in YGGDRASIL, PROFECIA DO SANGUE - cap 4
QUATRO
Osol entrava por uma fresta nos cortinados batendo-lhe na face, acordando-a. Maria esticou-se preguiçosamente recusando-se a abrir os olhos, não se lembrava de dormir tão bem há demasiado tempo. Esperava que a qualquer momento a avó entrasse com o tabuleiro transportando a deliciosa tosta mista e o café com leite como só ela sabia preparar. Ouviu o motor de um carro, foi quando se lembrou que não estava nem Lisboa, nem na sua cama. Atirou os lençóis para o lado levantando-se repentinamente, caminhando na direcção da janela afastou os pesados cortinados, espreitando com os olhos semicerrados até que se habituassem à claridade. Parara de chover e o dia estava maravilhoso, viu o carro de Eoghan afastar-se e o portão fechar-se à sua passagem.Ainda devia ser muito cedo, onde iria àquela hora com tanta pressa?Olhou à volta, as suas roupas estavam cuidadosamente dobradas numa cadeira perto da enorme cómoda e o relógio pousado em cima da mesa. Caminhou descalça com os pés a enterrarem-se no confortável tapete reparando num papel colado no espelho. Eram oito horas.Arrancou o papel lendo-o e relendo-o esperando que o seu cérebro processasse as palavras. “Maria não te quis acordar, mas esta manhã acordei indisposta, com uma terrível dor de cabeça. Pedi ao Eoghan para me levar a casa, não precisas de te preocupar vou descansar. Rita”. Não se devia preocupar? Sentia que lhe tinham dado um murro no estômago. Estava naquela casa por imposição da amiga. E Rita voltara para casa deixando-a ali? Onde tinha a cabeça? Não passava de uma estúpida irresponsável. Agora tinha de descobrir uma forma de regressar, o pior é que nem sabia onde estava. Observou-se ao espelho, estava vestida com uma camisa de dormir de alças, demasiado feminina e nada o seu estilo, mas já não estava tão pálida, as olheiras tinham desaparecido. Uma vez mais não se recordava de se ter despido e deitado, quando regressasse a Lisboa ia ao psiquiatra, estava a enlouquecer.Abriu a porta do quarto tentando não fazer barulho. A casa continuava silenciosa, possivelmente a família ainda dormia, o que não deixava de ser tranquilizante pelo menos até decidir o que faria. Caminhou descalça pelo corredor, o tapete abafando os seus passos, admirando a fascinante decoração enquanto rezava para não ser apanhada com tão pouca roupa por nenhum dos irmãos. No topo da escadaria pareceu-lhe ouvir vozes de mulheres, vinham da cozinha e conversavam animadamente. Reconheceu o riso de Maeve, talvez a parva da amiga tivesse mudado de ideias.Desceu a escadaria, tinha de se certificar. Cheirava tão bem! Bolo acabado de cozer trazia-lhe as melhores memórias da casa da avó. O estômago roncou tão alto que podia jurar ter ecoado por toda a casa. Olhou para os pés descalços, não podia aparecer naqueles trajes na cozinha. Preparava-se para voltar a subir e regressar ao quarto para se vestir quando a porta se abriu e Maeve espreitou. - Tinhas razão, a Maria já acordou. Maria corou ao ter sido apanhada seminua numa casa cheia de homens. - Ela que entre, a comida está pronta. Maria deparou-se com uma lindíssima mulher. Não devia ter ainda cinquenta anos, a pele clara, o cabelo loiro preso numa grossa trança, os mesmos olhos azuis profundos dos homens da casa, a mesma postura descontraída de Fionn, e o inconfundível olhar de Rhenan. Só podia ser a mãe deles. Sentia-se minuciosamente examinada. Infelizmente não estava no seu melhor com tão pouca roupa.Freya observava-a perplexa, Maria era praticamente uma criança. Percebeu o seu incómodo pela forma como se tentava tapar com os braços, sorriu-lhe convidando-a a sentar-se ao seu lado. Felizmente não era parecida com a doida da amiga. Com essa desvairada não simpatizara nem um pouco. Maria sorriu-lhe, sentando-se no local que lhe indicava, tentando tapar as pernas com o tecido que teimava em subir.- Obrigada! – mal conseguia falar enquanto se sentisse debaixo do microscópio da dona da casa.Olhando para Maria, conseguia perceber a atracção que exercia sobre o filho mais velho. Era o oposto de todas as mulheres que tivera e talvez fosse essa diferença a despoletar o sentimento que achara impossível Rhenan vir a encontrar um dia. Amor. Maeve sentia o constrangimento, ninguém falava e a tia inconscientemente não parava de analisar Maria. Freya estava fascinada com a delicadeza daquela menina. Devia ter pouco mais de um metro e sessenta, o cabelo loiro encaracolado caindo em perfeitos cachos pelas costas, uns perscrutadores olhos castanhos-escuros que contrastavam com o claro da sua pele. Era muito bonita, mas estaria preparada para a tarefa que tinha pela frente? Esperava para bem de todos, principalmente do filho, que a sua verdadeira essência estivesse escondida debaixo daquela capa de fragilidade. No que dependesse dela aquela menina seria protegida. Abraçou Maria beijando-a carinhosamente. Maria ficou inicialmente sem reacção, correspondendo ao caloroso cumprimento. Os olhos de Maeve sorriam, o que a tia acabara de fazer tornava Maria oficialmente parte da família.- Minha querida, espero que tenhas fome. – Freya puxou um banco sentando-se ao seu lado.- Confesso que estou esfomeada. – o caloroso abraço tinha-a deixado descontraída, já se esquecera como estava vestida - Muito obrigada por me ter deixado passar aqui a noite. Os últimos dias foram tão cansativos, ontem nem dei por adormecer. – Maria olhava na direcção de Maeve à procura de respostas, reparando que a evitava.- Foi um prazer. – Freya sorria-lhe bem-disposta, gostava da sua educação. Estendeu-lhe o prato do pão - Quando acabares gostavas de dar uma volta comigo no jardim? É muito bonito e eu adorava que me acompanhasses. A verdade é que só me lembro do quanto gosto desta casa, quando regresso. Existem aqui muitas recordações. - os seus olhos pareciam divagar. Quando voltou a olhar para Maria estavam novamente vigilantes.Maria pousou a caneca que enchera de café com leite. - Será um prazer acompanhá-la, mas não quero que a minha presença seja uma imposição. Afinal acabou de chegar e deve querer estar a sós com a sua família. Freya ficou encantada com a resposta educada, levantando-se sem dar azo a alterações no plano.- Então está combinado. Vou até ao meu quarto depois espero-te na sala. Não tenhas pressa. - pousou-lhe a mão no ombro. A voz de Rhenan, que assistira a parte da conversa parado à porta fez-se ouvir. - Está quase a chover mãe. Freya observava atentamente o filho mais velho, reparando que os seus olhos percorriam o corpo de Maria enquanto falava. Tirou a capa colocando-a sob os ombros dela, batendo ao de leve no braço do filho ao passar por ele afastando-se.- Vê lá se te recompões, estás a ser demasiado óbvio. - Maeve passou pelo primo sussurrando as palavras, seguindo a tia.Apesar de ter sido discreta Maria escutara o comentário. Sentia a cara a aquecer, mas não baixou a cabeça levando a caneca aos lábios. - Porque não me acordaram quando a Rita resolveu voltar para casa? Rhenan sentou-se na cadeira que a mãe ocupara perto de Maria, servindo-se de bolo de mel.- Parece-me que a vossa mãe não gostou muito da Rita. – sentia o coração aos saltos pela proximidade dele.Rhenan tentava manter o olhar fixo na cara de Maria. A tentação era demasiada, àquela distância sentia-se enlouquecer. Porém, foi com os olhos a brilharem divertidos que resolveu esclarecer o enigma Rita. - Queres saber o que aconteceu? Eu conto-te.Maria pousou a caneca suspeitando que não gostaria do que ia ouvir. - A minha mãe chegou ontem sem avisar. - Rhenan parecia divertido fazendo uma longa pausa mastigando devagar criando mais suspense.Maria voltou-se para ele pendente das suas palavras.Rhenan mantinha os olhos fixos no prato, sorrindo.- A meio da noite ouviu um ruído e resolveu espreitar, qual não foi a surpresa quando abriu a porta do quarto e viu a tua amiga a tentar entrar no quarto do meu irmão. Maria deixou cair a capa que a cobria. Os olhos de Rhenan voltaram-se de imediato para ela seguindo-lhe os contornos do corpo. O queixo, o pescoço, descobertos para que os pudesse beijar, a curva dos seios, tudo nela transpirava desejo. Encheu uma caneca de café que bebeu de um trago tentando abstrair-se da sua nudez. Tinha de fazer alguma coisa para não se descontrolar, inspirando fundo antes de continuar.- A minha mãe não é moralista e sabe bem quem tem em casa, mas a cena desta madrugada foi demais.Maria continuava com o olhar fixo no de Rhenan, não se mexia, parecia ter-se esquecido que estava de camisa de dormir tal era a vergonha e raiva que sentia pelo que escutava sobre as actividades nocturnas da amiga. - Segundo consta estava como veio ao mundo.- NUA? – Maria levantou-se de um salto, esbracejando enquanto falava. Pelas suas expressões, Rhenan depreendeu que fossem palavras menos agradáveis, em português. - Quando lhe puser as mãos em cima mato-a. – Maria caminhava de um lado para o outro sem se lembrar que a camisa de dormir pouco cobria. Rhenan reclinou-se na cadeira apreciando o movimento do seu corpo, o sangue a ferver de desejo, sentou-se em cima das mãos evitando que ganhassem vontade própria e a agarrassem. - Nua! Mas, o que lhe passou pela cabeça? Terá enlouquecido? – Maria não conseguia parar, nem se apercebia que gritava e ganhava público.Maeve e Fionn parados na ombreira da porta assistiam, contudo como metade das palavras eram num idioma que desconheciam, ficaram na dúvida se seria algo com Rhenan ou se já teria conhecimento sobre a noite da amiga com Eoghan.- Se lhe ponho as mãos em cima… juro que lhe bato. Que vergonha. E depois vai-se embora e deixa-me um bilhete. Um bilhete. Claro que se esqueceu de dizer o mais importante. O motivo pelo qual me abandonava. Rhenan fez sinal com o polegar para cima para a prima e o irmão, informando-os que a explosão não lhe era direccionada. Continuando com os olhos colados em Maria com o desejo a aumentar. Entraram, sentando-se. Fionn era apologista de que para se apreciar um bom espectáculo só com o estômago cheio. Sentou-se afastado de Maria que continuava a esbracejar, não pretendia ser atingido pela fúria dela. Maria sentou-se segurando a cabeça entre as mãos olhando para Rhenan aflita. - A tua mãe quer que vá passear com ela pelo jardim, - sentia-se novamente agoniada - já vi que vai sobrar para mim. Vai dar-me a reprimenda que não deu à desmiolada da Rita.Boquiaberto Fionn voltou-se para o irmão. - Mas esta miúda é normal? Tu ainda não conheces a nossa mãe, por isso permite-me que te explique. A minha mãe não deixa nada por dizer. Tu, ontem é que estavas ferrada no sono. Só para que saibas, a Rita dormiu toda a noite trancada, não sem antes a minha mãe lhe dar uma valente reprimenda. Gostei particularmente da parte em que lhe disse, que uma mulher devia ser mais recatada. – Fionn sorria divertido - Se a tua amiga quiser continuar a ver o meu irmão depois disto, é oficialmente masoquista.Maeve ia petiscando um pouco de tudo o que encontrava sob a mesa. Chegara a sentir compaixão por Rita, sabia que quando a tia falava com frieza deviam fugir. Naquela manhã tinha saído de Yggdrasil mais veloz do que um raio.Maria olhava para todos à procura das palavras certas. - As minhas mais sinceras desculpas a todos, estou tão envergonhada. Não sei que vos diga.- Não tens de te desculpar, não fizeste nada. – Maeve sorria-lhe apaziguadora.- Sim. Não eras tu nua no corredor. - Fionn tentava conter o riso. Maeve deu-lhe uma cotovelada. – Tu não me batas. Sabes que foi o que aconteceu. - Tirem-me deste pesadelo. – Maria olhava para Maeve na vã esperança de que não tivesse sido tão mau, mas o olhar dela dizia-lhe tudo - O que lhe passou pela cabeça? Neste momento pergunto-me se a terá?- Na cabeça não reparei, estava mais ocupado a olhar para o resto. - a dor que sentiu foi real, para sua segurança Fionn resolveu afastar-se da prima.- Só te posso dizer que a Rita ficou realmente chocada por ter sido apanhada e nós fomos suficientemente discretos regressando aos nossos quartos. – Maeve apertou-lhe a mão sorrindo-lhe - A tia tapou-a com um robe e ficou com ela. - Vocês até podem ter sido discretos, eu vi tudo. Só vos digo que se o mano não petiscar é burro. – Fionn já se levantara saindo a correr da cozinha evitando que o copo que Maeve lhe atirava o atingisse.- Perdoa-o, nunca cresceu. Vou ao meu quarto, se precisares de alguma coisa sabes onde me encontrar. – Maeve apertou-lhe o ombro ao passar por ela. – Vais adorar a tia.Rhenan apanhou a capa da mãe do chão colocando-a nas costas de Maria, a simples ideia de ficar sozinho com ela no mesmo espaço com tão pouca roupa a tapá-la não augurava nada de bom para o seu sistema nervoso. - Acredito que a Rita não nos queira ver tão cedo.- Se tivesse juízo não vos aparecia à frente até ao último dia da vida dela.- Não te preocupes, a minha mãe não vai tocar nesse assunto, para ela está encerrado. E foi fácil perceber que te adorou. “Eu também” - Rhenan limitou-se a pensar.Maria esperava que tivesse razão. Parou à porta da cozinha, depois do que acontecera com Rita tinha de se confessar. - Tenho de te pedir desculpa pela minha ousadia.Rhenan franziu as sobrancelhas, não percebia ao que se referia. - Ontem por engano abri a porta de separação, senti curiosidade e entrei no teu quarto. – pareceu-lhe ver um sorriso zombeteiro naquele belo rosto - Não mexi em nada. Bem…a verdade é que me sentei no cadeirão, queria experimentar se era tão confortável como parecia. Confesso que não me lembro de mais nada. – e lá voltava a falta de memória, tinha mesmo de ir ao médico, aproveitava e levava a Rita. Ficariam certamente internadas na ala dos desequilibrados.- Eu sei Maria. - Viste-me? – sentia a cara a arder.Rhenan sorria-lhe divertido.- Não te preocupes, és sempre bem-vinda ao meu quarto. - disse-o em tom trocista - Principalmente se estiveres assim vestida.- Pois, Pois. - tapou-se com a capa o melhor que conseguia subindo a escadaria a correr. Aquele convite parecia sincero e o pior é que se sentia tentada a aceitá-lo.
Tomou um banho rápido. Maeve deixara-lhe roupa interior lavada, pensara em tudo. Olhou para o relógio tinha de se despachar, Freya já devia estar na sala e depois do que Rita fizera era melhor não a deixar esperar muito tempo.Antes de fechar a porta do quarto pareceu-lhe ouvir o barulho da água a correr no quarto de Rhenan, como gostaria de ser invisível e poder lá entrar para o espreitar. Tentava parecer descontraída perto dele, mas parecia que o homem tinha um íman que a activava. Cada vez que o via sentia uma incontrolável vontade de o agarrar, beijar. Decididamente existia alguma coisa no ar daquela casa que as deixava descontroladas. Foi com este pensamento que entrou na sala onde Freya a aguardava. - Vamos lá então. – Freya deu-lhe o braço. Saíram.
Fionn observava-as através de uma das duas janelas da sala. Maeve e Rhenan dos respectivos quartos. Rhenan enrolara uma toalha à volta do corpo molhado. Ouvira Maria sair, sentira a sua hesitação, desejara que entrasse novamente no seu quarto e se metesse debaixo do chuveiro com ele. Infelizmente o banho de água fria não melhorara a sua disposição.Temia o resultado da conversa. Ou Maria pensava que eram doidos ou aceitava o que lhe seria dito sem questionar. Rhenan afastou-se da janela, deixando cair a toalha no chão do quarto, deitou-se nu em cima da cama de olhos fechados. Não conseguia tirar Maria da cabeça, mas tudo o que estava para acontecer era mais importante do que as suas necessidades. Se tivessem um futuro, tempo não lhes faltaria. Fechou os olhos deixando-se transportar através dos tempos. O seu irmão Lochan, perdera-se ao colocar o seu desejo por uma mulher acima do seu dever, da família. Conseguia finalmente compreendê-lo, estava a acontecer-lhe o mesmo. Desejava aquela mulher para si e não a perderia, torná-la-ia a sua família.Se a Profecia estivesse certa, Maria seria a salvação de todos, Sentia a falta de Lochan, tinha um vazio na alma. Queria ter a capacidade de poder regressar àquele fatídico dia e ajudá-lo a mudar o seu destino. O destino de todos. A mãe estava a fazer o que nenhum deles conseguira. Dependendo da sua reacção decidiriam as medidas a tomar. Só lhes restava aguardar.
Caminhavam lado a lado. Maria sentia que Freya procurava as palavras certas para iniciar a conversa, aquele passeio pelo jardim servira como desculpa para as afastar de casa e dar-lhes privacidade. Ao ouvirem o portão abrir voltaram-se ao mesmo tempo. Eoghan estacionou o carro debaixo do telheiro olhando na sua direcção, entrando em casa o mais depressa que as longas pernas lhe permitiam. Sabia o que a mãe se preparava para fazer e esperaria calmamente na sala pelo resultado da conversa. Ao ver Eoghan, Maria lembrou-se do que a amiga fizera e continuava com vontade de a esganar e esconder-se num buraco até a vergonha que sentia passasse. Resolveu quebrar o confrangedor silêncio. - Senhora MacCumhaill… Freya interrompeu-a. - Gostava que me chamasses Freya. Sentia-se hipnotizada pela intensidade do seu olhar, a mesma de Rhenan. Sorriu-lhe agradecida.– O que significa Yggdrasil? Freya ficou agradavelmente surpresa, seria a sua natureza curiosa que faria dela a força de que necessitavam. Compreendia o que o filho via nela. Finalmente chegara a hora de inverterem as rodas do destino. Confiaria nos seus sentidos e abrir-lhe-ia o coração. Maria tinha de saber tudo. - Yggdrasil significa árvore da vida. Tem poderes mágicos e a capacidade de ligar os mundos.- Ligar os mundos? Tem algo a ver com o Freixo? Reparei que têm a árvore representada no vosso brasão e plantada dentro e fora da propriedade. Mais uma vez a sua perspicácia deixava-a boquiaberta. Gostava dela, seria a companheira ideal para o filho. Contudo, no início a sidhe teria de ser afastada dele.- As árvores são realmente freixos, representam o sol, o fogo. São símbolos de protecção. Desde o início dos tempos defendem o nosso Clã. - Porquê os cinco dragões? Reparei que o do meio tem uma coroa e os outros estão armados com as espadas voltadas para o centro. Protegem o rei? - O nosso brasão é um pentagrama com a representação dos cinco elementos. O Dragão do meio representa o fogo, no topo temos o espírito, à esquerda o ar, do lado direito a água e em baixo a terra. - Porquê dragões? Chegara o momento. A jornada de Maria ao lado do Clã começava ali e o facto de ser naturalmente curiosa ajudaria a explicar o segredo que guardavam há séculos.- O que sabes sobre dragões?- O que li nos livros de Tolkien ou vi nos filmes do Harry Potter. Freya riu com prazer, ali estava alguém que teria gosto em ensinar. - E se te dissesse que nem todos os dragões são personagens fictícias, que têm o corpo repleto de escamas, voam ou cospem fogo? São representados dessa forma unicamente para incutir medo no coração dos homens. Em certas culturas, são Ordens de cavaleiros que juraram proteger os seus reis bem como todo o seu espólio. Poderosos guerreiros, que pela sua coragem e sacrifício pessoal mantêm a ordem no mundo.- Mas o Dragão representado no vosso brasão parece-me uma mulher, pode ser uma rainha?- Estás correcta, gostava de te contar a história da nossa família.Sentaram-se perto do lago de águas escuras.Maria estava entusiasmada com o rumo da conversa. Tinha escolhido o curso de História e Cultura Medieval exactamente por sentir atracção pelo antigo, pelo folclore de cada povo, as suas lendas e tradições. Queria absorver tudo o que Freya lhe contava.- Do lado materno somos descendentes de guerreiros romenos os Draculia. Já da parte do meu pai a linhagem é viquingueos Drakkar. Ambos significam Dragão. - Fazem parte da nobreza romena? Viquingue? - Ambas! Da linhagem romena és capaz de reconhecer o nome do nosso tio. Vlad Tepes.- Vlad Tepes? – Maria arregalou os olhos levando instintivamente a mão ao pescoço, retirando-a envergonhada pela sua reacção. Se Freya reparara no seu gesto infantil felizmente ignorara-a.- Somos descendentes de nobres, guerreiros, cavaleiros. O nosso tio pertencia à Ordem do Dragão, os Draculia. O Dragão do meio representa os nossos antepassados viquingues, os Drakkar. E sim Maria, estamos agradecidos a Bram Stoker por ter imortalizado o nosso tio. No entanto, podes ficar descansada, não somos vampiros. – Freya sorriu-lhe divertida ao vê-la corar envergonhada, apertou-lhe a mão assegurando-a que estava tudo bem.Afinal sempre reparara. Maria fez um sorriso forçado, se fossem vampiros nunca o confessariam. Felizmente comprovara que não dormiam em caixões, mas em confortáveis camas, nem evitavam a luz do sol. Pormenores importantes.- Há muito tempo, nasceram duas irmãs da união das famílias viquingue e romena, com o único propósito de manterem a paz entre os mundos. Tornaram-se nas fiéis depositárias das chaves, a Fivela de Akere o Colar de Brisingamen, dois objectos que nas mãos do sidh guerreiro da família garantiam esse equilíbrio. A sua função é manter as portas fechadas. – Freya olhou para o céu, apercebera-se da mudança do vento, sabia que trazia mais chuva, tinha pouco tempo. - Sidh?- Vidente.- A vossa família tem um vidente?- Tinha.Maria achou por bem não perguntar o que acontecera ao sidh permitindo que Freya terminasse.Freya percebeu a sua preocupação agradecendo-lhe com um sorriso triste.- No entanto uma traell fez o sidh perder-se de amores por ela. O seu único interesse era subir na sua condição social. Acabando por desgraçar o irmão e a sua família.Já ouvira aquela palavra, mas não sabia o que significava. - O que significa traell?- Serva. A traell com a sua beleza e poder de sedução conseguiu afastar o sidh da família e das suas obrigações que era a protecção da Fivela de Akere do Colar de Brisingamen.- O que lhe aconteceu?Freya não lhe conseguiu responder de imediato sentia um nó na garganta. - A traell conseguiu virar o irmão contra a família, no entanto o sangue acabou por ser mais forte do que o amor que sentia por ela. Cega de raiva por ser abandonada, procurou a Bruxa que ajudava a Deusa negra jurando-lhe lealdade em troca da vida do seu amante. Prometendo entregar-lhe a Fivela de Aker e o Colar de Brisingamen dos quais ele era o guardião e por essa troca pretendia ser recompensada com riquezas. A Bruxa preparou um veneno que a traell deu a beber ao sidh. Mas esta nunca encontrou as chaves. Sozinha e perante o acto que acabara de cometer enlouqueceu. Um dia, quando passeava pelo bosque, onde tantas vezes se encontrara com o amante, julgou vê-lo a cavalo. Pensando que voltara dos mortos para se vingar, seguiu-o, confrontando-o. A traelldesconhecia que o amante tinha um irmão, aquele não era ele, mas o seu gémeo. Quando o irmão se apercebeu que estava perante a assassina, a causadora de todo o seu sofrimento, trespassou-a com a sua espada deixando o seu corpo abandonado onde tombara. O irmão, ordenou que o corpo ficasse exposto aos elementos, para ser devorado pelos animais. Que os corvos e a terra levassem o que quisessem até voltar a ser pó. Pouco antes de morrer a traell voltou a pedir a ajuda da Deusa negra, mas como não lhe entregara as chaves, esta reivindicou-lhe a alma transformando-a numa sombra.Freya respirava audivelmente de olhos fechados. Independentemente do tempo que passasse, doía-lhe relembrar. Maria apertou-lhe a mão. Era uma história muito triste, contudo não passava disso.- Freya! As chaves eram só a Fivela de Aker e o Colar de Brisingamen?- Não! Existia uma terceira chave. O irmão. - Por ser sidh?- Sidh e guerreiro.- Como se chamavam? Freya voltou-se para Maria com os olhos marejados de lágrimas. - O que morreu chamava-se Lochan, o que o vingou Rhenan. - chegara o momento de lhe contar a verdade - Eram os meus filhos.Sentia o corpo dormente com o que Freya dissera. Percebia que não lhe mentia, apesar de soar a loucura. - Peço que me escutes até ao fim e não nos julgues até saberes tudo. – Freya voltara-se para a encarar - Existem mais coisas neste mundo do que julgas conhecer.Maria via-a mexer os lábios, mas já não a ouvia, acabando por cair sem sentidos no chão húmido antes de Freya a conseguir agarrar.Freya escutou passos, corriam na direcção delas através da relva molhada.- Mãe! O que aconteceu? – sem esperar pela resposta Rhenan pegou em Maria levando-a para o calor da casa com a família no seu encalce.- Acho que foi demasiada informação, mas não temos tempo a perder. – Freya aceitou o braço do filho mais novo.- Continuo a ter as minhas dúvidas quanto às capacidades deste quarto membro, - Fionn revirava os olhos enquanto falava - nas últimas quarenta e oito horas já perdeu os sentidos pelo menos três vezes, não me parece grande coisa. - Vai chegar o dia em que precisarás da sua ajuda e ela vai lá estar, nunca te esqueças do poder da magia. Esta menina é mais forte do que pensas. A mãe bateu-lhe ao de leve na mão. - Rhenan, por favor leva-a para a sala, ainda tem de saber quem é.- Mãe, isso pode esperar. - Rhenan estava enervado perante a insistência da mãe.- Não filho. Já esperámos demasiado tempo, não pode passar de hoje. Amanhã regresso e quero levar respostas à minha irmã. Recomeçava a chover com a mesma intensidade do dia anterior, o dia escurecera, como se algo para lá do véu que separa os mundos se aproximasse. Todos sentiam o mesmo. Apesar de estarem protegidos dentro de casa, estavam alerta. Eoghan fechava as portadas da sala, Fionn trancava o resto da casa, nesse dia não voltariam a sair. Tinham de convencer Maria que não eram loucos, e aguardar pela sua resposta. Afinal, quem no seu perfeito juízo acharia verídica uma história como a deles?
Estavam a ser observados. Com a súbita escuridão dois vultos aproximavam-se da casa, o momento pelo qual ansiavam finalmente chegara. Goll sentia a mesma sede de vingança, destruiria o Clã. Mesmo por detrás do véu das trevas, assistira com satisfação à morte de um dos irmãos às mãos de Hel. Contudo, a raiva que o consumia só seria saciada quando os dizimasse a todos. Hel passou-lhe à frente. Jurara matar o irmão que acabara com a sua existência, o mesmo que deixara o seu corpo esquartejado a apodrecer perante a indiferença de todos. Aquele dia perseguira-a pela longa eternidade que era Annwan,- O que foi isto? – Maeve sentou-se perto da tia. - Andam animais lá fora?- Não tenhas medo. Dentro destas paredes estamos protegidos. - olhou para os filhos, algo perigoso rondava a casa, mais perto do que devia. Fionn juntou-se à família.- Não gosto de ti. – Maria sentou-se olhando na direcção da lareira, parecia falar para alguém - O que pretendes? O mesmo pensamento passava pela cabeça de todos apesar de não o dizerem, Maria não aguentara o choque.Continuava a falar com o olhar fixo no mesmo ponto.- Foste tu que me perseguiste.Rhenan e Fionn não conseguiam vê-lo, mas sabiam a quem Maria se referia, tomando posições defensivas colocaram-se ao seu lado. Não foi necessário dizer nada a Eoghan porque também já se posicionara entre a mãe e a prima.- Eu sei quem tu és Lug dos Tuatha. Também te vejo. – Freya avançou sem medo - Mostra-te aos meus filhos. O que fazes na minha casa se não foste convidado?Lug tornou-se visível, apesar de manter uma saudável distância dos irmãos que o encaravam com cara de quem lhe desejava partir alguns ossos.- Estou aqui para oferecer os meus préstimos. As Sombras já estão à vossa porta, ainda agora as ouviram.- Conhecemos-vos bem. Vocês nunca oferecem ajuda sem pedir algo em troca. O que pretendem?- O Colar de Brisingamen, e em troca têm a protecção de todos os Tuatha.Freya sorriu-lhe. - Não me parece uma troca justa, afinal somos os responsáveis pelas chaves sagradas.- E onde as guardais? - fazendo um esgar, Lug continuou - Ah! É verdade! Não as conseguem encontrar.Maria observava-o sem medo. Rhenan segurou-a pelo braço impedindo que avançasse. - Está enganado! Sei onde estão, mas nunca direi. O Colar de Brisingamen não vos pertence. – voltou-se para Freya pedindo-lhe ajuda com o olhar. Aproximou-se de Maria dando-lhe a mão.- Sai da minha casa, não foste convidado e não és bem-vindo. - a Fada desaparecia e não voltaria a entrar. O acesso acabara de lhe ser negado por duas sidhes. Maria sentia-se confusa.Freya abraçou-a. - Acreditas no que te contei?- Não sei o que pensar, ainda me parece tudo surreal. Mas depois do que aconteceu não tenho motivos para duvidar. - Sentes-te preparada para ouvir o que ainda tenho de te contar?- Julgo que sim.- O que te fez acreditar? Foi quando caíste e bateste com a cabeça? – apesar do tom jocoso de Fionn estavam todos pendentes da sua resposta.- O Lochan falou comigo e confirmou tudo. Ficaram petrificados com os olhos postos nela. Rhenan branco como a parede. - Disse-me que sabia que ia morrer e por esse motivo decidiu esconder as chaves. Pediu-me que vos transmitisse que talvez exista uma maneira de o trazer de volta. Freya sentiu o chão desaparecer-lhe debaixo dos pés. Eoghan ajudou a mãe a sentar-se.- Espero que saibas o que estás a fazer. - Eoghan falava rispidamente ao ver a mãe fraquejar. Maria ignorou-o.- Disse-me que o seu corpo devia continuar escondido e protegido até chegar a hora. – aproximou-se de Freya - Também me pediu que lhe dissesse “Nach uprisings dom go dtí go dtagann mé”
Published on March 20, 2020 03:00
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