Jaime Lerner's Blog

September 18, 2025

Complô Contra a América

Livro de Philip Roth, 2004 + série de  David Simon, 2020 — EUA

Complô Contra a América  é uma obra diferente na literatura de Roth, não nos temas abordados, mas no gênero; é uma distopia a partir de um fato histórico que não aconteceu, mas poderia ter acontecido. Não é, portanto, imaginada em um futuro, como 1984 ou O Conto da Aia, mas no passado.

Abordando a real disputa entre Charles Lindbergh e o presidente Franklin Roosevelt visando as eleições de 1940,  o romance alterna o rumo da história dando a vitória ao famoso aviador (o primeiro piloto a atravessar o Atlântico em voo contínuo), sobre o experiente político que buscava  a reeleição.

O grande debate daquela disputa girava em torno da questão se os EUA deveriam participar da guerra contra os nazistas. Lindbergh pregava a neutralidade dos EUA no conflito, porém era simpatizante de Hitler e de seu regime. E com ele se tornando presidente, os sentimentos mais abjetos de uma América racista e autocrática começam a aflorar.  

David Simon, criador da revolucionária série The Wire, (A Escuta) e The Deuce, explora em sua adaptação do texto de Roth para minissérie esse processo distópico de forma brilhante. Principalmente por a série ter sido filmada no primeiro mandato de Trump, as conexões da História imaginada com a realidade atual são óbvias e o título, falando de complô contra os valores de liberdade e diversidade cultural ganha mais força.

Curiosamente, as obras têm movimentos contrários: o livro começa muito promissor, narrando as reações da família protagonista e de todo um bairro judaico frente à um entorno que começa a tornar-se ameaçador, mas empaca no meio e decepciona no final, desperdiçando o potencial dramático do argumento original. A série começa devagar, mas vai crescendo em densidade e termina em alta voltagem.

É brilhante como ela adapta a ferramenta literária do relato em primeira pessoa do menino Philip, o caçula da família. A série abre mão da voice over, tão usada em adaptações literárias para o audiovisual e, incialmente, nem dá destaque para o menino. No entanto, no avanço da trama, o olhar do garoto descobrindo o mundo, um mundo em crise em que os adultos tentam esconder das crianças a insegurança que os assola, conduz e acrescenta profundidade à situação dramática.

E esse contraponto entre a inocência que se perde e a compreensão (muitas vezes dolorosa) que se adquire sobre as coisas, enriquece radicalmente a obra.

Vale destacar que na História real, quem acabou com o debate sobre a participação ou não dos americanos na guerra foram os japoneses, atacando Pearl Harbour e lançando os EUA definitivamente no conflito armado.

Complô Contra a América, a série, pode ser vista na plataforma HBO/MAX. Você pode ler uma amostra do livro clicando abaixo.

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Published on September 18, 2025 07:08

September 11, 2025

A História da Minha Família

Série de Filippo Gravino – Itália, 2025

Muitos livros, filmes e séries foram feitos sobre o tema família. Essa Instituição que existe para nos proteger e preparar para o mundo lá fora, enquanto ainda somos seres completamente indefesos. Muitos enaltecem os laços familiares, outros criticam a instituição, principalmente quando ela trai sua vocação. My Happy Family, Totem, Roma, Assunto de Família, O Castelo de Vidro, Louças de Família, Mais Uma Chance, Família, Os Caminhos do Senhor são algumas dessas obras comentadas aqui no blog.

A História da Minha Família junta-se a essa trupe, abordando o tema de maneira muito peculiar, unindo enaltecimento e crítica ferina. Joga de forma interessante com os subgêneros tragédia e feel-good movie, transitando entre um e outro como transita entre passado e presente.  A estrutura não linear do tempo é um recurso muito importante para prender a atenção do espectador e expor aos poucos o que há por trás das aparências iniciais.

Além de trabalhar magistralmente com dois gêneros conflitantes, a série apresenta um arco dramático muito interessante de seus personagens, principalmente o da mãe do protagonista e da grande amiga Maria. Arcos que destroem julgamentos precipitados e preconceitos. O desenvolvimento desses arcos, ou seja, como os personagens mudam, ou como muda a percepção sobre eles ao longo dos seis episódios, é uma das maiores qualidades da série.

A História da Minha Família parte de uma situação para lá de dramática: Fausto está doente e sabe que morrerá em breve. Tem pouco tempo para resolver quem cuidará de seus dois filhos pequenos quando ele partir. A epopeia de Fausto para atingir seu objetivo, e a tentativa da “nova família” de honrar essa missão são os dois grandes conflitos da série, apresentados em paralelo, ainda que um surja como sequência (e consequência) do outro.

Eduardo Scarpetta interpreta Fausto. Cristiana Dellana interpreta Maria. Gaia Weiss interpreta Sara, a mãe de seus filhos, e Vanessa Scalera interpreta sua sogra, mãe de Fausto.

A série de seis episódios pode ser vista na Netflix.

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Published on September 11, 2025 06:50

September 4, 2025

A Casa do Baralho, episódio de hoje: A Bruxa tá Solta

No creo en las brujas pero que las hay, las hay/ ditado popular galego

Essa semana marcou o início de um evento histórico na Casa do Baralho. No país que virou república por um golpe de estado e teve mais presidentes “empossados” do que eleitos em eleições diretas e universais (inclusive um que deu dois golpes, foi tirado do poder pelos militares e depois ainda voltou eleito pelo povo),  está sendo julgado, pela primeira vez, um ex-chefe de estado por… tentativa de golpe.

As peripécias de B, no tocante a minar a democracia e atacar o STF, podem ser vistas em toda a segunda temporada de A Casa do Baralho e em alguns episódios da temporada atual.  Apesar desse robusto cabedal probatório, ele afirma que é vítima de uma caça às bruxas.

Dessa declaração pode se inferir que a bruxa, no caso, é ele.

Desde 2016 o mundo democrático vem sendo assolado pela sensação de que algo está profundamente errado nos resultados eleitorais. “A bruxa está solta”, vaticinaram analistas após o BREXIT e a eleição do fanfarrão Trumpete ocorridas naquele ano. Com o passar do tempo, outros episódios pelo planeta, incluindo a eleição de B na Casa do Baralho, ratificaram a impressão.  A democracia corria perigo.

O julgamento inédito no Brasil traz esperança de que as coisas comecem a voltar ao normal, por isso sua repercussão internacional. É curioso que nenhum dos advogados dos oito réus negue a tentativa de golpe, apenas descartam, cada um, o envolvimento de seu cliente. Um deles chegou a apontar que seu cliente não só não participou, como tentou demover o então presidente B  da ideia, o que comprovaria a culpa de B.

B,  no entanto, aliado à bruxa grande do norte, segue aprontando. Pressões econômicas sobre o Brasil e sobre os juízes vindas dos EUA, atestados de estado de saúde debilitado, projeto de Lei de Anistia para ele e os golpistas de 8 de janeiro no Congresso, manifestações convocadas e tumultos por parte de seus deputados, pululam diariamente tentando desestabilizar o processo, ou ao menos livrar o chefe da cadeia. E no próximo ano haverá eleições presidenciais. B, inelegível no momento, tem em seu currículo uma longa folha de escapadas inexplicáveis das garras da justiça.

Em outras palavras: mesmo que de tornozeleira e em prisão domiciliar, a bruxa ainda está solta. 

Será o ex-capitão, finalmente, condenado? E em condenado, cumprirá realmente sua pena? Não perca, nos próximos episódios de Casa do Baralho.

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Published on September 04, 2025 08:26

August 28, 2025

O Brutalista

Filme de Brady Corbet – EUA, Inglaterra e Hungria, 2024

Um filme super impactante do século XXI traz novamente aos holofotes um movimento arquitetônico que causou grande impacto na metade do século XX. O Brutalista impacta principalmente na maneira como une forma e conteúdo, ou a estética com a narrativa, provocando grandes questões e infinitas reflexões.

O Brutalismo foi um estilo arquitetônico que surgiu na esteira da Segunda Guerra Mundial, contrapondo-se ao modernismo que exalava otimismo em relação à evolução do ethos humano. Ao fim da Primeira Guerra Mundial – o conflito que terminaria com todas as outras guerras –, se imaginou um mundo melhor, sem praticamente mais conflitos armados.

Com essa visão pacifista/otimista soterrada pelo nazismo e as atrocidades bélicas da Segunda Guerra, surgiram novos movimentos artísticos e correntes filosóficas. Curiosamente, o nome não vem de brutalidade e sim do béton brute, ou concreto cru, em francês. Le Corbusier, um dos precursores do estilo o caracterizava assim: estruturas maciças, concreto aparente, funcionalidade acima de ornamentação e impacto visual poderoso.

Brady Corbet aplica essas diretrizes, principalmente as da crueza dos materiais e do poderoso impacto visual, em seu filme sobre um arquiteto judeu húngaro sobrevivente do holocausto que tenta reconstruir sua vida nos Estados Unidos. A Aspereza da textura, os altos contrastes com grandes zonas escuras e movimentos de câmera turbulentos, contrapostos com planos grandiosos e esplendidamente iluminados nos momentos de esperança no filme, unem a obra audiovisual com a alma artística do protagonista.  A trilha sonora acompanha à risca esse conceito estético.

Um dos momentos mais geniais (e há muitos) é a cena em que os personagens passeiam pela obra, quando só há um grande buraco. E nessa escavação Toth vai descrevendo o que haverá em cada sítio por onde caminham. O movimento de câmera e enquadramentos, os diálogos, as interpretações e a luz nos fazem visualizar uma construção que não existe e escancara a diferença abismal entre o artista judeu do leste europeu e seus anfitriões cristãos, norte-americanos.

Além da estética ousada, principalmente na direção de fotografia, o trabalho de Adrien Brody como Laslo Toth é pedra fundamental no impacto do filme. Para Brody o filme é tipo uma sequencia de O Pianista de 2002, dirigido por Roman Polanski. Lá ele interpretou um artista judeu polonês numa saga insana para sobreviver à perseguição nazista desde a ocupação de Varsóvia. O Brutalista começa onde termina O Pianista. E Brody conduz seu artista judeu sofrido com a mesma maestria em ambos os filmes.  

A reconstrução da vida no país que lhe dá abrigo acaba tornando-se brutal. E Laslo logo entende que nessa terra de oportunidades infinitas é visto como estrangeiro. Seu talento é usado, mas sua pessoa não é aceita. Em um diálogo com o filho levemente alcoolizado de seu “cliente” ele ouve que é apenas tolerado. Isso confirma o que já estava sentindo.

O filme também aborda a relação criador versus financiador, problemática existente desde que inventaram a arte (e o dinheiro). No filme esse conflito chega ao ápice numa das cenas mais violentas. Vale destacar também o papel importante de Erszébet Toth, a esposa de Laslo (Felicity Jones) e do benfeitor/admirador/antagonista Van Buren (Guy Pearce).

Embora longo, com mais de três horas de duração, e com uma estética e eventos pra lá de pesados, O Brutalista agarra o espectador pelo pescoço e o mantém preso, imerso na experiência. O filme teve dez indicações ao Oscar de 2025, faturou as de melhor ator para Brody, melhor direção de fotografia para Laurie Crawley, e melhor trilha sonora para Daniel Blumberg. Foi muito premiado no Festival de Veneza, no Globo de Ouro e BAFTA. Para Brody este foi o segundo Oscar, o primeiro ganhou com… O Pianista.

Você pode ver o filme na Amazon Prime Vídeo. Sugiro ler e ver alguns exemplos da arquitetura brutalista antes de assistir ao filme, para enriquecer ainda mais a fruição.

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Published on August 28, 2025 07:26

August 21, 2025

Precisamos Falar sobre o Kevin

Filme de Lynne Ramsay, Inglaterra, 2011

Buñol é uma cidadezinha espanhola de nove mil habitantes. Todos os anos, na última quarta feira de agosto, é invadida por dezenas de milhares de turistas para participarem de La Tomatina, uma celebração pra lá de bizarra, a maior guerra de tomates do mundo.

O que isso tem a ver com um filme britânico sobre uma família norte americana que tem um filho mais bizarro do que a festa mencionada? É nesse cenário de corpos e lama tomatina que Lynne Ramsay escolheu abrir seu filme, destacando de cara como domina magistralmente a metáfora visual.

O filme todo é estruturado como um gigantesco fluxo de consciência da protagonista, com fragmentos de memórias, pensamentos e sensações. As cenas de Eva, ainda jovem e solteira, curtindo a Tomatina em Buñol, é vibrante e tensa ao mesmo tempo, como será o filme todo. E a metáfora de banho de sangue, evocada nessas cenas e que envolverá Eva durante toda a obra, se estabelece com um motivo imagético desde os primeiros fotogramas. Sangue do qual ela tenta se limpar, sem sucesso.

Tilda Swinton como Eva, no “banho de sangue” em La Tomatina.

Precisamos Falar sobre o Kevin é adaptação de um romance, porém diferente da maioria das adaptações da literatura, o filme foge do texto e constrói sua narrativa principal na imagem, na montagem e no sensacional trabalho de atores de Tilda Swinton como Eva e dos guris que fazem o papel de Kevin, os meninos Jasper Newel e Rock Duer e o jovem Ezra Miller. John C. Reily como Frank e a Ashley Gerasimovich como Celia completam a família, também com atuações primorosas.

Essa arrepiante experiência audiovisual aborda um tema para lá de sensível, quase um tabu, mas como diz o título (do livro e do filme), um tema que não pode ser varrido para baixo do tapete.

Kevin é um psicopata por nascimento, ou as circunstâncias em que foi gerado e criado, tem a ver com o que se tornou? Eva, sua mãe, tem razão de sentir-se culpada pela monstruosidade do filho, ou por ter ignorado os sinais durante a infância dele?

A obra lança um olhar questionador sobre a maternidade e a pureza infantil, ou sobre os padrões que a sociedade determina para esses dois conceitos.  Mas não oferece respostas. E nem pretende oferecer.

O foco da autora é na mente de Eva – um turbilhão de dúvidas e arrependimentos – e como ela tenta atravessar a tragédia e sobreviver a cada dia, às vezes como um zumbi, uma morta viva, às vezes, em raros momentos, tentando esquecer para logo ser lembrada.

Precisamos Falar sobre o Kevin é um filme que precisa ser visto. Você pode vê-lo na Amazon Prime Vídeo.

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Published on August 21, 2025 06:59

August 14, 2025

Pátria – A Série

Série – Criação de Aitor Gabilondo – Espanha – 2020.

Pátria, a série, é adaptação de um dos melhores romances que li nessas primeiras décadas do terceiro milênio. Fernando Aramburu, o autor, conseguiu a façanha de criar alta literatura e um best seller na mesma canetada. Para ler a resenha sobre o romance clique aqui.

Tão logo foi publicado em 2016, o braço europeu da HBO adquiriu o direito de adaptação do livro para as telas.  E o texto de mais de quinhentas páginas virou uma série de oito episódios. Se por um lado o romance já oferecia um enredo genial, nove personagens complexos, uma gama de conflitos dramáticos de alta densidade e uma estrutura ousada, meio caminho andando para o sucesso da adaptação, apresentava também um desafio: transpor o alto nível da literatura de Aramburu para a linguagem audiovisual.

A série, infelizmente, não atinge a mesma excelência artística que o livro. Ela é bem filmada, mantém a estrutura de ir e voltar no tempo, e cria tons e texturas muito adequadas para diferenciar os anos 1970 dos outros períodos, utilizando principalmente a chuva constante como elemento dramático de um passado sombrio. É também ousada no uso do espanhol e o euskara, idioma do país basco, como as duas línguas da obra, o que confere autenticidade.

No entanto, não logra aprofundar como o livro nos temas  do fanatismo e a transformação que ele opera nas pessoas; da violência intrínseca ao ser humano e dos diferentes olhares sobre os mesmos fatos. Os atores tampouco conseguem nos colocar na cabeça de personagens tão profundos e distintos, como acontece no romance, ainda que os avanços e retrocesso nas relações entre eles envolvam e cativem o espectador.

Se você já leu o livro, tente assistir o seriado evitando a comparação entre os dois meios. É possível que isso permita um desfrute melhor. Afinal, tanto a obra literária como a da TV conseguem emocionar, e lançar luz universal sobre uma guerra muito local, um conflito que já nem existe mais, mas seus elementos, lições e impactos sobre as pessoas comuns, seguem muito atuais.

Pátria pode ser vista na HBO/MAX.

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Published on August 14, 2025 07:02

August 7, 2025

Mare de Easttown

Série, criação de Brad Ingelsby, direção de  Craig Zobel EUA, 2021

Mare de Easttown é uma obra com muitas qualidades, a maior delas é, sem dúvida, a interpretação magistral de Kate Winslet.

O drama é construído como uma boneca russa, camada dentro de camada, e essas camadas são reveladas aos poucos, na medida em que o espectador vai aprofundando na trama, descascando as peles da cebola.

Cada novo conflito que se revela vai desvelando também a protagonista e sua complexidade psicológica. O trabalho de Winslet  na construção do enigma de seu personagem e na exposição dos seus fantasmas, despindo véu por véu, é absolutamente impressionante. O diretor Craig Zobel soube explorar muito bem esse talento, focando muitas vezes no rosto da protagonista, ou num gesto, ou andar ou entonação. Pequenos detalhes que dizem muito.

Kate é a joia da coroa de um elenco que consegue passar com autenticidade espantosa o ambiente e a mentalidade dos moradores da pequena cidade no interior da Pensilvânia, uma cidade fictícia que é coprotagonista da obra. O clima da opressão, do virtual isolamento é o caldo onde proliferam amizades e inimizades, promiscuidade e conflitos familiares que contaminam a todos.

A série tem seu lado policial. Afinal essa é a profissão de Mare, e durante os sete episódios ela investiga dois desparecimentos e um homicídio. No entanto, o lado criminal é só uma ferramenta, ou acessório para ampliar o público alvo, já que a obra é um grande ensaio sobre as relações familiares, sobre desilusão e fracasso.

Em um momento Mare comenta com seu parceiro de investigação que atingir um ponto alto na vida ou no trabalho não é uma benção, pois esse ponto alto é que vai balizar a expectativa das pessoas em relação a ti dali em diante.   É o que acontece com a própria série, já que os cinco primeiros episódios criam expectativa altíssima, não correspondida nos dois últimos episódios que focam no enredo e ação policial, sem entregar a mesma complexidade da teia dramática.

Ainda assim Mare de Easttown   deve ser vista, seu sarrafo está colocado nas alturas na maior parte dos episódios. A série faturou os Emys de melhor minissérie ou filme para tv e de melhor atriz. Mare de Easttown  está disponível na plataforma de streaming HBO/MAX.

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Published on August 07, 2025 06:54

July 31, 2025

The Deuce

Série, criação de  David Simon e George Pelecanos, 2017-2019

David Simon tem seu nome marcado na narrativa seriada de TV com The Wire (A Escuta), uma das séries pioneiras na revolução da linguagem televisiva do início dos anos 2000. Simon, que veio do jornalismo policial, trouxe um olhar contemplativo sobre o universo de tráfico das drogas em Baltimore. Junto com a contemplação sobre o fenômeno, teceu um mosaico de personagens e histórias fascinantes.

Esse mesmo olhar contemplativo, quase antropológico, é lançado sobre a boca de lixo de Nova York, nas décadas  de 1970 e 80, uma região  da cidade assolada por cafetões, prostitutas, casas de massagens e bares e apelidada pelos habitues de The Deuce. Ali começou a nascer o que viria a ser a indústria pornográfica norte americana. Hoje é uma zona turística/central da cidade, englobando o Times Square com suas icônicas telas luminosas que soterram as esquinas escuras do passado.

A primeira temporada cobre o início dos anos 1970. É um tanto pesada de assistir, principalmente pelo tratamento das prostitutas por seus clientes e cafetões. Mais do que sexo explícito, a série explicita a misoginia, a objetificação das mulheres e os maus tratos de seus aliciadores. Uma delas, Candy, escolhe trabalhar sem a “proteção” de um macho.

A segunda temporada pula de 1972 para 1977-8. Há também um salto qualitativo na série, enquanto os dois protagonistas, Frankie e Candy  se destacam na narrativa multi-personagem e começam a construir suas carreiras, ele como gerente de bar local, ela migrando das ruas para os sets de filmes pornô, onde incialmente é atriz e depois, diretora. No processo intuitivo das filmagens encontra sua vocação para a arte.

A terceira temporada inicia em 1985, e a questão da Aids, junto com um programa de modernização imobiliária que visa expulsar do bairro os “maus elementos” são os grandes temas. O monólogo de Paul, um personagem gay que sabe estar com os dias contados, é um dos pontos altos da série, um grande final antes do epílogo. Entendo a importância do epílogo, mas para mim o fechamento após o monólogo de Paul seria muito mais forte.

Um dos grandes desafios da série foi como captar as cenas de sexo, que ao contrário da maioria das cenas de sexo nos filmes e séries, não pretendiam expressar amor, nem exalar erotismo. E deveriam mostrar sexo explícito, sem ser sexo explícito. Esses desafios estéticos e técnicos foram vencidos com louvor. A relação sexual como um trabalho, ou ação mercantil é desglamourizada com a mesma criatividade e aplicação que a torna atraente em outras obras.   Nessas sequencias foi utilizada uma coordenadora, ou diretora de intimidade que ajudou a preparar os atores para as cenas de fricção.

É interessante que a questão de preparação de atores para cenas de sexo também faz parte da trama, quando Candy contrata atores de teatro para um de seus filmes, até então estrelados por prostitutas ou atores/atrizes pornô, e na hora de filmar a relação sexual, os dois sofrem um bloqueio.

E falando em atores, Jamie Franco, fazendo o papel dos gêmeos Frankie e Vinie, e Maggie Gyllenhaal, no papel de Candy, conduzem um elenco repleto de personagens instigantes e interpretes à altura desses personagens.

Vale destacar também o rigor na reconstituição de época e do bairro, tanto na direção de arte (cenários, figurinos, cabelos, objetos de cena, filmes em cartaz, etc.), como nos diálogos, direção de foto e mentalidade vigente.

The Deuce foi produzida pela HBO e pode ser vista na HBO/MAX.

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Published on July 31, 2025 07:04

July 24, 2025

Apocalipse nos Trópicos

Filme de Petra Costa, Brasil – 2024

No seu novo documentário, Petra segue abordando a história recente do Brasil e o momento político conturbado no qual essa história desemboca. Se em Democracia em Vertigem ela destacou o universo das empreiteiras no tabuleiro de forças do jogo de poder paralelo, em Apocalipse nos Trópicos ela foca suas lentes nos evangélicos carismáticos.

Petra segue sendo a voz narradora, como em seus filmes anteriores, mas, diferente de Elena e de Democracia em Vertigem, não se insere nas narrativas com a sua história pessoal. É uma observadora mais distante, ainda que com um lado muito claro. Abandona também o ritmo frenético de seu sucesso anterior, para trazer um filme mais maduro, de profundidade maior e de um impacto diferente, mas não menos avassalador.

Trabalha imagens documentais como metáforas sofisticadas e penetra com coragem no “campo inimigo”, criando uma relação interessante com os personagens desse campo, principalmente com o Bispo Malafaia, uma relação de crítica contundente e respeito. Todos esses elementos são articulados de forma magistral na montagem do filme.

Talvez esse respeito de um documentarista com seus personagens é o que tenha irritado a esquerda mais militante, que se juntou à extrema direita para desprezar (ainda que por motivos diferentes) a obra. Porém esse é um caminho mais difícil e mais honesto que resulta em um cinema muito mais interessante do que a opção panfletária. É um caminho que tenta entender os objetivos,  a mentalidade e o modus operandi, ao invés de simplesmente proclamar o ódio.

O filme expõe, como o título sugere, o choque entre o pensamento político moderno e o  governo da fé dos tempos medievais, colisão que se dá, em boa parte do mundo, em pleno século XXI, mais de duzentos anos após a Revolução Francesa. E provoca a pergunta que não quer calar: como se criou esse enorme retrocesso fundamentalista.

Apocalipse nos Trópicos, assim como Democracia em Vertigem, pode ser visto na Netflix. O conjunto é interessante e desperta curiosidade sobre qual força paralela ao poder será abordada no próximo doc. Será o exército brasileiro?

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Published on July 24, 2025 07:18

July 17, 2025

A Casa do Baralho, episódio de hoje: Pix Me

Dudu Bananinha calou a boca de seus detratores. Largou a comodidade e o salário de deputado, que nada fazia além de criar Fake News e foi se instalar na terra longínqua dos Estados Unidos da América, dependendo dos PIX que seu pai pediu aos apoiadores para seu sustento. Tamanha abnegação tinha um único objetivo: salvar as hemorroidas paternas da umidade das prisões brasileiras.

A oposição riu da sua cara. Disseram que tudo que fez no tempo que passou nos EUA foi fritar hamburguer; que teve que assistir a posse do Trumpete de um telão e não como convidado VIP como deu a entender; que o presidente tinha mais o que fazer do que passar pano pro seu maior paga pau abaixo da linha do Equador.

E não é que um belo dia o Trumpete resolveu tarifar as importações brasileiras para seu país em 50%?

Terminado o ataque ao Irã, declarada a guerra comercial contra China, Canadá, União Europeia e México, abandonado o plano de fazer um resort na faixa de Gaza, ele teve tempo de ouvir o nobre bananinha e em carta ao presidente L anunciou a super taxação, castigo pela caça às bruxas que sofre o seu amigo  e ex-presidente B. Casualmente a carta saiu poucos dias antes de o procurador geral da república finalizar a denúncia contra B e outros sete réus por tentativa de golpe contra a democracia.

Não é a primeira “intervenção” do presidente norte-americano na justiça de outro país. Poucos dias antes havia criticado o julgamento por corrupção que sofre seu outro amigo, o primeiro ministro duas vezes Bi, nas garras da justiça israelense. Mas no caso brasileiro não foi apenas uma crítica, foi uma ação concreta, uma sanção.

Que se revelou um tiro no pé. Não do Trumpete, mas do dono das hemorroidas. Após a publicação da carta e a reação do presidente L, dizendo que aqui pode ser a Casa do Baralho, mas ainda assim é um baralho soberano, os índices de aprovação do seu governo, que estavam a caminho da UTI, voltaram a mostrar sinais de recuperação. E o fato de que esse terrível castigo para os exportadores brasileiros tem como origem o ex-presidente B, causou alta indignação em parte do empresariado que o apoiava.

Bananinha correu a twittar que o congresso deveria votar rapidamente uma anistia total e irrestrita para os golpistas, para se livrar da taxação. E isso pegou ainda pior. Mas o pior ainda estava por vir: Trumpete ordenou uma investigação federal contra práticas de comércio desleais do Brasil, entre elas, pasmem, o Pix.

O Pix é um sistema de pagamento/transferência digital que juntou-se ao samba e ao futebol no panteão dos queridinhos dos brasileiros. As propagandas na campanha eleitoral de B proclamavam que o Pix era obra dele, já que o sistema, criado pelo Banco Central, foi implementado durante a sua gestão.

Um ataque à economia brasileira e ainda mais ao Pix, só poderia gerar uma revolta popular. A ideia de B e seus aliados era pedir sanções pessoais contra os juízes e procuradores, mas pelo jeito o inglês de Bananinha não é tão bom assim, ou a capacidade de entendimento do mandatário não é tão poderosa assim, ou as duas coisas juntas.

Ao souberem que o Pix será alvo de investigação, B e seus asseclas mandaram bananinha fazer de tudo para parar o trem. Mas como todos sabem, o presidente norte-americano é uma locomotiva desgovernada.

O mais louco é que Trumpete, quando perguntado por jornalistas o que sanções comerciais têm a ver com o julgamento de B, respondeu que gosta de B porque ele é honesto e não um vigarista. “E eu entendo de vigaristas!”, vaticinou. Mas o honesto pousou de pai do sistema que os americanos tornam alvo de investigação. Investigação motivada por esforços do filho, cuja estadia nos EUA é sustentada pelos Pix que o pai pediu aos seus apoiadores .

Conseguirá Trumpete dobrar o STF brasileiro, como fez com a justiça no seu próprio país? Seguirá o presidente L a surfar na onda de indignação frente às ações do seu colega do norte? E as hemorroidas de B, livrar-se-ão do maior pesadelo do ex-presidente? Não percam nos próximos episódios de A Casa do Baralho.

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Published on July 17, 2025 08:01