Jaime Lerner's Blog, page 27

August 20, 2020

Casa do Baralho, episódio de hoje: Emas e Avestruzes

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O presidente capitão paraquedista, obstinado em testar limites, enfrentou, neste inverno, uma impressionante maratona de obstáculos. Em junho, seu velho ex-amigo Feiroz foi preso e o presidente sentiu um frio nas hemorroidas. O abalo foi tão grande que sua imunidade despencou ao nível da aprovação de seu governo. Deixou de bater papo no cercadinho do palácio e foi trabalhar arregimentando o Centrão, a turma sexo explícito do toma-lá-dá-cá no congresso. Contratou, a preço de ouro, um seguro contra impeachment. Com a imunidade baixa, contraiu Covid-19, também conhecida nos círculos presidenciais, como gripezinha. Febril, acompanhou inerte as ações do STF contra as fake news e o fechamento das contas de seus colaboradores nas redes sociais. Como se não bastasse, fundos internacionais de investimento ameaçaram cancelar o Brasil, em função das queimadas na Amazônia. Não adiantou o vice explicar que os números estão errados, que a culpa é dos radares que não enxergam bem. A quebra de sigilo bancário do Feiroz jogou mais queirosene na fogueira, identificando novos depósitos feitos na conta da primeira-dama. E para coroar, o Brasil ultrapassou a terrível marca de cem mil mortos pela doença, que o presidente chamou de gripezinha.


Nos dias de aperto e ócio do isolamento imposto pela gripezinha, o presidente buscou  se amigar com as emas que habitam os jardins do Alvorada. Ensaiou o toma-lá-dá-cá oferecendo uma banana. Tomou uma bicada.


— Caralho! Fui alimentar as avestruz e elas me morderam a mão — Comentou, chateado, com um assessor.


— Não é avestruz, presidente, é ema. E elas não mordem, bicam. Mas normalmente são seres muito dóceis, não atacam seres humanos.


— Me disseram que elas comem de tudo. Até pedra.


— Isso é avestruz, presidente. Mas as emas adoram bananas. Acho que o problema não foi o alimento…


Ema é a mãe, pensou o mandatário. Vou mostrar pra esses bichos quem come na mão de quem. Depois de erguer uma caixa de cloroquina para seus admiradores, como Moisés ergueu as Tábuas da Lei para os hebreus, e ser fortemente ovacionado, teve a ideia de como se vingar. Muito matreiro, ofereceu a droga às aves. Elas o mandaram plantar bananas.


— Essas avestruz vão se haver comigo. Vão virar churrasco.


— Não são avestruzes, são emas — esclareceu novamente o assessor.


— E qual é a porra da diferença?


— Avestruz é aquele bicho que na hora do perigo enfia a cabeça no buraco, achando que se ela não vê o perigo, ele não existe. A Ema, como o senhor já sabe, contra-ataca quando sente cheiro de um predador.


— Ai, ai, a coisa tá feia. Não vejo a hora do pico passar.


— Da pandemia?


— Não. Desse inverno astral que tá me perseguindo.


E o pico passou. Feiroz progrediu para prisão domiciliar. O filho investigado  ganhou foro privilegiado e a mais incrível das boas notícias: a avaliação de seu governo na pesquisa melhorou, pela primeira vez desde o início do governo. Como logrou essa façanha com a pandemia batendo recordes, ceifando vidas e arruinando a economia? Ele não tem dúvidas, foi o  auxilio emergencial de 600 reais que “distribuiu” ao povo. Se realmente for isso,  surge uma conta fácil de fazer (e difícil de aceitar): no Brasil, cem mil vidas valem menos do que seiscentos reais.


Até quando o país seguirá incorporando o espírito da avestruz? Não perca nos próximos episódios da Casa do Baralho!

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Published on August 20, 2020 08:11