão se encontrava sabendo dos seus sentimentos por ela. Pelo que Maria inconscientemente lhe fazia e a mãe lhe pedia.Freya evitava encarar o filho concentrando-se, infelizmente não conseguia coser mais depressa. Maeve juntou-se aos primos no bar, não conseguia ficar mais tempo perto de Rhenan, indiferente ao seu esforço. Não se mexia apesar do que Maria lhe fazia.- Estamos a beber o mesmo? – Fionn olhava divertido para o rótulo da garrafa e para Maria. - Acabei! - Freya suava tanto como o filho. Depois daquela manifestação de afecto tinha de o afastar rapidamente de Maria – Rhenan já a podes colocar no sofá. Foi com dificuldade que obedeceu à mãe. Não se queria separar dela, mas necessitava de um banho gelado. Maeve aproximara-se arranjando-lhe as almofadas, tapando-a com uma manta. Freya acabava de desinfectar o braço colocando-lhe um penso, embrulhando todo o material que utilizara num pano.- Rhenan vem comigo. – olhava para o filho com o pano nas mãos - Tens a certeza?- Sim mãe! – seguiu-a com o coração apertado, a vontade que tinha de beijar Maria enlouquecia-o. Abanou a cabeça numa tentativa vã de afastar os pensamentos, arregaçando a manga entrou na cozinha. Sabia o que fazia, só esperava que mais tarde Maria o perdoasse.Na sala Eoghan estendeu a mão para receber o dinheiro da aposta, contra um desconfiado Fionn.- Meu! Ainda não ganhaste a aposta o dia ainda não acabou.- Parece que não conheces a mãe. Achas mesmo que depois do que vimos, o Rhenan vai passar a noite debaixo do mesmo tecto com a Maria? Paga e cala-te. - continuava com a mão estendida, porém Fionn mantinha-se firme.- Vamos esperar para ver.Maria estava acordada e alerta desde que deixara de sentir o calor de Rhenan. - Estão a fazer apostas comigo?- Contigo? Não! Com o mano velho. - Eoghan sorriu-lhe.- Ele vai-se embora? - parecia que o álcool já não estava a fazer o efeito que devia - A Freya não o quer perto de mim?Maeve sentou-se aos seus pés. - Maria! O Rhenan está perdidamente apaixonado por ti e a tia tem medo de que qualquer distracção vos coloque em perigo… - Eu sou uma distracção?- Para o meu primo és.Maria sentou-se com dificuldade, começava a sentir dores. - Conversa de miúdas, vamos. - Fionn levantou-se, Eoghan seguiu-o. Maria continuava a olhar para Maeve, aguardava uma explicação. O braço latejava, a dor intensificava.Maeve procurava as palavras certas. - Maria, tu és a escolhida. Chegaste para nos ajudares. Segundo a minha tia para que isso aconteça tens de cumprir com certos requisitos e um deles…bem…tens de…não podes…- Ter sexo comigo até atingires a maioridade. - encostado na ombreira da porta Rhenan observava-a com os olhos a brilharem de desejo e tristeza - O que neste instante se está a tornar impossível de suportar. Vou afastar-me de ti contra a minha vontade. Combinei com a minha mãe e acompanho-a na sua viagem.- Vais-te embora? – Maria sentia o coração dilacerado.Não conseguia responder-lhe, os olhos continuavam fixos nos dela quando baixou a manga da camisa. Freya entrou na sala. Trazia um copo com um líquido vermelho escuro, espesso. Maeve sabia o que ia acontecer, levantou-se.- Falamos mais tarde se quiseres. – Maeve parou perto do primo sorrindo-lhe carinhosamente. - Vem comigo. Rhenan continuava parado a olhar para Maria e ela para ele.Maeve enlaçou-o pela cintura obrigando-o a acompanhá-la.Maria continuava a olhar para o local onde Rhenan estivera, queria-o perto dela. Olhou desconfiada para o copo que Freya lhe estendia.- Bebe querida, vais sentir-te melhor. - Porque não nos quer juntos?- Estás enganada. – Freya franziu os olhos sentia uma enorme admiração por aquela menina – O meu filho ama-te, salvaste a minha sobrinha, a partir de hoje és minha filha. - beijou-a na testa - Todos te amamos, somos a tua família, o teu futuro está para sempre ligado a nós. Agora bebe tudo.- É para as dores? - o braço latejava intensamente.- Bebe e depois descansa.Maria levou o copo aos lábios, tinha um cheiro estranho, um sabor adocicado e ao mesmo tempo ferroso. Se era medicamento não devia saber bem, bebeu tudo de um trago esticando o copo vazio. Eoghan entrou na sala sorrindo-lhe. Pegou cuidadosamente em Maria levando-a para o quarto. Maeve já lá estava para a ajudar a lavar e vestir. Reparou que a sua mala de viagem com as suas roupas estava aberta aos pés da cama.- O Rhenan? - perguntou quando viu a porta de separação fechada. Maeve sacudiu a cabeça em negação, seria menos doloroso se não falassem dele.Eoghan beijou-a na testa retirando-se.“Então era assim, tinha-se ido embora e deixara-a sozinha.” - Sinto-me zonza, podes ajudar-me a chegar à casa de banho?- É para isso que aqui estou, queres que te ajude a tomar banho?- Não é necessário. Vou tomar um duche rápido.- Tenta não molhar o penso.Maria anuiu com a cabeça entrando na casa de banho, fechando a porta. Queria ficar sozinha, chorar, não sabia quando se apaixonara por Rhenan, mas a verdade é que não queria ficar longe dele. A água morna escorria-lhe pelas costas quando as lágrimas começaram a cair livremente.
Saiu da casa de banho com uma das suas t-shirts e umas grossas meias.Maeve aproximou-se para se certificar que não molhara o penso, tinha os olhos inchados, estivera a chorar. Sabia que não era das dores do braço, mas do coração.- Queres que te traga alguma coisa?- Só quero dormir.Maeve ajudou a tapá-la com o grosso cobertor certificando-se que ficava confortável. Não se podia esquecer de telefonar aos pais, não falava com eles há dois dias e não tardava muito para que a mãe viesse à sua procura ou pior, colocasse a Interpol no seu encalce.- Maria, se não fosses tu o mais certo era ter sido atacada e já cá não estar. - Achas que nos confundiram? – bocejou.- Levávamos camisolas com o meu cheiro talvez se tenham confundido e atacaram à toa.- Porquê tu?- Sou uma MacCumhaill. - voltou-se fechando os grossos cortinados evitando que a luz entrasse no quarto permitindo a Maria descansar. Atiçou o fogo e saiu fechando a porta silenciosamente. Maria já dormia. Observara nos olhos de Rhenan algo que nunca vira e pedir-lhe para se afastar era demasiado, mas sabia que o faria sem reclamar. Porém naquele dia a possibilidade de ficar com Maria para sempre tornara-se realidade.Sabia que Rhenan estava no quarto dele, mais uma forte prova à sua resistência.Precisava de falar com a tia antes de partir, necessitava de lhe contar a sua versão dos acontecimentos daquele dia e pedir-lhe conselhos.
- Viste bem o golpe? Tenho quase a certeza que foi feito com uma Dag’OgRhenan preparou um saco com mais roupa do que gostaria, não sabia quanto tempo a mãe pretendia mantê-lo afastado de Yggdrasil. Deu por si com a mão no manipulo da porta de separação sem coragem para o abrir para se despedir. Conseguia ouvi-la respirar descansada, apesar de se lamuriar esporadicamente com dores. Reparara que o corte tinha sido feito por uma garra, quem a atacara fizera-o propositadamente ou confundira-a com a prima? Qualquer uma das hipóteses lhe deixava os nervos à flor da pele. Sentou-se no chão de cabeça pendida, costas encostadas à porta, a única barreira que o separava dela. O seu pensamento voltava sempre àquela tarde quando a tivera nos braços. Sentira o seu calor, o sabor dos seus lábios. Desejava-a acima de tudo, de bom grado daria a sua vida pela dela. Suspirou alto. Bastava-lhe abrir a porta para a ter, deitar-se ao seu lado e reconfortá-la. Ao mesmo tempo tentava convencer-se de que um ano passaria depressa. A mãe não sabia o que lhe pedia.Encostando a cabeça à porta deixou-se ficar o resto da noite de olhos fechados envolto nos seus pensamentos.
Freya sabia que pedia demais ao filho. Observara o temor que sentira ao encontrar Maria ferida, vira o amor e desespero porque passara quando a segurara nos braços. Não queria afastá-lo dela, mas apaixonado tornava-se num alvo fácil e não estava preparada para perder outro filho.Já tinha feito o que a levara ali. Na sua ausência contava com os filhos e a sobrinha para ajudarem Maria. Gostara daquela menina mal colocara os olhos nela, da sua perspicácia, inteligência, cordialidade, sentia que a conhecia, mas acima de tudo sentia que faria o filho feliz. E Rhenan merecia. Apesar das circunstâncias sorriu feliz. Continuava a espantar-se como aceitara tão bem tudo o que lhe contara, a maneira como reagira quando fora atacada e acima de tudo a coragem demonstrada ao defender a sobrinha. Reviu mentalmente o que ainda tinha para fazer. Ficara decidido que Maria retomaria as aulas na companhia de Maeve. Passavam a dividir as dormidas entre a casa dela e Yggdrasil, estavam ambas protegidas. Eoghan e Fionn manter-se-iam sempre por perto.Nesse ano, Maria teria de saber tudo sobre o Clã e aprender a lutar. As suas características de vidente apareceriam com o tempo, como aliás já acontecera quando comunicara com Lochan. A possibilidade de voltar a abraçar o filho, enchia-lhe o coração de esperança. Fechou a mala.Preocupava-a que Maria fosse passar o Natal a casa, aí não tinha como a proteger. Faltavam praticamente dois meses, esperava que até lá conseguisse desenvolver algumas das suas capacidades. Tinha de descansar. O dia seguinte seria longo, principalmente na companhia do filho que não estaria certamente com a melhor das disposições. - Obrigada minha Deusa. - acendeu uma vela azul, para lhes dar a tranquilidade de que necessitavam. Antes de apagar a luz lembrou-se do que fizera nessa tarde a pedido do filho, não sabia durante quanto tempo o conseguiriam esconder de Maria. Só esperava que entendesse que era a maior prova de amor que o filho lhe poderia dar.Sentia-se estafada. Dentro de poucas horas estaria novamente a pé, partiam no primeiro voo.
Published on March 22, 2020 03:00
March 21, 2020
in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 5
CINCO
Acasa estava adormecida, reinando finalmente a paz depois de Freya a proteger com uma infusão de ervas. Rhenan encostou a testa à janela do quarto olhando para a escuridão do exterior, sabia o que ali se escondia. O mesmo mal que lhe levara o pai, o tio e o irmão e que continuava à procura de vingança. Sendo o mais velho dos irmãos, sentia ser sua a responsabilidade de manter a família e Maria protegidos. Maria dormia descontraída no quarto contiguo ao seu. Tinha deixado a porta de separação encostada, conseguia ouvir-lhe a suave respiração, finalmente descansava depois do longo dia que tivera. Levou o copo aos lábios encostando a testa à janela, as últimas palavras que a mãe lhe dirigira antes de se recolherem estavam bem presentes na sua memória. Estava proibido de levar Maria para a sua cama até que atingisse a maioridade. Tremia ao pensar no esforço que teria de fazer durante aquele ano, porém a mãe afiançara-lhe que era a única forma se queriam ser bem-sucedidos. Inspirou fundo, amava o irmão e não faria nada que colocasse em risco o seu possível regresso, cumpriria com as suas obrigações.Naquela noite ficara decidido que se manteriam dentro da protecção que a casa lhes conferia quando começasse a escurecer. A sua prioridade era a segurança de todos. Maria refilara. Não se queria mudar para Yggdrasil, deixar Rita a viver sozinha na casa delas, nem faltar às aulas que acabavam maioritariamente quando já anoitecera. Ficara decidido que Maria lhes deixaria o seu horário. Nos dias em que saía depois de escurecer estariam à sua espera e seriam a sua escolta. Freya prometeu proteger-lhe a casa que coabitava com Rita, com a condição de aceitar que um deles estivesse sempre por perto na eventualidade de necessitar de ajuda. Rhenan voltou-se ao ouvir a porta do quarto abrir. Os irmãos traziam vinho e três copos. Tinham muito que conversar e pouco tempo para o fazer. Fionn olhou para o copo que o irmão levava aos lábios.- Mas é que nem penses, temos de nos manter alerta e o malte não é a melhor opção.- Então para nos manteres lúcidos trazes vinho? – Rhenan pousou o copo vazio aceitando o que Eoghan lhe estendia.- Porque será que passados tantos séculos a beber, a mãe ainda não nos internou nas FA.- FA? - Rhenan olhava-o curioso.- Sim meu! As Fadas Anónimas. – Fionn ria-se divertido - Quem melhor para nos tratar os problemas alcoólicos do que um bando de Fadas neuróticas.Eoghan ria-se com vontade, só mesmo o irmão mais novo para nos momentos mais negros de desalento conseguir encontrar algo que ajudasse a desanuviar o ar. Entre os três despacharam as garrafas que Maria trouxera. Tinham de conversar e as mentes começavam a ficar toldadas.“No vernáculo das Fadas eram um caso perdido”, Fionn limitou-se a pensar. Observava atentamente Rhenan, conseguia sentir a atracção que crescia entre ele e Maria, gostava que o irmão conseguisse encontrar finalmente a sua tão merecida felicidade. - Telefonei à Rita e podia jurar que ficou aliviada por a Maria ainda não ir para casa hoje. - Eoghan soava divertido – Pareceu-me que tem mais medo da reacção dela, do que teve da mãe. Onde é que a miúda tinha a cabeça? Ao menos esperava que a casa acalmasse, nessa altura até eu ia ter com ela. - Desde que não fosses nu. Continuo a preferir ver uma bela mulher a desfilar nestes corredores. – Fionn sorria irónico saboreando o vinho que ainda tinha no copo – Tenho pena que não tivesses sorte com a Rita.- Quem te disse isso? – Eoghan levantou o copo piscando-lhes o olho – Já te esqueceste quem a levou a casa?- Deve ter sido uma rapidíssima. – Fionn reclinava-se no cadeirão esticando as pernas.- Fala o experiente em relações longas e satisfatórias. – Eoghan sorria divertido.- Satisfatórias é garantido, nunca deixo ninguém mal servido. Já longas…é quanto baste.Rhenan escutava divertido os irmãos trocarem experiências. O vinho ajudava-os a descontrair. Não se lembrava da última vez que o tinham feito, mas continuava a faltar-lhes Lochan.
No quarto ao lado, Maria acordara com vozes de homens, riam. Tinha sido uma sensação agradável, durante o pouco tempo que passara com a família ainda não os ouvira tão descontraídos. Dava para perceber como eram unidos. Queria sonhar com Rhenan, beijá-lo, sentir que o seu lugar era nos seus braços e que nada os separaria. Abraçou a almofada suspirando. Conversavam num delicioso dialecto que lhes tornava as vozes mais fortes. Seria embalada por aquele som que voltaria a adormecer. Quando os irmãos saíram, Rhenan espreitou, queria certificar-se que Maria dormia descansada. Não passou do limiar da porta, tinha receio de se aproximar e quebrar a promessa que fizera à mãe.
O sol brilhava, os animais brincavam na cascata de água tépida que atravessava Tara
Published on March 21, 2020 03:00
March 20, 2020
in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 4
QUATRO
Osol entrava por uma fresta nos cortinados batendo-lhe na face, acordando-a. Maria esticou-se preguiçosamente recusando-se a abrir os olhos, não se lembrava de dormir tão bem há demasiado tempo. Esperava que a qualquer momento a avó entrasse com o tabuleiro transportando a deliciosa tosta mista e o café com leite como só ela sabia preparar. Ouviu o motor de um carro, foi quando se lembrou que não estava nem Lisboa, nem na sua cama. Atirou os lençóis para o lado levantando-se repentinamente, caminhando na direcção da janela afastou os pesados cortinados, espreitando com os olhos semicerrados até que se habituassem à claridade. Parara de chover e o dia estava maravilhoso, viu o carro de Eoghan afastar-se e o portão fechar-se à sua passagem.Ainda devia ser muito cedo, onde iria àquela hora com tanta pressa?Olhou à volta, as suas roupas estavam cuidadosamente dobradas numa cadeira perto da enorme cómoda e o relógio pousado em cima da mesa. Caminhou descalça com os pés a enterrarem-se no confortável tapete reparando num papel colado no espelho. Eram oito horas.Arrancou o papel lendo-o e relendo-o esperando que o seu cérebro processasse as palavras. “Maria não te quis acordar, mas esta manhã acordei indisposta, com uma terrível dor de cabeça. Pedi ao Eoghan para me levar a casa, não precisas de te preocupar vou descansar. Rita”. Não se devia preocupar? Sentia que lhe tinham dado um murro no estômago. Estava naquela casa por imposição da amiga. E Rita voltara para casa deixando-a ali? Onde tinha a cabeça? Não passava de uma estúpida irresponsável. Agora tinha de descobrir uma forma de regressar, o pior é que nem sabia onde estava. Observou-se ao espelho, estava vestida com uma camisa de dormir de alças, demasiado feminina e nada o seu estilo, mas já não estava tão pálida, as olheiras tinham desaparecido. Uma vez mais não se recordava de se ter despido e deitado, quando regressasse a Lisboa ia ao psiquiatra, estava a enlouquecer.Abriu a porta do quarto tentando não fazer barulho. A casa continuava silenciosa, possivelmente a família ainda dormia, o que não deixava de ser tranquilizante pelo menos até decidir o que faria. Caminhou descalça pelo corredor, o tapete abafando os seus passos, admirando a fascinante decoração enquanto rezava para não ser apanhada com tão pouca roupa por nenhum dos irmãos. No topo da escadaria pareceu-lhe ouvir vozes de mulheres, vinham da cozinha e conversavam animadamente. Reconheceu o riso de Maeve, talvez a parva da amiga tivesse mudado de ideias.Desceu a escadaria, tinha de se certificar. Cheirava tão bem! Bolo acabado de cozer trazia-lhe as melhores memórias da casa da avó. O estômago roncou tão alto que podia jurar ter ecoado por toda a casa. Olhou para os pés descalços, não podia aparecer naqueles trajes na cozinha. Preparava-se para voltar a subir e regressar ao quarto para se vestir quando a porta se abriu e Maeve espreitou. - Tinhas razão, a Maria já acordou. Maria corou ao ter sido apanhada seminua numa casa cheia de homens. - Ela que entre, a comida está pronta. Maria deparou-se com uma lindíssima mulher. Não devia ter ainda cinquenta anos, a pele clara, o cabelo loiro preso numa grossa trança, os mesmos olhos azuis profundos dos homens da casa, a mesma postura descontraída de Fionn, e o inconfundível olhar de Rhenan. Só podia ser a mãe deles. Sentia-se minuciosamente examinada. Infelizmente não estava no seu melhor com tão pouca roupa.Freya observava-a perplexa, Maria era praticamente uma criança. Percebeu o seu incómodo pela forma como se tentava tapar com os braços, sorriu-lhe convidando-a a sentar-se ao seu lado. Felizmente não era parecida com a doida da amiga. Com essa desvairada não simpatizara nem um pouco. Maria sorriu-lhe, sentando-se no local que lhe indicava, tentando tapar as pernas com o tecido que teimava em subir.- Obrigada! – mal conseguia falar enquanto se sentisse debaixo do microscópio da dona da casa.Olhando para Maria, conseguia perceber a atracção que exercia sobre o filho mais velho. Era o oposto de todas as mulheres que tivera e talvez fosse essa diferença a despoletar o sentimento que achara impossível Rhenan vir a encontrar um dia. Amor. Maeve sentia o constrangimento, ninguém falava e a tia inconscientemente não parava de analisar Maria. Freya estava fascinada com a delicadeza daquela menina. Devia ter pouco mais de um metro e sessenta, o cabelo loiro encaracolado caindo em perfeitos cachos pelas costas, uns perscrutadores olhos castanhos-escuros que contrastavam com o claro da sua pele. Era muito bonita, mas estaria preparada para a tarefa que tinha pela frente? Esperava para bem de todos, principalmente do filho, que a sua verdadeira essência estivesse escondida debaixo daquela capa de fragilidade. No que dependesse dela aquela menina seria protegida. Abraçou Maria beijando-a carinhosamente. Maria ficou inicialmente sem reacção, correspondendo ao caloroso cumprimento. Os olhos de Maeve sorriam, o que a tia acabara de fazer tornava Maria oficialmente parte da família.- Minha querida, espero que tenhas fome. – Freya puxou um banco sentando-se ao seu lado.- Confesso que estou esfomeada. – o caloroso abraço tinha-a deixado descontraída, já se esquecera como estava vestida - Muito obrigada por me ter deixado passar aqui a noite. Os últimos dias foram tão cansativos, ontem nem dei por adormecer. – Maria olhava na direcção de Maeve à procura de respostas, reparando que a evitava.- Foi um prazer. – Freya sorria-lhe bem-disposta, gostava da sua educação. Estendeu-lhe o prato do pão - Quando acabares gostavas de dar uma volta comigo no jardim? É muito bonito e eu adorava que me acompanhasses. A verdade é que só me lembro do quanto gosto desta casa, quando regresso. Existem aqui muitas recordações. - os seus olhos pareciam divagar. Quando voltou a olhar para Maria estavam novamente vigilantes.Maria pousou a caneca que enchera de café com leite. - Será um prazer acompanhá-la, mas não quero que a minha presença seja uma imposição. Afinal acabou de chegar e deve querer estar a sós com a sua família. Freya ficou encantada com a resposta educada, levantando-se sem dar azo a alterações no plano.- Então está combinado. Vou até ao meu quarto depois espero-te na sala. Não tenhas pressa. - pousou-lhe a mão no ombro. A voz de Rhenan, que assistira a parte da conversa parado à porta fez-se ouvir. - Está quase a chover mãe. Freya observava atentamente o filho mais velho, reparando que os seus olhos percorriam o corpo de Maria enquanto falava. Tirou a capa colocando-a sob os ombros dela, batendo ao de leve no braço do filho ao passar por ele afastando-se.- Vê lá se te recompões, estás a ser demasiado óbvio. - Maeve passou pelo primo sussurrando as palavras, seguindo a tia.Apesar de ter sido discreta Maria escutara o comentário. Sentia a cara a aquecer, mas não baixou a cabeça levando a caneca aos lábios. - Porque não me acordaram quando a Rita resolveu voltar para casa? Rhenan sentou-se na cadeira que a mãe ocupara perto de Maria, servindo-se de bolo de mel.- Parece-me que a vossa mãe não gostou muito da Rita. – sentia o coração aos saltos pela proximidade dele.Rhenan tentava manter o olhar fixo na cara de Maria. A tentação era demasiada, àquela distância sentia-se enlouquecer. Porém, foi com os olhos a brilharem divertidos que resolveu esclarecer o enigma Rita. - Queres saber o que aconteceu? Eu conto-te.Maria pousou a caneca suspeitando que não gostaria do que ia ouvir. - A minha mãe chegou ontem sem avisar. - Rhenan parecia divertido fazendo uma longa pausa mastigando devagar criando mais suspense.Maria voltou-se para ele pendente das suas palavras.Rhenan mantinha os olhos fixos no prato, sorrindo.- A meio da noite ouviu um ruído e resolveu espreitar, qual não foi a surpresa quando abriu a porta do quarto e viu a tua amiga a tentar entrar no quarto do meu irmão. Maria deixou cair a capa que a cobria. Os olhos de Rhenan voltaram-se de imediato para ela seguindo-lhe os contornos do corpo. O queixo, o pescoço, descobertos para que os pudesse beijar, a curva dos seios, tudo nela transpirava desejo. Encheu uma caneca de café que bebeu de um trago tentando abstrair-se da sua nudez. Tinha de fazer alguma coisa para não se descontrolar, inspirando fundo antes de continuar.- A minha mãe não é moralista e sabe bem quem tem em casa, mas a cena desta madrugada foi demais.Maria continuava com o olhar fixo no de Rhenan, não se mexia, parecia ter-se esquecido que estava de camisa de dormir tal era a vergonha e raiva que sentia pelo que escutava sobre as actividades nocturnas da amiga. - Segundo consta estava como veio ao mundo.- NUA? – Maria levantou-se de um salto, esbracejando enquanto falava. Pelas suas expressões, Rhenan depreendeu que fossem palavras menos agradáveis, em português. - Quando lhe puser as mãos em cima mato-a. – Maria caminhava de um lado para o outro sem se lembrar que a camisa de dormir pouco cobria. Rhenan reclinou-se na cadeira apreciando o movimento do seu corpo, o sangue a ferver de desejo, sentou-se em cima das mãos evitando que ganhassem vontade própria e a agarrassem. - Nua! Mas, o que lhe passou pela cabeça? Terá enlouquecido? – Maria não conseguia parar, nem se apercebia que gritava e ganhava público.Maeve e Fionn parados na ombreira da porta assistiam, contudo como metade das palavras eram num idioma que desconheciam, ficaram na dúvida se seria algo com Rhenan ou se já teria conhecimento sobre a noite da amiga com Eoghan.- Se lhe ponho as mãos em cima… juro que lhe bato. Que vergonha. E depois vai-se embora e deixa-me um bilhete. Um bilhete. Claro que se esqueceu de dizer o mais importante. O motivo pelo qual me abandonava. Rhenan fez sinal com o polegar para cima para a prima e o irmão, informando-os que a explosão não lhe era direccionada. Continuando com os olhos colados em Maria com o desejo a aumentar. Entraram, sentando-se. Fionn era apologista de que para se apreciar um bom espectáculo só com o estômago cheio. Sentou-se afastado de Maria que continuava a esbracejar, não pretendia ser atingido pela fúria dela. Maria sentou-se segurando a cabeça entre as mãos olhando para Rhenan aflita. - A tua mãe quer que vá passear com ela pelo jardim, - sentia-se novamente agoniada - já vi que vai sobrar para mim. Vai dar-me a reprimenda que não deu à desmiolada da Rita.Boquiaberto Fionn voltou-se para o irmão. - Mas esta miúda é normal? Tu ainda não conheces a nossa mãe, por isso permite-me que te explique. A minha mãe não deixa nada por dizer. Tu, ontem é que estavas ferrada no sono. Só para que saibas, a Rita dormiu toda a noite trancada, não sem antes a minha mãe lhe dar uma valente reprimenda. Gostei particularmente da parte em que lhe disse, que uma mulher devia ser mais recatada. – Fionn sorria divertido - Se a tua amiga quiser continuar a ver o meu irmão depois disto, é oficialmente masoquista.Maeve ia petiscando um pouco de tudo o que encontrava sob a mesa. Chegara a sentir compaixão por Rita, sabia que quando a tia falava com frieza deviam fugir. Naquela manhã tinha saído de Yggdrasil mais veloz do que um raio.Maria olhava para todos à procura das palavras certas. - As minhas mais sinceras desculpas a todos, estou tão envergonhada. Não sei que vos diga.- Não tens de te desculpar, não fizeste nada. – Maeve sorria-lhe apaziguadora.- Sim. Não eras tu nua no corredor. - Fionn tentava conter o riso. Maeve deu-lhe uma cotovelada. – Tu não me batas. Sabes que foi o que aconteceu. - Tirem-me deste pesadelo. – Maria olhava para Maeve na vã esperança de que não tivesse sido tão mau, mas o olhar dela dizia-lhe tudo - O que lhe passou pela cabeça? Neste momento pergunto-me se a terá?- Na cabeça não reparei, estava mais ocupado a olhar para o resto. - a dor que sentiu foi real, para sua segurança Fionn resolveu afastar-se da prima.- Só te posso dizer que a Rita ficou realmente chocada por ter sido apanhada e nós fomos suficientemente discretos regressando aos nossos quartos. – Maeve apertou-lhe a mão sorrindo-lhe - A tia tapou-a com um robe e ficou com ela. - Vocês até podem ter sido discretos, eu vi tudo. Só vos digo que se o mano não petiscar é burro. – Fionn já se levantara saindo a correr da cozinha evitando que o copo que Maeve lhe atirava o atingisse.- Perdoa-o, nunca cresceu. Vou ao meu quarto, se precisares de alguma coisa sabes onde me encontrar. – Maeve apertou-lhe o ombro ao passar por ela. – Vais adorar a tia.Rhenan apanhou a capa da mãe do chão colocando-a nas costas de Maria, a simples ideia de ficar sozinho com ela no mesmo espaço com tão pouca roupa a tapá-la não augurava nada de bom para o seu sistema nervoso. - Acredito que a Rita não nos queira ver tão cedo.- Se tivesse juízo não vos aparecia à frente até ao último dia da vida dela.- Não te preocupes, a minha mãe não vai tocar nesse assunto, para ela está encerrado. E foi fácil perceber que te adorou. “Eu também” - Rhenan limitou-se a pensar.Maria esperava que tivesse razão. Parou à porta da cozinha, depois do que acontecera com Rita tinha de se confessar. - Tenho de te pedir desculpa pela minha ousadia.Rhenan franziu as sobrancelhas, não percebia ao que se referia. - Ontem por engano abri a porta de separação, senti curiosidade e entrei no teu quarto. – pareceu-lhe ver um sorriso zombeteiro naquele belo rosto - Não mexi em nada. Bem…a verdade é que me sentei no cadeirão, queria experimentar se era tão confortável como parecia. Confesso que não me lembro de mais nada. – e lá voltava a falta de memória, tinha mesmo de ir ao médico, aproveitava e levava a Rita. Ficariam certamente internadas na ala dos desequilibrados.- Eu sei Maria. - Viste-me? – sentia a cara a arder.Rhenan sorria-lhe divertido.- Não te preocupes, és sempre bem-vinda ao meu quarto. - disse-o em tom trocista - Principalmente se estiveres assim vestida.- Pois, Pois. - tapou-se com a capa o melhor que conseguia subindo a escadaria a correr. Aquele convite parecia sincero e o pior é que se sentia tentada a aceitá-lo.
Tomou um banho rápido. Maeve deixara-lhe roupa interior lavada, pensara em tudo. Olhou para o relógio tinha de se despachar, Freya já devia estar na sala e depois do que Rita fizera era melhor não a deixar esperar muito tempo.Antes de fechar a porta do quarto pareceu-lhe ouvir o barulho da água a correr no quarto de Rhenan, como gostaria de ser invisível e poder lá entrar para o espreitar. Tentava parecer descontraída perto dele, mas parecia que o homem tinha um íman que a activava. Cada vez que o via sentia uma incontrolável vontade de o agarrar, beijar. Decididamente existia alguma coisa no ar daquela casa que as deixava descontroladas. Foi com este pensamento que entrou na sala onde Freya a aguardava. - Vamos lá então. – Freya deu-lhe o braço. Saíram.
Fionn observava-as através de uma das duas janelas da sala. Maeve e Rhenan dos respectivos quartos. Rhenan enrolara uma toalha à volta do corpo molhado. Ouvira Maria sair, sentira a sua hesitação, desejara que entrasse novamente no seu quarto e se metesse debaixo do chuveiro com ele. Infelizmente o banho de água fria não melhorara a sua disposição.Temia o resultado da conversa. Ou Maria pensava que eram doidos ou aceitava o que lhe seria dito sem questionar. Rhenan afastou-se da janela, deixando cair a toalha no chão do quarto, deitou-se nu em cima da cama de olhos fechados. Não conseguia tirar Maria da cabeça, mas tudo o que estava para acontecer era mais importante do que as suas necessidades. Se tivessem um futuro, tempo não lhes faltaria. Fechou os olhos deixando-se transportar através dos tempos. O seu irmão Lochan, perdera-se ao colocar o seu desejo por uma mulher acima do seu dever, da família. Conseguia finalmente compreendê-lo, estava a acontecer-lhe o mesmo. Desejava aquela mulher para si e não a perderia, torná-la-ia a sua família.Se a Profecia estivesse certa, Maria seria a salvação de todos, Sentia a falta de Lochan, tinha um vazio na alma. Queria ter a capacidade de poder regressar àquele fatídico dia e ajudá-lo a mudar o seu destino. O destino de todos. A mãe estava a fazer o que nenhum deles conseguira. Dependendo da sua reacção decidiriam as medidas a tomar. Só lhes restava aguardar.
Caminhavam lado a lado. Maria sentia que Freya procurava as palavras certas para iniciar a conversa, aquele passeio pelo jardim servira como desculpa para as afastar de casa e dar-lhes privacidade. Ao ouvirem o portão abrir voltaram-se ao mesmo tempo. Eoghan estacionou o carro debaixo do telheiro olhando na sua direcção, entrando em casa o mais depressa que as longas pernas lhe permitiam. Sabia o que a mãe se preparava para fazer e esperaria calmamente na sala pelo resultado da conversa. Ao ver Eoghan, Maria lembrou-se do que a amiga fizera e continuava com vontade de a esganar e esconder-se num buraco até a vergonha que sentia passasse. Resolveu quebrar o confrangedor silêncio. - Senhora MacCumhaill… Freya interrompeu-a. - Gostava que me chamasses Freya. Sentia-se hipnotizada pela intensidade do seu olhar, a mesma de Rhenan. Sorriu-lhe agradecida.– O que significa Yggdrasil? Freya ficou agradavelmente surpresa, seria a sua natureza curiosa que faria dela a força de que necessitavam. Compreendia o que o filho via nela. Finalmente chegara a hora de inverterem as rodas do destino. Confiaria nos seus sentidos e abrir-lhe-ia o coração. Maria tinha de saber tudo. - Yggdrasil significa árvore da vida. Tem poderes mágicos e a capacidade de ligar os mundos.- Ligar os mundos? Tem algo a ver com o Freixo? Reparei que têm a árvore representada no vosso brasão e plantada dentro e fora da propriedade. Mais uma vez a sua perspicácia deixava-a boquiaberta. Gostava dela, seria a companheira ideal para o filho. Contudo, no início a sidhe teria de ser afastada dele.- As árvores são realmente freixos, representam o sol, o fogo. São símbolos de protecção. Desde o início dos tempos defendem o nosso Clã. - Porquê os cinco dragões? Reparei que o do meio tem uma coroa e os outros estão armados com as espadas voltadas para o centro. Protegem o rei? - O nosso brasão é um pentagrama com a representação dos cinco elementos. O Dragão do meio representa o fogo, no topo temos o espírito, à esquerda o ar, do lado direito a água e em baixo a terra. - Porquê dragões? Chegara o momento. A jornada de Maria ao lado do Clã começava ali e o facto de ser naturalmente curiosa ajudaria a explicar o segredo que guardavam há séculos.- O que sabes sobre dragões?- O que li nos livros de Tolkien ou vi nos filmes do Harry Potter. Freya riu com prazer, ali estava alguém que teria gosto em ensinar. - E se te dissesse que nem todos os dragões são personagens fictícias, que têm o corpo repleto de escamas, voam ou cospem fogo? São representados dessa forma unicamente para incutir medo no coração dos homens. Em certas culturas, são Ordens de cavaleiros que juraram proteger os seus reis bem como todo o seu espólio. Poderosos guerreiros, que pela sua coragem e sacrifício pessoal mantêm a ordem no mundo.- Mas o Dragão representado no vosso brasão parece-me uma mulher, pode ser uma rainha?- Estás correcta, gostava de te contar a história da nossa família.Sentaram-se perto do lago de águas escuras.Maria estava entusiasmada com o rumo da conversa. Tinha escolhido o curso de História e Cultura Medieval exactamente por sentir atracção pelo antigo, pelo folclore de cada povo, as suas lendas e tradições. Queria absorver tudo o que Freya lhe contava.- Do lado materno somos descendentes de guerreiros romenos os Draculia. Já da parte do meu pai a linhagem é viquingueos Drakkar. Ambos significam Dragão. - Fazem parte da nobreza romena? Viquingue? - Ambas! Da linhagem romena és capaz de reconhecer o nome do nosso tio. Vlad Tepes.- Vlad Tepes? – Maria arregalou os olhos levando instintivamente a mão ao pescoço, retirando-a envergonhada pela sua reacção. Se Freya reparara no seu gesto infantil felizmente ignorara-a.- Somos descendentes de nobres, guerreiros, cavaleiros. O nosso tio pertencia à Ordem do Dragão, os Draculia. O Dragão do meio representa os nossos antepassados viquingues, os Drakkar. E sim Maria, estamos agradecidos a Bram Stoker por ter imortalizado o nosso tio. No entanto, podes ficar descansada, não somos vampiros. – Freya sorriu-lhe divertida ao vê-la corar envergonhada, apertou-lhe a mão assegurando-a que estava tudo bem.Afinal sempre reparara. Maria fez um sorriso forçado, se fossem vampiros nunca o confessariam. Felizmente comprovara que não dormiam em caixões, mas em confortáveis camas, nem evitavam a luz do sol. Pormenores importantes.- Há muito tempo, nasceram duas irmãs da união das famílias viquingue e romena, com o único propósito de manterem a paz entre os mundos. Tornaram-se nas fiéis depositárias das chaves, a Fivela de Akere o Colar de Brisingamen, dois objectos que nas mãos do sidh guerreiro da família garantiam esse equilíbrio. A sua função é manter as portas fechadas. – Freya olhou para o céu, apercebera-se da mudança do vento, sabia que trazia mais chuva, tinha pouco tempo. - Sidh?- Vidente.- A vossa família tem um vidente?- Tinha.Maria achou por bem não perguntar o que acontecera ao sidh permitindo que Freya terminasse.Freya percebeu a sua preocupação agradecendo-lhe com um sorriso triste.- No entanto uma traell fez o sidh perder-se de amores por ela. O seu único interesse era subir na sua condição social. Acabando por desgraçar o irmão e a sua família.Já ouvira aquela palavra, mas não sabia o que significava. - O que significa traell?- Serva. A traell com a sua beleza e poder de sedução conseguiu afastar o sidh da família e das suas obrigações que era a protecção da Fivela de Akere do Colar de Brisingamen.- O que lhe aconteceu?Freya não lhe conseguiu responder de imediato sentia um nó na garganta. - A traell conseguiu virar o irmão contra a família, no entanto o sangue acabou por ser mais forte do que o amor que sentia por ela. Cega de raiva por ser abandonada, procurou a Bruxa que ajudava a Deusa negra jurando-lhe lealdade em troca da vida do seu amante. Prometendo entregar-lhe a Fivela de Aker e o Colar de Brisingamen dos quais ele era o guardião e por essa troca pretendia ser recompensada com riquezas. A Bruxa preparou um veneno que a traell deu a beber ao sidh. Mas esta nunca encontrou as chaves. Sozinha e perante o acto que acabara de cometer enlouqueceu. Um dia, quando passeava pelo bosque, onde tantas vezes se encontrara com o amante, julgou vê-lo a cavalo. Pensando que voltara dos mortos para se vingar, seguiu-o, confrontando-o. A traelldesconhecia que o amante tinha um irmão, aquele não era ele, mas o seu gémeo. Quando o irmão se apercebeu que estava perante a assassina, a causadora de todo o seu sofrimento, trespassou-a com a sua espada deixando o seu corpo abandonado onde tombara. O irmão, ordenou que o corpo ficasse exposto aos elementos, para ser devorado pelos animais. Que os corvos e a terra levassem o que quisessem até voltar a ser pó. Pouco antes de morrer a traell voltou a pedir a ajuda da Deusa negra, mas como não lhe entregara as chaves, esta reivindicou-lhe a alma transformando-a numa sombra.Freya respirava audivelmente de olhos fechados. Independentemente do tempo que passasse, doía-lhe relembrar. Maria apertou-lhe a mão. Era uma história muito triste, contudo não passava disso.- Freya! As chaves eram só a Fivela de Aker e o Colar de Brisingamen?- Não! Existia uma terceira chave. O irmão. - Por ser sidh?- Sidh e guerreiro.- Como se chamavam? Freya voltou-se para Maria com os olhos marejados de lágrimas. - O que morreu chamava-se Lochan, o que o vingou Rhenan. - chegara o momento de lhe contar a verdade - Eram os meus filhos.Sentia o corpo dormente com o que Freya dissera. Percebia que não lhe mentia, apesar de soar a loucura. - Peço que me escutes até ao fim e não nos julgues até saberes tudo. – Freya voltara-se para a encarar - Existem mais coisas neste mundo do que julgas conhecer.Maria via-a mexer os lábios, mas já não a ouvia, acabando por cair sem sentidos no chão húmido antes de Freya a conseguir agarrar.Freya escutou passos, corriam na direcção delas através da relva molhada.- Mãe! O que aconteceu? – sem esperar pela resposta Rhenan pegou em Maria levando-a para o calor da casa com a família no seu encalce.- Acho que foi demasiada informação, mas não temos tempo a perder. – Freya aceitou o braço do filho mais novo.- Continuo a ter as minhas dúvidas quanto às capacidades deste quarto membro, - Fionn revirava os olhos enquanto falava - nas últimas quarenta e oito horas já perdeu os sentidos pelo menos três vezes, não me parece grande coisa. - Vai chegar o dia em que precisarás da sua ajuda e ela vai lá estar, nunca te esqueças do poder da magia. Esta menina é mais forte do que pensas. A mãe bateu-lhe ao de leve na mão. - Rhenan, por favor leva-a para a sala, ainda tem de saber quem é.- Mãe, isso pode esperar. - Rhenan estava enervado perante a insistência da mãe.- Não filho. Já esperámos demasiado tempo, não pode passar de hoje. Amanhã regresso e quero levar respostas à minha irmã. Recomeçava a chover com a mesma intensidade do dia anterior, o dia escurecera, como se algo para lá do véu que separa os mundos se aproximasse. Todos sentiam o mesmo. Apesar de estarem protegidos dentro de casa, estavam alerta. Eoghan fechava as portadas da sala, Fionn trancava o resto da casa, nesse dia não voltariam a sair. Tinham de convencer Maria que não eram loucos, e aguardar pela sua resposta. Afinal, quem no seu perfeito juízo acharia verídica uma história como a deles?
Estavam a ser observados. Com a súbita escuridão dois vultos aproximavam-se da casa, o momento pelo qual ansiavam finalmente chegara. Goll sentia a mesma sede de vingança, destruiria o Clã. Mesmo por detrás do véu das trevas, assistira com satisfação à morte de um dos irmãos às mãos de Hel. Contudo, a raiva que o consumia só seria saciada quando os dizimasse a todos. Hel passou-lhe à frente. Jurara matar o irmão que acabara com a sua existência, o mesmo que deixara o seu corpo esquartejado a apodrecer perante a indiferença de todos. Aquele dia perseguira-a pela longa eternidade que era Annwan,- O que foi isto? – Maeve sentou-se perto da tia. - Andam animais lá fora?- Não tenhas medo. Dentro destas paredes estamos protegidos. - olhou para os filhos, algo perigoso rondava a casa, mais perto do que devia. Fionn juntou-se à família.- Não gosto de ti. – Maria sentou-se olhando na direcção da lareira, parecia falar para alguém - O que pretendes? O mesmo pensamento passava pela cabeça de todos apesar de não o dizerem, Maria não aguentara o choque.Continuava a falar com o olhar fixo no mesmo ponto.- Foste tu que me perseguiste.Rhenan e Fionn não conseguiam vê-lo, mas sabiam a quem Maria se referia, tomando posições defensivas colocaram-se ao seu lado. Não foi necessário dizer nada a Eoghan porque também já se posicionara entre a mãe e a prima.- Eu sei quem tu és Lug dos Tuatha. Também te vejo. – Freya avançou sem medo - Mostra-te aos meus filhos. O que fazes na minha casa se não foste convidado?Lug tornou-se visível, apesar de manter uma saudável distância dos irmãos que o encaravam com cara de quem lhe desejava partir alguns ossos.- Estou aqui para oferecer os meus préstimos. As Sombras já estão à vossa porta, ainda agora as ouviram.- Conhecemos-vos bem. Vocês nunca oferecem ajuda sem pedir algo em troca. O que pretendem?- O Colar de Brisingamen, e em troca têm a protecção de todos os Tuatha.Freya sorriu-lhe. - Não me parece uma troca justa, afinal somos os responsáveis pelas chaves sagradas.- E onde as guardais? - fazendo um esgar, Lug continuou - Ah! É verdade! Não as conseguem encontrar.Maria observava-o sem medo. Rhenan segurou-a pelo braço impedindo que avançasse. - Está enganado! Sei onde estão, mas nunca direi. O Colar de Brisingamen não vos pertence. – voltou-se para Freya pedindo-lhe ajuda com o olhar. Aproximou-se de Maria dando-lhe a mão.- Sai da minha casa, não foste convidado e não és bem-vindo. - a Fada desaparecia e não voltaria a entrar. O acesso acabara de lhe ser negado por duas sidhes. Maria sentia-se confusa.Freya abraçou-a. - Acreditas no que te contei?- Não sei o que pensar, ainda me parece tudo surreal. Mas depois do que aconteceu não tenho motivos para duvidar. - Sentes-te preparada para ouvir o que ainda tenho de te contar?- Julgo que sim.- O que te fez acreditar? Foi quando caíste e bateste com a cabeça? – apesar do tom jocoso de Fionn estavam todos pendentes da sua resposta.- O Lochan falou comigo e confirmou tudo. Ficaram petrificados com os olhos postos nela. Rhenan branco como a parede. - Disse-me que sabia que ia morrer e por esse motivo decidiu esconder as chaves. Pediu-me que vos transmitisse que talvez exista uma maneira de o trazer de volta. Freya sentiu o chão desaparecer-lhe debaixo dos pés. Eoghan ajudou a mãe a sentar-se.- Espero que saibas o que estás a fazer. - Eoghan falava rispidamente ao ver a mãe fraquejar. Maria ignorou-o.- Disse-me que o seu corpo devia continuar escondido e protegido até chegar a hora. – aproximou-se de Freya - Também me pediu que lhe dissesse “Nach uprisings dom go dtí go dtagann mé”
Published on March 20, 2020 03:00
March 19, 2020
in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 3
TRÊS
- Maria por amor de Deus. - ouvia a voz da amiga chamá-la, não conseguia perceber o porquê da sua ansiedade – Acorda!A custo abriu os olhos. Estava em casa deitada na sua cama, vestida com uma t-shirt. Lembrava-se de estar no campus, como podia estar ali? - Como cheguei a casa?Rita observava-a pasmada, os olhos muito abertos. - Quem me deitou?- Enlouqueceste? Ontem, não nos vimos mais depois do almoço. Quando cheguei estavas deitada, ferrada a dormir. - Ontem? - Maria olhou para o relógio pousado na mesa de cabeceira, eram quase onze horas da manhã do dia seguinte. Mas o que lhe acontecera? - Porque não me acordaste?- Estou a acordar-te agora! Rita parecia-lhe mais eufórica do que o habitual - Levanta-te, vamos almoçar fora.- Vai tu, eu não consigo. Vou ficar todo o dia na cama a vegetar. – continuava com vontade de vomitar.- Ah! Mas isso é que não vais. – Rita tentava aparentar uma calma que não sentia, - Recordas-te da brasa que conhecemos no avião? Pois bem, telefonou, vamos almoçar com eles. - gritava de excitação.A dor de cabeça que sentia aumentava com os guinchos da amiga.Sentou-se na cama encostada à parede, o quarto rodava e Rita a saltitar de um lado para o outro não ajudava o seu fraco estômago. Sentia-se péssima e com falta de respostas. Sabia que a amiga esperara ansiosamente por aquele dia, faria o sacrifício em prol da sua própria sanidade mental ou tinha de continuar a conviver com a sua azeda disposição. - Tens a morada? A que horas temos de lá estar? - Está tudo combinado. “Claro que estava” - Maria fechou os olhos. - Vêm buscar-nos ao meio-dia. Despacha-te. - da ombreira da porta Rita voltou-se - Não te esqueças de levar um casaco. – desceu a escadaria a cantarolar. Que bom, já sabiam onde viviam. Os pais ficariam muito satisfeitos se soubessem que não estavam a seguir os seus conselhos. Maria suspirou contrariada. O perfume no qual Rita aparentemente se banhara deixara-a ainda mais agoniada. Não conseguia lembrar-se de tudo o que lhe acontecera no dia anterior, a sua memória continuava envolta numa assustadora névoa. Recordava-se de ser seguida, de estar no campus com um estranho, tinha a vaga noção de ter ouvido uma altercação, sentira uns braços fortes segurá-la e uma voz assegurando-lhe que ficaria bem. Depois, mais nada. Como chegara a casa e quem a colocara na cama? A ideia de que alguém a despira deixava-a ainda mais agoniada. Entrou no chuveiro com a esperança de que a pressão da água quente a ajudasse.
- Onde tinhas a cabeça? Desde quando nos deixamos ver?Danu esvoaçava pela sala atirando com tudo o que encontrava no seu caminho. Encarou-o mostrando-lhe a raiva que sentia.- Mandei-te segui-la, não me ouviste falar em nenhum tipo de interacção com a humana. – voltou-se repentinamente, a ponta da capa cortando-lhe a face.- Minha Rainha, - apesar da dor Lug não se mexia, tentando encontrar as palavras certas para a apaziguarem - mesmo estando invisível aos olhos de todos tenho a certeza de que a humana me viu muito antes de me mostrar.- Isso é impossível. - Danu deteve-se com a surpresa estampada no rosto.- Não sei como e era o que tentava descobrir quando fui atacado. Danu deu uma sonora gargalhada. Lug não escondeu o quanto o magoava a sua reacção.- Foi por pouco que saí de lá inteiro. Danu passou-lhe delicadamente a mão pelo corte fechando-o. - De agora em diante vê se fazes o que te ordeno sem tomares iniciativas. Continua a segui-la. Se estamos no início da nova Era devemos estar atentos, pois temos muito a perder. A nossa interacção com os humanos deverá ser reduzida. - afastando o longo caracol da face olhou-o com desejo - Eles ignoram a nossa existência, sempre assim foi e deverá continuar.- Agora vai. Não te esqueças que a nossa liberdade pode depender da humana. - Danu beijou-o. - Minha Senhora! – Lug inclinou a cabeça em reverência desaparecendo na névoa.Viu-o partir. Era o seu preferido, no entanto continuava a agir impulsivamente e isso acabava sempre por o prejudicar. Sabia como era odiado por Morrigan e Angus, dois dos seus três maridos, mas contava com Dagda na sua ausência para o proteger. Os Tuatha estavam proibidos de lhe tocar. Deitou-se na longa esteira de vime observando satisfeita os seus domínios. Não deixaria os MacCumhaill ficarem a rir-se depois de o terem humilhado. Bebericava o hidromel pensando na mais dolorosa maneira de o vingar.Gostava da vista do seu brughO carro percorria a distância que separava Dublin de Glendalough, por entre o castanho dos imensos campos de turfa e o verde da vegetação, onde as ovelhas pastavam com total liberdade. Para onde olhasse, o passado e o presente continuavam a misturar-se. O que mais apreciava na Irlanda era a sensação de ter recuado no tempo. Eoghan conduzia e Rita a seu lado não se calava. Pareciam ter-se esquecido da sua existência tão concentrados que estavam um no outro.Numa coisa a amiga tinha razão, aquele homem era lindo de morrer. Conseguia ouvir a voz da mãe dentro da cabeça martelá-la com a sua típica ladainha de conselhos, “nunca aceites boleia de estranhos”, “mantêm-te sempre em locais com muita gente em caso de precisares de ajuda”, “nunca vás com nenhum rapaz para casa dele”.E estava precisamente a ir contra todas as regras impostas. Sentia-se desconfortável com a situação em que Rita a colocara. Não sabia quem eram aquelas pessoas, para onde se dirigiam e para piorar não se lembrara de avisar ninguém. Mantinha a esperança que alguém do grupo desse pela sua falta se não aparecessem na segunda-feira e fossem à sua procura.Só aceitara acompanhá-la por não se sentir à vontade em deixar a amiga ir sozinha e agora no meio do nada começava a achar que não tinha sido boa ideia. Apesar da ansiedade que sentia, a paisagem era magnífica e começava a actuar sobre o seu cansaço como um calmante. Decidiu descontrair e aproveitar a viagem. Com aquele sacrifício pessoal arranjara um excelente pretexto para não voltar a ausentar-se de casa tão cedo. Regressava a Lisboa no Natal e pretendia provar aos pais ser digna da oportunidade que lhe tinham proporcionado.Recostou-se no banco olhando para a bucólica paisagem.O carro passou por uma vila com habitações em tijolo vermelho e pequenos jardins com cercas de madeira quando começaram a diminuir a velocidade. À saída da vila o carro virou à esquerda por uma alameda de terra batida ladeada de frondosos freixos, reconhecia a árvore, a avó plantara-os no jardim da sua casa. Pararam defronte de um alto portão de ferro forjado. No lado esquerdo da murada de pedra um Brasão com a representação de um Freixo e um Dragão coroado ladeado por outros quatro com espadas levantadas a apontar para o centro. Por baixo o nome da propriedade, Yggdrasil. Eoghan pressionou o comando da entrada com o indicador direito.A Maria parecia-lhe um absurdo que num país onde a polícia não utilizava armas, a propriedade estivesse protegida com um sistema de segurança tão sofisticado.Reparou que existiam freixos ao longo do muro no interior da propriedade. Não passava de uma coincidência, mas sonhava frequentemente com aquela árvore. A avó dissera-lhe uma vez que não eram sonhos, mas recordações de outra vida.Teria vivido ali? Gostava de pensar que sim, aquele local era maravilhoso.O carro deteve-se defronte da porta principal da enorme moradia de dois pisos, quando uma chuva miudinha começava a cair. As portas abriram-se de rompante deixando sair a estonteante prima que de braços abertos avançava para as receber. Era agradável saber que não seriam as únicas mulheres naquela casa.Entraram no acolhedor vestíbulo. Maria sentia-se como se tivesse atravessado um portal, recuado nos séculos para o interior de um magnífico palácio medieval. As paredes revestidas de tapeçarias com motivos de batalhas, do lado esquerdo uma larga escadaria de madeira escura e uma porta trabalhada que se abria para uma enorme sala de estar onde na lareira ardia um acolhedor fogo, para onde Maeve as encaminhou. Despiram os casacos que Eoghan solicitamente pendurou no bengaleiro. - Muito obrigada por nos receberem. Têm uma casa fantástica. – os olhos de Maria sorriam prestando atenção aos pormenores da decoração enquanto pensava que afinal talvez não tivesse sido má ideia terem ido, estava a adorar tudo o que via.Maeve observava atentamente Maria. Não tinham por hábito receber visitas e era agradável ter alguém para além deles a apreciar a beleza da casa. - As minhas desculpas, mas só trouxemos duas garrafas de vinho português. – Maria esticou o saco de papel onde as colocara quando ouviu uma voz de homem. - Vinho? – tirou-lhe o saco sorrindo – Sou o Fionn. Bem-vindas a nossa casa. - apertou-lhe a mão afastando-se na direcção do bar onde colocou as garrafas, tentando ler os rótulos e perceber o que diziam. Maria sentiu um arrepio, voltando-se na direcção da porta. O irmão que lhe dera uma valente descarga eléctrica, era mais bonito e intimidante do que se lembrava e não tirava os olhos dela.Rhenan estava parado na ombreira da porta.Eoghan e Rita só tinham olhos um para o outro e Fionn continuava enfeitiçado com as garrafas. Maeve apercebeu-se do desconfortável silêncio e da troca de olhares entre o primo e Maria. - Este é o Rhenan, o meu primo mais velho. – quebrou o silêncio e o magnetismo que os parecia unir.Rhenan reduziu a distância aproximando-se confiante, segurando a mão dela entre as suas.- Bem-vinda a nossa casa. – os olhos brilhavam sem quebrar o contacto.Havia algo familiar naquele homem que a impedia de retirar as mãos do calor das dele. Sentia um estranho formigueiro percorrer-lhe o corpo, um calor que rapidamente tomou conta dela. Atrás de Rhenan aparecia um fogo intenso, a sala mudara, estavam rodeados de estranhos, uma mulher depositava-lhe algo nas mãos falando numa língua que não lhe era de todo desconhecida, ouviu-a dizer Brisingamen. Maria apertou-lhe a mão. Sentia a boca seca, os olhos turvos, a sala começara a rodar a uma velocidade alucinante, sem aviso foi arrastada para o vazio. Rhenan evitou que caísse segurando-a contra o seu corpo.- Acorda. Por favor acorda. - Rita não saíra de perto dela desde que desmaiara.Maria ouvia uma voz apreensiva chamá-la insistentemente. Porém, os olhos recusavam-se a abrir, não conseguia falar, queria dormir. Sentia-se esgotada. Algo errado se passava com ela, em menos de vinte e quatro horas desmaiara duas vezes.A custo abriu os olhos, estava deitada no sofá com Rita sentada no chão a seu lado segurando-lhe na mão. Reparou nos semblantes preocupados. Fortes mãos seguraram-na sentando-a, levando-lhe um copo à boca, obrigando-a a beber o seu conteúdo. O cheiro era agradável. Engoliu começando a tossir, ardia por dentro como o fogo que vira.- Já está melhor! - Maeve colocava-lhe uma manta pelas costas - Eoghan talvez seja melhor levares a Rita para apanhar um pouco de ar, nós ficamos com a Maria. Rita tentou protestar, mas Eoghan já a ajudava a vestir o casaco. Felizmente a chuva dava-lhes uma pequena trégua. Segurando-a pelo braço saíram.Rhenan mantinha-se afastado, o toque da pele de Maria, o seu calor, tinham-no deixado confuso. Sentia-se gelado, apesar do calor da sala. Era perceptível para todos que a Profecia pela qual ansiavam começara. Maria era a resposta e a sua principal preocupação era protegê-la.Passou as mãos pelo cabelo, o destino não o preparara para ela e no entanto tinha esperado a sua chegada para colocar ordem na desordem que o irmão criara.Maria sentia que apesar de se manter afastado Rhenan a observava. - O que aconteceu? - Desmaiaste. – Maeve respondeu-lhe apesar de perceber que falava para Rhenan.- O que significa Brisingamen? – Maria voltou-se para Maeve.Fionn que se mantivera afastado aproximou-se atravessando a sala. - O que disseste?Maria reparou que pareciam perplexos e não percebia o motivo para aquela reacção. Talvez tivesse dito um palavrão, nem sabia de onde lhe surgira o nome. - Se vos ofendi, aceitem as minhas desculpas. - sentia-se atordoada – A verdade é que me sinto estranha desde ontem. Os olhos de Rhenan brilhavam com a intensidade das chamas da lareira.- Hoje já comeste alguma coisa? - Maeve apercebia-se da tensão do primo, tentando desanuviar o ambiente. Maria tentava com dificuldade abstrair-se da intensidade desconcertante com que Rhenan a encarava. A verdade é que não tomara o pequeno-almoço e o hambúrguer de peixe que almoçara no dia anterior…lembrava-se de ter estado no McDonald, a memória regressava lentamente. - Francamente, estou esfomeada. Maeve sorriu-lhe, ajudando-a a levantar-se.- Vamos aos lavabos para que te possas refrescar enquanto os homens colocam a comida na mesa. Maeve queria que os primos tivessem algum tempo para conversarem. Se Maria era por quem esperavam, as rodas do destino estavam finalmente em movimento.- O que aconteceu? - Fionn sentia-se aturdido.Rhenan mantinha o olhar fixo na porta. - A Profecia começou! - a sua voz soava forte apesar do nervosismo que sentia. - O que fazemos?Rhenan fez uma pausa levando o copo aos lábios.- Lembra-te do que aconteceu ontem. - Ainda bem que a seguia a teu pedido.- E que eu estava perto. Não percebo o interesse dos Tuatha.- O que aconteceu ontem foi estranho, mas o que aconteceu agora mesmo, também.Rhenan suspeitava que Maria antes de desmaiar tivera a mesma visão que ele.- A miúda não tem aspecto e aparentemente resistência física para o que é suposto fazer. Como podemos ter a certeza que é a escolhida?Fionn observava o irmão e o que via na sua fisionomia era um misto de angústia e desespero. - É ela! Finalmente podemos mudar o nosso destino. Porém em nenhum momento devemos esquecer que é primordial mantermo-nos unidos e evitar que algo lhe aconteça.- Achas que sabe quem é?- Não!- Como lhe dizemos?- Não sei! – Rhenan serviu-se de nova dose de Jameson, sentia que naquele dia aquela garrafa seria o seu único consolo.- Devíamos avisá-la. - Fionn idealizava na cabeça várias formas de iniciar a conversa, porém nenhuma lhe parecia suficientemente convincente.Rhenan sentia-se fraco perto de Maria algo que nunca experimentara ao longo da sua vida. - Como pensas contar-lhe e esperar que aceite tudo sem pensar que somos doidos? Alguma ideia? – Fionn insistia com o irmão olhando na direcção da porta. - Só sei que precisamos dela. - Rhenan admirava o fogo. - E não pode ficar sozinha. Por muito que gostasse de manter a promessa que te fiz não consigo andar sempre atrás dela. – Fionn tal como o irmão sabia que a segurança de Maria passara a ser uma prioridade.Rhenan suspirou audivelmente ao voltar-se. Não queria deixá-la regressar a casa, tinha de a ter por perto. - Estaremos preparados e ela também vai estar. – Rhenan voltava a encher o copo, começara o dia a beber e algo lhe dizia que o terminaria do mesmo modo.
Sentira o nervosismo dos MacCumhaill e sabia que estava ligado à Profecia. Estranho tinha sido ouvir a humana falar no Colar de Brisingamen, eram poucos os que tinham conhecimento dele. Tentaria apanhá-la novamente e não voltaria a ser surpreendido por aqueles homens. Não pensara que os MacCumhaill estivessem perto quando a abordara. Contra a sua vontade estivera envolvido numa luta desonesta, dois contra um. Não voltaria a acontecer, redobraria os cuidados. Lug desapareceu satisfeito por não se terem apercebido da sua presença, regressava a Tara para avisar a sua rainha.
- Para a mesa. - Fionn chamou da porta da sala de jantar.Os irmãos tinham decidido conversar quando estivessem a sós. Não podiam correr o risco de ser escutados, antes de saberem o que dizer a Maria. Tinham de ser tomadas rápidas precauções, seria protegida por eles de preferência dentro daquela casa. Rhenan sentia-se estranhamente atraído por Maria e percebia que também não lhe era indiferente. Temia que ao deixar-se levar pelos seus sentimentos, os colocasse a todos em perigo. Porém não desistiria dela, pela primeira vez na sua já longa vida estava disposto a lutar pela sua felicidade. Aquela mulher aparentemente frágil já lhe aparecera em sonhos, apesar de nunca lhe ter visto o rosto, falavam de amor, tinham-se amado intensamente e…sabia que era ela. Sentira a sua presença antes de a ver e quando os seus olhares se cruzaram deixara de ter vontade própria.Conseguiam ouvir Maria e Maeve aproximarem-se. Rita e Eoghan entravam em casa colocando os casacos no bengaleiro.Os olhos de Maria fixaram-se em Rhenan, podia jurar que tinha sido a sua voz que escutara no dia anterior a acalmá-la. Ou, talvez fosse a sua memória a pregar-lhe uma nova partida de mau gosto. Rhenan viu Maria ruborizar. Sorriu-lhe sedutoramente, feliz ao confirmar a sua suspeita. Saber que o interesse era recíproco só vinha piorar toda aquela situação por si só já tão confusa. Desviou o olhar, sentando-se contrariado no extremo da mesa.O almoço tardio foi perfeito. Falavam de tudo e de nada, Maeve era a alma da casa, além de muito bonita a voz dela soava como uma doce melodia. Maria não conseguia deixar de lhe sorrir hipnotizada pelo seu magnetismo. Eoghan só tinha olhos para Rita e nenhum deles tentava esconder a atracção que sentiam. - Tomamos o digestivo na sala? - Fionn levantou-se antes que se lembrassem de lhe pedir para arrumar a mesa. - Eu preparo.- A comida estava deliciosa e não quero parecer ingrata, mas confesso que me sinto estranhamente cansada. Talvez fosse boa ideia regressarmos. - reparou no olhar de enfado que Rita lhe enviava, a amiga não se queria ir embora, isso era certo. Antes de conseguir responder, a chuva recomeçou a cair com intensidade batendo contra as janelas escurecendo a sala. Podia jurar ter vislumbrado um sorriso em cada um deles. Não queria acreditar na sua má sorte, que triste sina a sua. O temporal parecia completar um qualquer plano maquiavélico no qual juraria ter o papel principal. - Talvez seja melhor esperarmos um pouco, até a chuva abrandar. - ouviu-se dizer.Maeve respondeu-lhe com a sua doce voz. - Não me parece que tenham sorte.A Maria parecia-lhe irracional que Maeve estivesse contente com a presença de duas totais desconhecidas a pernoitarem na sua casa. - Terão de dormir aqui. Quando começa a chover com esta intensidade costuma durar até à manhã seguinte. - Mas… - Maria ainda tentou contestar sendo rapidamente interrompida por um olhar de Rita. - Agradecemos a vossa hospitalidade. – Rita falava sem desviar o olhar de Maria avisando-a para que se calasse. A contragosto Maria não disse nada. Ter desmaiado acabara por ajudar a amiga, além de que estava demasiado cansada para dar luta. - Então está decidido. - Maeve batia palmas de contentamento - Temos muitos quartos. Maria se quiseres vir comigo mostro-te já o teu. – segurou-lhe na mão levando-a com ela – Sentes-te melhor? - parecia genuinamente preocupada. - Muito melhor, obrigada.- Depois de uma boa noite de sono vais sentir-te outra. O andar superior era muito bonito. No topo da longa escadaria existia um amplo corredor que se estendia para ambos os lados da casa, com enormes portas de madeira parecidas com a da sala. As paredes estavam forradas com tapeçarias e uma maravilhosa exposição de armas. Conseguia reconhecer algumas espadas celtas, espadas curtas viquingues, capacetes, mocas, lanças, bestas, havia um pouco de tudo, aquela casa parecia um lindo museu militar. Afinal, talvez não tivesse sido má ideia pernoitar, pela manhã com outra luz conseguiria apreciar ao pormenor todos aqueles maravilhosos artefactos.- Se seguires pelo corredor da direita, a primeira porta é do quarto do Fionn, depois é o meu quarto e no fim do corredor desse lado tens o quarto do Eoghan. O quarto entre o meu e o do Eoghan é o da minha mãe. Mas é muito raro visitar-nos. - a voz de Maeve soava triste. - Nós seguimos para o corredor do lado esquerdo. Penso que vais gostar do quarto que escolhi para ti. Avançaram com os passos abafados pelo tapete. - Esta primeira porta é o quarto da tia Freya, a mãe dos meus primos. - os olhos brilhavam enquanto falava. Maria deu por si a pensar que devia ser uma mulher maravilhosa. - A Rita pode dormir no quarto a seguir. No último dorme o Rhenan, sempre gostou da sua privacidade, além de que nos considera muito barulhentos. – ria-se divertida, o primo tinha razão eles conseguiam ser insuportáveis.Rhenan parecera-lhe solitário, era fácil imaginá-lo sozinho naquele corredor.- Podes ficar no quarto do Lochan. Maeve ficara com os olhos marejados de lágrimas, achou por bem não perguntar quem era Lochan ou o que lhe acontecera. - Todos os quartos têm casa de banho. – Maeve abriu a porta acendendo a luz. Os olhos de Maria cintilavam de espanto com o que via, agradecendo pela primeira vez a chuva que caía cada vez com maior intensidade, não lhes dando tréguas. O quarto era de sonho. - É maravilhoso! - libertou-se dos braços de Maeve, que continuava a segurá-la como se tivesse medo que voltasse a cair, os olhos a brilhar de excitação. Queria fechar a porta e atirar-se para cima da cama que ocupava parte da parede do seu lado esquerdo. A enorme janela permitia ver uma pequena varanda, durante o dia a vista devia ser de cortar a respiração. Na lareira defronte da cama já ardia turfa mantendo a temperatura do quarto agradavelmente aquecido. - Muito obrigada por tudo. – Maria bocejou discretamente - Estou realmente cansada e regressar com este temporal teria sido uma loucura, além de que obrigaria um de vocês a levar-nos. Maeve, dormir neste quarto ainda me parece um sonho. - Ainda bem que gostas. – Maeve sorriu-lhe feliz – Adoro os meus primos, mas nunca tenho a companhia de outra mulher, fico feliz que aqui estejas. - É tudo perfeito. Só tenho medo de estarmos a abusar da vossa hospitalidade. - era realmente como se sentia.- Maria és sempre bem-vinda a esta casa. Tens toalhas lavadas na casa de banho e mais dentro da cómoda. Usa à vontade tudo o que necessitares. Como temos mais ou menos as mesmas medidas vou ao meu quarto buscar-te algo para dormires, preferes pijama ou camisa de noite?- Qualquer t-shirt serve, não te preocupes. – como podia Maeve pensar que tinham as mesmas medidas se ela parecia uma Deusa. - Trago-te um de cada e decides. Volto já. – Maeve saiu a cantarolar pelo corredor. Observou-se ao espelho, estava mais pálida do que nunca, com olheiras tão profundas que já lhe ocupavam metade do rosto. Sozinha, resolveu explorar. Abriu a porta que julgava ser a da casa de banho entrando noutro quarto, a verdadeira alcova de um guerreiro. A cama era igual à do quarto que ocupava, mas a cobri-la estavam estendidas peles. A turfa ardia na bonita lareira de pedra, um sedutor cheiro almiscarado atordoava-a, as paredes estavam cobertas por lanças e escudos. Sabia que não devia estar ali, mas estava fascinada com o que via. O coração batia descompassadamente, sentia-se nervosa e excitada. Sentia os pêlos da nuca arrepiados, aquele quarto transpirava Rhenan e apesar de saber que invadia a sua privacidade não conseguia afastar-se. Passou gentilmente a mão no cadeirão colocado de frente para a cama entre a lareira e a janela, sentindo a sua suavidade, sentou-se, queria descobrir se seria tão confortável como parecia. Havia algo ali que a deixava descontraída. Pensava em tudo o que lhe acontecera tentando colocar um pouco de lógica na imensa confusão que tinha na cabeça. Estar a enlouquecer era uma forte possibilidade. Colar de Brisingamen,a palavra materializou-se na sua cabeça embalando-a, fechou os olhos adormecendo. Rhenan parado no escuro mantinha-se encostado à porta do quarto respirando com dificuldade, entrara quando a porta de separação se abrira. Ficou a ver Maria, ouvindo-a suspirar ao tocar nas suas coisas, perdera a razão quando a vira sentar-se, adormecendo. Queria que ficasse ali. Queria observá-la a dormir com a mesma intensidade com que lhe queria pegar ao colo tirar-lhe a roupa e deitá-la na cama a seu lado. Aproximou-se lentamente, passando-lhe o dedo suavemente desde a testa até ao queixo, o polegar roçando-lhe nos lábios, ouvindo-a gemer de prazer, tremeu de desejo. Desejo por aquela estranha que sem o saber já lhe roubara a razão. Estavam ligados e a sua união era forte, sentira-a desde o primeiro instante. Maria murmurava. Rhenan ajoelhou-se, tentando escutar o que dizia. Falava em celta antigo, a língua dos seus antepassados, observou-a curioso, conseguira escutar as palavras traells, runa, Aker. Ele sabia o que significavam, mas saberia ela? A voz da prima ecoou atrás dele parada à porta de ligação entre os quartos. - O que disse? - os olhos abertos de espanto.- Falou em servos, mistério e …- Na Fivela de Aker! - Maeve olhava para o primo à espera de ouvir algo que a ajudasse a dissipar o turbilhão de emoções que cresciam dentro da sua cabeça - O último a tocar na Fivela foi Lochan. Nunca a encontrámos desde que…- Conversamos lá em baixo quando estivermos todos. Não vale a pena começarmos a fazer suposições, porque independentemente do que a Maria possa saber, temos muito para lhe contar e não sabemos como fazê-lo. Deixa-me ajudar-te a deitá-la.Rhenan ergueu-a delicadamente nos braços tentando não a acordar. Maria encostou a cabeça ao seu ombro fazendo-o suspirar.Maeve fingiu ignorar a reacção do primo.Rhenan transportou-a cuidadosamente na protecção dos seus braços para o quarto onde dormiria e que pertencera ao seu gémeo.- Não devemos conseguir conversar tão cedo. Temos de esperar pelo Eoghan e ele acabou de subir com a Rita para o quarto. Suponho que não lhe esteja a mostrar a colecção de armas. – Maeve tocou-lhe no braço – E tu vê lá o que fazes, cuidado com os teus pensamentos em relação a Maria. Por amor da Deusa controla a tua libido, temos muito para resolver e envolveres-te com ela não te vai fazer bem, se ela… - Fica descansada prima. – Rhenan não conseguira deixar Maeve terminar a frase, sabia o que ia dizer e não queria ouvir. Já perdera todas as pessoas importantes na sua vida, não estava preparado para voltar a passar pelo mesmo. - É preciso tirar-lhe as roupas e vestir-lhe algo confortável para dormir. – Maeve olhava para o primo, sabia que sozinha não o conseguia fazer - Vou precisar da tua ajuda, consegues?Rhenan sorriu-lhe.- Não é a primeira mulher que dispo prima. – mas no seu íntimo esperava que fosse a última.- Sabes bem o que quero dizer. Maria nem sonhava que a vida como a conhecia nunca mais seria a mesma. - Espera que a deite. – Rhenan pousou-a gentilmente sobre o colchão. A prima tinha razão, a vontade dele era arrancar-lhe a roupa e amá-la. Suspirou audivelmente. Maeve percebia a tensão dele, preferindo ignorá-lo.Despiu-a com uma calma que desconhecia ter, reparando instantaneamente no mesmo que Maeve. Maria tinha as três tatuagens que a identificavam como a aguardada sidheRhenan e Maeve caminharam em silêncio até chegarem à sala onde Fionn se esticara no longo sofá. - Não sei que desculpa vão dar desta vez, mas acabei por ser novamente eu a levantar a mesa e a arrumar a cozinha. Temos mesmo de arranjar um empregado. - bebericava o whisky - …ou dois. Empregadas, seria melhor! Posso sempre ajudar a escolhê-las. - Estúpido! – Maeve odiava a preguiça do primo - Já os temos ou por acaso esqueceste-te? Precisas de alguém que te dê banho? - Isso é que era. Bons velhos tempos.Rhenan avançou para o irmão mais novo, tirando-lhe com um valente safanão as pernas de cima do sofá, sentando-se ao seu lado.- Ei! Para que foi isso? – Fionn calou-se ao reparar na forma como o irmão o encarava. - Explica-me lá uma coisa que ainda não percebi, - os olhos de Rhenan faiscavam - ontem, depois de vos deixar, quando colocaste a Maria na cama dela, não reparaste em nada? - sentou-se mais perto passando-lhe o braço por cima dos ombros. Maeve também se aproximou com os braços cruzados sobre o peito.- Não sei o que queres que te diga. – Fionn continuava a tentar ignorar o rumo da conversa, bebericando o malte.- Talvez não me tenha expressado correctamente, permite-me reformular a pergunta. – Rhenan apertou o abraço - Colocaste-a na cama certo? - olhava para o irmão aguardando uma resposta.- Sim. Despi-lhe as calças e a blusa, vesti-lhe uma t-shirt, tapei-a e vim-me embora.- E por acaso não reparaste em nada? Ou o facto de a veres nua enevoou-te o pensamento? - a proximidade era assustadora, Fionn tentava levantar-se, mas o irmão segurava-o – Não reparaste em nenhuma marca, nenhum sinal? Algo que achasses por bem contar-nos?- Agora que falas nisso…tinha umas tatuagens – Fionn fez nova tentativa para se libertar do abraço do irmão. - E não achaste importante dizer-nos? - Rhenan explodiu. A voz soara mais alto do que pretendia.- Mano, não quis acreditar no que via, esperava que fosse uma coincidência. - o olhar cruzou-se com o do irmão e o que transmitia era receio, a expressão acabou por ser como um balde de água fria acalmando Rhenan - É ela, não é? Vai começar. O momento pelo qual esperamos há demasiado tempo e, contudo, não me sinto preparado.- Já começou! Mas desta vez estamos unidos. Da porta, a voz de Eoghan fez-se ouvir.- E como pretendes mantê-la por perto? Já deves ter percebido que não vai ser fácil - ouvira a última parte da conversa entre os irmãos e a prima.- O que sentes pela amiga? – o tempo era precioso e Rhenan tinha de saber as intenções do irmão com Rita. Manterem Maria por perto dependia da resposta dele.- A Rita? – Eoghan pareceu surpreso com a pergunta - Tentando não ofender os teus sensíveis ouvidos Maeve, sinto uma enorme tesão, mas não passa disso. Penso que podemos passar uns bons momentos na companhia um do outro, nada mais.Rhenan e Eoghan entreolhavam-se. Ia ser árduo convencer Maria a ficar sabendo que Rita ficaria a viver sozinha na casa delas.- Com o Eoghan dou-lhe um mês no máximo, depois cansa-se. É esse o tempo que temos para resolver esta situação. - Fionn olhava para Eoghan com ar zombeteiro - Somos mesmo uma raça em vias de extinção. Maeve revirava os olhos, já devia estar habituada àqueles momentos de pura poesia, mas os primos conseguiam sempre surpreendê-la. Fisicamente eram parecidos, mas tinham temperamentos completamente opostos. Eram muito atraentes, mas nenhum era feliz. Tinham as mulheres que queriam, porém nunca os vira apaixonados e isso entristecia-a.- Necessito saber se consegues manter a tesão durante o tempo necessário, até conseguirmos explicar-lhe. – o que o irmão fazia não lhe dizia respeito, já só pensava na segurança de Maria.Fionn aproveitou a distracção para sair do abraço do irmão, não fosse Rhenan mudar de ideias e apertar-lhe o pescoço. - A Profecia, - Rhenan olhou para Eoghan - começa com ela.- Maria? - Eoghan sentou-se no lugar anteriormente ocupado por Fionn – Sempre pensei que seria alguém de alguma forma mais perto de nós, alguém dentro da nossa cultura. A Maria é uma estranha, com outros costumes. Sabes que necessito de provas antes de acreditar no que me dizem. Eoghan tocara num ponto importante.- Afinal o que sabemos dela? O que vos garante que é ela?Maeve tomou a palavra.- Nós já temos essa confirmação. Aliás, o Fionn já sabia desde ontem. – Maeve olhou para Fionn irritada por não ter dito nada. Fionn puxou uma cadeira sentando-se perto deles, mas suficientemente longe do braço de Rhenan.Eoghan escutava atentamente sem interromper.- A dormir falou na antiga língua, e tanto o Rhenan como eu ouvimos perceptivelmente traells, Aker e runa. E na sala já tinha falado em Brisingamen.- Essas não foram exactamente as últimas palavras de Lochan? - Eoghan estava perplexo.Ficaram em silêncio quando uma voz atrás deles completou o que lhes ia na cabeça.- Foram meu filho! E por ela esperámos todo este tempo, por esse motivo aqui estou. Quero conhecê-la. Ela é a guerreira, mas acima de tudo é a sidhe
Published on March 19, 2020 03:00
March 18, 2020
in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 2
DOIS- Viste a lata daquele gajo? - Rita cuspia o café que tinha conseguido não entornar, quando um miúdo passara por elas de skate e lhe dera um valente encontrão. Não importava que se tivesse desculpado, nada lhe mudaria a disposição - Estou imunda e já não tenho tempo de regressar a casa para mudar de roupa. Vou para as aulas a parecer um borrão de tinta.- Mas cheiras bem. - Cheiro bem? - a sua voz quase inaudível soava ameaçadora, encarava Maria como se a quisesse esbofetear - Então, talvez queiras trocar de roupa comigo? Maria olhava para a amiga tentando não sorrir. - A minha roupa não te serve, mas podemos comprar uma daquelas t-shirtstemáticas na loja da esquina, fica mesmo a caminho da universidade e podes vesti-la na casa de banho.- Pois, deves ter razão, é que a impressão que quero causar aos meus colegas e professores é a de uma saloia. Argh! Estou mesmo danada!- Não dá para perceber! - perante o olhar glacial que Rita lhe lançou, Maria evitou tecer mais comentários ou fazer sugestões. Sabia que a exasperação da amiga não se devia ao insignificante acidente com o café, andava irritada desde o dia seguinte à chegada a Dublin e a culpa era do homem que viera com elas no avião. Tinham passado duas semanas desde esse dia e ainda não dissera nada. A amiga passava a maior parte do seu tempo a olhar para o telemóvel à espera que tocasse. A verdade é que mais vezes do que gostaria de confessar, dava por si a pensar no irmão dele, o que se chamava Rhenan, um nome diferente para um homem enigmático. Esperava paciente que a sua curiosidade acabasse brevemente ou ainda se arriscava a ficar como a amiga ou pior.Fizeram o resto do percurso até ao Trinity College, em silêncio. Àquelas horas, Grafton Street já se encontrava pejada de turistas. Andava fascinada pela maneira descontraída como os irlandeses encaravam a vida, sentia-se em casa. Era como se já ali tivesse estado numa outra existência.Rita resmungava entredentes. O melhor era continuar a ignorá-la. A verdade é que a vida dava muitas voltas. No último ano do secundário com o exame de admissão, a sua média dava-lhe entrada na Universidade Nova de Lisboa, a pouco mais de cinco minutos de casa. Porém, os pais sabendo da atracção que sentia pela Irlanda tinham-lhe proporcionado a experiência única de estudar em Dublin. A mãe inicialmente resistira por não lhe agradar a ideia de ter a filha longe da sua alçada.Para a convencer Maria contara com a feroz ajuda da avó. Estava decidida a provar-lhes que tinham tomado a decisão acertada e estava mais do que preparada para iniciar um novo capítulo da sua vida.A escolha da casa tinha sido feita pelos pais de ambas. Tendo visitado um número incontável de habitações na cidade e de alojamentos universitários, tinham-se decidido pelos arredores de Dublin. A decisão recaíra em afastá-las da cidade evitando que sucumbissem às inúmeras distracções que esta oferecia. Na opinião de Maria, a casa escolhida estava localizada num local demasiado sossegado. Rita continuava a resmungar, fechando o casaco.Maria ignorava a amiga o melhor que conseguia. Recordava com satisfação o dia em que entrara pela primeira vez na casa. Tinham encontrado tudo preparado ao pormenor para as receber. Camas feitas, frigorifico e despensa cheios. Algumas garrafas de vinho alentejano que sabia só podiam ter sido os pais a deixá-las. Sorriu ao pensar na cara reprovadora da mãe.Num bilhete colado na porta do frigorifico, tinham instruções detalhadas como aquecer o jantar que lhes tinham deixado preparado para aquele dia, frango de caril, que o seu pai fizera propositadamente para as acolher na sua nova casa. Só tinham de o descongelar e aquecer.Sentia-se feliz, durante os próximos anos Dublin seria o centro de toda a sua existência. Aproximavam-se da universidade atravessando a estrada. Maria estremeceu ao transpor a porta da entrada, sentira um estranho calafrio, a sensação de que alguém as observava. Sem voltar a cabeça examinou discretamente o campus, não via nada diferente. Não era a primeira vez que se sentia seguida e começava a tornar-se bastante incomodativo até um pouco assustador.Decidira não falar com Rita sobre os seus receios, não a queria assustar, afinal podia não passar do resultado dos filmes que via. Mas a verdade é que todas as noites a estranha sensação regressava, obrigando-a a levantar-se e percorrer a casa para se certificar se deixara tudo trancado. Sempre munida de uma faca de cozinha que colocara estrategicamente debaixo do colchão. Inexplicavelmente sentia que algo estava para acontecer, que alguém se movia no exterior, porém não conseguia explicar sem parecer louca. Todas as noites fazia o seu mais recente estranho ritual e pouco dormia. Descia a escadaria, entrava na sala, afastava os cortinados o suficiente para observar a rua mal iluminada onde só se vislumbravam sombras. Antes de regressar para o conforto da sua cama confirmava se as portas e janelas estavam fechadas. Preocupava-a que as noitadas forçadas a verificar a segurança da casa lhe viessem a prejudicar os estudos, andava sonolenta e pouco concentrada durante o dia. No entanto a estranha sensação mantinha-a alerta. Lembrava-se da vez em que carregada de sacos sentiu alguém a segui-la, mas quando se virara só vira um corvo. Se dissesse a Rita que andava a ser seguida por pássaros era garantido que a internaria, ou pior, chamava os pais.Foram recebidas por caras sorridentes que contrastavam com a disposição da amiga. Tinham um grupo restrito que primava pela sua diversidade cultural. Pedro era do Porto. Sergiu, romeno. Daniel, búlgaro e a animada espanhola Carmen. Tinham ficado todos na mesma residência universitária perto do campus. A moradia delas, tinha dois pisos com jardim, ficava em Coolamber Park, nos subúrbios, em Templeogue. Cada uma tinha no primeiro andar a sua própria suite e ainda dois quartos extras permanentemente preparados para receber as famílias. No andar de baixo existia um quarto de arrumos, uma sala onde estudavam e comiam, a cozinha que dava acesso a um pátio onde existia uma pequena e impessoal sala e um jardim onde no Verão já pensavam fazer churrascos com os amigos, caso o tempo o permitisse. Já as tinham avisado que na Irlanda chovia trezentos e sessenta e cinco dias por ano. Foi arrancada aos seus devaneios, quando Sergiu lhe tocou no braço apontando para o relógio. Não devia chegar atrasada, os professores não gostavam. Acelerou o passo tentando acompanhar a passada larga de Sergiu. Nem se apercebera que já tinham ido todos para as respectivas salas. Suspirou desanimada. Ia estar a maior parte do tempo isolada do grupo. Quem lhe mandara escolher História e Cultura Medieval, um curso que aparentemente ninguém queria. Sergiu era o único que tinha uma disciplina em comum com ela. Na maior parte dos dias era a última a terminar as aulas e tinha de regressar a casa, sozinha. Não lhe agradava andar de noite sem companhia, ter de atravessar a ponte sobre o rio Liffey e apanhar a camioneta para uma viagem que durava entre trinta e cinco a quarenta minutos. À sua frente, os seus poucos colegas de curso entravam no enorme anfiteatro. Felizmente por sugestão de Pedro tinham percorrido os corredores dias antes do início das aulas para se irem familiarizando com o espaço. O que na altura parecera um absurdo provava ter sido uma excelente ideia. A verdade é que ainda não se perdera uma única vez. Pedro também já as tinha conseguido familiarizar com a vida nocturna da cidade. Conheciam a maior parte dos bares de Dublin apesar de acabarem sempre no Temple Bar. Maria escolheu um dos últimos lugares na parte de trás do anfiteatro com receio de adormecer, Sergiu sentou-se a seu lado. Aquele professor tinha o dom de actuar sobre o seu já cansado corpo como um soporífero. Tentava manter-se desperta, listando mentalmente o que necessitava fazer até ao final do dia, colocando no topo da lista uma visita à biblioteca do campus. Os professores já tinham atribuído trabalhos, os exames estavam marcados, tinha de se apressar a requisitar os livros de que necessitava e organizar muito bem o seu horário. Com tanto para fazer nos tempos mais próximos ficaria sem tempo para os bares e restaurantes de Dublin. Acabava de se aperceber que deixara de ter vida própria até ao final do semestre. Foi com um extraordinário esforço que não adormeceu durante aquelas duas horas, o tempo que durava a aula. Sergiu despediu-se, ia ter com o grupo ao McDonalds na Grafton Street. Juntar-se-ia a eles após requisitar os livros de que necessitava na biblioteca da universidade. Adorava aquela biblioteca, sentia sempre uma estranha nostalgia quando lá entrava. Gostava de imaginar monges absortos no seu voto de silêncio no meio dos empoeirados livros. Lera que era a maior biblioteca da República da Irlanda com mais de quatro milhões de exemplares. Que guardava a harpa mais antiga da Irlanda e o Livro de Kells, também conhecido como o Grande Evangelho de São Columba, feito por monges celtas, cerca de oitocentos anos antes de Cristo. Adorava o misticismo que envolvia aquele local, uma mescla entre o moderno e o antigo. O cheiro do chão encerado, a serenidade que o silêncio lhe transmitia, percorrer os largos corredores, tocar nas lombadas dos livros, a agradável sensação de ter regressado no tempo,Contudo, naquele dia a biblioteca parecia abandonada. Voltou a sentir o estranho desconforto, aquela sensação de estar a ser observada, o frio no estômago avisava-a para estar alerta. Tentou parecer descontraída procurando com o olhar a bibliotecária sem a encontrar. Sentia os pêlos da nuca arrepiarem-se, o coração batia descompassadamente, respirou fundo tentando acalmar-se ao mesmo tempo que pensava no que fazer. Munida da pouca coragem que ainda mantinha levantou a cabeça observando atentamente o piso superior parecendo-lhe vislumbrar um vulto esconder-se.Antes que os seus nervos a abandonassem acelerou o passo para a saída, por muito que necessitasse dos livros não ficaria ali nem mais um segundo. De todas as vezes que ali estivera, a biblioteca tinha sempre alguém a atender, grupos de turistas, alunos, naquele dia estava deserta o que a deixava mais nervosa do que gostaria de confessar. Colocou a mala a tiracolo alcançando a porta sem nunca se voltar, sentindo a leve chuva que começava a cair. Respirou de alívio por já não estar sozinha. Olhando sempre em frente, caminhava o mais depressa que os seus pés lhe permitiam, ia ao encontro dos amigos. Não ouvia passos, mas sentia alguém aproximar-se.
Era o que a Profecia dizia e as ordens que tinha eram para a proteger, vindo o pedido de quem viera não seria discutido, mas obedecido. Não seria uma tarefa fácil, a humana conseguia sentir a sua presença, pior, conseguia vê-lo mesmo quando estava invisível. Ia sendo descoberto quando a seguia e inesperadamente se voltara. Fizera-o tão depressa que a sua única reacção tinha sido transformar-se num corvo. Não era algo de que se orgulhasse, nem seria certamente o seu melhor disfarce, mas teria de viver com a memória dessa infeliz circunstância. Tinha a certeza que instantes antes, na biblioteca, olhara na sua direcção.
Maria estava assustada. Só conseguia pensar que tinha de deixar de ver tantos filmes de terror, começavam a afectá-la. Parou à frente de uma loja de roupa na Grafton Street fingindo admirar a montra, quando teve a confirmação de que não enlouquecera. Conseguia ver reflectido no vidro, parado a poucos metros de si, um homem alto, cabelo preto comprido batendo-lhe nos ombros que a observava. Tentou manter a cabeça fria, apesar do coração bater descompassadamente ameaçando saltar-lhe do peito. De tão nervosa que estava, os rins começavam a doer-lhe com a descarga de adrenalina que libertavam perante o medo que sentia. Era prudente que agisse o mais descontraidamente, fingindo não se ter apercebido da sua presença. Afastou-se da montra evitando olhar na sua direcção, sabia que na companhia dos amigos estaria em segurança. Entrou no McDonalds, não os viu de imediato até localizar Rita. - Onde estavas? Temos estado à tua espera. Os homens já devem ter bebido toda a coca-cola, se não começamos a comer avançam para algo mais forte e ainda temos aulas à tarde. - puxou-a pelo braço – O teu colega já pediu por ti. – Rita sorria-lhe provocadoramente - Conta lá onde descobriste aquele naco de homem. No meu curso não tenho ninguém com tão bom aspecto, com que então a manteres segredos da tua amiga. Queria-lo só para ti! - piscou-lhe o olho divertida.- Do que estás a falar? - Maria sentia-se perdida, o que Rita dissera não fazia sentido - Colega? Que colega? – mas a amiga já não a ouvia.O homem que acabara de ver reflectido na montra estava sentado entre os amigos, observando-a com ar zombeteiro. - Finalmente chegaste. - Pedro parecia realmente feliz ao vê-la. - Este teu colega é o máximo. Estávamos agora mesmo a falar de ti. Perguntávamo-nos se te terias esquecido de almoçar, tu e aquela biblioteca são um caso perdido.Maria não conseguia tirar os olhos do estranho. - Já nos conhecemos? Os amigos pareciam ignorar a presença deles. Os lábios do estranho não se mexiam, porém conseguia ouvir a sua voz dentro da cabeça. - Ainda não, mas podemos.- Podemos? - as suas próprias palavras não lhe soavam convincentes. Ouvir aquela voz dentro da sua cabeça estava a deixá-la agoniada, sentia-se zonza, a cair, quando duas fortes mãos a ampararam obrigando-a a sentar-se.- O que pretende? O que fez aos meus amigos? O grupo continuava embrenhado na sua própria conversa alheados ao que se passava.- Tudo a seu tempo. Come! - colocou-lhe um tabuleiro à frente com um hambúrguer de peixe, batatas fritas e uma água. - É o que normalmente pedes. – sorria misteriosamente.- Não me respondeu. Quem é? O que pretende de mim? - sentia uma forte dor de cabeça. - A pergunta é o que posso fazer por ti, mas primeiro come. Depois saímos daqui e conversamos.- Não quero ir! Não tenho por hábito sair com estranhos.- Em breve deixarei de ser um estranho.Maria tentava comer, mas o hambúrguer formava uma bola que não conseguia engolir. Via uma névoa rodeá-los, os amigos continuavam a ignorá-los, não se apercebiam que algo estava errado. Tentava manter os sentidos alerta apesar de se sentir cada vez mais agoniada, queria vomitar.- Fala-me de ti. Quero perceber porque deves ser protegida. Quem és? - segurou-a por um braço saindo do McDonalds levando-a com ele. Os amigos ficavam para trás conversando sem notarem a sua súbita saída.Sentia-se a pairar no ar, podia jurar que os seus pés mal tocavam no chão, no entanto caminhava. Estava de regresso ao campus sentada no seu banco preferido, oculta de olhares indiscretos. Gostava particularmente daquele local, talvez por ser o que maior tranquilidade lhe transmitia, algo que naquele momento estava longe de sentir. Não passava ninguém. Estavam sozinhos e sentia cada vez mais medo. Queria gritar por ajuda, no entanto o seu corpo não reagia, era como se tivesse tomado um relaxante muscular. Apesar do receio não conseguia deixar de pensar em como aquele homem era atraente, não parecia humano.- Comecemos. - o estranho debruçava-se sobre ela quando uma sombra se abateu sobre eles atirando-o para trás. Maria viu um vulto segurá-lo pelo pescoço levantando-o uns bons centímetros no ar. Caiu para o lado, sentindo umas fortes mãos ampararem-na. - Quem julgas que és para me tratares assim? – o estranho soava surpreso. A resposta já não a ouviu, desmaiando embalada pelo som de vozes exaltadas.
Published on March 18, 2020 03:00
March 17, 2020
in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 1
UM
O copo voou através da sala estilhaçando-se de encontro à parede de pedra da lareira. Fionn estendido no sofá bebericava o seu Jameson, atrevendo-se a comentar.- Pareces ansioso. Rhenan olhava irritado para o irmão não se dignando responder-lhe. Caminhou até uma das janelas da sala parando para admirar as montanhas de Wicklow, esperava que a serenidade que lhe transmitiam o conseguissem acalmar. Sentia que o mundo como o conhecia estava prestes a mudar e as mudanças nem sempre eram para melhor. A ansiedade que o dominava desde a madrugada não augurava nada de bom. Sentira-se assim quando o pai e o tio foram chacinados por Gol MacMorna e nem ele nem os irmãos os tinham conseguido ajudar. As más recordações daquele dia continuavam a assombrá-lo e naquele momento pareciam-lhe mais vivas do que nunca. O pior é que não conseguia deixar de sentir que algo importante estava na iminência de acontecer. Temia pela sua família, com a mesma intensidade pela qual ansiava o fim do calvário em que se encontravam, há demasiado tempo.Necessitavam de colocar um ponto final no sofrimento em que existiam e tinham de começar finalmente a viver.Pegou noutro copo voltando a enchê-lo.A porta da sala abriu-se de rompante, Rhenan não necessitava de se voltar para saber que era a prima. Fisicamente era muito diferente dele e dos irmãos. Herdara todos os traços do lado viquingueda família, com o longo cabelo loiro e olhos azuis. Maeve entrou na sala a cantarolar. Vestia calças de ganga com uma camisola preta da mesma cor das botas de cano alto. Podia perfeitamente ser capa de uma revista de moda. Calou-se quando os seus olhos se cruzaram com o copo que o primo levava aos lábios. - Pequeno-almoço? Já não havia café na cozinha? – os seus olhos foram atraídos para o vidro estilhaçado na lareira – E a tentares redecorar a sala num estilo medieval? Faz-nos um favor a todos e destrói aquele troféu asqueroso que está em cima da lareira. Fionn que se mantivera afastado da agitação, saltou do sofá dirigindo-se para a lareira a passos largos, agarrando-o com um rápido movimento. Era só o que faltava, que lhe partissem o seu prémio de melhor bebedor de Guinness. Estavam doidos. Saiu da sala em passo acelerado, tinha de o esconder onde aqueles loucos nunca o encontrassem. Maeve não tirava os olhos do primo, sentia a sua agitação. - O que te preocupa, meu querido? Há muito tempo que não te via assim. Virou-se observando-a. Tinham o mesmo rosto angular, o mesmo azul intenso do olhar, características comuns a todos, porém os homens tinham todos o cabelo negro, revolto, lembrando as asas dos corvos. Rhenan sorriu-lhe levando o copo aos lábios.Admirava o primo e não conseguia deixar de pensar como seria possível que um homem tão atraente estivesse sempre só. Com o passar dos anos parecia-lhe mais triste. Não se lembrava de o ter visto com muitas mulheres, de sentir que tivesse gostado realmente de alguma. De todos, era quem mais necessitava de encontrar a felicidade. Dos irmãos era o mais alto, no cimo do seu metro e noventa e cinco inspirava um certo temor a quem não o conhecesse. Maeve sorriu ao lembrar-se das vezes que saiam juntos, as mulheres praticamente atiravam-se para cima dele tentando chamar-lhe a atenção, enquanto os homens preferiam manter uma saudável distância.Aproximou-se enlaçando-o num forte abraço, sussurrando.- O que te está a deixar tão ansioso? Não te vejo assim há muito tempo, pareces perdido. Diz-me o posso fazer para te ajudar.Rhenan deu-lhe um beijo no alto da cabeça. - Não consigo explicar. Sinto que vai acontecer algo e que não o conseguirei evitar. Temo por não saber o que poderá ser. Maeve afagou-lhe o cabelo. - Espero que não estejas a pensar no que aquela doida te disse. É louca e não é de confiança. Além do mais já se passou tanto tempo. Porquê agora?- Porque não! Se até tu te lembraste do que me foi dito, se não fosse importante ou para levar a sério não o recordarias.- Ela disse-te que “chegaria o dia em que enfrentarias algo vindo do mar que te deitaria por terra”. Se queres a minha opinião, não passa de poesia barata. Os Tuatha Dé DanannOs minutos pareciam horas. Já tinham chegado a casa e nem sinal de Fionn. Rhenan caminhava impaciente pela sala, espreitando através das janelas com o olhar fixo no frondoso portão da propriedade na esperança de o ver aparecer, tentando controlar o nervosismo que sentia.Ouviram o portão abrir e um chiar de pneus. Fionn entrava com o carro a derrapar estacionando em grande estilo diante da porta, no momento que Rhenan saía saltando os degraus, caminhando na sua direcção.- Se tiver um único arranhão vamos ter muito que conversar. - Rhenan aproximou-se olhando atentamente para o carro.- Antes de me atirares para dentro de algum poço, aviso-te que tenho a morada delas. – Fionn abanava um papelinho no ar como uma bandeira branca. Rhenan esticou-lhe a mão. Fionn obedientemente entregou-lho junto com as chaves do carro. - Parece-me um risco na porta do condutor. - Rhenan falava mais alto, mas Fionn já conseguira desaparecer dentro de casa quase chocando com a prima.- O que aconteceu? - Não me viste. – galgou os degraus da escadaria. Para sua segurança devia manter-se afastado do irmão. Realmente tinha feito um risco microscópico ao sair do estacionamento ainda no aeroporto, esperando que o irmão não reparasse. - O que fizeste desta vez? Fionn! – Maeve encolheu os ombros. Viver numa casa com três homens adultos que na maior parte das vezes agiam como crianças era exasperante e o pior é que nunca mudariam. Mesmo sabendo isso os primos eram os seus irmãos. Eram protectores, calorosos, unidos. Por eles estava disposta a fazer o que fosse necessário para os manter em segurança. O que acontecera no aeroporto quando a portuguesa aparecera tinha sido um aviso, o destino alertava-os. Teria a Profeciacomeçado, como Danu dos Tuatha Dé Danannprevira? Maeve estremeceu com o toque do telemóvel, atendendo de imediato.Antes mesmo de perguntar quem era, uma voz familiar fez-se ouvir.- Avisa os teus primos que vos quero ver no próximo fim-de-semana. - o tom de voz não deixava espaço a objecções.- Está tudo bem contigo e com a tia? – de todas as vezes que a mãe utilizava aquele tom sabia que algo estava na iminência de acontecer e normalmente não era bom.- Sei que o teu primo chegou, por isso peço-te que os avises. Beijos filha. – desligava sem demoras.Maeve ficava deprimida sempre que falava com a mãe, nunca sentia da parte dela o carinho de que necessitava. A tia era a sua confidente e felizmente contava com os primos para tudo. Porém o vazio que sentia no coração pela aparente indiferença da mãe era real. Olhava para o telemóvel quando Rhenan entrou. Pela expressão da prima soube de imediato com quem falara.- A tia ligou? Maeve anuiu. - Quer-nos lá este fim-de-semana.Baixou a cabeça, não queria que visse os seus olhos húmidos. Rhenan abraçou-a, encaminhando-a para a sala onde a lareira libertava o calor de que Maeve necessitava. - Vou avisá-los. - guardou o papel com a morada que Fionn lhe entregara no bolso da camisa. Aquele dia transformara-se numa sequência de estranhos eventos. Parecia que a aparente calma em que tinham vivido estava prestes a acabar tal como as Fadas tinham pressagiado. Estavam no início de uma nova Era.Já não tinha dúvidas de que a Profeciacomeçara.
Published on March 17, 2020 04:38
January 28, 2020
QUEM É NUNO NEPOMUCENO?, por MBarreto Condado
Quem é Nuno Nepomuceno?Autor de policiais, vencedor do Prémio Literário Note! 2012.Representado pela Agência das Letras, os seus livros podem ser encontrados na Fnac, Bertrand, Wook, Google Play ou Amazon.O seu último livro “A Morte do Papa”, inspirado na vida e morte de João Paulo I, lançado este mês, é o seu mais recente thriller religioso. Constam ainda do seu curriculum literário, “O Espião Português”, “A Espia do Oriente” “A Hora Solene”, “A Célula Adormecida”, “Pecados Santos” e “A Última Ceia”.
“A Morte do Papa”Sinopse:“O recém-eleito Papa e encontrado morto em circunstâncias contraditórias. Para a Santa Sé, terá sofrido um enfarte. Para o resto do Mundo, o Vaticano mentiu. Morte natural, ou homicídio?
Uma freira e dois cardeais encontram o corpo sem vida do Papa sentado na cama, com as mangas da roupa destruídas, os óculos no rosto e um livro nas mãos. O mundo reage com choque, sobretudo, quando Pedro, um delator em parte incerta, regressa à ribalta e contraria a versão oficial. Porém, tudo muda quando imagens de um escritor famoso vem à tona, colocando-o na cena do crime.Enquanto as dúvidas se instalam, um jornalista dedica-se à investigação do desaparecimento de uma adolescente. Mas eis que um recado é deixado na redação da Rádio Vaticana. Com a ajuda de um professor universitário e da sua intrépida esposa, os três lançam-se numa demanda chocante pela verdade. O corpo da jovem está no local para onde aponta o anjo.”Para mais informações, consulte o site oficial do autor: www.nunonepomuceno.com.
O meu agradecimento ao Nuno pelo tempo disponibilizado e pela agradável conversa.MBarreto Condado
Published on January 28, 2020 02:00
January 13, 2020
DIA ZERO DE UM NOVO ANO, de MBarreto Condado
Dia zero de um novo ano.
Ao bater da meia-noite reunimos a coragem que nos faltou tantas vezes no ano que acaba e prometemos fazer o que não fizemos. Deixando para trás decisões e indecisões, alegrias e angústias, ganhos e perdas, certezas e incertezas. E pedimos… algo diferente… o que nunca tivemos.
Preparamo-nos para passar a meia-noite sozinhos, acompanhados, dentro de casa, no meio de estranhos, na praia. Aguardando ansiosamente pelas doze badaladas.
Sentimos a mesma ansiedade da Gata Borralheira (Cinderela para os mais íntimos) sem a possibilidade de o nosso carro se transformar numa abóbora, os cavalos em ratos e o nosso Príncipe não passar de isso mesmo … de encantado…a menos que o jantar tenha sido bem regado e aí sim, quase que conseguimos sentir a sua mão na nossa, o seu brilhante sorriso, o seu cabelo bem penteado, o seu…o seu…o seu…
Para os mais tradicionalistas a meia-noite tem regras. Doze passas na mão, uma taça de champanhe, cuecas azuis novas, saltar para cima de uma cadeira ou para a frente com o pé direito ou ainda simplesmente saltar onde estamos tentando manter o equilíbrio. É obrigatório pedir doze desejos a cada passa (parecemos ratos a acumular comida para o Inverno), que engolimos com a ajuda de uma taça de champanhe bruto ou doce (como as passas são comidas à bruta recomendo a mesma opção para a bebida).
Podemos passar a meia-noite a dormir. Passar tão distraídos que celebramos o novo ano no horário de Honolulu. Passar a conversar sem nos apercebermos das badaladas nos programas sempre bem escolhidos nos canais nacionais. Ou nem nos apercebermos de o tempo passar porque estivemos grande parte da noite bem acompanhados pelos nossos amigos Logan e Jameson a discutir os feitos da Guinness.
A verdade é que esperamos sempre que o novo ano seja o início de uma nova etapa da nossa vida e que seja melhor.
Por acreditar que nunca devemos desistir dos nossos sonhos, que devemos deixar para trás tudo o que é tóxico e manter sempre um espírito aberto que nos ajude a contornar as contrariedades que a vida eventualmente nos atira.
Desejo a todos um 2020 na nossa companhia, com saúde, dinheiro e amor. E, se possível, com mais seguidores nas nossas páginas de autores, mais leitores, mais…mais…mais…porque sei por fonte segura que este Ano que se inicia estará repleto de boa literatura na nossa companhia.
Slainté!
Ao bater da meia-noite reunimos a coragem que nos faltou tantas vezes no ano que acaba e prometemos fazer o que não fizemos. Deixando para trás decisões e indecisões, alegrias e angústias, ganhos e perdas, certezas e incertezas. E pedimos… algo diferente… o que nunca tivemos.
Preparamo-nos para passar a meia-noite sozinhos, acompanhados, dentro de casa, no meio de estranhos, na praia. Aguardando ansiosamente pelas doze badaladas.
Sentimos a mesma ansiedade da Gata Borralheira (Cinderela para os mais íntimos) sem a possibilidade de o nosso carro se transformar numa abóbora, os cavalos em ratos e o nosso Príncipe não passar de isso mesmo … de encantado…a menos que o jantar tenha sido bem regado e aí sim, quase que conseguimos sentir a sua mão na nossa, o seu brilhante sorriso, o seu cabelo bem penteado, o seu…o seu…o seu…
Para os mais tradicionalistas a meia-noite tem regras. Doze passas na mão, uma taça de champanhe, cuecas azuis novas, saltar para cima de uma cadeira ou para a frente com o pé direito ou ainda simplesmente saltar onde estamos tentando manter o equilíbrio. É obrigatório pedir doze desejos a cada passa (parecemos ratos a acumular comida para o Inverno), que engolimos com a ajuda de uma taça de champanhe bruto ou doce (como as passas são comidas à bruta recomendo a mesma opção para a bebida).
Podemos passar a meia-noite a dormir. Passar tão distraídos que celebramos o novo ano no horário de Honolulu. Passar a conversar sem nos apercebermos das badaladas nos programas sempre bem escolhidos nos canais nacionais. Ou nem nos apercebermos de o tempo passar porque estivemos grande parte da noite bem acompanhados pelos nossos amigos Logan e Jameson a discutir os feitos da Guinness.
A verdade é que esperamos sempre que o novo ano seja o início de uma nova etapa da nossa vida e que seja melhor.
Por acreditar que nunca devemos desistir dos nossos sonhos, que devemos deixar para trás tudo o que é tóxico e manter sempre um espírito aberto que nos ajude a contornar as contrariedades que a vida eventualmente nos atira.
Desejo a todos um 2020 na nossa companhia, com saúde, dinheiro e amor. E, se possível, com mais seguidores nas nossas páginas de autores, mais leitores, mais…mais…mais…porque sei por fonte segura que este Ano que se inicia estará repleto de boa literatura na nossa companhia.
Slainté!
Published on January 13, 2020 05:45
December 27, 2019
FELIZ ANO 2020, de MBarreto Condado
Está decidido!
Vou subir a fasquia.
A partir do próximo ano, quero mais de trinta e três mil pessoas a correrem para as livrarias e para as salas de cinema de todo o mundo para assistirem aos lançamentos e posteriores estreias dos meus filmes.
Como decisão de Ano Novo, vou colocar mais tons de cinza em tudo o que escrevo. Aos mais susceptíveis peço desde já que me perdoem, mas os meus livros vão ser um deboche de sexo, vícios, sadismo, multimilionários, beleza, acção, intriga, mortes e alguma ausência de cérebro (afinal existem tantos exemplos à minha volta e eu detesto desperdiçar bom material de escrita).
Por todos estes motivos neste novo ano a cada badalada e ao esforço descomunal que faço para comer as malditas passas, os meus desejos serão (não sei se os devia manter em segredo para se realizarem…logo se vê):
1º - Que estes desejos se apliquem na mesma medida aos seguintes colegas de percurso: Maktub, Flaps, Clarabela, Maléfica, Eragon, Fiona, Simba e Rapunzel;
2º - O Euromilhões (não deixa de ser uma opção);
3º - Um Chef com bons abdominais para que a comida não perca a textura;
4º - Um Jardineiro com excelentes bíceps para que tenha força para aparar a relva e podar as árvores;
5º - Um poço com Crocodilos treinados, à volta do terreno para que a um sinal meu impeçam a aproximação de almas penadas;
6º - Que os caçadores continuem a vir aos dias autorizados, mas em vez de armas tragam comida e água fresca para os animais;
7º - O Euromilhões (continua a ser uma opção);
8º - Lenhadores para retirarem todos os eucaliptos e colocarem florestas de Sobreiros, Castanheiros, Oliveiras, Carvalhos, Freixos, Choupos, Ulmeiros e muitas Árvores de Frutos;
9º - Que as Processionárias e as Vespas Velutinas se matem numa luta impiedosa sem sobreviventes destas duas espécies;
10º - Três guarda-costas para afastarem os mirones, mas principalmente os Paparazzi;
11º - O Euromilhões (ainda não deixou de ser a melhor hipótese);
12º - Conseguir engolir a última passa sem ter que voltar a ver a primeira.
Que o próximo ano vos traga o que desejam, a menos que tenham sido umas bestas, nesse caso em vez de comerem as malditas passas recomendo que passem as badaladas como nos anos anteriores bêbados.
Vou subir a fasquia.
A partir do próximo ano, quero mais de trinta e três mil pessoas a correrem para as livrarias e para as salas de cinema de todo o mundo para assistirem aos lançamentos e posteriores estreias dos meus filmes.
Como decisão de Ano Novo, vou colocar mais tons de cinza em tudo o que escrevo. Aos mais susceptíveis peço desde já que me perdoem, mas os meus livros vão ser um deboche de sexo, vícios, sadismo, multimilionários, beleza, acção, intriga, mortes e alguma ausência de cérebro (afinal existem tantos exemplos à minha volta e eu detesto desperdiçar bom material de escrita).
Por todos estes motivos neste novo ano a cada badalada e ao esforço descomunal que faço para comer as malditas passas, os meus desejos serão (não sei se os devia manter em segredo para se realizarem…logo se vê):
1º - Que estes desejos se apliquem na mesma medida aos seguintes colegas de percurso: Maktub, Flaps, Clarabela, Maléfica, Eragon, Fiona, Simba e Rapunzel;
2º - O Euromilhões (não deixa de ser uma opção);
3º - Um Chef com bons abdominais para que a comida não perca a textura;
4º - Um Jardineiro com excelentes bíceps para que tenha força para aparar a relva e podar as árvores;
5º - Um poço com Crocodilos treinados, à volta do terreno para que a um sinal meu impeçam a aproximação de almas penadas;
6º - Que os caçadores continuem a vir aos dias autorizados, mas em vez de armas tragam comida e água fresca para os animais;
7º - O Euromilhões (continua a ser uma opção);
8º - Lenhadores para retirarem todos os eucaliptos e colocarem florestas de Sobreiros, Castanheiros, Oliveiras, Carvalhos, Freixos, Choupos, Ulmeiros e muitas Árvores de Frutos;
9º - Que as Processionárias e as Vespas Velutinas se matem numa luta impiedosa sem sobreviventes destas duas espécies;
10º - Três guarda-costas para afastarem os mirones, mas principalmente os Paparazzi;
11º - O Euromilhões (ainda não deixou de ser a melhor hipótese);
12º - Conseguir engolir a última passa sem ter que voltar a ver a primeira.
Que o próximo ano vos traga o que desejam, a menos que tenham sido umas bestas, nesse caso em vez de comerem as malditas passas recomendo que passem as badaladas como nos anos anteriores bêbados.
Published on December 27, 2019 06:00


