Jaime Lerner's Blog, page 6

November 6, 2024

A Casa do Baralho, episódio de Hoje: O Fim

Kalma Lá Harris tomou um calmante junto com o café da manhã. Hoje é o dia, pensou, nervosa. Poderia terminá-lo como a primeira mulher a governar a maior potência mundial. O único obstáculo era o candidato Trampo, que poderia terminar o dia como o primeiro réu condenado a ser eleito presidente da maior potência mundial.

Por isso a eleição não interessava apenas os norte-americanos. Quem a ganhasse teria enorme influência sobre os destinos do planeta inteiro.

Então, por que não ampliar o pleito para todo o mundo? Perguntou o assessor especial da presidência do Brasil, o senhor Zero Aidemim, na reunião do BRICS em Kazan, sugerindo uma moção do bloco para que os Estados Unidos abrissem o direito de voto para todos os cidadãos do mundo.

— Imaginem a bagunça que isso vai dar — respondeu o representante da Índia.

— A eleição deles já é uma bagunça, — gargalhou o líder do Irã — aliás, toda democracia é naturalmente uma bagunça.

RasPutin e Chi Jinhpong se entreolharam. Aos dois o tema eleições provocava brotoejas. E assinar essa moção seria admitir os EUA como o grande império global, o que era totalmente inaceitável. Já iriam descartar essa ideia como absurda, quando RasPutin pensou melhor. Há anos vinha tentando interferir nas eleições norte-americanas via hackers e fake news, em 2016 funcionou, em 2020 eles já estavam em alerta. Imagina se tivesse o poder de computar todos os votos russos e ainda os chineses para eleger um desastre como o Trampo para líder do inimigo. Seria a glória.

Chamou Chi para uma sala reservada.

— É a nossa chance de liquidar de vez com esse império capitalista.

— Sei não. Imagina se essa onda pega. Aí vão querer votar também nas eleições na Rússia e pedir eleições na China.

Rasputin, só de imaginar ficou pálido. Como iria conseguir manipular as urnas do mundo inteiro? Melhor era continuar aprimorando o trabalho dos hackers na surdina para influenciar o pleito rumo à vitória tramposa.

Voltaram para a reunião ridicularizando a proposta brasileira, e ainda derrubaram o apoio do bloco para dar ao Brasil um assento fixo na Conselho da Segurança da ONU. O Brasil, magoado, se vingou no regime do Mauduro, vetando a entrada da Venezuela no bloco. A Venezuela, magoada, ameaçou declarar Aidemim como persona non grata.

E você, se pudesse votar nessa eleição tão importante, colocaria o mundo nas mãos da primeira presidente mulher, ou do primeiro réu condenado eleito presidente?

Os norte-americanos escolheram o condenado.  

Será mesmo o fim do Império, ou apenas o fim do mundo? Não perca nos próximos episódios de A Casa do Baralho.

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Published on November 06, 2024 07:01

October 31, 2024

As Aventuras de Huckleberry Finn

Livro de Mark Twain, Estados Unidos, 1884

É incrível como uma obra escrita há cento e cinquenta anos mantém o frescor da linguagem e da narrativa até os dias de hoje.  Isso se deve, claro, ao imenso talento do autor, e a alguns recursos por ele aplicados.

O estilo: o livro é narrado em primeira pessoa por um jovem pouco letrado, sendo assim, é escrito em linguagem “falada”, uma mistura de gíria e corruptelas que se acentua ainda mais nos diálogos. É fácil diferenciar o grau de “instrução” dos distintos personagens pela maneira como suas falas são escritas. Não apenas isso, mas até os sotaques se desenham na escrita de Twain (o que se perde, consideravelmente, nas traduções), trazendo vida e cor ao texto. Não é à toa que o romance é considerado revolucionário na literatura norte americana.

Outro recurso aplicado é o humor fino + a habilidade do escritor de meter seus protagonistas em grandes enrascadas. Essa mistura magistral de humor e suspense consegue tornar uma trama repleta de situações dramáticas pesadas (uma criança que forja a própria morte para fugir de um pai abusivo, por exemplo) em uma obra cheia de aventuras excitantes e… alegria.

Acrescente a isso a quantidade de questões importantes que o livro aborda: escravidão e racismo, a ignorância associada à crueldade, a hipocrisia religiosa, temas que permanecem relevantes em dias atuais, apesar das imensas mudanças ocorridas daqueles tempos para cá.

E por último, a criação de dois personagens singulares, Huck e Jim, marginalizados pela sociedade e puros de coração, e a amizade comovente estabelecida entre eles.

As Aventuras de Huckleberry Finn é uma sequência de As Aventuras de Tom Sayer, livro infanto juvenil que obteve grande sucesso. Porém o texto de Huck, nos sete anos em gestação, cresceu para um romance profundo que vai além de entretenimento para o público juvenil. É curioso que na parte final do livro, quando Tom Sayer é inserido na trama, o texto torna-se mais infantil. Hemingway, que idolatrava As Aventuras de Huckleberry Finn crítica essa parte final, aponta-a como desnecessária. Eu a acho importante, apenas poderia ser bem mais breve nos detalhes das artimanhas criadas por Tom e no desfecho final.

O livro foi bem recebido na época, ainda que criticado e banido de algumas livrarias por sua linguagem “mais adequada às favelas do que a um público inteligente”, nas palavras do diretor de uma delas.

Em anos recentes houve polêmica em torno do texto, principalmente na questão do ensino dele nas escolas, pelo uso frequente da palavra nigger, hoje praticamente proibida por sua conotação pejorativa, mas na época normalmente empregada. Outro trecho polêmico é quando Jim  é descrito por Huck  como um negro de alma branca, pela dedicação e abnegação com que cuidou de Sayer, ferido na perna. Evidentemente, o uso do livro nas escolas exige também um estudo sobre a época e o contexto da época, pois não há dúvida de que a obra é um libelo antirracista e antiescravidão.

Estranhamente, As Aventuras de Huckleberry Finn foi publicado primeiro na Inglaterra e no Canadá (dezembro de 1884) e só depois nos EUA. Twain temia muito a pirataria e planejou que o livro fosse lançado nos três países no mesmo dia. Mas a edição americana teve que ser toda reimpressa quando notaram que alguém na gráfica havia feito uma brincadeira maldosa com uma das ilustrações, levando ao lixo toda a 1ª tiragem. O livro, portanto, só saiu em fevereiro de 1885.

Leia uma amostra:

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Published on October 31, 2024 06:34

October 24, 2024

Quo Vadis, Aída?

Filme de Jasmila Zbanic – Bósnia e Herzegovina, 2021

A década de 1990 foi agitada no continente europeu. No leste, o bloco comunista se dissolvia, após a queda do muro de Berlim; no centro e ocidente avançava a pleno vapor o projeto da União Europeia, a criação de um bloco econômico/político que teria moeda única, e devolvesse ao continente a força que suas potencias já tiveram no passado. O tempo parecia o mais propício para a unificação de uma Europa pacificada e alguns historiadores apressaram-se a declarar “o fim da História”.

Mas  a ex-Iugoslávia jogou um balde de água frio nesse cenário. O país, com diversas etnias  mantidas sob união pelo ditador Tito, desintegrou-se em várias repúblicas e originou conflitos armados que duraram cinco anos e evocaram lembranças da última grande guerra na Europa, pelos nacionalismos aflorados e atrocidades cometidas. O termo limpeza étnica voltou a assombrar como um fantasma do passado.

Quo Vadis, Aída? é um filme que retrata uma dessas atrocidades, o Massacre em Srebrenica,  do ponto de vista de uma mulher bósnia e muçulmana que trabalha como intérprete para as forças da ONU e faz de tudo para tentar salvar seus conterrâneos das forças sérvias, incluindo seus filhos e marido, numa guerra muito particular.

O título remete à celebre frase que virou símbolo dos cristãos perseguidos pelos romanos na época do imperador Nero. Pedro foge da capital e no caminho encontra Jesus se dirigindo ao olho do furacão. Aonde vais? Pergunta o atônito Pedro e Cristo responde que está indo à Roma, ser martirizado mais uma vez. Pedro entende a mensagem e dá meia volta.  Em Srebrinica, quase dois mil anos depois, os perseguidos são muçulmanos, os algozes são cristãos ortodoxos (sérvios) e católicos romanos (croatas).

A enormidade de conflitos morais e éticos que permeiam o filme, o ritmo alucinante e o trabalho da atriz, Jasna Duricic, que emana uma força absurda, prendem nossos olhos e mentes.

A diretora Jasmila não apenas dá vida à tragédia local, mas também levanta um questionamento muito forte sobre o papel das forças da ONU. Aliás, todos os filmes que assisti que envolvem as forças de paz da ONU, fazem uma crítica contundente à essa instituição e sua incompetência em cumprir o papel de forças da paz. Talvez por ser um paradoxo, uma força militar de paz, talvez por ser uma força deliberadamente enfraquecida, ou alheia às particularidades culturais dos conflitos.

O filme tem um impacto brutal, do tamanho da tragédia que ele retrata, e uma intensidade impressionante, desde a primeira, até a cena final.

Quo Vadis, Aída? pode ser visto na Amazon Prime Vídeo.

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Published on October 24, 2024 06:53

October 17, 2024

Ammonite

Filme de Francis Lee, Inglaterra – 2020

Ammonite é um molusco marítimo extinto há sessenta e seis milhões de ano, no dramático evento que originou a Era do Gelo e acabou também com os dinossauros. Como sabemos disso? Graças à paleontologia, o estudo de fosseis. 

Ammonite, no entanto, não é sobre fosseis ou seres pré-históricos. O filme recua no tempo apenas duzentos anos e tem como protagonista Mary Anning, uma paleontologista moradora da costa inglesa conhecida hoje como Costa Jurássica, pela quantidade de fosseis ali encontrados. Na época (1820), recém estavam sendo elaboradas as primeiras teorias sobre as extinções de espécies. E os achados de Anning viriam a ser importantes para essas teorias assim como mais tarde para a teoria da evolução.

O aspecto, porém, que menos interessa ao autor do filme é a biologia. Ele aborda a reclusão de Mary, seu obscurecimento como mulher e como pessoa pobre que se auto educou e ganhou prestígio no meio científico, embora sem o reconhecimento merecido, justamente por essas duas condições. E o tórrido romance que teve com outra mulher, algo escandaloso para a época, é o evento condutor da trama.

Saoirse Ronan (Charlotte) à esquerda e Kate Winslet (Anning) em trabalho primoroso.

Charlotte Murchison também é um personagem real e foi amiga próxima da Mary, mas não há nas várias cartas que trocaram, evidências que tiveram um caso amoroso. O filme, no entanto, toma essa liberdade para aprofundar a reflexão sobre o “lugar” da mulher na época, e a opressão social à quem não se encaixava.

Há uma aridez no filme, um tom cinzento e frio que expressa não só o ambiente da praia de Lyme, mas a condição de vida de Anning, externa e interna, até conhecer Mutchinson. Duas cenas filmadas de forma espetacular quebram essa monotonia cinzenta: a cena do banho de mar de Charlotte e a cena de sexo entre as duas. A primeira é quase uma cena de filme de horror, a segunda é a estonteante expressão de dois corpos finalmente livres do cativeiro. Creio que não vi uma transa tão bem filmada desde O Jogador de Robert Altman. A luz, principalmente como o filme usa a suavidade e o tom quente das velas naquele ambiente quase sem cor, tem também um trabalho primoroso como o das duas atrizes Kate Winslet (Mary) e Saoirse Ronan (Charlotte).

Outro ponto alto do filme, para mim é o final. Um final suspenso, que não entrega nada, entregando tudo.

Ammonite pode ser visto na Netflix.

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Published on October 17, 2024 08:06

October 10, 2024

Nobel de Literatura

Surpresa muito agradável: o Nobel de literatura de 2024 vai para a escritora sul-coreana Han Kang. A comissão do prêmio destacou “sua intensa prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”.  Concordo com a primeira parte, mas acho que ela vai muito além de expor a fragilidade da vida humana. Ela expõe a crueldade do ser humano como espécie e cria uma outra dimensão para a vida como refúgio dessa crueldade, utilizando as asas da imaginação artística.

O Blog fez resenha de duas das suas obras traduzidas para português: A Vegetariana e Atos Humanos. Clique nos nomes para ser direcionado a elas. Há um terceiro livro, O Livro Branco. Todos publicados aqui no Brasil pela Todavia. Han tem vários outros livros publicados entre contos, ensaios poesias e romances, desde 1995. O mais recente é de 2021 e será lançado em inglês em 2025.

É o primeiro Nobel de literatura da Coreia do Sul e deve abrir as portas do mundo para outros autores locais e para uma prosa ousada e inovadora.

Alerta: as obras são lindas, e profundamente tristes.

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Published on October 10, 2024 06:22

October 3, 2024

Tudo Pede Salvação

Série, duas temporadas, criação de Francesco Bruni, Itália 2022, 2024

Você desperta de manhã. Acorda em uma cama estranha. Tenta se lembrar de como chegou nesse lugar. Não consegue. Tenta se levantar. Descobre que está amarrado na cama. À sensação de estranheza junta-se um medo que vai crescendo. Foi um sequestro?

Isso é o que sente o jovem Danielle, na abertura de Tudo Pede Salvação, série dramática italiana que aborda o universo manicomial, ou melhor, o universo de uma clínica para doentes mentais. Ao ser informado que está hospitalizado e em que tipo de hospital, tem certeza que há um engano. Mas o engando é dele.

A primeira temporada lida com esse baque do protagonista, não aceitando inicialmente o fato de que está internado porque precisa de internação, a mudança do olhar dele sobre os outros pacientes e sobre si mesmo e o processo gradual de avanços e retrocessos rumo à tentativa de alta. Na segunda temporada Danielle começa a trabalhar na instituição como estagiário de enfermagem, tentando voltar a vida “normal”.

A série, assim como o processo de seu protagonista, tem altos e baixos. Diferente de inúmeras obras audiovisuais que retratam o hospício como um lugar de opressão, a clínica, pelo olhar de Danielle, transmuda-se de uma espécie de prisão para um espaço de tratamento e cura.  Às vezes Tudo Pede Salvação coloca açúcar demais e torna-se quase melada, lembrando o tom forçado de feel good movie de A Vida é Bela, por exemplo; às vezes beira o genial na sensibilidade com que trata seus personagens e como aborda seus conflitos mentais. No geral, é um drama que envolve, sem mergulhar em águas profundas, mas tem na leveza de abordagem e na estética algo muito italiano, que, enfim, dá prazer de assistir.

A segunda temporada termina com um gancho, ou seja, há intenção de ter uma terceira temporada. A série pode ser assistida na Netflix.

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Published on October 03, 2024 07:48

September 26, 2024

Ilha do Medo

Filme de Martin Scorsese – EUA, 2010

Scorsese dispensa apresentações. É um dos diretores mais prestigiados dos EUA, egresso da geração brilhante de cineastas oriundos de escolas de cinema que explodiram nos anos 1970, amigo de Brian de Palma, George Lucas, Copolla e Spielberg.

“Cinema é a minha religião” frase cunhada por ele, que representa muito bem o espirito dos então chamados The Movie Brats (os pirralhos do cinema),que revolucionaram o cinema estadunidense na estética, mas também na relação do diretor-autor com os grandes estúdios.

Ilha do Medo (Shutter Island) é um de seus filmes mais conhecidos que não tratam de ao menos uma de suas duas grandes obsessões: a cidade de Nova York e Gangsters. Embora seu protagonista seja um agente do FBI (ou assim somos levados a acreditar), o que ele investiga é o sumiço de uma paciente de um manicômio de segurança máxima. E o que o filme investiga, através de um thriller de perder o fôlego, é o processo mental de desconexão com a realidade. A cena inicial, uma travessia em águas revoltas a caminho da ilha, é uma alegoria perfeita para o início desse processo.

O primeiro ensaio do diretor nessa viagem por uma mente deteriorada deu-se em Taxi Driver de 1976, filme que catapultou sua fama. No entanto, os dois filmes são muito diferentes. Taxi Driver tem uma forte carga de crítica social, falado de um indivíduo engolido pela urbe, e cara de filme independente, quase underground. Ilha do Medo tem a estética de uma grande produção e vai mais fundo no labirinto psicológico que constrói. Em ambos, no entanto, estão presentes o estilo frenético do diretor e um arsenal de recursos visuais criativos que conduzem o filme, como a alegoria visual citada acima.

A direção de fotografia, assinada por Robert Richardson, é um dos fortes pilares do impacto fílmico que a obra produz, buscando o look dos filmes de estúdio dos anos 1950, época em que a trama acontece, tanto na densidade das cores nas cenas mais iluminadas, como no alto contraste de cenas noturnas.

Esse é também um dos raros filmes em que Leonardo DiCaprio consegue produzir na tela um personagem de carne e osso e não apenas apresentar um papel representado por… Leonardo DiCaprio.

O filme é adaptação do romance homônimo de Dennis Lehane, autor também de Sobre Meninos e Lobos (magistralmente adaptado por Clint Eastwood) e pode ser visto atualmente na Netflix.

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Published on September 26, 2024 06:29

September 19, 2024

A Casa do Baralho, episódio de hoje: A Guerra das Cadeiras

O dia 15 de setembro vai entrar na história dos debates eleitorais na TV. Foi o dia em que finalmente esse importante instrumento transmitiu para o eleitor, com alta fidelidade, a baixa integridade de seus candidatos.

Esse marco foi atingido no debate na TV Cultura, entre os que pleiteiam ocupar a cadeira de prefeito de São Paulo, maior e mais rica cidade do Brasil. O candidato MauSal, até então um desconhecido, resolveu seguir o exemplo do ex-presidente B para se destacar, com agressões e afirmações infundadas contra os adversários, só que elevando o nível da baixaria a outro patamar. Provavelmente aprendeu isso durante o período em que foi preso, aos 18 anos, como membro de uma quadrilha que invadia contas bancárias pela internet.

Essa estratégia logo o catapultou às primeiras posições nas pesquisas. Incentivado por esses resultados, deitou e rolou nas provocações no debate transmitido ao vivo. E levou uma cadeirada de um dos candidatos provocados, um apresentador de TV que começou no esporte, mas fez fama em programa sensacionalista criminal. O candidato Dá na Telha simplesmente pegou a cadeira da candidata ao lado dele a lançou-se com ela (a cadeira, não a candidata) contra o provocador. O âncora do debate, apavorado, mal teve tino de chamar o break comercial.

Após a cadeirada que mal o pegou de raspão, MauSal passou a noite em um hospital. Seu agressor foi expulso do programa e após o intervalo comercial o debate seguiu com os demais candidatos.

Há muito tempo que os debates entre os candidatos não vinham tratando de ideias e propostas, focando-se mais em desqualificar os concorrentes. Mas ainda que quentes, foram sempre duelos verbais. As provocações do MauSal (“você não é homem para me dar um tapa…”) e a reação do provocado tornaram a disputa pela cadeira numa briga de cadeiras.

Essa deterioração preocupou cientistas políticos e a mídia como um todo, afinal, é mais um risco à democracia. No entanto, a emissora do debate que ocorreu apenas dois dias depois, encontrou rapidamente uma solução: as cadeiras dos candidatos foram parafusadas ao chão.

O que impulsiona os candidatos da baixaria? Seria o baixo nível do eleitor? É um fenômeno apenas brasileiro ou é uma praga mundial? Não perca nos próximos episódios de A Casa do Baralho.

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Published on September 19, 2024 07:42

September 12, 2024

K – Relato de uma Busca

Livro de B. Kucinski, Brasil, 2011

K é sem dúvida uma peça literária singular. Alguns a classificam como autoficção, gênero em que o autor embaralha autobiografia e ficção. Mas não é bem isso, ou não é só isso. Kucinski amalgama duas linguagens, o texto seco e factual do jornalismo com o mergulho profundo na alma de personagens, sociedades e situações da alta literatura. Isso cria uma peça hibrida, por vezes esquisita, porém com um impacto acachapante ao final.

Kucinski conta a história de seu pai, um imigrante judeu da Polônia, através da história do desaparecimento de sua irmã pela ditadura militar brasileira. Curiosamente, o desaparecimento torna-se um descobrimento, pois a busca pelo paradeiro acaba revelando a K coisas que ele nunca imaginava sobre a filha.  A trama é construída de retalhos, pois é de retalhos que o pai busca entender a história completa do que aconteceu com sua filha. Essa junção de cacos de informação, essa peregrinação atrás de pistas, algumas falsas, vira a vida de K ao avesso e acaba o “integrando” à sociedade brasileira, ou a realidade do país em que vive. 

Na sombra do enredo principal, há outro desaparecimento do qual o livro fala. O desaparecimento da cultura judaica do centro e leste europeu, expressa principalmente pela literatura em idish. Não é à toa que K, de Kucinski, remete a K de Kafka e de Joseph K. Kafka não escrevia em idish, mas é um dos representantes dessa linhagem de escritores judeus europeus.  E suas obras criaram o termo kafkiano, termo que serve sob medida para a jornada de K em busca de sua filha.

O próprio idish, idioma dos judeus ashkenazim está desaparecendo, e essa é a principal preocupação do protagonista de K, até que o desparecimento da filha invade seu mundo e torna-se o centro de suas apreensões. A extinção da cultura idish acaba trazendo à tona o holocausto e liga os nazistas de Hitler aos fascistas da ditadura brasileira, através dos dois desaparecimentos.

K- Relato de uma Busca é um memorial, uma homenagem a quem não teve tumulo. Mas é também um acerto de contas com uma sociedade que não quer lembrar, prefere não ter que encarar responsáveis e responsabilizações com o pretexto da pacificação. Pacificação impossível de acontecer com a tentativa de esquecimento, de varrer os crimes para baixo do tapete.

É também um livro sobre identidade, e sobre a impotência e a culpa, sensações infligidas como uma tortura adicional pelos algozes aos parentes dos torturados nos porões. A maneira como K  traz à tona essa vivência dos familiares é o que o torna tão especial.

Bernardo Kucinski escreveu K aos setenta anos, foi sua estreia na literatura. O livro foi publicado inicialmente pela editora Expressão Popular, dois anos depois ganhou nova edição pela saudosa Cosac Naify e em 2016 pela Companhia das Letras. De lá para cá o autor publicou outros seis livros. K, em poucos anos virou um clássico/cult contemporâneo.

Leia uma amostra:

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Published on September 12, 2024 08:03

September 5, 2024

A Casa do Baralho, episódio de hoje: O X da Questão

As casas de apostas lamberam os beiços. Fazia séculos, desde os tempos do Império Romano, que não surgia um ringue tão interessante. Seria a luta entre um mamute e um crocodilo? Um gigante gladiador e uma iguana? Melhor do que isso: era a disputa entre um juiz todo poderoso no Brasil, e um multibilionário multinacional viciado em holofotes, nutrido pela crença de que dinheiro resolve tudo.

O magistrado brasileiro foi alçado ao Supremo Tribunal Federal, o mais alto cargo no judiciário, pela mão do então presidente T. Era seu Ministro de Justiça e T, temente que fosse preso tão logo passasse a faixa presidencial, colocava ali alguém de confiança para garantir sua tranquilidade.

Eis que a faixa foi passada para o capitão paraquedista B, e os escândalos de corrupção de T na presidência tornaram-se pálidos perto  da nova realidade e logo foram esquecidos.

Ironia do destino, ou dos roteiristas de A Casa do Baralho, o ex-ministro de T, promovido a Juiz Superior numa nomeação um tanto malvista, acabou assumindo o heroico papel de defensor da democracia brasileira. Ganhou imensa musculatura e o apelido de Xandão no combate às fake News. Seu mote: Hay que ser democrático, pero sin perder la autoridade.

Do outro lado do octógono, Hélio Musgo, tycoon de empresas de tecnologia que pretende colonizar o planeta Marte, para quando a terra já não for mais habitável, já que o projeto de aliviar o aquecimento global fabricando carros elétricos à preços de banana, não decolou. Comprou o Twitter, mudou o nome da plataforma para X e causou uma debandada de usuários. Seu lema: Eu chego, compro e arrebento!

E foi justamente no X, o Coliseu de nossa era digital, que se deu todo o imbróglio. No inquérito das fake News e dos ataques aos três poderes deflagrados pelos correligionários de B, aquele que sucedeu T e fez seus escândalos parecerem brincadeirinha de criança, o Juiz exigiu da plataforma fechar as contas de propagadores de fake News e discurso de ódio. 

Musgo se recusou a bloquear os perfis, Xandão devolveu com intimação da companhia. O bilionário então demitiu toda a equipe brasileira para não ter um representante legal que pudesse ser autuado.  Além disso, criou no X um perfil que ataca o desafeto, classificando suas decisões como censura.

Irado, Xandão mandou a Anatel bloquear o acesso dos brasileiros à plataforma e ainda mandou multar pesadamente quem usasse VPN para driblar essa decisão. Só não explicou como fiscalizar o uso das VPNs. Mas já impulsionou, sem querer, um novo golpe na praça: e-mails disparados por estelionatários em nome da Anatel avisando que o destinatário foi multado.

A primeira turma do STF votou em consenso referendando as medidas do Xandão. Musgo bradou que o juiz investia contra a liberdade de expressão. O supremo magistrado devolveu dizendo que o bilionário só defendia a liberdade de agressão.

O planeta, obviamente, logo se dividiu entre fãs e haters de um ou de outro, ansiosos pelo desfecho desse embate de titãs. O X da questão é: quem manda mais, o dono da empresa, ou a Justiça do país onde ela opera?

Para obter essa resposta, não perca os próximos episódios de A Casa do Baralho.

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Published on September 05, 2024 07:50