Jaime Lerner's Blog, page 2

August 7, 2025

Mare de Easttown

Série, criação de Brad Ingelsby, direção de  Craig Zobel EUA, 2021

Mare de Easttown é uma obra com muitas qualidades, a maior delas é, sem dúvida, a interpretação magistral de Kate Winslet.

O drama é construído como uma boneca russa, camada dentro de camada, e essas camadas são reveladas aos poucos, na medida em que o espectador vai aprofundando na trama, descascando as peles da cebola.

Cada novo conflito que se revela vai desvelando também a protagonista e sua complexidade psicológica. O trabalho de Winslet  na construção do enigma de seu personagem e na exposição dos seus fantasmas, despindo véu por véu, é absolutamente impressionante. O diretor Craig Zobel soube explorar muito bem esse talento, focando muitas vezes no rosto da protagonista, ou num gesto, ou andar ou entonação. Pequenos detalhes que dizem muito.

Kate é a joia da coroa de um elenco que consegue passar com autenticidade espantosa o ambiente e a mentalidade dos moradores da pequena cidade no interior da Pensilvânia, uma cidade fictícia que é coprotagonista da obra. O clima da opressão, do virtual isolamento é o caldo onde proliferam amizades e inimizades, promiscuidade e conflitos familiares que contaminam a todos.

A série tem seu lado policial. Afinal essa é a profissão de Mare, e durante os sete episódios ela investiga dois desparecimentos e um homicídio. No entanto, o lado criminal é só uma ferramenta, ou acessório para ampliar o público alvo, já que a obra é um grande ensaio sobre as relações familiares, sobre desilusão e fracasso.

Em um momento Mare comenta com seu parceiro de investigação que atingir um ponto alto na vida ou no trabalho não é uma benção, pois esse ponto alto é que vai balizar a expectativa das pessoas em relação a ti dali em diante.   É o que acontece com a própria série, já que os cinco primeiros episódios criam expectativa altíssima, não correspondida nos dois últimos episódios que focam no enredo e ação policial, sem entregar a mesma complexidade da teia dramática.

Ainda assim Mare de Easttown   deve ser vista, seu sarrafo está colocado nas alturas na maior parte dos episódios. A série faturou os Emys de melhor minissérie ou filme para tv e de melhor atriz. Mare de Easttown  está disponível na plataforma de streaming HBO/MAX.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on August 07, 2025 06:54

July 31, 2025

The Deuce

Série, criação de  David Simon e George Pelecanos, 2017-2019

David Simon tem seu nome marcado na narrativa seriada de TV com The Wire (A Escuta), uma das séries pioneiras na revolução da linguagem televisiva do início dos anos 2000. Simon, que veio do jornalismo policial, trouxe um olhar contemplativo sobre o universo de tráfico das drogas em Baltimore. Junto com a contemplação sobre o fenômeno, teceu um mosaico de personagens e histórias fascinantes.

Esse mesmo olhar contemplativo, quase antropológico, é lançado sobre a boca de lixo de Nova York, nas décadas  de 1970 e 80, uma região  da cidade assolada por cafetões, prostitutas, casas de massagens e bares e apelidada pelos habitues de The Deuce. Ali começou a nascer o que viria a ser a indústria pornográfica norte americana. Hoje é uma zona turística/central da cidade, englobando o Times Square com suas icônicas telas luminosas que soterram as esquinas escuras do passado.

A primeira temporada cobre o início dos anos 1970. É um tanto pesada de assistir, principalmente pelo tratamento das prostitutas por seus clientes e cafetões. Mais do que sexo explícito, a série explicita a misoginia, a objetificação das mulheres e os maus tratos de seus aliciadores. Uma delas, Candy, escolhe trabalhar sem a “proteção” de um macho.

A segunda temporada pula de 1972 para 1977-8. Há também um salto qualitativo na série, enquanto os dois protagonistas, Frankie e Candy  se destacam na narrativa multi-personagem e começam a construir suas carreiras, ele como gerente de bar local, ela migrando das ruas para os sets de filmes pornô, onde incialmente é atriz e depois, diretora. No processo intuitivo das filmagens encontra sua vocação para a arte.

A terceira temporada inicia em 1985, e a questão da Aids, junto com um programa de modernização imobiliária que visa expulsar do bairro os “maus elementos” são os grandes temas. O monólogo de Paul, um personagem gay que sabe estar com os dias contados, é um dos pontos altos da série, um grande final antes do epílogo. Entendo a importância do epílogo, mas para mim o fechamento após o monólogo de Paul seria muito mais forte.

Um dos grandes desafios da série foi como captar as cenas de sexo, que ao contrário da maioria das cenas de sexo nos filmes e séries, não pretendiam expressar amor, nem exalar erotismo. E deveriam mostrar sexo explícito, sem ser sexo explícito. Esses desafios estéticos e técnicos foram vencidos com louvor. A relação sexual como um trabalho, ou ação mercantil é desglamourizada com a mesma criatividade e aplicação que a torna atraente em outras obras.   Nessas sequencias foi utilizada uma coordenadora, ou diretora de intimidade que ajudou a preparar os atores para as cenas de fricção.

É interessante que a questão de preparação de atores para cenas de sexo também faz parte da trama, quando Candy contrata atores de teatro para um de seus filmes, até então estrelados por prostitutas ou atores/atrizes pornô, e na hora de filmar a relação sexual, os dois sofrem um bloqueio.

E falando em atores, Jamie Franco, fazendo o papel dos gêmeos Frankie e Vinie, e Maggie Gyllenhaal, no papel de Candy, conduzem um elenco repleto de personagens instigantes e interpretes à altura desses personagens.

Vale destacar também o rigor na reconstituição de época e do bairro, tanto na direção de arte (cenários, figurinos, cabelos, objetos de cena, filmes em cartaz, etc.), como nos diálogos, direção de foto e mentalidade vigente.

The Deuce foi produzida pela HBO e pode ser vista na HBO/MAX.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on July 31, 2025 07:04

July 24, 2025

Apocalipse nos Trópicos

Filme de Petra Costa, Brasil – 2024

No seu novo documentário, Petra segue abordando a história recente do Brasil e o momento político conturbado no qual essa história desemboca. Se em Democracia em Vertigem ela destacou o universo das empreiteiras no tabuleiro de forças do jogo de poder paralelo, em Apocalipse nos Trópicos ela foca suas lentes nos evangélicos carismáticos.

Petra segue sendo a voz narradora, como em seus filmes anteriores, mas, diferente de Elena e de Democracia em Vertigem, não se insere nas narrativas com a sua história pessoal. É uma observadora mais distante, ainda que com um lado muito claro. Abandona também o ritmo frenético de seu sucesso anterior, para trazer um filme mais maduro, de profundidade maior e de um impacto diferente, mas não menos avassalador.

Trabalha imagens documentais como metáforas sofisticadas e penetra com coragem no “campo inimigo”, criando uma relação interessante com os personagens desse campo, principalmente com o Bispo Malafaia, uma relação de crítica contundente e respeito. Todos esses elementos são articulados de forma magistral na montagem do filme.

Talvez esse respeito de um documentarista com seus personagens é o que tenha irritado a esquerda mais militante, que se juntou à extrema direita para desprezar (ainda que por motivos diferentes) a obra. Porém esse é um caminho mais difícil e mais honesto que resulta em um cinema muito mais interessante do que a opção panfletária. É um caminho que tenta entender os objetivos,  a mentalidade e o modus operandi, ao invés de simplesmente proclamar o ódio.

O filme expõe, como o título sugere, o choque entre o pensamento político moderno e o  governo da fé dos tempos medievais, colisão que se dá, em boa parte do mundo, em pleno século XXI, mais de duzentos anos após a Revolução Francesa. E provoca a pergunta que não quer calar: como se criou esse enorme retrocesso fundamentalista.

Apocalipse nos Trópicos, assim como Democracia em Vertigem, pode ser visto na Netflix. O conjunto é interessante e desperta curiosidade sobre qual força paralela ao poder será abordada no próximo doc. Será o exército brasileiro?

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on July 24, 2025 07:18

July 17, 2025

A Casa do Baralho, episódio de hoje: Pix Me

Dudu Bananinha calou a boca de seus detratores. Largou a comodidade e o salário de deputado, que nada fazia além de criar Fake News e foi se instalar na terra longínqua dos Estados Unidos da América, dependendo dos PIX que seu pai pediu aos apoiadores para seu sustento. Tamanha abnegação tinha um único objetivo: salvar as hemorroidas paternas da umidade das prisões brasileiras.

A oposição riu da sua cara. Disseram que tudo que fez no tempo que passou nos EUA foi fritar hamburguer; que teve que assistir a posse do Trumpete de um telão e não como convidado VIP como deu a entender; que o presidente tinha mais o que fazer do que passar pano pro seu maior paga pau abaixo da linha do Equador.

E não é que um belo dia o Trumpete resolveu tarifar as importações brasileiras para seu país em 50%?

Terminado o ataque ao Irã, declarada a guerra comercial contra China, Canadá, União Europeia e México, abandonado o plano de fazer um resort na faixa de Gaza, ele teve tempo de ouvir o nobre bananinha e em carta ao presidente L anunciou a super taxação, castigo pela caça às bruxas que sofre o seu amigo  e ex-presidente B. Casualmente a carta saiu poucos dias antes de o procurador geral da república finalizar a denúncia contra B e outros sete réus por tentativa de golpe contra a democracia.

Não é a primeira “intervenção” do presidente norte-americano na justiça de outro país. Poucos dias antes havia criticado o julgamento por corrupção que sofre seu outro amigo, o primeiro ministro duas vezes Bi, nas garras da justiça israelense. Mas no caso brasileiro não foi apenas uma crítica, foi uma ação concreta, uma sanção.

Que se revelou um tiro no pé. Não do Trumpete, mas do dono das hemorroidas. Após a publicação da carta e a reação do presidente L, dizendo que aqui pode ser a Casa do Baralho, mas ainda assim é um baralho soberano, os índices de aprovação do seu governo, que estavam a caminho da UTI, voltaram a mostrar sinais de recuperação. E o fato de que esse terrível castigo para os exportadores brasileiros tem como origem o ex-presidente B, causou alta indignação em parte do empresariado que o apoiava.

Bananinha correu a twittar que o congresso deveria votar rapidamente uma anistia total e irrestrita para os golpistas, para se livrar da taxação. E isso pegou ainda pior. Mas o pior ainda estava por vir: Trumpete ordenou uma investigação federal contra práticas de comércio desleais do Brasil, entre elas, pasmem, o Pix.

O Pix é um sistema de pagamento/transferência digital que juntou-se ao samba e ao futebol no panteão dos queridinhos dos brasileiros. As propagandas na campanha eleitoral de B proclamavam que o Pix era obra dele, já que o sistema, criado pelo Banco Central, foi implementado durante a sua gestão.

Um ataque à economia brasileira e ainda mais ao Pix, só poderia gerar uma revolta popular. A ideia de B e seus aliados era pedir sanções pessoais contra os juízes e procuradores, mas pelo jeito o inglês de Bananinha não é tão bom assim, ou a capacidade de entendimento do mandatário não é tão poderosa assim, ou as duas coisas juntas.

Ao souberem que o Pix será alvo de investigação, B e seus asseclas mandaram bananinha fazer de tudo para parar o trem. Mas como todos sabem, o presidente norte-americano é uma locomotiva desgovernada.

O mais louco é que Trumpete, quando perguntado por jornalistas o que sanções comerciais têm a ver com o julgamento de B, respondeu que gosta de B porque ele é honesto e não um vigarista. “E eu entendo de vigaristas!”, vaticinou. Mas o honesto pousou de pai do sistema que os americanos tornam alvo de investigação. Investigação motivada por esforços do filho, cuja estadia nos EUA é sustentada pelos Pix que o pai pediu aos seus apoiadores .

Conseguirá Trumpete dobrar o STF brasileiro, como fez com a justiça no seu próprio país? Seguirá o presidente L a surfar na onda de indignação frente às ações do seu colega do norte? E as hemorroidas de B, livrar-se-ão do maior pesadelo do ex-presidente? Não percam nos próximos episódios de A Casa do Baralho.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on July 17, 2025 08:01

July 10, 2025

Nove Rainhas

Filme de Fabián Bielinsky, Argentina – 2000

Uma matriz digitalizada em 4K traz para a janela de streaming um dos maiores sucessos do cinema argentino do início do século. Nove Rainhas é uma aula de cinema, particularmente de roteiro. Um filme inteligente, que funciona muito bem como entretenimento, mas abaixo da superfície tem outras camadas, a de crítica social e do drama familiar. De quebra traz um olhar sobre o universo de um criminoso muito peculiar, o vigarista, como uma certa alegoria da sociedade argentina. E mostra que mesmo essa sociedade de golpistas se divide entre inescrupulosos e éticos.

O que há de tão especial no roteiro? Bielinsky o escreveu com a mente de seus protagonistas. Está o tempo todo escondendo o jogo, trapaceando,  e deixando esse fato claro, porém sem revelar como, e esse mistério prende o espectador, é o elemento central do sucesso do filme. A sucessão de revelações surpreendentes e viradas só termina na última cena e expõe uma trama muito mais elaborada do que já parecia.

Mas para aplicar um golpe não basta uma boa história. O vigarista tem que ter seus truques de ilusionista, saber convencer a sua vítima, jogar a isca e principalmente, saber improvisar na hora do aperto. Então, além do roteiro, Fabián soube também escalar seus atores com maestria.

O carismático Ricardo Darin, mais conhecido na época como ator de tv na argentina, fez seu primeiro papel de peso no cinema, o que acabou impulsionando sua carreira vertiginosa.  E o jovem Gaston Pauls com sua carinha de inocente, é a outra perna da dupla vigarista. Além dos dois protagonistas, há uma trupe de atores, jovens e antigos que desempenham com primor os papeis de coadjuvantes.

Na década de 1990 a Argentina vivia um caos econômico. Após a queda da ditadura militar, que deixou o país com uma dívida externa enorme, os governos civis tentavam debelar uma hiperinflação galopante. Um cenário muito conhecido para quem viveu no Brasil na mesma época. Aqui houve os fiscais do Sarney e depois o Plano Collor que só pioraram as coisas. Lá dolarizaram o peso o que incialmente controlou a inflação, mas depois teve um efeito rebote que lançou os argentinos na recessão e pobreza. Houve tumultos, a maioria na frente de bancos que ficaram sem dinheiro que era dos correntistas.

Esse é o contexto que inspirou o filme, e que vem à tona na cena em que Marcos tenta resgatar o cheque do golpe que deu, e vai a um banco cercado por clientes furiosos para descobrir que os banqueiros deram um golpe muito maior e fugiram com todo o dinheiro antes de o banco quebrar.

Nove Rainhas faturou todos os prêmios do cinema argentino e vários prêmios internacionais. Em 2004 foi lançado um remake norte americano, chamado no Brasil de 171,  que não teve sucesso. Em 2005 Bielinsky dirigiu seu segundo filme, Aura. Um mês antes do lançamento o diretor faleceu, aos 47 anos, em São Paulo, onde estava para a pré-produção de um comercial. Era hipertenso e provavelmente teve um enfarto durante o sono. Na época estava escrevendo o roteiro do que seria seu terceiro filme.

A remasterização para digital foi acompanhada por Marcelo Camorino , diretor de fotografia do filme e pode ser vista na  Max.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on July 10, 2025 07:45

July 3, 2025

Cenas de um Casamento

Minissérie de Hagai Levi – EUA,  2021

Em 1973 o cineasta Ingmar Bergman apresentou na TV Sueca uma minissérie intitulada Cenas de um Casamento. Foi uma obra surpreendente por dois motivos: na época havia uma separação rígida entre cinema e TV, a TV sendo considerada uma plataforma menor em termos de obras autorias e artísticas. Bergman era um dos cineastas mais autorais de um cinema filosófico que abordava temas complexos e existenciais. 

A segunda surpresa era que a obra se baseava no casamento do diretor com Liv Ulmann, atriz de vários filmes seus e que interpretou, na série, a si mesma, ou ao menos uma personagem com a sua experiência.  

Um ano depois do lançamento da minissérie, Bergman editou uma versão condensada para ser lançada nos cinemas.

Pouco menos de meio século depois, o roteirista e show runner israelense Hagai Levi toma a ambiciosa missão de adaptar a minissérie sueca para a HBO americana, e mais importante ainda, adaptá-la para o século XXI.

Hagai é o criador de obras seriadas que ultrapassaram as fronteiras de seu pequeno país, como Betipul – (Em terapia) e a explosiva Our Boys. Assim como Bergman, Levi coloca no protagonista masculino experiências de vida que ele teve, como ser de uma família judaica ortodoxa e ter  abandonado aos poucos à religião, ainda que permaneça com laços ocultos que se revelam em situações especiais.

Ao adaptar a série para o século XXI,  Levi subverte os papeis do casal no jogo de poder. Ambos têm sucesso em suas carreiras profissionais (assim como na obra original) porém a mulher, CEO de uma empresa de alta tecnologia é quem bota mais dinheiro em casa,  e dedica-se muito mais ao trabalho em termos de horários e viagens. O marido, professor de filosofia, queda-se com mais responsabilidades com o lar e com a filha. O caso extra conjugal que causa (ou é consequência) a crise no relacionamento, é de Mira  e o traído é Jonathan, o marido.

Há na série momentos dramáticos profundos, mesclados com cenas em que os diálogos são por demais intelectualizados, o que cria  um certo tom artificial e um distanciamento. Há decisões da direção muito criativas, como abrir os episódios com uma espécie de making of que retrata os instantes antecedentes da cena que irá iniciar o episódio. No último episódio a cena de bastidores migra da abertura para o final e cria um fechamento eloquente para a obra. Apenas nessas sequencias há trilha musical.

Essas cenas de making off não são apenas um artifício de estilo. Elas aprofundam a reflexão sobre a relação conjugal e os jogos teatrais que fazem parte dela. O contraste da muvuca do set, captada por uma câmera em constante movimento, para o espaço cênico fechado onde na maior parte do tempo dois atores contracenam em enquadramentos muito bem alinhados e com câmera fixa, oportuniza essa reflexão. Ainda mais quando toda a equipe usa máscaras, já que a série foi filmada durante a pandemia da Covid,  pandemia que enclausurou muita gente, botando à prova, vários relacionamentos.

Jessica Chastain faz o papel de Mira e Oscar Isaac encarna Jonathan. Jessica também teve  papel importante na adaptação comportamental da série para o século XXI. Ela disse ao diretor que não teria problema com suas cenas de nudez, mas exigiu uma equivalência em cenas de nudez para Oscar. Exigência que Hagai aceitou prontamente.

Cenas de Casamento pode ser vista na Max.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on July 03, 2025 08:02

June 26, 2025

Um Dia de Cão

Filme de Sidney Lumet – EUA, 1975

Um polonês, um italiano e um judeu assaltam um banco em Nova York. Mal entram no estabelecimento, o judeu perde a coragem e foge.

Parece o começo de uma piada de tiozão, mas na verdade é o início de um filme que se tornou um clássico, e que apesar de suas tiradas de humor trata de uma tragédia.

O filme é baseado em fatos reais que aconteceram em agosto de 1972, em que um assalto atabalhoado a banco virou um evento com reféns que durou quatorze horas, envolvendo a polícia, o FBI e uma multidão de curiosos, tornando-se um show midiático com transmissão ao vivo pelas redes de televisão.

Tudo é inusitado nesse evento, e o roteiro de Frank Pierson articula de maneira genial essa sequência de elementos surpreendentes na tessitura da trama. Além da arquitetura sofisticada do enredo, os diálogos são fantásticos. Porém o grande lance do filme é a construção dos personagens, o que envolve roteiro, direção e trabalho de ator, e a corajosa sacada de abordar esse drama maior, através do conjunto de dramas “menores” de seus vários personagens.

O irreverente Sonny Wortzik, interpretado por Al Pacino, na época em que o ator apresentava nas telas personagens complexos e não apenas um reflexo de si mesmo, conduz esse elenco de figuras que dão vida ao filme. Sal Naturile, seu comparsa no crime, interpretado por John Cazale é também seu comparsa no sucesso do filme. Curiosamente, ambos trabalharam no Poderoso Chefão, filme que o assaltante verdadeiro, John Wojtowictz, assistiu no dia do assalto para se inspirar.

Junto à dupla de assaltantes há ainda outros personagens secundários muito bem construídos, com destaque para a subgerente Sylvia, na pele da atriz Penelope Allan.

Outra sacada inteligente do filme:  antes de nos jogar para dentro do banco, onde acontecerá a maior parte da trama, Lumet nos leva por um passeio por Nova York, num dia quente de verão (o assalto aconteceu em 22 de agosto). Há uma qualidade documental muito forte nessas sequência inicial, que com o passar dos anos ganha ares antropológicos. Não só pelo conteúdo, mas também pelo look – as cores e  a textura do filme analógico que se perdeu com o tempo.

Esse preâmbulo de um dia normal na cidade também configura a urbe como personagem, dialogando com a aglomeração de curiosos mais tarde e o circo midiático, ao qual o filme faz sua crítica.

O sucesso de Um Dia de Cão inspirou vários documentários sobre o caso. Um dos mais interessantes é O Cão (The Dog) de Frank Keraudren e Alisson Berg, sobre John Wojtowicz, o assaltante na vida real. Vários filmes de ficção se inspiraram e ou homenagearam o clássico, o mais recente é o impactante Até a Última Gota de Tyler Pery, recentemente comentado no blog.

Um Dia de Cão faturou o Oscar de Melhor Roteiro Original em 1976, entre vários outros prêmios. Está disponível para aluguel Na Amazon prime, Google Play, e Apple TV. Não envelheceu nem um pouco nesse meio século desde seu lançamento.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 26, 2025 07:15

June 19, 2025

Até a Última Gota

Filme de Tyler Perry – EUA, 2025

O copo de agruras tomado diariamente por Janiah, mulher negra, mãe solteira, dois empregos, filha doente, vazou. E ela, tentando apagar um incêndio após o outro, só se enreda mais no turbilhão de problemas, até perder o controle e estourar.

Nesse estouro ela acaba matando dois homens, e sua entrada no banco para resgatar o cheque do salário do mês, após ter sido demitida, acaba se transformando em um assalto com reféns, cerco policial, chegada do FBI e transmissão ao vivo nas redes sociais e na mídia convencional.

Essa situação dentro do banco lembra demais o filme de Sidney Lumet, Um dia de Cão de 1975, estrelado pelo (então) jovem Al Pacino. O filme também faz uma contundente crítica social, só que à sociedade do espetáculo, enquanto que Até a Última Gota foca sua lente crítica na invisibilidade social de pessoas que vivem diariamente no limite da sobrevivência, com ênfase especial no contexto racial.

Até a Última Gota não tem o brilhantismo e o humor de Um Dia de Cão. Perry é muito mais direto e menos sofisticado do que Lumet na tessitura da trama, nas viradas e na exposição dos conflitos, mas o drama de uma pessoa que vive correndo sísificamente atrás do prejuízo e um dia explode é tão fortemente apresentado que comove e gera grande empatia, o que parece ser o objetivo do filme.

Um dos elementos mais interessantes da obra é a divisão de funções entre personagens brancos e pretos. Janiah vive numa vizinhança negra, e em boa parte do filme as pessoas ao seu redor, tanto as que a apoiam como as que alimentam suas agruras, são negras. Seu chefe, os dois assaltantes, a professora da escola de sua filha, a caixa e a gerente do banco, a proprietária do apartamento que a despeja, etc.

Os poucos brancos que cruzam seu caminho são todos representantes do poder público: a assistente social, os dois policiais na briga de trânsito. O policial homem, claramente racista, torna-se, na mente de Janiha, o algoz mor, o símbolo do mal.  No decorrer do cerco ao banco a disputa entre o FBI e a polícia local (comandada por um chefe negro) também adquirirá tons de um conflito racial. Já na pequena multidão que se aglomera no cerco, apoiando a protagonista, há negras/os e brancas/os.

Até a Última Gota tem Taraji P. Henson como protagonista. A atriz rodou o filme todo em apenas quatro dias, pois estava envolvida nas filmagens da série Flight Night. Por um lado, essa correria foi boa, disse ela em entrevistas, já que acabou passando pouco tempo na pele de um personagem que vive no limite, em um ambiente pesado.

O filme foi lançado diretamente na Netflix e já na sua primeira semana chegou ao topo dos filmes mais assistidos da plataforma no Brasil.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 19, 2025 06:24

June 12, 2025

A Casa do Baralho, episódio de hoje: Não fui eu, foi a minha retórica.

Retórica, de acordo com o dicionário, é a arte da eloquência, de argumentar bem, a arte da palavra.

Esta semana, transmitido ao vivo e a cores para todo o país, ocorreu o interrogatório no STF dos réus no processo de conspiração para golpe após as eleições presidências de 2022. O réu mor, o ex-presidente B, deu uma aula de como responder à perguntas de forma concisa, clara e objetiva.

Interrogador: Em reunião ministerial de 5 de julho de 2022, o senhor afirmou que o TSE era parcial, que três  ministros do STF recebiam dinheiro para fraudar as eleições. Quais os indícios que o senhor tinha para fazer essas acusações?

Interrogado: Essa reunião nem deveria ter sido filmada. Não sei quem filmou, no celular de quem isso foi encontrado? Se não fosse filmada, eu nem estaria aqui, prestando depoimento. Eu peço desculpas se ofendi vossa excelência e algum outro ministro, mas é o meu temperamento, a minha retórica. Foi mais um desabafo. Sempre foi a minha retórica como vereador e depois deputado e levei essa retórica para a presidência da República. Nem eu acreditei quando fui eleito. Mas fizemos um governo exemplar. Tivemos ministros excelentes, todos escolhidos por critério técnicos e não políticos. Melhoramos a segurança pública, vencemos a Covid, arrumamos a economia apesar da crise pela guerra lá fora.  Foram quatro anos de sacrifício meu pelo Brasil. O senhor tem ideia o que é trabalhar 7 dias por semana de domingo a domingo, só de vez em quando sair para passear de jet ski ?

Interrogador: O senhor como então Presidente da República convocou uma reunião em 18 de julho de 2022, três meses antes da eleição, com os embaixadores dos países estrangeiros. O tópico da reunião era a fraude nas urnas e a parcialidade do TSE, confirma?

Interrogado: Em 2016, a president@ D também fez uma reunião com embaixadores, o assunto foi outro mas ela fez essa reunião. Então essa é uma prerrogativa do chefe do executivo. Dois meses antes da minha reunião o ministro F do TSE fez uma reunião com os embaixadores e falou da segurança das urnas, dizendo que assim que saísse os resultados os chefes das nações poderiam cumprimentar o vencedor. Essa é a norma, eu sei, mas fiquei surpreso. Então eu chamei essa reunião pra mostrar o inquérito 1131, que tá certo que o foco era outro, não era bem as urnas…mas, Eu não fui o único que questionou as urnas, eu tenho aqui o senhor FD quando perdeu as eleições pra governador do Maranhão em 2010 também falou em fraude.  O presidente do PDT anos atrás também disse que foi vítima de fraude, até me surpreendeu que foi ele que me denunciou por abuso de poder pela reunião com os embaixadores. A intenção minha nunca foi desacreditar, sempre foi alertar, para melhorar.

Interrogador: Quando da live de 29 de julho, 2021, as pesquisas já indicavam queda nos votos para o candidato B, nesse momento também foram intensificados os ataques ao processo eleitoral. Eu gostaria de saber se é possível extrair uma relação de causa e efeito entre esses fenômenos.

Interrogado: Não chamo de ataques, chamo de críticas. Como já fizeram, aqui eu elenquei, FD, CL, Brizola e tantos outros parlamentares que criticaram também. Mas quando é meu nome que tá no balcão, a mídia adora chamar de ataques. Tudo isso por que eu cortei os anúncios do governo nos grandes jornais, mas não foi por maldade. Eu tinha que respeitar o teto de gastos. Tudo que a gente fez foi manifestação pacífica. Não como o outro lado que fechava vias, invadia, quebrava tudo. O oito de janeiro não foi o meu eleitor que tava acampado na frente do quartel que fez, esses entraram de gaiato, coitados.  Isso vieram uns cem ônibus cheios de gente na véspera e fizeram aquela baderna. Mas não dá pra chamar isso de golpe. Não apreenderam uma arma de fogo sequer. Que golpe é esse?

A aula de concisão teve tamanho impacto que o advogado do réu repetiu algumas das perguntas pedindo que B só respondesse com sim ou não. Não teve êxito.

Com retórica ou sem retórica, o fato é que o ex-presidente acumula em seu currículo escapadas monumentais das garras da justiça. Foi o caso em que planejava explodir uma bomba no exército, o caso da troca do chefe da polícia Federal e, principalmente, no caso da pandemia, só para citar os exemplos mais espetaculares.

Logrará ser absolvido, também nesse processo? Serão apenas condenados a sua retórica e seu temperamento?  Não perca nos próximos episódios de A Casa do Baralho!!!

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 12, 2025 08:07

June 5, 2025

A Casa do Baralho, episódio de hoje: A Fuga das Galinhas

No ano 2000 um filme de animação re-revolucionou a indústria cinematográfica. Filmado em stopmotion e feito em massa de modelar, foi na contramão do avanço tecnológico, cativou o público, arrecadou a maior bilheteria da história de um filme de animação e após inúmeros protestos por não poder ser indicado ao Oscar, a Academia criou, a partir daquele ano, a categoria de Melhor Filme de Animação.

O que esse belo filme tem a ver a com evasão da deputada condenada Cara Rebele da justiça brasileira? Nada, a não ser o título.

A deputada, eleita pelo povo para legislar, destacou-se em seu mandato por duas ações. A contratação de um hacker para invadir o sistema do judiciário e emitir uma falsa ordem de prisão do juiz Xandão assinada por ele mesmo.  Perseguir com uma pistola em punho, numa rua movimentada da capital paulista e em plena luz do dia,  um cidadão que a provocou na véspera da eleição de  2023, dizendo que o presidente B iria perder a eleição.

O ex-presidente B, de quem ela era grande puxa saco, chegou a dizer que perdeu a eleição por causa dela, o que a deixou profundamente magoada.  Naquele momento, ele esqueceu da afirmação que sustentava com todo o vigor, que não havia perdido a eleição, já que houve fraude nas urnas eletrônicas.

A invasão do sistema do CNJ, encomendada pela Rebele, tinha justamente esse objetivo, desmoralizar a justiça eleitoral e desacreditar a urna eletrônica, para poder alegar fraude caso seu grupo político perdesse a eleição.

Por essas duas ações que tanto repercutiram na mídia, honrando o cargo de legislador eleito, a deputada foi condenada a dez anos de prisão na primeira, e cinco anos na segunda. Além de uma multa de dois milhões de reais. Uma tremenda injustiça. Logo fez uma vaquinha pela internet para poder pagar as multas.

Assim como as galinhas do filme de Nick Park quando viram que a dona da fazenda comprou uma máquina de triturar para fazer tortas de frango com elas, a  deputada resolveu voar para bem longe. Pegou seu passaporte italiano, atravessou a fronteira para a Argentina, de lá embarcou num avião para a querida Miame, para onde B havia também fugido na véspera de entregar o bastão a L.  Ainda pretende voar para Roma, por ter a cidadania italiana. Comprou as passagens com a grana das doações para pagar a multa.

Esta aliás é uma tática recorrente desse grupo que tanto respeita a Lei e a Ordem. O pedido de Anistia para quem participou da invasão aos três poderes, o pernoite de B na embaixada da Hungria, a fuga para Argentina ou EUA para escapar dos braços da justiça.

A deputada, antes de chegar ao seu destino final, não se aguentou, e se manifestou pelas redes que havia saído do Brasil e não pretendia voltar para cumprir as penas. Conseguiu a façanha de ser demitida como cliente, pelo seu próprio advogado. Mas conseguiu também constranger o judiciário e o ministério público que deixaram de tomar precauções como recolher seus passaportes.

Logrará Cara Rebele obter refúgio seguro no exterior, ou será extraditada ao Brasil? Tomará o judiciário, a partir desse caso, medidas preventivas contra o ex-presidente B e seus asseclas que respondem a inquérito ligado ao plano de golpe contra a eleição do presidente L? Não perca nos próximos episódios de Casa do Baralho!!!

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 05, 2025 08:04