M. Barreto Condado's Blog, page 6

October 14, 2019

CAVE ASSOMBRADA

- Bem-vindos a minha casa.

João recebia os seus amigos à porta.
- Parabéns meu. Bem, tens cá uma casa. – Alexandre estava excitadíssimo com o que via. – Também tens piscina?
- Tenho!
- Fantástico. Se soubesse tinha trazido os calções.
- Sabes que hoje é dia 31 de Outubro? Estamos no outono se calhar era melhor deixares esses mergulhos para o verão.
- Mas estamos quase no verão, o de S. Martinho. – Alexandre piscou o olho ao amigo passando por ele permitindo que os restantes colegas também entrassem.Todos lhe foram entregando presentes que ia deixando na mesa da entrada. Abria-os mais tarde o mais importante agora era estar com os amigos.
- Muito obrigada a todos. Então o que querem fazer?
- Hoje é o teu dia e estamos em tua casa. Diz lá o que foi que preparaste. – Joana deu-lhe um beijo.
- Os meus pais deixaram-nos uma mesa com comida e sumos na sala. Mas se quiserem podemos brincar no jardim ou no meu quarto. Na realidade onde quiserem.
- E onde estão os teus pais? – André olhava em volta
- Tiveram que sair, mas voltam ao final da tarde.
- Quer dizer que estamos sozinhos? – Pedro sorriu esfregando as mãos.
- Sim.
- Fantástico.
- Nem penses que vais fazer asneiras Pedro. Lembra-te que não estás em tua casa. – Ana não gostava nada quando o amigo se portava como um selvagem.
- Podes ficar descansada que não faço nada que tu não fizesses.
- Se quiserem posso mostrar-vos a casa.
Já não foi necessário responder. Nunca ninguém lá tinha estado e se por fora a casa parecia um castelo ali dentro deveria ser muito melhor.
João seguia à frente.
Começaram pelo andar superior onde se encontravam os quartos.
O seu quarto era muito espaçoso, com grossas cortinas que não permitiam a entrada de luz. Uma cama com uma forma muito esquisita, mas que parecia muito confortável. Com uma estante repleta de livros, tudo muito limpo e arrumado.
- Uau, és tu que limpas o teu quarto? – Alexandre estava realmente espantado se a sua mãe visse o quarto do amigo estava feito. Da última vez que limpara o seu tinha descoberto uma sandes de queijo meio comida, ou pelo menos ele achava que era queijo.
- Não. É a minha mãe.
- Meu! Não tens computador no teu quarto? Nem jogos? Só livros?
- Eu gosto de ler. Mas é claro que tenho computador só que normalmente uso-o lá em baixo na sala.
- Ah bom! Estava a ficar preocupado. – Alexandre revirou os olhos.
Já no andar de baixo quando se preparavam para entrar na sala Pedro parou em frente a uma porta fechada. Encostando o ouvido.
- Não disseste que estávamos sozinhos?
- E estamos.
- Podia jurar que ouvi algo a arrastar por detrás desta porta.
- A porta da cave? Devem ser ratos
- Tens uma cave? Fantástico? – Alexandre preparava-se para abrir a porta.
- Podemos ver?
João apertou as mãos uma na outra, não parecia muito à vontade com aquele desejo repentino dos amigos.
- Então e os ratos? – Joana não parecia muito convencida.
- Deixa lá os ratos. Vamos? – Pedro já se afastava para que João abrisse a porta.
- Sim.
Tiveram que descer uma escada de ferro. Repararam que as paredes eram forradas a madeira, a luz era muito fraca pelo que se agarraram no corrimão para não caírem. Quando chegaram ao fundo tinham mais uma porta. Empurrando-a para trás entraram numa sala forrada a veludo vermelho. Ao fundo existia uma mesa de carvalho com cadeiras a toda a sua volta e uma cortina escura com o brasão de família.
- Não sabia que eras de origens nobres. – Ana olhava para o amigo com atenção. – Isto aqui é uma sala fantástica.
- Mas não devíamos estar aqui em baixo. Os meus pais não vão gostar.
- Olha lá, mas afinal como é que te chamas mesmo? – Pedro olhava para o amigo
- João!
- Sim, mas João quê?
- João Pires.
- Mas aqui por cima do brasão tem qualquer coisa escrita como Van ou Vam.
- O meu nome é João Vam Pires!
- Vam Pires? Quase que soa a Vampiros. – Alexandre sorria
Sem que João respondesse nesse momento saindo por uma porta que não tinham visto escondida por detrás da cortina com o brasão apareciam os pais de João.
- Boa tarde meninos. Não deviam estar aqui. – o pai olhava para eles com os olhos brilhantes levando um copo aos lábios sorrindo.
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Published on October 14, 2019 03:00

October 13, 2019

O POÇO

- É um poço!

- Estou a dizer-te que é um esgoto.
- Poço!
- Esgoto!
Sandra e Mafalda continuavam numa acesa discussão no intervalo entre as aulas.
Os amigos aproximaram-se cautelosamente, sabiam que quando aquelas duas discordavam acabava sempre por sobrar para eles. Sentaram-se perto, porém a uma distância segura das suas mãos que não paravam de gesticular.
Pareciam zangadas, mas para quem as conhecia sabia que não estavam, aquela era a sua forma de se expressarem.
- Poço!
- Esgoto!
- Será que podem parar por alguns minutos essa interessante conversa e dizerem-nos qual o motivo de mais esta discordância? – Pedro olhou primeiro para Sandra que parecia um pouco mais irritada do que a amiga.
- Aquele buraco ali ao fundo tapado com grades o que é que te parece? – apontou com o dedo na direção do extremo oposto do pátio voltando a cruzar os braços sobre o peito olhando para Mafalda com um olhar vencedor.
Gonçalo olhou para o amigo com uma certa pena dele sabia que independentemente da sua resposta nunca sairia vencedor pois uma delas não iria gostar do que dissesse.
Voltaram-se as duas para ele encarando-o, cada uma esperando que confirmação a sua suspeita.
Gonçalo sorriu-lhe levantando o polegar para cima tentando dar-lhe força.
- Bem… - Pedro começou a medo – parece-me um “poto” mas também pode ser um “esgoço”.
Olharam os três ao mesmo tempo para ele. Gonçalo começou a rir perante a diplomacia que o amigo utilizara para se safar daquela situação aparentemente sem escapatória possível.
- Um poto? – Sandra olhava-o com as mãos na cintura – Mas que raio é um poto?
- Um esgoço? – Mafalda aproximou-se olhando-o bem perto nos olhos – Mas tu estás bom da cabeça? Essa palavra não existe.
- Tens a certeza? – Pedro começava a sentir-se mais confiante. – Podia jurar que ou é um ou outro.
Gonçalo ria-se à socapa olhando para o amigo com admiração. Só mesmo ele para acabar com uma discussão entre as duas tão eloquentemente.
Pedro continuava a olhar para as amigas. Não se tinha mexido nem um milímetro sentia-se confiante.
- Olhem que é muito fácil descobrirmos o que é.
- E o que sugeres? – Sandra aproximara-se.
- Temos que retirar a grade e entrar.
- Enlouqueceste? – desta vez era Gonçalo quem se aproximava, perdera subitamente a vontade de rir. 
– Estás maluco? Nunca nos deixarão lá entrar. Além do mais não me agrada muito a ideia de andar a passear num esgoto.
- Ah! Ah! Então tu também pensas que é um esgoto. – Mafalda virou-se de repente para Sandra batendo com o nariz na sua cara – Au! Magoaste-me.
- Eu é que te magoei? – esfregou a bochecha com a mão apesar de a amiga ter o nariz pequeno era forte como uma águia.
- Isso agora não interessa. – Mafalda continuava a esfregar o nariz. - Vês o Gonçalo também pensa que é um esgoto.
Olharam as duas para ele na esperança que confirmasse o que acabara de dizer. Pedro veio em seu auxílio.
- Não. O que ele queria dizer é que aquilo parece um esgoto, quando na realidade é um esgoço.
- E lá estás tu a inventar palavras. Afinal o que é que tu achas mesmo que é? E não nos tomes por tolas que não somos.
Tinha que pensar em algo muito rapidamente não queria que as duas ficassem zangadas consigo.
- Como já vos disse a única maneira que temos para tirar essa dúvida é irmos lá dentro. E eu tenho uma ideia de como o fazer. Hoje ao final do dia.
- Eu não quero ir. Ouvi dizer que ali vivem umas bonecas de porcelana que fazem mal a quem lá entre. – Sandra tremeu agarrando a mão de Mafalda.
- Podemos sempre espreitar lá para dentro e ver se vimos alguma coisa. – Sugeriu Gonçalo 
Não foi preciso dizer mais nada. A medo, mas decididos avançaram através do pátio passando por outros colegas que pareciam alheios ao que pretendiam fazer. Baixaram-se, olhando para dentro daquele buraco escuro tapado por fortes grades. Pedro abanou-as, sem as conseguir mexer. Os seus olhos aos poucos começavam a habituar-se aquela escuridão que se via lá dentro quando começaram a ver pequenos pontos brilhantes bem lá no fundo, pareciam olhar para eles com a mesma curiosidade com que olhavam lá para dentro.
Mafalda começou a choramingar agarrando com mais força a mão da amiga.
- Eu disse-vos que aqui viviam bonecas de porcelana que nos querem fazer mal. Vocês não conseguem ver os olhos dela a seguir-nos?
- Não sejas tola – Gonçalo aproximava mais a cara da grade – aquilo devem ser ratos.
- Sim Mafalda – Pedro continuava a olhar lá para dentro como que hipnotizado. – Só podem ser ratos.
Saíram daquele marasmo quando ouviram a voz da professora atrás deles que os chamava. Saltaram assustados por terem sido apanhados a conspirar.
- Não me ouviram chamar?
- Desculpe professora, mas não. – Sandra desculpava-se por todos.
Já se tinham levantado, mas não se mexiam.
- Deixaram cair alguma coisa aí dentro?
- Bem…não…foi mais… - Gonçalo gaguejava não sabia o que dizer e os amigos também pareciam ter ficado sem desculpas.
- Sabem que se conta uma história muito antiga sobre este local?
Olharam todos para a professora com curiosidade, não foi preciso responderem porque os seus olhos pediam-lhe que lhes contasse essa história.
- Pois bem, – a professora sorriu-lhes – há muito tempo quando ainda não existia aqui a escola uma menina mais ou menos da vossa idade andava a brincar às escondidas com os seus irmãos e escondeu-se dentro de um poço, que estaria mais ou menos neste local onde estamos agora.
Sandra olhou para Mafalda com um olhar triunfante, mas não disse nada.
- Naquele final de tarde enquanto brincava com os irmãos às escondidas desapareceu. – Fez uma pausa - Como não voltara a aparecer e os irmãos não a conseguiam encontrar foram chamar os adultos. O mais estranho é que no local onde fora vista pela última vez apareceu uma boneca de porcelana igual a ela encostada à entrada do poço. O seu pai levou a boneca com ele para casa e continuou a procurá-la insistentemente. Com o passar dos dias o poço secou misteriosamente e foi fechado com grades para que a curiosidade não levasse outras crianças a procurarem aquele local.
- Como é que se chamava a menina? – Mafalda estava com lágrimas nos olhos, podia ter-lhes acontecido o mesmo se tivessem ido na conversa dos amigos.
- Benedita!
- E voltou a aparecer?
- Digam-me vocês.
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Published on October 13, 2019 03:00

October 12, 2019

PALHAÇOS

- Odeio Palhaços!

- Coitados eles até que são bem engraçados
- Isso dizes tu. Mas a mim metem-me medo.
- Mas porquê? – João continuava a comer a sua tosta mista enquanto falava
- Não tens ouvido falar dos palhaços assassinos? – Miguel abriu um pacote de bolachas que a mãe lhe tinha enviado.
- Isso são pessoas que não andam bem da cabeça e se vestem de palhaço para fazerem disparates.
- Não interessa se estão bons da cabeça ou não. Eu tenho medo e não gosto deles.
- Olha mudando de assunto o que é que queres fazer amanhã à tarde?
- Sei lá. O que é que tem amanhã à tarde de tão importante?
- É Halloween.
- Uhhhhh. O dia das Bruxas.
- Ou dos palhaços.
- Pronto acabaste com a minha boa disposição.
Separaram o lixo colocando-o nos respectivos caixotes de reciclagem.
- Podíamos ir ao cinema. Isso se a minha mãe deixar.
- E a minha. Vai ser difícil na próxima semana temos teste de Português.
- Então temos que pensar noutra coisa. Podíamos jogar à bola lá em minha casa.
Naquele momento o vento ganhou mais força começando a rodopiar no centro do pátio onde se encontravam levantando muita poeira. Baixaram a cabeça fechando os olhos para se protegerem, colocando os gorros dos casacos sobre a cabeça. Quando o vento amainou ainda se encontrava muita poeira no ar não conseguiam ver mais do que um palmo à sua frente.
Mas o que conseguiram ver deixou-os gelados. Várias sombras começavam a materializar-se. E apesar de não se mexerem olhavam na sua direcção. Não estava ali mais ninguém além deles os dois e pelo menos seis palhaços com um ar muito zangado.
Apertaram as mochilas com força, não ousavam falar, tinham medo. Medo que eles começassem a avançar para eles.
- Miguel agora quem começa a ter medo deles sou eu. – sussurrava – De onde é que eles apareceram? Foi a muito custo que o amigo lhe respondeu.
- Não sei. Mas temos que sair daqui o mais depressa que conseguirmos.
- E tens alguma ideia de como o fazer? Teremos sempre que passar por eles.
- Estou a pensar.
- E se corrêssemos na mesma direcção e os empurrássemos à nossa passagem?
- E se um deles nos agarra?
- Para onde é que vamos se conseguirmos sair daqui?
- Para a biblioteca deve lá estar uma professora. Percebes agora porque é que os odeio?
- Não digas isso que eles ainda te ouvem e depois é que são elas.
- De onde é que eles apareceram? Quem serão?
- Olha eu não faço questão de lhes perguntar. Quando quiseres sair daqui avisa. Mas cá por mim saia já.
- Quando contar até três.
- Mas quando chegares ao três ou antes de dizeres três?  
Olhou para o amigo incrédulo.
- Olha e que tal JÁ! – gritou e começou a correr na direcção da entrada da escola com o amigo no seu encalço.
Passaram pelos palhaços e a muito custo conseguiram dar com as portas. O local estava deserto. Parecia que tinham atravessado uma porta mágica e tinham entrado num mundo paralelo ou quem sabe num circo.
Correram pelos corredores enquanto gritavam “está aí alguém?”, “ajudem-nos”. Porém nenhum deles se atrevia a gritar que estavam a ser perseguidos por palhaços. Além de soar muito mal ninguém acreditaria neles.
As portas estavam quase todas fechadas aparentemente eram as únicas pessoas ali. Depois de muito correrem conseguiram chegar à biblioteca entrando e fechando a porta atrás deles.Sentaram-se no chão encostados à porta a arfar. Um suor frio escorria-lhes pelas costas sentiam medo, muito medo.
- O que é que acabou de acontecer aqui?
- Os meus piores medos ganharam vida.
- Tudo isto é muito estranho achas que estamos a dormir?
- E a ter o mesmo sonho? Pois, não me parece.
- Como é que chegamos a casa?
- Não sei. Mas enquanto aqui estivermos fechados julgo que estamos protegidos.
- E se não voltarmos para casa no final do dia os nossos pais vêm à nossa procura.
- Então só temos que aqui ficar aqui quietos. Mas antes disso tenho que ir à casa de banho.
- Mas para isso temos que abrir a porta para que possas sair. Não acho boa ideia.
- Tenho mesmo que ir.
Levantaram-se a custo ainda a decidir o que fazer a seguir e nesse momento viram que os palhaços estavam ali parados a olhar para eles através do vidro da porta da biblioteca…
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Published on October 12, 2019 03:00

October 11, 2019

DENTRO DO ESCURO

- Bom dia a todos. Como estamos a poucos dias do Halloween, pensei que podíamos aproveitar a aula de hoje para falar um pouco sobre o que é e como se celebra. Alguém tem alguma ideia?
- Contamos histórias de terror!
- Vimos filmes de terror!
- Fantasmas!
- Fadas!
- Vampiros!
- Bruxas más!
- Criaturas lendárias!
A professora levantou a mão para que se fizesse silêncio. Não foi fácil acabar com o burburinho que se gerara naquele momento.
- Meninos então! Não se esqueçam que estão a decorrer aulas nas salas aqui ao lado.
Assim que se fez silêncio, pode continuar.
- Muito bem esta celebração tem um pouco de isso tudo mas é muito mais. E eu tenho andado a pensar nos últimos dias como poderemos tornar esse dia real. Por isso gostaria de vos desafiar a fazer uma pequena actividade.
- Vamos ter que fazer uma redação? – a voz soava desanimada
Sorriu-lhes
- Não. Mas vão ter que contar aqui na sala de aula tudo o que sentiram.
Olhavam uns para os outros muito curiosos.
- Antes que me perguntem o que vamos fazer agradecia que se levantassem calmamente sem arrastar as cadeiras e que me seguissem.
- Onde é que vamos professora?
- É uma surpresa.
Saíram da sala de aula e caminharam através dos corredores. Não sabiam para onde iam nem queriam saber.
- Chegámos!
A professora parou de repente em frente de uma porta fechada.
- É aqui que quero fazer a experiência.
- Mas aqui não é a sala onde arrumam as vassouras?
- E o papel higiénico?
- Que porcaria.
- Deve estar cheio de aranhas.
- E ratos.
Já ninguém parecia muito entusiasmado com aquela aula.
- Então meninos. Garanto-vos que não há nem ratos, nem aranhas, nem nada esquisito.
Pelas caras não pareciam muito convencidos
- O que é que esta sala tem a ver com o Halloween?
- Tudo! Vou pedir-vos que entrem, se sentem no chão e fechem os olhos. Vão passar aí dentro esta próxima hora de aulas.
- Estamos a ser castigados?
- Castigados? Claro que não. Como vos disse é uma experiência. Vão ver que a melhor maneira de sentirem o verdadeiro espírito de Halloween será no escuro com os vossos amigos por perto.
- Parece mais um castigo.
- Mas não é. Agora entrem.
- Mas professora, esta sala está às escuras, onde está a luz?
- Não tem luz.
Houve quem tremesse de medo, mas não querendo ficar mal à frente dos amigos lá foram entrando e sentando-se no chão.
- Agora vou fechar a porta, mas fico aqui do lado de fora. Não se esqueçam de manter os olhos sempre fechados.
- E o que devemos fazer aqui.
- O que quiserem desde que não se levantem nem abram os olhos.
- Então não podemos fazer grande coisa.
- Pode ser que se surpreendam. Até já.
Despedindo-se fechou a porta.
O silêncio que se abateu sobre eles era aterrador, houve quem choramingasse, quem entreabrisse um olho para o voltar a fechar. Ouvia-se a respiração ofegante de alguns, as mãos suavam. Mas mantiveram-se sentados quietos como lhes tinha sido ordenado.
- E agora o que fazemos.
- Nada.
- Temos que fazer alguma coisa.
- E o que sugerem?
- Eu tenho medo do escuro.
- O escuro não mete medo a ninguém.
- E o que se esconde lá dentro?
- Não se esconde nada lá dentro.
- Mas existem fantasmas.
- Já viste algum?
- Não!
- Então é porque possivelmente também não existem.
- Mas os vampiros existem e gostam do escuro.
- Não esses gostam é de sangue e pescoços.
- Não falem assim que eu tenho medo.
- Isto não é uma cripta no castelo do Drácula por isso julgo que estamos a salvo.
- Odeio bruxas e essas aqui até que se davam bem estamos rodeadas de vassouras.
- Não te preocupes que as bruxas modernas voam em aspiradores.
- Estúpido.
Continuavam de olhos fechados e conversavam. Muitos deles conversavam pela primeira vez uns com os outros. Mas mais importante falavam sobre tudo o que os assustava e juntos conseguiam esquecer os seus medos.
A hora passara muito rapidamente e ali estavam eles sentados no chão de olhos fechados a rir dos disparates que iam dizendo. Quando ouviram a porta abrir atrás deles e quando se voltaram gritaram pois quem os chamava…
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Published on October 11, 2019 03:00

October 10, 2019

SPRINT PARA A MORTE


Atravessava o parque como se fosse perseguido pelo próprio Diabo, a camisa colada ao corpo, as mãos sujas de sangue a prova de um crime que não cometera, voltar para trás não era opção era assumir uma culpa que não era sua. Ouvia as sirenes da polícia, aproximavam-se, os gritos aqueciam a fria noite mas gelavam-no por dentro. Aproveitava a escuridão para se afastar daquele nefasto local, não sabia para onde ia, só não podia parar. Já vira demasiadas séries policiais para saber que não devia tocar num corpo caído, mas quando percebera que ainda respirava não hesitara. Segurara-a nos seus braços. Agora enquanto fugia através do parque sentia a mente dormente, o corpo ameaçava ceder não podia voltar para trás ninguém acreditaria na sua palavra. Chegara ao portão. Foi quando a viu do outro lado da estrada. A mesma mulher que tivera nos seus braços. Afinal não morrera. Então de quem era aquele sangue que lhe escorria das mãos? Sentia a camisa colada ao corpo, era o seu sangue que a prendia.
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Published on October 10, 2019 03:00

October 9, 2019

ECLIPSE


Estados Unidos da AméricaCosta Noroeste e Sudeste10:16h (hora local)
A Lua começava a tapar o Sol, deixando parte da Terra numa semi-escuridão. Encobertos por este fenómeno os seres que se tinham mantido escondidos durante os dois últimos séculos saiam finalmente durante os parcos minutos que a escuridão lhes proporcionava para se alimentarem.
A temperatura baixava permitindo que andassem no meio de nós.
Saiam dos seus casulos nas profundidades das abandonadas minas de carvão onde tinham encontrado a segurança necessária para fazerem o seu covil. Arrastavam os corpos dissecados que tinham mantido no seu interior para se irem alimentando atirando-os displicentemente para longe.
Caminhavam entre os vivos uma vez mais, olhavam para cima, sabiam que não tinham muito tempo pelo que a sua prioridade seria alimentarem-se e posteriormente transportarem algumas vidas ainda com eles para servirem de gado.
Passaram por vários humanos desconhecedores do mal que se aproximavam olhavam para cima na esperança de ver aquele circulo negro que deixava parte da Terra às escuras em pleno dia.  Esquecidos de tudo não se apercebiam do que lhes acontecia até ser tarde de mais.
Os seres frios onde o coração não batia há muitos séculos, agarraram nas suas indefesas vitimas sem que estas os sentissem aproximar. A vida era-lhes sugada até se transformarem em pó. No meio daquele torpor para o qual eram arrastados só conseguiam sentir que a consciência as abandonava. A sorte bafejou aquelas cujas vidas se extinguiu num sopro tal era a fome dos seus atacantes, as que eram colocadas numa semi-inconsciência e transportadas para dentro dos túneis momentos antes da luz recomeçar aos poucos a aparecer não teriam a mesma sorte.
Os seres voltavam lânguidos para o seu covil, com a boca marcada de sangue, gorgolejando de satisfação enquanto saboreavam o sabor das vidas que tiradas.
Para os infelizes atirados para dentro de jaulas esperava-os um sofrimento inigualável, iriam ser consumidos aos poucos e durante o tempo que conseguissem resistir. Alguns já tinham acordado do seu torpor choramingando encostados a um canto a olhar para aqueles olhos vermelhos sequiosos de sangue, aqueles esgares de longos caninos nos corpos nus e pálidos. Não queriam acreditar no que estava a acontecer. Aquilo não acontecia. Os Vampiros não existiam.
A verdade é que existem e vivem e alimentam-se no meio de nós.
A realidade é que a ajuda nunca chegará para aqueles que se tinham deixado apanhar.
A ajuda nunca chegará a tempo de os retirar do seu triste calvário antes que o fim chegue.
Todos aqueles que sabem da existência destes seres, e são muitos, não falam. Poderia pensar-se que por medo. Mas não! Esses temem a morte mais do que a semi existência e por esse motivo decidem que ser como aqueles seres é a única opção de continuarem a caminhar nesta Terra. Eles são os seguidores. Aqueles que vivem entre nós, os verdadeiros monstros.
Por esse motivo cuidado com o próximo eclipse, pois eles voltarão a sair e desta vez podes não ter a mesma sorte.
Agarra nas estacas, nos crucifixos, no alho, na água benta, e nunca, mas nunca os deixes entrar.
Se não voltares a encontrar um amigo ou familiar, não procures mais pois o que procuras não será certamente o que encontrarás!

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Published on October 09, 2019 03:00

October 8, 2019

in "FAMÍLIA IDEAL - DIA NOVE - FAMÍLIA FELIZ", de MBarreto Condado


“Família Feliz”, carne de vaca, frango, camarão, legumes, e uma quantidade de ingredientes indecifráveis, o que dificulta a compreensão da sua confecção aos comuns dos comensais. Porém, continua a ser um dos pratos mais requisitados nos restaurantes chineses.
“Família Feliz”, será nostalgia chinesa ou uma péssima tradução feita em cima dos joelhos que na realidade significa “molhenga para esfomeados sem palato”.
Não é um prato refinado, mas é afortunadamente acessível a qualquer um. Esteja a bolsa atestada com a proveniência do labor, de uma semanada, de uma mensalidade parental, de favores, enfim, não nos compete julgar.
“Família Feliz”, apesar do apelativo nome e olhando atentamente para o prato apercebemo-nos que não parece um manjar muito satisfeito.
Uma coisa é certa, “Família Feliz” não é certamente um prato que nos deixe afogueados.
Parece um plano militar, uma fraca preparação para uma ideológica guerra onde não há vencedores.
A questão que se coloca a quem pede o prato, passa por uma exaltação de bem-aventuranças.Será seguro come-lo, ou, o retorno do destino virá para nos engasgar com um pedaço de bambu, um cogumelo, uma acelga? Sabendo que a última ajuda a tratar micoses talvez seja a motivação necessária para arriscarmos.
Quando pedimos a “Família Feliz”, temos acima de tudo de estar de bem com a nossa consciência. Até porque com uma consciência irritada, os errantes constrangem-se.
É usual escutarmos da mesa do lado, que aparentemente também pediu o mesmo prato, alguém afirmar convictamente: “Bem podes tentar, mas comigo não pega”.
Permitam-me discordar, porque um prato com um molho tão pegajoso “pega” seguramente, nem que seja aos dentes ou ao céu da boca. O que no caso de algumas pessoas acaba por ser uma bênção. Com as bocas encerradas ainda que temporariamente evita-se que o ecoar dos ocos e ínfimos cérebros lhes saia sem nexo.
“Família Feliz”, faz-nos pensar no que os ingredientes displicentemente atirados dentro do prato sentirão. Dor? Inveja? A separação das suas verdadeiras famílias? Sim, porque a vaca não se casou com o frango e deu à luz o camarão numa cama de bambus.
Será que a posição de uma fina fatia de vaca incomoda o frango ao seu lado, ou até mesmo o minúsculo e corado camarão?
A verdade é que enquanto a tábua do meio da mesa continuar a sua diabólica roda do destino, aquela estranha “Família Feliz” deixará de o ser quando começar a ser dividida pelos diversos pratos. É um momento de crueldade, é brutal, agora que se tinham começado a habituar a repartir o mesmo molho.
Felizmente para a “Família Feliz” que algumas famílias não sofrem do mal limitando-se a pedir galinha, vaca ou porco ainda que agridoce.
Dou comigo a pensar se existirá alguma família por esse mundo fora a identificar-se com o prato e a sentir-se ofendida.
Caso tal aconteça, recomendo evitarem comidas com misturas e nomes estranhos.
Para a Família Ideal não recomendo de todo a “Família Feliz”, mas os excelentes pratos tipicamente portugueses: tripas, iscas, dobrada, mão de vaca, túbaros e como sobremesa rabanadas.
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Published on October 08, 2019 03:00

October 7, 2019

in "FAMÍLIA IDEAL - DIA OITO - ROSA BIPOLAR", de MBarreto Condado


Dia Oito
Poderia ser uma manhã como tantas outras. Mas não era!
O cheiro nauseabundo empestava o ar…e, se por momentos parecia provir do adubo dos campos circundantes, bastava abrir a porta da rua para ver a ferocidade com que um Tsunami de restos, alguns ainda em processamento, mas todos oriundos de familiares intestinos, galgava com ferocidade tudo o que se atravessava no seu temido percurso.
A situação parecia crítica!
Porém, nada que o altruísmo, o bom-senso, a perspicácia, a inteligência e, principalmente um excelente otorrinolaringologista não conseguissem resolver. Este último com uma laboriosa tarefa em mãos. Conseguir limpar os receptores olfactivos, não é tarefa para um só médico, felizmente existem canalizadores graduados.
Se a cena que se desenrolava à minha frente era o exemplo de digestões mais ou menos sumptuosas, o meu sistema olfactivo parecia não conseguir processar tanta informação.
Dizem os entendidos que os odores influenciam a nossa vida, que nos transmitem sentimentos, recordações, memórias. A verdade é que naquele momento só conseguia pensar saudosamente em papel higiénico, muito de preferência.
Afirmam os mesmos estudiosos que os odores nos transmitem paz, alegria, equilíbrio, entre tantos outros sentimentos positivos. Mas quem acabou por me acalmar o estômago foi o poema de Laurindo Rebelo.
E enquanto via o rio continuar o seu sinuoso percurso à minha porta, ia-o recitando mentalmente como uma mantra…
“No cume daquela serraEu plantei uma roseiraQuanto mais as rosas brotam,Tanto mais o cume cheira…”
Parada à porta de casa, lixívia numa mão, mangueira na outra, esperando que a enxurrada parasse…
“…Mas se as águas vêm correntes,E o sujo do cume limpam,Os botões do cume abrem, As rosas do cume grimpam.”
E, no momento, em que recebi o ok de que o pior já passara e podia finalmente começar a limpar as “alheiras” alheias, agradecia mentalmente ao poeta pelas suas palavras, tinha sido a força contida nelas que me tinham aguentado durante tamanha empreitada. 
E a flor delicada, cheirosa e temerosa, que momentos antes se mantivera apática, transformou-se com a mesma velocidade como aquele mar de restos, nos espinhos que transporta.
Foi somente naquele momento, que tive consciência plena da essência daquele ser com a ajuda do final do poema.
“…Tenho, pois, certeza agoraQue no tempo de tal rega,Arbusto por mais cheirosoPlantado no cume pega.
Ah! Porém o sol brilhanteLogo seca a catadupa;O calor que a terra abrasaAs águas do cume chupa.”
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Published on October 07, 2019 03:00

October 6, 2019

in "FAMÍLIA IDEAL - DIA SETE - SUPERSTIÇÕES", de MBarreto Condado

Dia Sete

Era uma perfeita sexta-feira.
O sol brilhava.
Uma fresca aragem matinal entrava pelas portadas de madeira com o seu característico cheiro anunciando o final do Verão.
Porém, aquela não era uma sexta-feira como as outras, transportava um estigma supersticioso. Era dia treze e, como se o número por si só não bastasse, era noite de Lua cheia.
E não é segredo, para todos sem excepção.
Todos sabem o que a Lua faz às mentes mais fragilizadas.
E na sua família ideal, os intelectos debilitados eram sem qualquer sombra de dúvida, uma característica marcante na maioria dos seus membros.
Olhou a contragosto para o relógio pousado em cima da mesa de cabeceira, passava pouco das dez horas, aquilo não era um horário normal para acordar. Principalmente quando as férias estavam quase a acabar.
Olhou para as camas das primas.
A mais nova ainda dormia e, podia jurar que na mesma posição em que se deitara já de madrugada.
A irmã dela, àquelas horas impróprias, já devia estar a fazer a sua implacável caçada aos surfistas duas praias afastadas daquela que costumavam frequentar.
Sentia muita pena daqueles rapazes.
Reparara por diversas vezes que, após os desgraçados descobrirem onde a prima vivia passavam a correr nas suas sandálias, tentando a custo camuflarem-se por detrás das pranchas, enquanto seguravam nas mochilas. Ainda ficava impressionada com a capacidade de equilíbrio deles. Mas, talvez fosse só a adrenalina a empurrá-los.
A verdade é que, por mais de uma vez, reparara que quando as perdiam na sua descontrolada fuga não voltavam atrás para as apanhar, o desespero de se afastarem da casa era tal, que preferiam continuar a chinelar com um único pé protegido das pedrinhas da calçada. Possivelmente rezando para que a camioneta já estivesse parada à sua espera.
Sentia pena deles. Mas ali não ia meter o bedelho.
A prima era completamente histérica e se tivesse a infelicidade de dizer alguma coisa caiam-lhe em cima.
A sua tia, a mãe dela gostava de afirmar a quem a quisesse ouvir, mesmo que ainda não estivesse bem conservada nos vapores do que bebera naquele dia, que tudo o que dizia era por ser uma invejosa.Por esse motivo decidira passar a ser uma simples espectadora.  
Mas não conseguia deixar de sentir pena pelos miúdos, que por aquela hora e apesar de usarem fatos térmicos, já deviam estar a entrar em hipotermia por se recusarem a voltar ao areal enquanto a prima ali se mantivesse prostrada a dar-lhes caça.
Sentiu a gata espreguiçar-se contrariada, aos seus pés.
Chamou-a com a mão.
Foi com satisfação que a viu aproximar-se a ronronar.
A pelagem de um preto inocente, à qual carinhosamente baptizara de Maléfica.
Sabia agora que não podia ter outro nome, aquele acentuava-lhe como uma luva. Era muito selectiva nas suas manifestações de carinho. Aceitava a família com total indiferença desde que não lhe ocupassem o seu espaço. Na realidade era o reflexo da sua própria personalidade.
Sorriu feliz, enquanto, Maléfica se enroscava no seu pescoço, voltando a ficar sonolenta.
O silêncio na casa era ensurdecedor, aproveitaria.
Sabia que naquele dia e, apesar da sua família também ser composta por treze pessoas alguém iria comer numa mesa separada por causa das superstições.
Interiormente rezava para que se lembrassem dela.
Afinal era o membro esquisito da família.
Bendita sexta-feira treze.
Só era pena que não se repetisse todas as semanas.  
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Published on October 06, 2019 03:00

October 5, 2019

in "FAMÍLIA IDEAL - DIA SEIS - ANIVERSÁRIO VERSUS VIAGEM", de MBarreto Condado


Dia Seis
Nascemos com prazo de validade.
O que não impede que o nosso percurso seja uma aventura.
Começa quando inspiramos pela primeira vez e acabará quando exalarmos o nosso último fôlego. Não decidimos quando começa, ou acaba. Mas esperamos que seja sempre sem sofrimento, rodeados dos nossos.
Se o tempo parece passar devagar quando somos novos. Rapidamente nos apercebemos que chegámos a uma altura da nossa vida, em que o bom e o mau deve ser celebrados diariamente e, o que fazemos com esse período que nos é oferecido depende totalmente de nós.
Infelizmente nunca o utilizamos como devíamos.
E é no momento que sabemos ter os dias contados, que alguns de nós lutam com todas as forças contra as fracas hipóteses que sabem ter pela frente. Não se entregam facilmente apesar de saberem que chegaram à última estação. Que exalarão em breve pela última vez.
Os que têm a felicidade de não o saberem, vivem numa ilusória ignorância.  
E, com todos os problemas que diariamente a vida nos atira para cima, esquecemo-nos de quem nos é querido e, que tal como nós, também um dia partirá.
A verdade é que nunca nos devemos deitar zangados. Devemos beijar quem se encontra ao nosso lado. Honrar quem nos criou.
Nos dias que correm são poucos os afortunados que conseguem chegar à provecta idade do merecido descanso, rodeados do amor e, da presença dos filhos, dos netos. Sentirem o seu calor.
Algo tão simples como começar o dia com um telefonema, uma única palavra “Bom-dia”.
Penso concretamente nos NOSSOS pais.
Na tristeza que devem sentir quando ficam sozinhos. Quando perdem a pessoa com quem criaram família. Com quem compartilhavam os mesmo hábitos. Onde um olhar dizia tudo, o silêncio demonstrava o amor e amizade que os unia, onde as palavras já nem eram necessárias. As memórias que mantém vivas através dos filhos e dos netos e, que no fim serão tudo o que resta.
Esperando passar os seus últimos dias rodeados do mesmo amor que tentaram transmitir à sua maneira. Nenhum de nós é perfeito, nem deve tentar almejar sê-lo.
Infelizmente! O amor desinteressado, o calor de um olhar, de uma palavra. Passa a desapego, desrespeito, as palavras são gritadas, os olhares de desprezo cortam como facas de gelo.
O respeito morre e, com ele a pouca luz que devia ser o farol que o acompanharia no final do seu percurso. Tão amado que fora pelos seus pais, torna-se num fardo para os filhos.
Os mesmos que celebram mensalmente, o dia em que perderam um dos progenitores. Com toda a pompa e circunstância nas redes sociais. Numa ridícula tentativa de manterem as aparências, de relembrar quão bons filhos são.
E quem ainda respira é posto de lado, esquecido.
E é no dia do aniversário de quem ainda cá está e sempre esteve ao nosso lado, que reconhecemos a verdadeira face de cada um dos filhos.
Um celebra de véspera, esquecendo que dá azar fazê-lo antecipadamente. Afinal já tem planos, longe do progenitor, que uma vez mais, não sabe se voltará a celebrar o próximo aniversário.
O outro vai almoçar de fugida, pelo menos no dia certo, porque afinal também não é ele que paga e acaba por ser sempre mais uma refeição à borla.
A verdade é que a história se repete dentro da mesma família e, é nela que encontramos os traços da verdadeira personalidade de quem nos rodeia.
Quando a avó que lhes abriu as portas da sua casa quando não tinham onde viver, os alimentou, lhes deu o calor e o amor de que tanto necessitavam, que esteve sempre presente. A mesma, que sabiam ter somente três meses de vida, e que corajosamente aguentou o suficiente para passar o seu último aniversário rodeada da família. É confrontada com a ausência de parte dela por estarem de férias e, não dar jeito nenhum sair da praia para uma celebração, independentemente de saberem ser a última.Verdade seja dita. Fazemos coisas das quais com os anos nos arrependemos, algumas das quais ainda vamos a tempo de corrigir. Outras já não!
Somos magoados, contrariados. Mas não temos o direito de magoar.
E, quando tudo se torna mais importante do que assegurar que quem nos deu vida não fica abandonado e, acima de tudo que não se sente um empecilho.
Que a nossa presença passa a ser uma obrigatoriedade e não uma presença doce e carinhosa.Quando passamos a sentir prazer numa indefesa crueldade sem limites. Tentamos à força colocar essa vida num lar para podermos receber a nossa parte da herança. É nesse momento que deixamos de ter carácter e, perdemos toda a ligação com a realidade.
Dizem que o Karma é lixado. Que o que fazes hoje receberás amanhã, possivelmente em triplicado. Porém, enquanto alguns de nós sofrem com a tristeza do isolamento, do abandono a que muitos pais são largados. Os seus filhos, continuam a viajar despreocupadamente, porque é normal depois das férias necessitarem de um dia de descanso antes de voltar ao trabalho.
Tudo se torna mais importante do que o pai. Uma viagem, um novo namorado, um novo psiquiatra, um novo trauma, possivelmente um novo carro.
Infelizmente a bipolaridade é uma doença séria e, o cinismo um dos piores defeitos!
O desinteresse, esse chegará tardiamente em forma de arrependimento.
Podendo ajudar, muitos de nós têm medo de o fazer. Evitamos a todo o custo ser acusados de nos querermos aproveitar dos bens terrenos que os herdeiros tanto prezam receber.
“Não faças aos outros o que não desejas que te façam a ti”. Continuará a ser a maior licção que levarão desta vida.
Sim! Porque no dia em que deixarmos de respirar, tudo o que transportamos é o nosso corpo. Porque a alma, andará de cá para lá, entre o Inferno e o purgatório à espera do não merecido perdão.
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Published on October 05, 2019 03:00