Jaime Lerner's Blog, page 4
March 20, 2025
A Única Mulher na Orquestra

Filme de Molly O´brien, EUA , 2024
Se você está precisando com urgência ver um filme que vai te elevar o espirito, te fazer esquecer agruras ou tristezas, A Única Mulher na Orquestra é o filme. Não, não é uma comédia hilariante, nem um drama romântico. É um documentário de 30 minutos sobre uma mulher que tocou contrabaixo na orquestra Filarmônica de Nova York, até se aposentar aos oitenta e sete anos.
Contrabaixo não é um instrumento que atrai holofotes. Foi por isso que Orin o escolheu, ou ele escolheu a ela. O barato dela sempre foi o coletivo, fazer parte de um grupo que produz notas musicais em conjunto. Sentia-se mais confortável como apoio nas fileiras de trás, dando base e sustentação. Foi aos holofotes em 1966 por ser a primeira mulher contratada para tocar na prestigiada orquestra, regida então por Leonard Bernstein. Os jornais escreviam sobre ela como uma curiosidade, que ela trocava de roupa no banheiro, já que só havia vestiário masculino e coisas do gênero, o que a desagrada até hoje.
Agora chega aos holofotes novamente através do filme dirigido por sua sobrinha e grande admiradora, Molly. Filme que Orin relutou em fazer desde 2015, quando a sobrinha a acompanhou com uma câmera em uma turnê da filarmônica na Europa. Ela, no entanto, sempre adiava, dizia que não se sentia pronta para filmar, até que decidiu se aposentar, após a Covid e topou fazer o filme, com a condição que ele divulgasse o contrabaixo e os contrabaixistas, e não se concentrasse exclusivamente nela.
Mas não há como negar que o forte do documentário é sua protagonista, de um carisma e vitalidade impressionantes que transmite a paixão pela música e pelo seu instrumento de forma absolutamente contagiante. Molly conta que várias amigas dela, quando conheciam a tia já em idade avançada, perguntavam o que ela fazia para ter uma pele tão jovem. Molly respondia que a tia tocava contrabaixo oito horas por dia, todos os dias, essa era sua receita milagrosa.
As filmagens foram feitas ao longo de três anos, produziram 16 horas de material, além da enormidade de material de acervo usado no filme que exigiu uma exaustiva pesquisa, principalmente para pinçar nos registros fílmicos dos concertos da orquestra os momentos em que a câmera focava nos contrabaixos.
A maneira como todos esses materiais de acervo (filmes, fotos, jornais) e as diversas filmagens (Hi-8, celular e 4K) em que Molly acompanha Orin são integrados, ou seja: a montagem, é outro ponto forte do documentário, que articula a narrativa de um filme sem trama mas com uma história de vida e outra história de amor, e é corresponsável direto pela magia que acontece na tela.
A Única Mulher na Orquestra ganhou o Oscar 2025 de melhor curta metragem documentário. Não é uma categoria que atrai os holofotes, mas para nossa sorte, esse maravilhoso filme está disponível no streaming e pode ser visto na Netflix.
March 13, 2025
Roma, o seriado.

Série, Criação de Jonh Millius e Bruno Heller – Inglaterra , Itália, EUA, 2005
O Império Romano com suas intrigas políticas, guerras e orgias é prato cheio para filmes e séries. Uma dessas obras que virou um clássico é a série Roma, coproduzida e exibida pela HBO, Rai Due e BBC two entre 2005 e 2007.
Ela basicamente acompanha dois núcleos, o dos poderosos (os patrícios, Júlio César, Pompeu, etc.) e o do povo, representado por dois soldados que depois da guerra de Gália se estabelecem na cidade eterna. A influência das reviravoltas políticas sobre as vidas da plebe e a recíproca influência dos humores da plebe sobre as reviravoltas políticas são muito bem articuladas na série.
É possível vislumbrar como muitas das condutas sociais e políticas que estão vigentes ainda hoje se originaram naqueles tempos. República, tirania e ditatura são termos correntes. E matar ou morrer pela República e contra a tirania são slogans muito utilizados.
Roma também trata, ao longo dos vinte e dois episódios, de como o poder corrompe a alma, até de pessoas completamente idealistas. Essa qualidade corrosiva do poder é uma temática central, ao lado da hipocrisia moral, principalmente da nobreza. Esse processo da corrupção é magistralmente construído na trama.
Embora não mergulhe fundo no psicológico dos personagens (a maioria deles personagens históricos), há um trabalho de ator interessante ao longo de toda a série, com destaque para os personagens de Júlio César (Ciaran Hinds), sua sobrinha Átia (Polly Walker) e o Arauto do Fórum (Ian McNeice). A mistura de ação, sexo, intrigas e recriação histórica, o ritmo, a direção de Roma e os cliffhangers estrategicamente colocados geram forte envolvimento. É sem dúvida uma série feita para maratonar.
A trama se passa na Roma antiga do século I a.C., na transição da República para o Império. Começa pelo conflito entre Cezar e Pompeu (52 a.C.) e terminaria com o surgimento do messias na Judeia, na quinta temporada. Porém, pelo alto custo dos episódios a série foi cancelada após a segunda temporada que culmina com a ascensão definitiva de Otávio Augusto ao poder (27 a.C.). A HBO se arrependeu depois do cancelamento, pois a série teve alto nível de audiência e gerou forte repercussão.
A produção toda foi filmada em Roma, nos arredores da cidade e nos estúdios da Cinecittà. Atualmente, Roma poder ser assistida na plataforma de streaming da Max.
March 6, 2025
A Casa do Baralho, episódio de hoje: Eles Não Usam Black-Tie

O presidente ucraniano Z, foi recebido com pompas no salão oval da Casa Branca, convidado para assinar o acordo que daria aos EUA o direito de exploração dos minérios essenciais em solo ucraniano. Qual não foi o espanto de seu anfitrião ao ver que ele estava sem gravata. É muito desrespeito, disse o Trompete ao seu vice, a gente salva a pele dele e ele nos agradece desse jeito? O Vice entendeu a mensagem e na primeira deixa, deu uma gravata em Z na frente de toda a imprensa. O Trompete aproveitou o golpe e apertou o nó, deixando sem ar o oponente, quer dizer, o visitante.
Quantas vezes você nos agradeceu nos últimos quinze minutos? Perguntou o irado vice, e o Trompete bradou: você está sem cartas!!! Aplicando uma versão muito peculiar da tática do tira mal e do tira bom. O Vice era o tira mal, e Trompete, o malvadíssimo. Vermelho, quase sufocando, Z ainda conseguiu balbuciar: eu não vim aqui jogar cartas, presidente. Isso deixou a Trompete ainda mais furioso. O verme havia achincalhado a sua brilhante metáfora. Ajoelhou-se sobre o estomago de Z enquanto seguia apertando a garganta.
Na verdade, a indignação trompetiana era por não conseguir levar à cabo a missão outorgada por seu guru RasPutin: enquadrar o maldito ucraniano que teimava em não se render, nem em perder a guerra. RasPutin é o que Trompete quer ser quando crescer: alguém que manda e ninguém ousa contrariar, um presidente vitalício. O bilionário norte americano nem sonha, mas RasPutin encara-o como um projeto: o projeto Vingança por Gorbachev.
Gorbachev foi o líder da União Soviética que promoveu uma abertura no regime, através da Glassnot (política) e da Perestroika (econômica). Apesar das boas intenções, essa abertura acabou causando a desintegração do Império Soviético. Muitos da linha dura do partido comunista acusaram o político de ser um agente infiltrado do ocidente.
RasPutin, com seu exército de hackers e bots, ajudou a eleger o Trompete por ver nele o idiota perfeito, capaz de liderar o Império Americano ao seu fim. É a grande aposta do líder russo.
Logrará Rasputin seu intuito vingativo? E Z, conseguirá afrouxar o nó da gravata? Não perca nos próximos episódios de A Casa do Baralho.
March 3, 2025
Oscar 2025
Walter Salles e Fernanda Torres comemorando o Oscar de Ainda Estou AquiFrustrados há mais duas décadas com a seleção canarinho, o torcedor brasileiro canalizou toda a sua energia para o Oscar 2025. O Brasil, representado por Ainda Estou Aqui de Walter Salles concorreu em três categorias: Melhor Filme Internacional, Melhor Filme e Melhor Atriz. Curiosamente, parecia que a torcida maior era para ganharmos o troféu de artilheira do que a copa do mundo. Foi uma febre de semanas nas redes e nas mídias virtuais e analógicas, resgatando vídeos de Fernanda Torres de filmes, entrevistas, citações e programas de televisão de tempos recônditos.
Mais curioso ainda é que entre esses inúmeros trechos não vi nenhum, nem por menção, ao saboroso filme A Marvada Carne de André Klotzel (1985) que catapultou a jovem Fernanda às grandes telas, num papel cômico em que ela arrasou como a jovem Carula.
Fernanda não levou a taça de artilheira (Melhor Atriz) mas foi vitoriosa, junto com toda a equipe e elenco, do filme que faturou Melhor Filme Internacional. O primeiro Oscar que vai para o Brasil, o que coloca o cinema brasileiro com força no mapa-múndi.
A maior decepção no Oscar 2025 vem do grande vencedor Anora, um filme de poucas qualidades, uma espécie de filme erótico adolescente, com um falso verniz que tenta ocultar seu machismo e xenofobia, dando protagonismo a uma trabalhadora de sexo americana de origem russa.
Anora faturou os prêmios para roteiro, direção e montagem assinadas por Sean Baker e melhor atriz para Mikey Madison, além de Melhor Filme. É mais um desses vencedores do Oscar que nem deveria estar entre os finalistas e, provavelmente, entrará em breve no esquecimento.
Filmes concorrentes e interessantes para conferir: Conclave de Edward Berger (melhor roteiro adaptado), O Brutalista de Brady Corbet (melhor ator, Adrien Brody); Flow de Gints Zibalodis (melhor animação), O Reformatório Nickel de RaMel Ross (que concorreu a melhor roteiro adaptado e melhor filme, mas não levou) e todos os finalistas de documentário.
E claro, se você ainda não viu o Melhor Filme Internacional, que é uma produção nacional, corra para os cinemas assistir Eu Ainda Estou Aqui, a resenha sobre o filme você pode ler clicando aqui.
February 27, 2025
Os Imperdoáveis

Filme de Clint Eastwood, EUA – 1992
Os Imperdoáveis causou furor quando foi lançado, considerado o fecho de ouro para um gênero que parecia esgotado. Curiosamente, acabou sendo catalizador para a revitalização do Faroeste, inspirando/provocando outras obras com um olhar moderno e quebrando paradigmas. Quebra que chega em seu ápice, na minha opinião, não em um filme, mais na série Godless, de 2017.
O filme não só abala paradigmas como também satiriza um dos pilares do gênero: a glorificação do macho, do homem durão que impõe a lei com o seu revólver. O filme inicia com uma prostituta debochando do tamanho do falo de seu cliente. O caubói perde as estribeiras, reage retaliando o rosto e seios da moça. As colegas, indignadas com o ato e com o descaso da “Lei”, fazem uma vaquinha para dar um prêmio a quem o mate.
A segunda sequencia nos apresenta o protagonista do filme, em uma situação nada gloriosa. Em um sítio caindo aos pedaços no meio do nada ele tenta separar seus porcos doentes dos sadios e cai e chafurda na lama. Ele é William Muni, outrora um assassino indomável, um dos melhores gatilhos do oeste, desviado do mal caminho pela esposa que faleceu há pouco. O ator é Clint Eastwood, que ficou famoso por seus personagens durões em faroestes espaguete. Ele protagonizará, mais tarde, outra cena humilhante quando apanhará sem dó do xerife e sairá rastejando do bar para a chuva lá fora.
Outro elemento nessa sátira à glorificação do macho é o personagem W.W Beauchamp, que não é caubói nem pistoleiro, mas um biógrafo que escreve sobre pistoleiros. A interação dele com o xerife (interpretado magistralmente por Gene Hackman) chega a ser hilariante. E essa mitificação do homem mau pelas artes, é ao mesmo tempo questionada e reforçada no filme o que o tornou, na época, um tanto revolucionário.
Além dessa revolução (mantendo, no entanto, à risca a gramática do faroeste), o filme apresenta um elenco de peso que inclui os já citados Clint e Gene, Morgan Freeman e Richard Harris, Anna Levine como a prostituta desfigurada e Frances Fisher como sua colega que organiza a vaquinha. E uma direção de fotografia impressionante, principalmente no desenho de luz com seu alto contraste, o preto denso que cria cenas sombrias inspiradas no cinema noir dos anos 1940-50.
O filme faturou os prêmios de melhor filme, direção, montagem, e ator coadjuvante (Gene Hackman), sendo o grande vencedor do Oscar 1993, disputando com obras sensacionais como O Jogador de Robert Altman e Traídos Pelo Desejo de Neil Jordan.
Os imperdoáveis, um clássico do faroeste moderno, pode ser assistido no Max.
February 20, 2025
Farol da Ilusão

Filme de Matty Brown, Líbano/Emirados Árabes Unidos/EUA, 2025.
O diretor Matty Brown conta que viveu uma infância muito difícil. Como criança, não entendia completamente a gravidade das situações, mas mesmo assim criava, como um mecanismo de defesa, histórias que “explicavam” e encobriam a realidade cruel. A ideia para o filme nasceu da lembrança de uma dessas histórias.
O Farol da Ilusão é um exercício cinematográfico ousado. Ambiciona nos transportar para dentro da cabeça de uma criança que sofre trauma de guerra. Essa incursão pelo inconsciente já é um desafio muito grande, mas Brown dá um passo além na ousadia, construindo uma trama que só nos revela ao final sua verdadeira intenção, embora largue inúmeras pistas espalhadas pelo caminho. Algo semelhante ao que Scorsese fez em Ilha do Medo.
O problema é que a trama não é exatamente uma trama, é uma situação: uma família encontra-se, não sabemos como nem por quê, em uma ilha deserta. Já bem cedo no filme suspeitamos que se trata de uma alegoria, ou algo parecido, em função do surrealismo da situação. Mas não há um enredo que se desenvolve, apenas uma série de desafios que surgem incialmente e depois se repetem, que os quatro membros da família devem encarar, tipo um reality de sobrevivência. O mistério de o que os levou à ilha e quem deve os buscar captura o espectador no início, mas perde essa força já no meio da obra, sem o combustível adequado que o mova.
O elenco parece ser escolhido a dedo, principalmente a mãe e os dois filhos que como figuras conseguem transmitir o estranhamento e a impotência frente à situação. No entanto, esses tipos interessantes não são suficientes para segurar o longa, sem um roteiro que apresente personagens reais e não apenas arquétipos alegóricos.
Nadine Labaki, atriz e diretora do super impactante Cafaranum faz o papel da mãe; Zein Al Rafeaa, (protagonista de Cafarnaum) e sua irmã na vida real, Riman, encarnam as duas crianças do casal; Ziad Bakri faz o papel do pai.
Os recursos imagéticos são criativos e um tanto impressionantes, como o passeio de foco por um aparelho de rádio jogado na areia que termina na ponta de sua antena e que junto com o áudio mostra o isolamento da família, a impossibilidade de fazer conexão com o mundo exterior, para um possível socorro. Mas a montagem de cortes excessivos e uma câmera instável que se repetem nos momentos de ameaça, com um desenho de som que carrega nos clichês de thrillers e filmes de terror, atentam contra o tipo de impacto pretendido pela obra.
Essa desconexão entre a utilização dos vários elementos do filme e sua intenção ambiciosa é que acabam tornando o filme difícil e estranho, não no bom sentido do termo.
Cabe observar que o nome original O Castelo de Areia é muito mais adequado do que o título dado a ele no Brasil, pois é um castelo de areia que a menina Jana constrói em sua mente para sobreviver, até que as ondas da realidade o destroem. O castelo também simboliza a família, a proteção que os pais devem dar aos filhos, mas em certas circunstâncias essa fortaleza se revela um castelo de areia, com traumas terríveis para filhos e pais.
Pelas questões que aborda (e que raramente encontram espaço na tela), pela ousadia na abordagem e a experimentação estética, vale a pena ver o filme, apesar de seus equívocos. O Farol da Ilusão (ou The Sand Castle) pode ser conferido na Netflix.
February 13, 2025
Que Horas Ela Volta?

Filme de Anna Muylaert, Brasil – 2015
Que Horas Ela Volta? É um dos mais tocantes filmes do cinema brasileiro. A sabedoria com que são integrados os dramas familiares com o drama social é um dos pilares fortes do filme. Os temas da maternidade e do afeto maternal, com sua abordagem diferente, é outro pilar. O trabalho primoroso dos atores, que sem arroubos dramáticos constroem personagens fortes, críveis e complexos, destaque para as protagonistas Val e Jéssica, (Regina Cazé e Camila Márdila), é certamente um terceiro grande pilar.
Outro elemento que não é tão evidente, mas impacta em um nível mais inconsciente, é a direção de cena, especialmente as composições de quadro que além da apurada estética têm também função dramática, expressando as hierarquias e os jogos de poder na relação patrões/empregada. Um exemplo é como o pai da família é enquadrado na sala de jantar pela porta da cozinha enquanto Val o serve indo da cozinha e saindo de quadro enquanto está na sala de jantar, território dos patrões. Além da cozinha, o quarto de hóspedes e principalmente a piscina, ganham peso concreto e simbólico nesse jogo de hierarquia e poder. Jogo que sofre abalo sísmico com a aparição de Jessica, a filha da empregada.
Vale destacar que esse foi o primeiro projeto de longa da diretora, mas não foi seu primeiro filme. Ela trabalhou no projeto por vinte anos até conseguir realizá-lo e no decorrer desse tempo foi atualizando o roteiro, principalmente acrescentando a mudança de postura da nova geração em relação ao abismo entre pobres e ricos, postura que acaba gerando o conflito mais interessante do filme, causando o abalo mencionado no parágrafo anterior.
Outro aspecto interessante de bastidores é que a ideia inicial da diretora era que Jessica fosse negra. Ela explica em entrevista para o Canal Brasil por que acabou escolhendo uma atriz branca e revela um pouco dos debates que houve na equipe em torno disso. É interessante pensar como seria o filme com essa personagem interpretada por uma atriz negra. Certamente seria uma obra diferente, pelos caminhos que o roteiro poderia tomar.
Já havia visto o filme há dez anos, na época do seu lançamento e quando escrevi o post sobre o romance Limpa, lembrei dele. São duas visões interessantes e abordagens muito diferentes sobre o mesmo tema: a “instituição” empregada doméstica. Limpa é contundente, Que Horas Ela volta? tem mais nuances e profundidade. Descobri que o filme está em exibição em streaming e foi muito bom revê-lo, não perdeu em nada de sua força com o passar do tempo.
Regina Cazé assina também o roteiro ao lado da diretora, outra surpresa por parte dessa artista de multitalentos que ficou por muito tempo marcada como apresentadora de programas populares de TV. Você pode assistir ao filme na Netflix.
February 6, 2025
Limpa

Romance de Alia Trabuco Zeran, Chile 2022
O título do romance, Limpa, pode se referir ao verbo, especialmente se conjugado no imperativo, ou se referir ao adjetivo. Ambos caem como uma luva. O texto é basicamente um monólogo de uma profissional da limpeza, em outras palavras, de uma empregada doméstica que além de limpar, cozinha, serve a família e cuida da filhinha dos patrões. É um monólogo quase em tom de confissão do que parece ser um crime. Mas em Limpa as aparências enganam. Não que não se trate de um crime, mas o crime não é aquele que parece ser, e a vítima, muito menos.
Embalando a narrativa no mistério de uma morte, o que dá ao texto o tom de um enredo policial, Alia Trabuco Zeran cria um manifesto contra a exploração calcada no abismo social. É este o crime denunciado. Não um crime de morte, um crime de vida. A história é chilena, mas a situação é latino-americana, um continente erguido em cima do trabalho escravo, cuja mentalidade de exploração escravagista ainda está presente em dias atuais. Isso vem à tona de forma eletrizante na história de Estela. Dela emerge uma protagonista muito especial, tão forte e trágica quanto a trama. Uma protagonista, após o monólogo confessional, de alma limpa.
Zeran, autora emergente da literatura chilena contemporânea, escreveu o livro de não ficção As Homicidas, que também mescla crime e a condição feminina. O livro foi a inspiração para o sensacional filme No Lugar da Outra que ela assina como uma das roteiristas. Seu premiado romance de estreia A Subtração (2015) foi traduzido e publicado no Brasil pela editora Moinhos. Já Limpa e As Homicidas (2019) foram publicados aqui pela Editora Fósforo.
Leia uma amostra e adquira o livro:
January 30, 2025
Fallout

Série, direção de Jonathan Nolan, EUA, 2024
Jonathan é o irmão menos famoso de Christopher Nolan, mas nem por isso menos prodígio. Amnésia, o filme que catapultou a carreira de Christopher e cujo roteiro foi indicado ao Oscar, é adaptação do conto de Jonathan Memento Mori. Além de roteirista em vários filmes, Jonathan é diretor, criador e produtor executivo de séries importantes como West World e Person of Interest.
Assim como em outros trabalhos seus, Fallout traz uma visão original embalada em narrativa empolgante. A série que inicialmente parece um tanto maniqueísta, como muitas outras distopias de ação, revela aos poucos um roteiro complexo com guinadas muito inteligentes.
A estética também é peculiar, jogando no caótico caldeirão do que restou daquele pedaço de mundo após a hecatombe nuclear, referências de vários gêneros e épocas, do Scifi ao Faroeste, passando por Flash Gordon e Mad Max, do futurismo aos anos 1950.
Fallout é adaptação para a TV do videogame homônimo, do qual Nolan é fã. Vários elementos como personagens, cenários e desafios são do jogo, mas a trama que os aglutina é original. E sua premissa distópica chega a dar arrepios frente ao que estamos vendo acontecer recentemente nos EUA com a posse de Trump: um conjunto de bilionários tomando as rédeas do estado.
Em outras palavras, por trás da pancadaria, do universo de *ghouls, irmandades paramilitares e dos efeitos visuais, há uma mensagem política que encara temas importantes, expressa, principalmente, pela diferença entre a vida absurdamente regrada dos abrigos, e a terra de ninguém lá fora.
*Para quem não conhece o jogo, um ghoul em Fallout é uma espécie de mortos vivos, outrora humanos que sofreram prolongada exposição à radiação, mas não o suficiente para matá-los. Essas criaturas deformadas com a pele necrosada são resistentes à radiação, e têm duas variações: ghouls inteligentes e feral ghouls, que são iguais a zumbis selvagens e adoram carne humana. Um dos protagonistas da série é um ghoul.
Você pode (e deve) assistir Fallout na Amazon Prime Vídeo.
January 23, 2025
A Casa do Baralho, episódio de hoje: A Trombeta do Apocalipse

Trump em inglês significa trombeta, ou trompete. Nesse seu retorno à Casa Branca, o presidente exigiu que a Casa do Baralho não o apelidasse mais de Trampo, ameaçando com embargo econômico, sanções militares e até deportação dos roteiristas. Quando tomou conhecimento que nenhum dos roteiristas mora nos EUA, estudou anexar o território casabaralhense, para poder depois deportá-los.
Pedindo assim, tão delicadamente, A Casa do Baralho resolveu atendê-lo, alcunhando-o, nesse segundo mandato, de Trompete. Para muitos ele é o trompete do apocalipse. No primeiro dia de trabalho já decretou a saída do EUA do Acordo Climático de Paris, a saída da Organização Mundial de Saúde e a saída da prisão dos 1500 criminosos que invadiram o Capitólio. Revogou a proteção ambiental à exploração de petróleo em áreas do litoral, e cravou o mote Driil, Baby, Drill (vamos perfurar, baby, perfurar).
Seu grande fã no Brasil, o ex-presidente e futuro-presidiário B, foi impedido de ir à sua posse, apertar a sua mão. Seu passaporte está retido pela justiça, após ele ter sido indiciado por tentativa de abolir o estado democrático de direito. B mandou no seu lugar o filho e sua querida esposa, a quem acompanhou, emocionado ao aeroporto.
Mal o avião decolou ele se lembrou da célebre frase do amigo americano: Grab them by the pussy, gabando-se com um colega que era assim que ele chegava nas as mulheres. B e seus filhos acharam muito engraçado na época, mas agora, com a Micheque a caminho de cumprimentar o Trompete, B sentiu um aperto nas hemorroidas. Chegou a verter uma lágrima, que explicou aos jornalistas como emoção pela posse do grande mandatário.
A publicação do áudio misógino com todo o escândalo que causou, na época, não minou a eleição do Trombeta. Como não minou agora o fato de ele ser réu condenado por fraude eleitoral em um episódio no qual pagou pelo silêncio de uma atriz pornô (ainda com dinheiro da campanha), sobre um caso que teve com ela.
O Trompete disputou três vezes a eleição para presidente. Ganhou duas delas e uma perdeu. Coincidentemente, as duas que ganhou eram contra candidatas mulheres. A que perdeu foi para um homem. Será os EUA tão machista quanto o presidente que elegeu?
Machista ou misógina, a infame frase sobre como Trompete tratava as mulheres pode ser aplicada atualmente à nação americana. Ele a pegou pelos órgãos genitais, e vai apertar, se for preciso.
Para o alívio do ex-presidente brasileiro, a Micheque acabou não tendo contato com o empossado. Não pôde ingressar na cerimônia e teve que assistir a posse em um telão. Isso que de acordo com B, ela era uma convidada VIP.
O que acabará antes, o novo mandato do Trompete ou o mundo? E até lá, estará a humanidade pronta para colonizar Marte? Não perca nos próximos episódios de A Casa do Baralho.


