Quo Vadis, Aída?

Filme de Jasmila Zbanic – Bósnia e Herzegovina, 2021
A década de 1990 foi agitada no continente europeu. No leste, o bloco comunista se dissolvia, após a queda do muro de Berlim; no centro e ocidente avançava a pleno vapor o projeto da União Europeia, a criação de um bloco econômico/político que teria moeda única, e devolvesse ao continente a força que suas potencias já tiveram no passado. O tempo parecia o mais propício para a unificação de uma Europa pacificada e alguns historiadores apressaram-se a declarar “o fim da História”.
Mas a ex-Iugoslávia jogou um balde de água frio nesse cenário. O país, com diversas etnias mantidas sob união pelo ditador Tito, desintegrou-se em várias repúblicas e originou conflitos armados que duraram cinco anos e evocaram lembranças da última grande guerra na Europa, pelos nacionalismos aflorados e atrocidades cometidas. O termo limpeza étnica voltou a assombrar como um fantasma do passado.
Quo Vadis, Aída? é um filme que retrata uma dessas atrocidades, o Massacre em Srebrenica, do ponto de vista de uma mulher bósnia e muçulmana que trabalha como intérprete para as forças da ONU e faz de tudo para tentar salvar seus conterrâneos das forças sérvias, incluindo seus filhos e marido, numa guerra muito particular.
O título remete à celebre frase que virou símbolo dos cristãos perseguidos pelos romanos na época do imperador Nero. Pedro foge da capital e no caminho encontra Jesus se dirigindo ao olho do furacão. Aonde vais? Pergunta o atônito Pedro e Cristo responde que está indo à Roma, ser martirizado mais uma vez. Pedro entende a mensagem e dá meia volta. Em Srebrinica, quase dois mil anos depois, os perseguidos são muçulmanos, os algozes são cristãos ortodoxos (sérvios) e católicos romanos (croatas).
A enormidade de conflitos morais e éticos que permeiam o filme, o ritmo alucinante e o trabalho da atriz, Jasna Duricic, que emana uma força absurda, prendem nossos olhos e mentes.
A diretora Jasmila não apenas dá vida à tragédia local, mas também levanta um questionamento muito forte sobre o papel das forças da ONU. Aliás, todos os filmes que assisti que envolvem as forças de paz da ONU, fazem uma crítica contundente à essa instituição e sua incompetência em cumprir o papel de forças da paz. Talvez por ser um paradoxo, uma força militar de paz, talvez por ser uma força deliberadamente enfraquecida, ou alheia às particularidades culturais dos conflitos.
O filme tem um impacto brutal, do tamanho da tragédia que ele retrata, e uma intensidade impressionante, desde a primeira, até a cena final.
Quo Vadis, Aída? pode ser visto na Amazon Prime Vídeo.


