in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 3


TRÊS

- Maria por amor de Deus. - ouvia a voz da amiga chamá-la, não conseguia perceber o porquê da sua ansiedade – Acorda!A custo abriu os olhos. Estava em casa deitada na sua cama, vestida com uma t-shirt. Lembrava-se de estar no campus, como podia estar ali?  - Como cheguei a casa?Rita observava-a pasmada, os olhos muito abertos. - Quem me deitou?- Enlouqueceste? Ontem, não nos vimos mais depois do almoço. Quando cheguei estavas deitada, ferrada a dormir. - Ontem? - Maria olhou para o relógio pousado na mesa de cabeceira, eram quase onze horas da manhã do dia seguinte. Mas o que lhe acontecera? - Porque não me acordaste?- Estou a acordar-te agora! Rita parecia-lhe mais eufórica do que o habitual - Levanta-te, vamos almoçar fora.- Vai tu, eu não consigo. Vou ficar todo o dia na cama a vegetar. – continuava com vontade de vomitar.- Ah! Mas isso é que não vais. – Rita tentava aparentar uma calma que não sentia, - Recordas-te da brasa que conhecemos no avião? Pois bem, telefonou, vamos almoçar com eles. - gritava de excitação.A dor de cabeça que sentia aumentava com os guinchos da amiga.Sentou-se na cama encostada à parede, o quarto rodava e Rita a saltitar de um lado para o outro não ajudava o seu fraco estômago. Sentia-se péssima e com falta de respostas. Sabia que a amiga esperara ansiosamente por aquele dia, faria o sacrifício em prol da sua própria sanidade mental ou tinha de continuar a conviver com a sua azeda disposição. - Tens a morada? A que horas temos de lá estar? - Está tudo combinado. “Claro que estava” - Maria fechou os olhos. - Vêm buscar-nos ao meio-dia. Despacha-te. - da ombreira da porta Rita voltou-se - Não te esqueças de levar um casaco. – desceu a escadaria a cantarolar. Que bom, já sabiam onde viviam. Os pais ficariam muito satisfeitos se soubessem que não estavam a seguir os seus conselhos. Maria suspirou contrariada. O perfume no qual Rita aparentemente se banhara deixara-a ainda mais agoniada. Não conseguia lembrar-se de tudo o que lhe acontecera no dia anterior, a sua memória continuava envolta numa assustadora névoa. Recordava-se de ser seguida, de estar no campus com um estranho, tinha a vaga noção de ter ouvido uma altercação, sentira uns braços fortes segurá-la e uma voz assegurando-lhe que ficaria bem. Depois, mais nada. Como chegara a casa e quem a colocara na cama? A ideia de que alguém a despira deixava-a ainda mais agoniada. Entrou no chuveiro com a esperança de que a pressão da água quente a ajudasse.
- Onde tinhas a cabeça? Desde quando nos deixamos ver?Danu esvoaçava pela sala atirando com tudo o que encontrava no seu caminho. Encarou-o mostrando-lhe a raiva que sentia.- Mandei-te segui-la, não me ouviste falar em nenhum tipo de interacção com a humana. – voltou-se repentinamente, a ponta da capa cortando-lhe a face.- Minha Rainha, - apesar da dor Lug não se mexia, tentando encontrar as palavras certas para a apaziguarem - mesmo estando invisível aos olhos de todos tenho a certeza de que a humana me viu muito antes de me mostrar.- Isso é impossível. - Danu deteve-se com a surpresa estampada no rosto.- Não sei como e era o que tentava descobrir quando fui atacado. Danu deu uma sonora gargalhada. Lug não escondeu o quanto o magoava a sua reacção.- Foi por pouco que saí de lá inteiro. Danu passou-lhe delicadamente a mão pelo corte fechando-o. - De agora em diante vê se fazes o que te ordeno sem tomares iniciativas. Continua a segui-la. Se estamos no início da nova Era devemos estar atentos, pois temos muito a perder. A nossa interacção com os humanos deverá ser reduzida. - afastando o longo caracol da face olhou-o com desejo - Eles ignoram a nossa existência, sempre assim foi e deverá continuar.- Agora vai. Não te esqueças que a nossa liberdade pode depender da humana. - Danu beijou-o. - Minha Senhora! – Lug inclinou a cabeça em reverência desaparecendo na névoa.Viu-o partir. Era o seu preferido, no entanto continuava a agir impulsivamente e isso acabava sempre por o prejudicar. Sabia como era odiado por Morrigan e Angus, dois dos seus três maridos, mas contava com Dagda na sua ausência para o proteger. Os Tuatha estavam proibidos de lhe tocar. Deitou-se na longa esteira de vime observando satisfeita os seus domínios. Não deixaria os MacCumhaill ficarem a rir-se depois de o terem humilhado. Bebericava o hidromel pensando na mais dolorosa maneira de o vingar.Gostava da vista do seu brughO carro percorria a distância que separava Dublin de Glendalough, por entre o castanho dos imensos campos de turfa e o verde da vegetação, onde as ovelhas pastavam com total liberdade. Para onde olhasse, o passado e o presente continuavam a misturar-se. O que mais apreciava na Irlanda era a sensação de ter recuado no tempo. Eoghan conduzia e Rita a seu lado não se calava. Pareciam ter-se esquecido da sua existência tão concentrados que estavam um no outro.Numa coisa a amiga tinha razão, aquele homem era lindo de morrer. Conseguia ouvir a voz da mãe dentro da cabeça martelá-la com a sua típica ladainha de conselhos, “nunca aceites boleia de estranhos”, “mantêm-te sempre em locais com muita gente em caso de precisares de ajuda”, “nunca vás com nenhum rapaz para casa dele”.E estava precisamente a ir contra todas as regras impostas. Sentia-se desconfortável com a situação em que Rita a colocara. Não sabia quem eram aquelas pessoas, para onde se dirigiam e para piorar não se lembrara de avisar ninguém. Mantinha a esperança que alguém do grupo desse pela sua falta se não aparecessem na segunda-feira e fossem à sua procura.Só aceitara acompanhá-la por não se sentir à vontade em deixar a amiga ir sozinha e agora no meio do nada começava a achar que não tinha sido boa ideia. Apesar da ansiedade que sentia, a paisagem era magnífica e começava a actuar sobre o seu cansaço como um calmante. Decidiu descontrair e aproveitar a viagem. Com aquele sacrifício pessoal arranjara um excelente pretexto para não voltar a ausentar-se de casa tão cedo. Regressava a Lisboa no Natal e pretendia provar aos pais ser digna da oportunidade que lhe tinham proporcionado.Recostou-se no banco olhando para a bucólica paisagem.O carro passou por uma vila com habitações em tijolo vermelho e pequenos jardins com cercas de madeira quando começaram a diminuir a velocidade. À saída da vila o carro virou à esquerda por uma alameda de terra batida ladeada de frondosos freixos, reconhecia a árvore, a avó plantara-os no jardim da sua casa. Pararam defronte de um alto portão de ferro forjado. No lado esquerdo da murada de pedra um Brasão com a representação de um Freixo e um Dragão coroado ladeado por outros quatro com espadas levantadas a apontar para o centro. Por baixo o nome da propriedade, Yggdrasil. Eoghan pressionou o comando da entrada com o indicador direito.A Maria parecia-lhe um absurdo que num país onde a polícia não utilizava armas, a propriedade estivesse protegida com um sistema de segurança tão sofisticado.Reparou que existiam freixos ao longo do muro no interior da propriedade. Não passava de uma coincidência, mas sonhava frequentemente com aquela árvore. A avó dissera-lhe uma vez que não eram sonhos, mas recordações de outra vida.Teria vivido ali? Gostava de pensar que sim, aquele local era maravilhoso.O carro deteve-se defronte da porta principal da enorme moradia de dois pisos, quando uma chuva miudinha começava a cair. As portas abriram-se de rompante deixando sair a estonteante prima que de braços abertos avançava para as receber. Era agradável saber que não seriam as únicas mulheres naquela casa.Entraram no acolhedor vestíbulo. Maria sentia-se como se tivesse atravessado um portal, recuado nos séculos para o interior de um magnífico palácio medieval. As paredes revestidas de tapeçarias com motivos de batalhas, do lado esquerdo uma larga escadaria de madeira escura e uma porta trabalhada que se abria para uma enorme sala de estar onde na lareira ardia um acolhedor fogo, para onde Maeve as encaminhou. Despiram os casacos que Eoghan solicitamente pendurou no bengaleiro. - Muito obrigada por nos receberem. Têm uma casa fantástica. – os olhos de Maria sorriam prestando atenção aos pormenores da decoração enquanto pensava que afinal talvez não tivesse sido má ideia terem ido, estava a adorar tudo o que via.Maeve observava atentamente Maria. Não tinham por hábito receber visitas e era agradável ter alguém para além deles a apreciar a beleza da casa. - As minhas desculpas, mas só trouxemos duas garrafas de vinho português. – Maria esticou o saco de papel onde as colocara quando ouviu uma voz de homem. - Vinho? – tirou-lhe o saco sorrindo – Sou o Fionn. Bem-vindas a nossa casa. - apertou-lhe a mão afastando-se na direcção do bar onde colocou as garrafas, tentando ler os rótulos e perceber o que diziam. Maria sentiu um arrepio, voltando-se na direcção da porta. O irmão que lhe dera uma valente descarga eléctrica, era mais bonito e intimidante do que se lembrava e não tirava os olhos dela.Rhenan estava parado na ombreira da porta.Eoghan e Rita só tinham olhos um para o outro e Fionn continuava enfeitiçado com as garrafas. Maeve apercebeu-se do desconfortável silêncio e da troca de olhares entre o primo e Maria. - Este é o Rhenan, o meu primo mais velho. – quebrou o silêncio e o magnetismo que os parecia unir.Rhenan reduziu a distância aproximando-se confiante, segurando a mão dela entre as suas.- Bem-vinda a nossa casa. – os olhos brilhavam sem quebrar o contacto.Havia algo familiar naquele homem que a impedia de retirar as mãos do calor das dele. Sentia um estranho formigueiro percorrer-lhe o corpo, um calor que rapidamente tomou conta dela. Atrás de Rhenan aparecia um fogo intenso, a sala mudara, estavam rodeados de estranhos, uma mulher depositava-lhe algo nas mãos falando numa língua que não lhe era de todo desconhecida, ouviu-a dizer Brisingamen. Maria apertou-lhe a mão. Sentia a boca seca, os olhos turvos, a sala começara a rodar a uma velocidade alucinante, sem aviso foi arrastada para o vazio. Rhenan evitou que caísse segurando-a contra o seu corpo.- Acorda. Por favor acorda. - Rita não saíra de perto dela desde que desmaiara.Maria ouvia uma voz apreensiva chamá-la insistentemente. Porém, os olhos recusavam-se a abrir, não conseguia falar, queria dormir. Sentia-se esgotada. Algo errado se passava com ela, em menos de vinte e quatro horas desmaiara duas vezes.A custo abriu os olhos, estava deitada no sofá com Rita sentada no chão a seu lado segurando-lhe na mão. Reparou nos semblantes preocupados. Fortes mãos seguraram-na sentando-a, levando-lhe um copo à boca, obrigando-a a beber o seu conteúdo. O cheiro era agradável. Engoliu começando a tossir, ardia por dentro como o fogo que vira.- Já está melhor! -  Maeve colocava-lhe uma manta pelas costas - Eoghan talvez seja melhor levares a Rita para apanhar um pouco de ar, nós ficamos com a Maria. Rita tentou protestar, mas Eoghan já a ajudava a vestir o casaco. Felizmente a chuva dava-lhes uma pequena trégua. Segurando-a pelo braço saíram.Rhenan mantinha-se afastado, o toque da pele de Maria, o seu calor, tinham-no deixado confuso. Sentia-se gelado, apesar do calor da sala. Era perceptível para todos que a Profecia pela qual ansiavam começara.  Maria era a resposta e a sua principal preocupação era protegê-la.Passou as mãos pelo cabelo, o destino não o preparara para ela e no entanto tinha esperado a sua chegada para colocar ordem na desordem que o irmão criara.Maria sentia que apesar de se manter afastado Rhenan a observava. - O que aconteceu? - Desmaiaste. – Maeve respondeu-lhe apesar de perceber que falava para Rhenan.- O que significa Brisingamen? – Maria voltou-se para Maeve.Fionn que se mantivera afastado aproximou-se atravessando a sala. - O que disseste?Maria reparou que pareciam perplexos e não percebia o motivo para aquela reacção. Talvez tivesse dito um palavrão, nem sabia de onde lhe surgira o nome. - Se vos ofendi, aceitem as minhas desculpas. - sentia-se atordoada – A verdade é que me sinto estranha desde ontem. Os olhos de Rhenan brilhavam com a intensidade das chamas da lareira.- Hoje já comeste alguma coisa? - Maeve apercebia-se da tensão do primo, tentando desanuviar o ambiente. Maria tentava com dificuldade abstrair-se da intensidade desconcertante com que Rhenan a encarava. A verdade é que não tomara o pequeno-almoço e o hambúrguer de peixe que almoçara no dia anterior…lembrava-se de ter estado no McDonald, a memória regressava lentamente. - Francamente, estou esfomeada. Maeve sorriu-lhe, ajudando-a a levantar-se.- Vamos aos lavabos para que te possas refrescar enquanto os homens colocam a comida na mesa. Maeve queria que os primos tivessem algum tempo para conversarem. Se Maria era por quem esperavam, as rodas do destino estavam finalmente em movimento.- O que aconteceu? - Fionn sentia-se aturdido.Rhenan mantinha o olhar fixo na porta. - A Profecia começou! - a sua voz soava forte apesar do nervosismo que sentia. - O que fazemos?Rhenan fez uma pausa levando o copo aos lábios.- Lembra-te do que aconteceu ontem. - Ainda bem que a seguia a teu pedido.- E que eu estava perto. Não percebo o interesse dos Tuatha.- O que aconteceu ontem foi estranho, mas o que aconteceu agora mesmo, também.Rhenan suspeitava que Maria antes de desmaiar tivera a mesma visão que ele.- A miúda não tem aspecto e aparentemente resistência física para o que é suposto fazer. Como podemos ter a certeza que é a escolhida?Fionn observava o irmão e o que via na sua fisionomia era um misto de angústia e desespero. - É ela! Finalmente podemos mudar o nosso destino. Porém em nenhum momento devemos esquecer que é primordial mantermo-nos unidos e evitar que algo lhe aconteça.- Achas que sabe quem é?- Não!- Como lhe dizemos?- Não sei! – Rhenan serviu-se de nova dose de Jameson, sentia que naquele dia aquela garrafa seria o seu único consolo.- Devíamos avisá-la. - Fionn idealizava na cabeça várias formas de iniciar a conversa, porém nenhuma lhe parecia suficientemente convincente.Rhenan sentia-se fraco perto de Maria algo que nunca experimentara ao longo da sua vida. - Como pensas contar-lhe e esperar que aceite tudo sem pensar que somos doidos? Alguma ideia? – Fionn insistia com o irmão olhando na direcção da porta. - Só sei que precisamos dela. - Rhenan admirava o fogo. - E não pode ficar sozinha. Por muito que gostasse de manter a promessa que te fiz não consigo andar sempre atrás dela. – Fionn tal como o irmão sabia que a segurança de Maria passara a ser uma prioridade.Rhenan suspirou audivelmente ao voltar-se. Não queria deixá-la regressar a casa, tinha de a ter por perto. - Estaremos preparados e ela também vai estar. – Rhenan voltava a encher o copo, começara o dia a beber e algo lhe dizia que o terminaria do mesmo modo.
Sentira o nervosismo dos MacCumhaill e sabia que estava ligado à Profecia. Estranho tinha sido ouvir a humana falar no Colar de Brisingamen, eram poucos os que tinham conhecimento dele. Tentaria apanhá-la novamente e não voltaria a ser surpreendido por aqueles homens. Não pensara que os MacCumhaill estivessem perto quando a abordara. Contra a sua vontade estivera envolvido numa luta desonesta, dois contra um. Não voltaria a acontecer, redobraria os cuidados. Lug desapareceu satisfeito por não se terem apercebido da sua presença, regressava a Tara para avisar a sua rainha.
- Para a mesa. - Fionn chamou da porta da sala de jantar.Os irmãos tinham decidido conversar quando estivessem a sós. Não podiam correr o risco de ser escutados, antes de saberem o que dizer a Maria. Tinham de ser tomadas rápidas precauções, seria protegida por eles de preferência dentro daquela casa. Rhenan sentia-se estranhamente atraído por Maria e percebia que também não lhe era indiferente. Temia que ao deixar-se levar pelos seus sentimentos, os colocasse a todos em perigo. Porém não desistiria dela, pela primeira vez na sua já longa vida estava disposto a lutar pela sua felicidade. Aquela mulher aparentemente frágil já lhe aparecera em sonhos, apesar de nunca lhe ter visto o rosto, falavam de amor, tinham-se amado intensamente e…sabia que era ela. Sentira a sua presença antes de a ver e quando os seus olhares se cruzaram deixara de ter vontade própria.Conseguiam ouvir Maria e Maeve aproximarem-se. Rita e Eoghan entravam em casa colocando os casacos no bengaleiro.Os olhos de Maria fixaram-se em Rhenan, podia jurar que tinha sido a sua voz que escutara no dia anterior a acalmá-la. Ou, talvez fosse a sua memória a pregar-lhe uma nova partida de mau gosto. Rhenan viu Maria ruborizar. Sorriu-lhe sedutoramente, feliz ao confirmar a sua suspeita. Saber que o interesse era recíproco só vinha piorar toda aquela situação por si só já tão confusa. Desviou o olhar, sentando-se contrariado no extremo da mesa.O almoço tardio foi perfeito. Falavam de tudo e de nada, Maeve era a alma da casa, além de muito bonita a voz dela soava como uma doce melodia. Maria não conseguia deixar de lhe sorrir hipnotizada pelo seu magnetismo. Eoghan só tinha olhos para Rita e nenhum deles tentava esconder a atracção que sentiam. - Tomamos o digestivo na sala? - Fionn levantou-se antes que se lembrassem de lhe pedir para arrumar a mesa. - Eu preparo.- A comida estava deliciosa e não quero parecer ingrata, mas confesso que me sinto estranhamente cansada. Talvez fosse boa ideia regressarmos. - reparou no olhar de enfado que Rita lhe enviava, a amiga não se queria ir embora, isso era certo. Antes de conseguir responder, a chuva recomeçou a cair com intensidade batendo contra as janelas escurecendo a sala. Podia jurar ter vislumbrado um sorriso em cada um deles. Não queria acreditar na sua má sorte, que triste sina a sua. O temporal parecia completar um qualquer plano maquiavélico no qual juraria ter o papel principal. - Talvez seja melhor esperarmos um pouco, até a chuva abrandar. - ouviu-se dizer.Maeve respondeu-lhe com a sua doce voz. - Não me parece que tenham sorte.A Maria parecia-lhe irracional que Maeve estivesse contente com a presença de duas totais desconhecidas a pernoitarem na sua casa. - Terão de dormir aqui. Quando começa a chover com esta intensidade costuma durar até à manhã seguinte. - Mas… - Maria ainda tentou contestar sendo rapidamente interrompida por um olhar de Rita. - Agradecemos a vossa hospitalidade. – Rita falava sem desviar o olhar de Maria avisando-a para que se calasse. A contragosto Maria não disse nada. Ter desmaiado acabara por ajudar a amiga, além de que estava demasiado cansada para dar luta. - Então está decidido. - Maeve batia palmas de contentamento - Temos muitos quartos. Maria se quiseres vir comigo mostro-te já o teu. – segurou-lhe na mão levando-a com ela – Sentes-te melhor? - parecia genuinamente preocupada. - Muito melhor, obrigada.- Depois de uma boa noite de sono vais sentir-te outra. O andar superior era muito bonito. No topo da longa escadaria existia um amplo corredor que se estendia para ambos os lados da casa, com enormes portas de madeira parecidas com a da sala. As paredes estavam forradas com tapeçarias e uma maravilhosa exposição de armas. Conseguia reconhecer algumas espadas celtas, espadas curtas viquingues, capacetes, mocas, lanças, bestas, havia um pouco de tudo, aquela casa parecia um lindo museu militar. Afinal, talvez não tivesse sido má ideia pernoitar, pela manhã com outra luz conseguiria apreciar ao pormenor todos aqueles maravilhosos artefactos.- Se seguires pelo corredor da direita, a primeira porta é do quarto do Fionn, depois é o meu quarto e no fim do corredor desse lado tens o quarto do Eoghan. O quarto entre o meu e o do Eoghan é o da minha mãe. Mas é muito raro visitar-nos. - a voz de Maeve soava triste. - Nós seguimos para o corredor do lado esquerdo. Penso que vais gostar do quarto que escolhi para ti. Avançaram com os passos abafados pelo tapete. - Esta primeira porta é o quarto da tia Freya, a mãe dos meus primos. - os olhos brilhavam enquanto falava. Maria deu por si a pensar que devia ser uma mulher maravilhosa. - A Rita pode dormir no quarto a seguir. No último dorme o Rhenan, sempre gostou da sua privacidade, além de que nos considera muito barulhentos. – ria-se divertida, o primo tinha razão eles conseguiam ser insuportáveis.Rhenan parecera-lhe solitário, era fácil imaginá-lo sozinho naquele corredor.- Podes ficar no quarto do Lochan. Maeve ficara com os olhos marejados de lágrimas, achou por bem não perguntar quem era Lochan ou o que lhe acontecera. - Todos os quartos têm casa de banho. – Maeve abriu a porta acendendo a luz. Os olhos de Maria cintilavam de espanto com o que via, agradecendo pela primeira vez a chuva que caía cada vez com maior intensidade, não lhes dando tréguas.  O quarto era de sonho. - É maravilhoso! - libertou-se dos braços de Maeve, que continuava a segurá-la como se tivesse medo que voltasse a cair, os olhos a brilhar de excitação. Queria fechar a porta e atirar-se para cima da cama que ocupava parte da parede do seu lado esquerdo. A enorme janela permitia ver uma pequena varanda, durante o dia a vista devia ser de cortar a respiração. Na lareira defronte da cama já ardia turfa mantendo a temperatura do quarto agradavelmente aquecido. - Muito obrigada por tudo. – Maria bocejou discretamente - Estou realmente cansada e regressar com este temporal teria sido uma loucura, além de que obrigaria um de vocês a levar-nos. Maeve, dormir neste quarto ainda me parece um sonho. - Ainda bem que gostas. – Maeve sorriu-lhe feliz – Adoro os meus primos, mas nunca tenho a companhia de outra mulher, fico feliz que aqui estejas. - É tudo perfeito. Só tenho medo de estarmos a abusar da vossa hospitalidade. - era realmente como se sentia.- Maria és sempre bem-vinda a esta casa. Tens toalhas lavadas na casa de banho e mais dentro da cómoda. Usa à vontade tudo o que necessitares. Como temos mais ou menos as mesmas medidas vou ao meu quarto buscar-te algo para dormires, preferes pijama ou camisa de noite?- Qualquer t-shirt serve, não te preocupes. – como podia Maeve pensar que tinham as mesmas medidas se ela parecia uma Deusa. - Trago-te um de cada e decides. Volto já. – Maeve saiu a cantarolar pelo corredor. Observou-se ao espelho, estava mais pálida do que nunca, com olheiras tão profundas que já lhe ocupavam metade do rosto. Sozinha, resolveu explorar. Abriu a porta que julgava ser a da casa de banho entrando noutro quarto, a verdadeira alcova de um guerreiro. A cama era igual à do quarto que ocupava, mas a cobri-la estavam estendidas peles. A turfa ardia na bonita lareira de pedra, um sedutor cheiro almiscarado atordoava-a, as paredes estavam cobertas por lanças e escudos. Sabia que não devia estar ali, mas estava fascinada com o que via. O coração batia descompassadamente, sentia-se nervosa e excitada. Sentia os pêlos da nuca arrepiados, aquele quarto transpirava Rhenan e apesar de saber que invadia a sua privacidade não conseguia afastar-se. Passou gentilmente a mão no cadeirão colocado de frente para a cama entre a lareira e a janela, sentindo a sua suavidade, sentou-se, queria descobrir se seria tão confortável como parecia. Havia algo ali que a deixava descontraída. Pensava em tudo o que lhe acontecera tentando colocar um pouco de lógica na imensa confusão que tinha na cabeça. Estar a enlouquecer era uma forte possibilidade. Colar de Brisingamen,a palavra materializou-se na sua cabeça embalando-a, fechou os olhos adormecendo. Rhenan parado no escuro mantinha-se encostado à porta do quarto respirando com dificuldade, entrara quando a porta de separação se abrira. Ficou a ver Maria, ouvindo-a suspirar ao tocar nas suas coisas, perdera a razão quando a vira sentar-se, adormecendo.  Queria que ficasse ali. Queria observá-la a dormir com a mesma intensidade com que lhe queria pegar ao colo tirar-lhe a roupa e deitá-la na cama a seu lado. Aproximou-se lentamente, passando-lhe o dedo suavemente desde a testa até ao queixo, o polegar roçando-lhe nos lábios, ouvindo-a gemer de prazer, tremeu de desejo. Desejo por aquela estranha que sem o saber já lhe roubara a razão. Estavam ligados e a sua união era forte, sentira-a desde o primeiro instante. Maria murmurava. Rhenan ajoelhou-se, tentando escutar o que dizia. Falava em celta antigo, a língua dos seus antepassados, observou-a curioso, conseguira escutar as palavras traells, runa, Aker. Ele sabia o que significavam, mas saberia ela? A voz da prima ecoou atrás dele parada à porta de ligação entre os quartos. - O que disse? - os olhos abertos de espanto.- Falou em servos, mistério e …- Na Fivela de Aker! - Maeve olhava para o primo à espera de ouvir algo que a ajudasse a dissipar o turbilhão de emoções que cresciam dentro da sua cabeça - O último a tocar na Fivela foi Lochan. Nunca a encontrámos desde que…- Conversamos lá em baixo quando estivermos todos. Não vale a pena começarmos a fazer suposições, porque independentemente do que a Maria possa saber, temos muito para lhe contar e não sabemos como fazê-lo. Deixa-me ajudar-te a deitá-la.Rhenan ergueu-a delicadamente nos braços tentando não a acordar. Maria encostou a cabeça ao seu ombro fazendo-o suspirar.Maeve fingiu ignorar a reacção do primo.Rhenan transportou-a cuidadosamente na protecção dos seus braços para o quarto onde dormiria e que pertencera ao seu gémeo.- Não devemos conseguir conversar tão cedo. Temos de esperar pelo Eoghan e ele acabou de subir com a Rita para o quarto. Suponho que não lhe esteja a mostrar a colecção de armas. – Maeve tocou-lhe no braço – E tu vê lá o que fazes, cuidado com os teus pensamentos em relação a Maria. Por amor da Deusa controla a tua libido, temos muito para resolver e envolveres-te com ela não te vai fazer bem, se ela… - Fica descansada prima. – Rhenan não conseguira deixar Maeve terminar a frase, sabia o que ia dizer e não queria ouvir. Já perdera todas as pessoas importantes na sua vida, não estava preparado para voltar a passar pelo mesmo. - É preciso tirar-lhe as roupas e vestir-lhe algo confortável para dormir. – Maeve olhava para o primo, sabia que sozinha não o conseguia fazer - Vou precisar da tua ajuda, consegues?Rhenan sorriu-lhe.- Não é a primeira mulher que dispo prima. – mas no seu íntimo esperava que fosse a última.- Sabes bem o que quero dizer. Maria nem sonhava que a vida como a conhecia nunca mais seria a mesma. - Espera que a deite. – Rhenan pousou-a gentilmente sobre o colchão. A prima tinha razão, a vontade dele era arrancar-lhe a roupa e amá-la. Suspirou audivelmente. Maeve percebia a tensão dele, preferindo ignorá-lo.Despiu-a com uma calma que desconhecia ter, reparando instantaneamente no mesmo que Maeve. Maria tinha as três tatuagens que a identificavam como a aguardada sidheRhenan e Maeve caminharam em silêncio até chegarem à sala onde Fionn se esticara no longo sofá. - Não sei que desculpa vão dar desta vez, mas acabei por ser novamente eu a levantar a mesa e a arrumar a cozinha. Temos mesmo de arranjar um empregado. - bebericava o whisky - …ou dois. Empregadas, seria melhor! Posso sempre ajudar a escolhê-las. - Estúpido! – Maeve odiava a preguiça do primo - Já os temos ou por acaso esqueceste-te? Precisas de alguém que te dê banho? - Isso é que era. Bons velhos tempos.Rhenan avançou para o irmão mais novo, tirando-lhe com um valente safanão as pernas de cima do sofá, sentando-se ao seu lado.- Ei! Para que foi isso? – Fionn calou-se ao reparar na forma como o irmão o encarava. - Explica-me lá uma coisa que ainda não percebi, - os olhos de Rhenan faiscavam - ontem, depois de vos deixar, quando colocaste a Maria na cama dela, não reparaste em nada? - sentou-se mais perto passando-lhe o braço por cima dos ombros. Maeve também se aproximou com os braços cruzados sobre o peito.- Não sei o que queres que te diga. – Fionn continuava a tentar ignorar o rumo da conversa, bebericando o malte.- Talvez não me tenha expressado correctamente, permite-me reformular a pergunta. – Rhenan apertou o abraço - Colocaste-a na cama certo? - olhava para o irmão aguardando uma resposta.- Sim. Despi-lhe as calças e a blusa, vesti-lhe uma t-shirt, tapei-a e vim-me embora.- E por acaso não reparaste em nada? Ou o facto de a veres nua enevoou-te o pensamento? - a proximidade era assustadora, Fionn tentava levantar-se, mas o irmão segurava-o – Não reparaste em nenhuma marca, nenhum sinal? Algo que achasses por bem contar-nos?- Agora que falas nisso…tinha umas tatuagens – Fionn fez nova tentativa para se libertar do abraço do irmão. - E não achaste importante dizer-nos? - Rhenan explodiu. A voz soara mais alto do que pretendia.- Mano, não quis acreditar no que via, esperava que fosse uma coincidência. - o olhar cruzou-se com o do irmão e o que transmitia era receio, a expressão acabou por ser como um balde de água fria acalmando Rhenan - É ela, não é? Vai começar. O momento pelo qual esperamos há demasiado tempo e, contudo, não me sinto preparado.- Já começou! Mas desta vez estamos unidos. Da porta, a voz de Eoghan fez-se ouvir.- E como pretendes mantê-la por perto? Já deves ter percebido que não vai ser fácil - ouvira a última parte da conversa entre os irmãos e a prima.- O que sentes pela amiga? – o tempo era precioso e Rhenan tinha de saber as intenções do irmão com Rita. Manterem Maria por perto dependia da resposta dele.- A Rita? – Eoghan pareceu surpreso com a pergunta - Tentando não ofender os teus sensíveis ouvidos Maeve, sinto uma enorme tesão, mas não passa disso. Penso que podemos passar uns bons momentos na companhia um do outro, nada mais.Rhenan e Eoghan entreolhavam-se. Ia ser árduo convencer Maria a ficar sabendo que Rita ficaria a viver sozinha na casa delas.- Com o Eoghan dou-lhe um mês no máximo, depois cansa-se. É esse o tempo que temos para resolver esta situação. - Fionn olhava para Eoghan com ar zombeteiro - Somos mesmo uma raça em vias de extinção. Maeve revirava os olhos, já devia estar habituada àqueles momentos de pura poesia, mas os primos conseguiam sempre surpreendê-la. Fisicamente eram parecidos, mas tinham temperamentos completamente opostos. Eram muito atraentes, mas nenhum era feliz. Tinham as mulheres que queriam, porém nunca os vira apaixonados e isso entristecia-a.- Necessito saber se consegues manter a tesão durante o tempo necessário, até conseguirmos explicar-lhe. – o que o irmão fazia não lhe dizia respeito, já só pensava na segurança de Maria.Fionn aproveitou a distracção para sair do abraço do irmão, não fosse Rhenan mudar de ideias e apertar-lhe o pescoço. - A Profecia, - Rhenan olhou para Eoghan - começa com ela.- Maria? - Eoghan sentou-se no lugar anteriormente ocupado por Fionn – Sempre pensei que seria alguém de alguma forma mais perto de nós, alguém dentro da nossa cultura. A Maria é uma estranha, com outros costumes. Sabes que necessito de provas antes de acreditar no que me dizem. Eoghan tocara num ponto importante.-­ Afinal o que sabemos dela? O que vos garante que é ela?Maeve tomou a palavra.- Nós já temos essa confirmação. Aliás, o Fionn já sabia desde ontem. – Maeve olhou para Fionn irritada por não ter dito nada. Fionn puxou uma cadeira sentando-se perto deles, mas suficientemente longe do braço de Rhenan.Eoghan escutava atentamente sem interromper.- A dormir falou na antiga língua, e tanto o Rhenan como eu ouvimos perceptivelmente traells, Aker e runa. E na sala já tinha falado em Brisingamen.- Essas não foram exactamente as últimas palavras de Lochan? - Eoghan estava perplexo.Ficaram em silêncio quando uma voz atrás deles completou o que lhes ia na cabeça.- Foram meu filho! E por ela esperámos todo este tempo, por esse motivo aqui estou. Quero conhecê-la. Ela é a guerreira, mas acima de tudo é a sidhe



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Published on March 19, 2020 03:00
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