Jaime Lerner's Blog, page 3

May 1, 2025

O Quarto ao Lado

Filme de Pedro Almodóvar, Espanha/EUA – 2024

Há um provérbio judaico que diz que ir ao funeral de alguém é a maior prova de amizade desinteressada. Por quê? Porque quem o faz o gesto não espera retorno.  Pedro Almodóvar leva essa ideia à outra dimensão, em um filme que fala sobre o fim da vida, mas no fundo é sobre amizade.

O diretor que elevou o melodrama melado a um estado de arte, encara um desafio interessante ao fazer seu primeiro filme falado em inglês. O tom é de um drama anglo-saxão, bem diferente de seus filmes espanhóis. Tudo é mais sutil, contido, menos extravagante. Porém três qualidades Almovodarianas permanecem:  a situação inusitada criada na trama, a magistral sensibilidade na direção de atores e acima de tudo, as cores de Almodóvar. O diretor usa as cores como se usa a trilha sonora, criando climas e sensações, marcando contrapontos e exclamações. Esse trabalho de cores vivas num ambiente de luz mais austero e suave é de arrepiar.

Tilda Swinton é a protagonista do filme. Teve várias experiências de estar próxima a pessoas que encaravam o final de suas vidas com coragem, e levou essa atitude delas para Martha, sua personagem. Um deles foi o cineasta Derek Jarman que morreu de Aids em 1994, o outro foi seu pai, falecido mais recentemente.

O trabalho de Tilda é impressionante em vários aspectos. Sua figura física que vai se afinando a cada estágio da doença, e depois surge como uma jovem saudável, no papel da filha de Martha; sua expressividade de comunicação não verbal, falando com os olhos, com uma postura de corpo, com um esgar da boca; a tensão instigante que às vezes cria entre seu texto verbal e essa comunicação silenciosa.

Tilda conta que o diretor a convidou para o filme e pediu que sugerisse um nome para o papel da amiga Ingrid. Ela de imediato visualizou o rosto de Julianne Moore. O

Outro ator que tem um papel menor, em termos dramáticos, mas se destaca pela atuação é John Turturro como Damian.

Uma curiosidade: a trama acontece toda nos EUA e várias cenas foram rodadas em Nova York e New Jersey. A maior parte do filme, porém, foi rodada em Madri e arredores, inclusive a locação principal, uma casa maravilhosa no meio da natureza que lembra Woodstock no estado de Nova York.

Baseado no romance What Are You Going Trough de Sigrid Nunez, publicado no Brasil como O que Você Está Enfrentando, o filme foi vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza. Tilda foi indicada como Melhor Atriz para o Globo de Ouro, mas como noventa de cada cem brasileiros sabem, a vencedora foi Fernanda Torres por Ainda Estou Aqui.

O Quarto ao Lado pode ser visto na Netflix.

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Published on May 01, 2025 06:16

April 24, 2025

Tokyo Vice

Série, criação de JT Rogers, EUA, 2022, 2024

Uma das séries mais interessantes que vi recentemente é Tokyo Vice. Sob o manto cativante de uma investigação criminal, a obra toca em temas importantes como choque cultural e xenofobia; pátria – carreira e família; e acima de tudo, ética.

O protagonista não é um policial ou detetive, é um repórter investigativo. E não é apenas um repórter investigativo, é um judeu norte-americano que se apaixonou pelo Japão e logra a façanha de ser aceito para trabalhar no maior jornal japonês. O suspense na prova de admissão é tão forte quanto nas futuras cenas de trama criminal.

Jack começa a investigar o estranho suicídio de uma pessoa que ateia fogo em si mesma na rua, e logo se vê transitando por vias perigosas que parecem levar para a Yakuza.

Mas não é só a trama que cativa em Tokyo Vice. Todos  os componentes da orquestra audiovisual trabalham juntos para produzir uma obra impactante. A direção de arte e fotografia criam um look noir/neon que combina os altos contrastes de filmes sombrios com as cores e a atmosfera elétrica do submundo do Japão. Os atores, tanto os japoneses como os gaijins, entregam um trabalho magistral e personagens multidimensionais. Os diálogos que transitam do japonês para o inglês e vice-versa, acrescentam um ar cosmopolita. O suspense é mantido em alto nível o tempo inteiro, as eventuais cenas de ação são muito bem coreografadas. A montagem cadencia a densidade dramática ao longo das duas temporadas.

A série é baseada no livro de memórias de Jack Adelstein, personagem real que se apaixonou pelo Japão e trabalhou em Tóquio como repórter do Yomiuri Shimbun (o principal jornal japonês) entre 1993 e 2005. Essa base real é mais um componente que confere autenticidade. No Brasil o título do livro é Tóquio Proibida: Uma Viagem Perigosa Pelo Submundo Japonês.

O quarteto de atores protagonistas: Ansel Elgort (como Jack), Ken Watanabe, Rachel Keller e Shô Kasamatsu.

A série foi rodada toda em Tóquio e arredores. A segunda temporada foi ao ar em 2024, são dezoito episódios no total das duas temporadas, e foi um grande sucesso também no Japão, o que atesta a sua genuinidade.

Tokyo Vice pode ser vista na plataforma de streaming Max.

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Published on April 24, 2025 06:24

April 17, 2025

O Reformatório Nickel

Livro de Colson Whitehead, 2019 + Filme de Ramell Ross, 2024, EUA

Em 2011, o reformatório para jovens Dozier, no estado da Florida, foi desativado, após cento e onze anos de funcionamento. Denúncia de abusos, torturas físicas e psicológicas ao longo de quase toda sua história decretaram, finalmente, o fechamento. Corpos mutilados, baleados, com sinais de desnutrição foram encontrados por pesquisadores forenses em um cemitério improvisado no próprio terreno da instituição, e outros em covas clandestinas fora desse cemitério.

A maioria desses abusos e mortes aconteceram nos anos 1960, no auge da era Jim Crow, quando se exacerbou a luta dos negros por direitos civis nos Estados Unidos causando uma forte reação dos racistas, principalmente nos estados sulinos.

A notícia do escândalo em Dozier inspirou Colson Whitehead a escrever um romance sobre a amizade entre dois internos negros de personalidades e antecedentes muito diferentes.  Elwood é inspirado pelos discursos de Martin Luther King que ouvia quase diariamente de um disco de sua avó, antes de ser preso. Turner é um cético, um sobrevivente desde sua mais tenra infância.

A escrita de Whitehead é áspera, seca, de frases curtas e sem enfeites, como era a vida daqueles personagens naquela época e lugar. E mesmo assim é uma escrita cativante, que impacta emocionalmente, como foram impactadas todas as vidas que passaram naquele “reformatório”, como impacta a revelação que lugares como esses existem. O romance faturou o prêmio Pulitzer em 2020.

Impactado ficou também o cineasta Ramell Ross, ex-jogador de basquete que teve que abandonar a carreira prematuramente em função de várias lesões. Inicialmente migrou para a fotografia, mas um documentário seu, Hale County, This Morning This Evening, vencedor de Sundance e nomeado ao Oscar, alçou-o definitivamente para o cinema. Estreou na ficção com a adaptação do livro de Whitehead. Filme que também teve duas indicações ao Oscar de 2025: Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Filme, embora não tenha sido premiado em nenhuma delas.

O filme é ousado no uso da linguagem audiovisual, porém difícil. O trabalho de câmera se amalgama com o trabalho de ator, representando o protagonista. A primeira parte é filmada toda como ponto de vista de Elwood. O espectador vê o que os olhos dele enxergam, ou o que ele sonha. Conseguimos ver seu rosto muito pouco, através de um reflexo no ferro de passar roupa, ou no retrovisor do carro em que pega carona rumo ao seu destino trágico.

Assim que encontra Turner, no refeitório do reformatório Nickel, a câmera divide-se em representar o ponto de vista dos dois. Através das câmeras subjetivas de ambos, conseguimos enxergar mais os protagonistas, um através do olhar do outro. Uma forma interessante de falar sobre amizade.

O filme é também rodado em uma janela quase quadrada, como dos antigos aparelhos de TV. E a narrativa acaba sendo muito fragmentada, despertando mais dúvidas do que entendimentos. O curioso é que para conseguir desfrutar plenamente da estética ousada do filme, é melhor ter lido o romance antes.

Com o conhecimento da trama e dos personagens, o espectador fica livre para apreciar os artifícios fílmicos, sem ficar se perguntando se entendeu bem o que aconteceu na cena.  E consegue se impactar da qualidade artística do discurso audiovisual de Ross. Nesse caso, a subjetividade da câmera nos aproxima dos personagens, em vez de nos afastar.

O nome original de ambas as obras é Nickel Boys, os garotos Nickel, muito mais apropriado do que o título em português, já que nenhuma delas é sobre o reformatório e sim sobre dois adolescentes negros na América racista dos anos 1960. O trocadilho do nome da instituição com a moeda de 5 centavos é explicitado no livro, mostrando o quanto valia a vida do jovem que ali ingressava.

O filme pode ser visto na Amazon Prime Vídeo. Antes, porém, leia o romance publicado pela Harper Collins, você não vai se arrepender.

Ao adquirir o livro através do link abaixo você estará ajudando o blog, sem pagar nada a mais por isso.

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Published on April 17, 2025 06:28

April 10, 2025

Cidade Tóxica

Série, criação de Jack Thorne, Reino Unido – 2025

Assim como Adolescência, Cidade Tóxica é uma série britânica de alta densidade dramática, que trata o drama de maneira contida, mas não por isso menos impactante.

A série é baseada em eventos reais na cidade de Corby, no final do século passado, um envenenamento ambiental que levou mais de uma década para ser admitido como tal, após um longo processo judicial.

A obra tem dois fortes pilares: consegue, através da caracterização e trabalho de atores, construir um panorama de pessoas comuns da classe trabalhadora em uma cidade em decadência econômica, e mostra como essas pessoas comuns, transpondo grandes obstáculos, se organizam para lutar por justiça. 

Consegue, através de um roteiro bem estruturado (e engana-se quem pensa que ser baseado em fatos reais facilita esse trabalho), extrair o sumo dramático de um longo processo, com avanços, paralizações e recuos, e mostrar como isso afetou a vida de indivíduos, mas também da comunidade como um todo.

Esse avanço na tessitura dos conflitos integrando o individual (protagonistas e antagonistas) com o coletivo, é um dos pontos de excelência de Cidade Tóxica.

O título, aliás, tem duplo sentido: o envenenamento concreto que ocorreu afetando fetos das mulheres grávidas na época, e a relação da cidade (representada pelo Conselho de Vereadores) com a sua comunidade, uma relação, naquela época e local, para lá de tóxica.

A direção é de Mink Spiro, diretora de Downtown Abbey e Better Call Saul. Cidade Tóxica pode ser vista na Netflix.

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Published on April 10, 2025 06:02

April 3, 2025

Um Defeito de Cor

Livro de Ana Maria Gonçalves, Brasil – 2006

Um livro que ainda não completou vinte anos e já é um clássico, se irmanando com romances históricos seminais como Grande Sertão: Veredas, Viva O Povo Brasileiro, Lavoura Arcaica, O Tempo e o Vento, entre outros. Com uma diferença fundamental: tem a autoria de uma mulher negra.

Um Defeito de Cor narra a epopeia de Kehinde, capturada na África ainda criança e trazida como escrava ao Brasil no início do século XIX. É repleto de mitologia, história, misticismo e reflexões sociais, mas sua maior qualidade é a narrativa envolvente que integra todos esses elementos à vida da protagonista. A escrita cativante perde um pouco  do ritmo a partir da volta de Kahinde à África, mas ainda assim mantêm-se como uma narrativa de fôlego, uma pintura multicolorida do mundo movido pelo comércio de escravos em seus detalhes, desde seus movimentos globais à rotina diária de escravos e patrões.

Kehinde, ou Luísa, como foi chamada por aqui, mesmo que tenha escapado do ritual obrigatório do batismo ao aportar no Brasil, conta sua história como um livro de memórias, que na verdade é uma carta a um filho perdido. Esse episódio do filho perdido é inspirado na história real de Luís Gama, advogado abolicionista, filho de mãe africana e pai português que o vendeu como escravo quando tinha sete anos (apesar de ter nascido livre), para saldar dívidas de jogo. 

Ana Maria Gonçalves trabalhou dois anos só em pesquisa, levou um ano para escrever o primeiro tratamento e mais dois anos reescrevendo. A imensa pesquisa e a integração de fatos históricos e personagens reais na teia ficcional conferem autenticidade, e revelam a grande diversidade de culturas, crenças e origens dos escravizados africanos que foram trazidos para cá, além da diversidade de trabalhos e status a que eram sujeitos. É uma aula cativante sobre um período sombrio que afetou a formação do Brasil como nação e a afeta até hoje.  E afetou também o continente africano. Defeito de cor é um termo jurídico daqueles tempos.

É o segundo romance de Ana Maria e ganhou o prestigiado Prêmio Casa das Américas em 2007. Em 2024 o livro foi adaptado como tema enredo do desfile da Escola de Samba Portela. Também gerou uma exposição com o mesmo nome e tema no SESC Pinheiros. Um Defeito de Cor é publicado pela Record.

Leia uma amostra ou adquira o livro, clicando abaixo;

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Published on April 03, 2025 06:12

March 25, 2025

Adolescência

Série, criação de Stephen Graham e Jack Thorn, Inglaterra 2025

É incrível como britânicos e norte-americanos trabalham diferente a condução da dramaticidade em seus filmes e séries. Os americanos usam e abusam de “fogos de artifício”, ou seja, o uso de recursos que não fazem parte da cena, como efeitos de som e trilha sonora, entre outros, para espetacular a situação, ajudar (ou sugestionar?) o espectador a entrar no clima pretendido. Os britânicos economizam nos extradiegéticos e se concentram mais na profundidade do roteiro e nas atuações.

Duas séries britânicas de alta densidade dramática lançadas na Netflix recentemente demonstram muito bem essa diferença. Uma delas é Cidade Tóxica, que será abordada em post futuro e Adolescência dirigida por Philip Barantini.

A série poderia muito bem ser chamada de Pais e Filhos. Ela reflete sobre a perigosa influência das redes sociais e influenciadores digitais entre os jovens, num contexto da desconexão entre pais (homens) e seus filhos (homens).  É ousada ao abordar o sensível tema do feminicídio entre adolescentes e tentar entender o processo mental do perpetrador.

O roteiro é sofisticadamente estruturado. A série, no princípio, parece uma série policial, até que na metade fica claro que a investigação proposta vai além (e mais fundo) do que a da solução de um crime e ela desemboca num drama familiar, após passar pela crítica social. Há quatro personagens principais que se alternam no protagonismo nos episódios: o investigador policial que também é pai de um adolescente; Jamie, o  garoto suspeito do assassinato; a psicóloga designada a fazer sua avaliação; e o pai de Jamie.

É curioso que os dois pais tem um biotipo parecido, homens musculosos, caras que resolvem as coisas com as próprias mãos. Seriam tipificados como machos alfa no código INCEL. O policial tem uma relação complicada com seu filho de 15 anos, mas é este rapaz, inseguro e frágil, que lhe decifra os códigos adolescentes para esclarecer o caso.

É interessante que nesse mesmo episódio sua parceira comenta quanto é injusto que nesses feminicídios  toda a atenção vai para o assassino e a vítima é quase posta de lado. É praticamente uma autocrítica que a série faz, já que praticamente tira a vítima e sua família da equação dramática da obra. O terceiro episódio é o ponto alto na série, em que a sessão de avaliação psicológica acaba virando um duelo de titãs entre a psicóloga e Jamie.

A maneira como Adolescência é filmada também é diferenciada. Cada episódio é rodado em um único plano sequência de cerca de uma hora, mesmo quando a ação se desloca entre várias locações.  Cada dia de filmagem rendia duas tomadas, após ensaios que construíam a ação, a coreografia dos planos e a movimentação técnica da câmera, que muitas vezes saia de um steadycam para um drone, ou para um carro, sem parar de rodar. Isso exigiu um grau de planejamento e preparação fora do comum. Qualquer errinho de um ator ou de alguém da equipe, invalidaria todo o episódio, tudo deveria ser feito do início.

Essa forma dificulta, por um lado, o trabalho dos atores, pois aumenta a pressão de não errar ao longo de uma hora, mas também traz uma vantagem a eles, já que é tudo filmado na ordem do roteiro e sem cortes, o que ajuda a manter o personagem. E é no trabalho de atores que reside o elemento mais impactante da série, esse que se junta a todos os outros para criar uma obra genial. Os atores, todos, entregam personagens reais que você encontra diariamente no seu entorno. Não há nenhum maneirismo de interpretação e esse naturalismo nos suga para dentro da série, como se fosse a vida real.

Em toda essa excelência destaca-se Owen Cooper de 13 anos como Jamie. É difícil acreditar que é sua primeira experiência frente às câmeras. Erin Doherty, que faz o papel de Brioni, a psicóloga, também é fundamental em seu trabalho de atriz o que ajuda também Owen a brilhar. O pai de Jamie é interpretado pelo criador da série, Stephen Graham, e o policial Luke, por Ashley Walters. O altíssimo nível de interpretação de todo o elenco, obviamente, tem também a mão do diretor.

Adolescência pode (e deve!) ser vista na Netflix.

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Published on March 25, 2025 06:46

March 20, 2025

A Única Mulher na Orquestra

Filme de Molly O´brien, EUA , 2024

Se você está precisando com urgência ver um filme que vai te elevar o espirito, te fazer esquecer agruras ou tristezas, A Única Mulher na Orquestra é o filme. Não, não é uma comédia hilariante, nem um drama romântico. É um documentário de 30 minutos sobre uma mulher que tocou contrabaixo na orquestra Filarmônica de Nova York, até se aposentar aos oitenta e sete anos.

Contrabaixo não é um instrumento que atrai holofotes. Foi por isso que Orin o escolheu, ou ele escolheu a ela. O barato dela sempre foi o coletivo, fazer parte de um grupo que produz notas musicais em conjunto. Sentia-se mais confortável como apoio nas fileiras de trás, dando base e sustentação. Foi aos holofotes em 1966 por ser a primeira mulher contratada para tocar na prestigiada orquestra, regida então por Leonard Bernstein. Os jornais escreviam sobre ela como uma curiosidade, que ela trocava de roupa no banheiro, já que só havia vestiário masculino e coisas do gênero, o que a desagrada até hoje.

Agora chega aos holofotes novamente através do filme dirigido por sua sobrinha e grande admiradora, Molly. Filme que Orin relutou em fazer desde 2015, quando a sobrinha a acompanhou com uma câmera em uma turnê da filarmônica na Europa.  Ela, no entanto, sempre adiava, dizia que não se sentia pronta para filmar, até que decidiu se aposentar, após a Covid e topou fazer o filme, com a condição que ele divulgasse o contrabaixo e os contrabaixistas, e não se concentrasse exclusivamente nela.  

Mas não há como negar que o forte do documentário é sua protagonista, de um carisma e vitalidade impressionantes que transmite a paixão pela música e pelo seu instrumento de forma absolutamente contagiante. Molly conta que várias amigas dela, quando conheciam a tia já em idade avançada, perguntavam o que ela fazia para ter uma pele tão jovem. Molly respondia que a tia tocava contrabaixo oito horas por dia, todos os dias, essa era sua receita milagrosa.

As filmagens foram feitas ao longo de três anos, produziram 16 horas de material, além da enormidade de material de acervo usado no filme que exigiu uma exaustiva pesquisa, principalmente para pinçar nos registros fílmicos dos concertos da orquestra os momentos em que a câmera focava nos contrabaixos.

A maneira como todos esses materiais de acervo (filmes, fotos, jornais) e as diversas filmagens (Hi-8, celular e 4K) em que Molly acompanha Orin são integrados, ou seja: a montagem, é outro ponto forte do documentário,  que articula a narrativa de um filme sem trama mas com uma história de vida e outra história de amor, e é corresponsável direto pela magia que acontece na tela.

A Única Mulher na Orquestra ganhou o Oscar 2025 de melhor curta metragem documentário. Não é uma categoria que atrai os holofotes, mas para nossa sorte, esse maravilhoso filme está disponível no streaming e pode ser visto na Netflix.

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Published on March 20, 2025 06:18

March 13, 2025

Roma, o seriado.

Série, Criação de Jonh Millius e Bruno Heller – Inglaterra , Itália, EUA, 2005

O Império Romano com suas intrigas políticas, guerras e orgias é prato cheio para filmes e séries. Uma dessas obras que virou um clássico é a série Roma, coproduzida e exibida pela HBO, Rai Due e BBC two entre 2005 e 2007.

Ela basicamente acompanha dois núcleos, o dos poderosos (os patrícios, Júlio César, Pompeu, etc.) e o do povo, representado por dois soldados que depois da guerra de Gália se estabelecem na cidade eterna. A influência das reviravoltas políticas sobre as vidas da plebe e a recíproca influência dos humores da plebe sobre as reviravoltas políticas são muito bem articuladas na série.

É possível vislumbrar como muitas das condutas sociais e políticas que estão vigentes ainda hoje se originaram naqueles tempos. República, tirania e ditatura são termos correntes. E matar ou morrer pela República e contra a tirania são slogans muito utilizados.

Roma também trata, ao longo dos vinte e dois episódios, de como o poder corrompe a alma, até de pessoas completamente idealistas. Essa qualidade corrosiva do poder é uma temática central, ao lado da hipocrisia moral, principalmente da nobreza. Esse processo da corrupção é magistralmente construído na trama.

Embora não mergulhe fundo no psicológico dos personagens (a maioria deles personagens históricos), há um trabalho de ator interessante ao longo de toda a série, com destaque para os personagens de Júlio César (Ciaran Hinds), sua sobrinha Átia (Polly Walker) e o Arauto do Fórum (Ian McNeice).  A mistura de ação, sexo, intrigas e recriação histórica, o ritmo, a direção de Roma e os  cliffhangers  estrategicamente colocados geram forte envolvimento. É sem dúvida uma série feita para maratonar.

A trama se passa na Roma antiga do século I a.C., na transição da República para o Império. Começa pelo conflito entre Cezar e Pompeu (52 a.C.) e terminaria com o surgimento do messias na Judeia, na quinta temporada. Porém, pelo alto custo dos episódios a série foi cancelada após a segunda temporada que culmina com a ascensão definitiva de Otávio Augusto ao poder (27 a.C.). A HBO se arrependeu depois do cancelamento, pois a série teve alto nível de audiência e gerou forte repercussão.

A produção toda foi filmada em Roma, nos arredores da cidade e nos estúdios da Cinecittà. Atualmente, Roma poder ser assistida na plataforma de streaming da Max.

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Published on March 13, 2025 06:55

March 6, 2025

A Casa do Baralho, episódio de hoje: Eles Não Usam Black-Tie

O presidente ucraniano Z, foi recebido com pompas no salão oval da Casa Branca, convidado para assinar o acordo que daria aos EUA o direito de exploração dos minérios essenciais em solo ucraniano.  Qual não foi o espanto de seu anfitrião ao ver que ele estava sem gravata. É muito desrespeito, disse o Trompete ao seu vice, a gente salva a pele dele e ele nos agradece desse jeito? O Vice entendeu a mensagem e na primeira deixa, deu uma gravata em Z na frente de toda a imprensa. O Trompete aproveitou o golpe e apertou o nó, deixando sem ar o oponente, quer dizer, o visitante.

Quantas vezes você nos agradeceu nos últimos quinze minutos? Perguntou o irado vice, e o Trompete bradou: você está sem cartas!!! Aplicando uma versão muito peculiar da tática do tira mal e do tira bom. O Vice era o tira mal, e Trompete, o malvadíssimo. Vermelho, quase sufocando, Z ainda conseguiu balbuciar: eu não vim aqui jogar cartas, presidente. Isso deixou a Trompete ainda mais furioso. O verme havia achincalhado a sua brilhante metáfora. Ajoelhou-se sobre o estomago de Z enquanto seguia apertando a garganta.

Na verdade, a indignação trompetiana era por não conseguir levar à cabo a missão outorgada por seu guru RasPutin: enquadrar o maldito ucraniano que teimava em não se render, nem em perder a guerra. RasPutin é o que Trompete quer ser quando crescer: alguém que manda e ninguém ousa contrariar, um presidente vitalício. O bilionário norte americano nem sonha, mas RasPutin encara-o como um projeto: o projeto Vingança por Gorbachev. 

Gorbachev foi o líder da União Soviética que promoveu uma abertura no regime, através da Glassnot (política) e da Perestroika (econômica). Apesar das boas intenções, essa abertura acabou causando a desintegração do Império Soviético. Muitos da linha dura do partido comunista acusaram o político de ser um agente infiltrado do ocidente.

RasPutin, com seu exército de hackers e bots, ajudou a eleger o Trompete por ver nele o idiota perfeito, capaz de liderar o Império Americano ao seu fim.  É a grande aposta do líder russo.

Logrará Rasputin seu intuito vingativo? E Z, conseguirá afrouxar o nó da gravata? Não perca nos próximos episódios de A Casa do Baralho.

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Published on March 06, 2025 04:13

March 3, 2025

Oscar 2025

Walter Salles e Fernanda Torres comemorando o Oscar de Ainda Estou Aqui

Frustrados há mais duas décadas com a seleção canarinho, o torcedor brasileiro canalizou toda a sua energia para o Oscar 2025. O Brasil, representado por Ainda Estou Aqui de Walter Salles concorreu em três categorias: Melhor Filme Internacional, Melhor Filme e Melhor Atriz. Curiosamente, parecia que a torcida maior era para ganharmos o troféu de artilheira do que a copa do mundo. Foi uma febre de semanas nas redes e nas mídias virtuais e analógicas, resgatando vídeos de Fernanda Torres de filmes, entrevistas, citações e programas de televisão de tempos recônditos.

Mais curioso ainda é que entre esses inúmeros trechos não vi nenhum, nem por menção, ao saboroso filme A Marvada Carne de André Klotzel (1985) que catapultou a jovem Fernanda às grandes telas, num papel cômico em que ela arrasou como a jovem Carula.

Fernanda não levou a taça de artilheira (Melhor Atriz) mas foi vitoriosa, junto com toda a equipe e elenco, do filme que faturou Melhor Filme Internacional. O primeiro Oscar que vai para o Brasil, o que coloca o cinema brasileiro com força no mapa-múndi.

A maior decepção no Oscar 2025 vem do grande vencedor Anora, um filme de poucas qualidades, uma espécie de filme erótico adolescente, com um falso verniz que tenta ocultar seu machismo e xenofobia, dando protagonismo a uma trabalhadora de sexo americana de origem russa.

Anora faturou os prêmios para roteiro, direção e montagem assinadas por Sean Baker e melhor atriz para Mikey Madison, além de Melhor Filme.  É mais um desses vencedores do Oscar que nem deveria estar entre os finalistas e, provavelmente, entrará em breve no esquecimento.

Filmes concorrentes e interessantes para conferir: Conclave de Edward Berger (melhor roteiro adaptado), O Brutalista de Brady Corbet (melhor ator, Adrien Brody); Flow de Gints Zibalodis (melhor animação), O Reformatório Nickel de RaMel Ross (que concorreu a melhor roteiro adaptado e melhor filme, mas não levou) e todos os finalistas de documentário.

E claro, se você ainda não viu o Melhor Filme Internacional, que é uma produção nacional, corra para os cinemas assistir Eu Ainda Estou Aqui, a resenha sobre o filme você pode ler clicando aqui.

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Published on March 03, 2025 06:34