C.N. Gil's Blog, page 53
November 13, 2015
Sabem qual é maior curiosidade nestas duas fotos?
Published on November 13, 2015 05:08
Os dias mais estranhos - 41. Afastamento (abstracção, ausência, separação)
Foi aproximadamente por esta altura também que comecei a sentir um certo afastamento da parte dela. Não era algo demasiado evidente, passava quase desapercebido, mas aquela ânsia inicial que eu sentia nela no princípio estava agora a esmorecer. Já não se tornava obrigatório falarmos todos os dias. Se antes não passava um dia sem que nos ligássemos, agora comecei a notar que a iniciativa era sempre minha e que por vezes as nossas conversas, embora carinhosas como sempre, eram de alguma forma encurtadas. A dada altura, só para tentar esclarecer as dúvidas que tinha, fiquei dois ou três dias sem telefonar, sendo que ela não ligou de volta e as coisas ficaram por ali.Comecei a sentir que ela precisava também do seu espaço. Em alguns fins-de-semana ela começou a sair com outras amizades, e eu por meu turno fazia o mesmo, forçado pela sua ausência. Parava nessas alturas em casa do Raul ou ia ver a minha “ex-banda” a tocar. Faltava-me ainda fazer dois concertos com eles, mas por esta altura também tinham já o novo guitarrista. A minha aparição nos seus concertos era sempre um motivo de festa, e sabia-me bem andar por estes ambientes com estas pessoas. Divergências à parte, éramos uma grande banda.Tudo continuou assim até à Páscoa. Nessa altura, e uma vez que a Raquel ia para casa do pai durante as ferias escolares, podíamos estar mais à vontade e por isso fui passar o fim-de-semana antes da Páscoa com ela, visto que o seguinte ela queria passar com os seus familiares, e diga-se, eu também.Cheguei a casa dela na sexta-feira ao fim da tarde e passamos um final de tarde e uma noite extremamente romântica e apaixonada. Depois veio o Sábado. Levantamo-nos cedo e ajudei-a nas compras. À noite alugamos um filme para vermos juntos. Por volta da uma da manhã deitamo-nos.Fizemos amor.A seguir ela levantou-se e foi para a sala, vestida apenas com um robe de seda completamente aberto. Juntei-me a ela na sala completamente nu.-Queres beber qualquer coisa?-Eu sirvo-me. – Respondi-lhe.Ela por seu turno foi buscar uma cerveja ao frigorífico. Ficamos os dois expostos, sentados um a cada ponta do sofá, a olhar um para o outro. O que veio a seguir foi de todo inesperado.-O que é que pensas da vida?Fiquei a olhar para ela não percebendo bem o sentido da sua pergunta.-Desculpa?-Acho que não me expliquei bem. Eu refaço a pergunta, o que é que queres da vida?Fiquei a pensar e deixei afundar bem a sua pergunta. O que queria eu da vida? O que quereríamos todos? Mas será que alguém tem uma noção do que quer?No entanto percebi exactamente o sentido.-Se eu bem percebo, estás-me a perguntar quais são as minhas expectativas.-Sim, é mais ou menos isso.Pensei por mais um momento.-Para te ser franco, acho que nunca delineei bem isso. -E porquê?-Porque acho que nunca senti essa necessidade…-Sabes, o meu “ex” com mais ou menos a tua idade casou-se comigo, e já me tinha uma casa posta e a vida toda organizada…-Pois, mas eu claramente não sou o teu “ex”…-É verdade. Mas tens falado que nos devíamos juntar mas o que é que eu posso esperar de ti? O que é que tu és neste momento?-Eu neste momento sou o que sempre fui. Sou eu. Ponto final.-Pois, mas não me pareces ser uma pessoa ambiciosa, competitiva…-Depende daquilo que consideras ambição. Eu na verdade ambiciono muita coisa.-O quê, por exemplo?-Ambiciono uma vida calma, ao lado das pessoas com quem eu gosto de estar, por exemplo.-E o teu conforto?-Creio que o meu conforto vem de mim. Acho que não preciso de muita coisa, desde que me sinta bem com o que tenho…-E achas isso suficiente? Não queres mais?-O que é que eu havia de querer. Sabes que não sou pessoa muito agarrada a luxos nem a marcas…-Mas não achas que devias querer mais da vida?Não respondi. Querer mais o quê? -Acho que queres pouco. – Continuou – Devias querer mais, procurar mais, ter mais garra, mais ambição…Ela continuou a falar acerca do que achava que eu deveria ser, nunca falando em concreto acerca daquilo que eu era. Eu deixei-me ficar emudecido. Acho que no fundo a única coisa que eu ouvia era “achas que mereces estar comigo?”. Isto acordou a sensação de insegurança que eu sempre tivera e que já tinha silenciado havia algum tempo. Ela acabou o seu discurso com um:-…não achas?Fiquei a olhar para ela um longo tempo sem saber o que lhe responder. Pensei bem no que lhe havia de dizer, incerto agora se ela gostava de mim ou da ideia que tinha do que eu poderia ser. A questão que aqui se punha era, no fundo, se eu alguma vez estaria à altura das suas expectativas ou se alguma vez procuraria estar. Acabei por lhe responder com uma calma tão grande que até eu fiquei surpreso.-Deixa ver, resumindo, tu gostavas que eu fosse como o teu “ex”.Ela acusou o toque de perceber tudo o que estava implícito naquela minha afirmação. E havia muito de implícito nela, com todas as ilações que dela se poderiam tirar.-Não era isso que eu queria dizer… – apressou-se.-Eu percebi-te… - disse-lhe eu com sinceridade. Aquela conversa tinha acordado um monstro em mim, tinha despertado duvidas e receios e eu estava plenamente consciente de todos eles. Apesar da minha aparente calma e serenidade, todos faziam os possíveis por me envenenar, e de alguma maneira estavam a consegui-lo.Ela apercebeu-se claramente do que tinha feito em mim, por esta altura. Do que tinha provocado. Ficamos os dois em silêncio a acabar as nossas bebidas. Finalmente pousamos os copos. Ela levantou-se agarrou-me e puxou-me.-Anda, vamo-nos deitar.Segui-a quase arrastado por ela. Ao chegarmos ao quarto ela voltou a sair. Eu deitei-me. Ela entrou.Dirigiu-se à cama, e ficou ao fundo da mesma de pé. Podia apenas ver a sua silhueta contra a janela. Sem uma palavra fez-me afastar as pernas e ajoelhou-se na cama entre elas. Afagou o meu sexo em seguida, afagando-o enquanto sentia a minha excitação crescer. Ainda sem que o silêncio tivesse sido quebrado começou a beijá-lo com uma intensidade crescente. Por fim, agarrando-me, fez-se penetrar profundamente.Era para mim todo um jogo que fazíamos naquele momento, com um nível erótico tão alto que o ar parecia carregado. Os únicos sons que trocávamos eram gemidos de prazer enquanto os nossos corpos se entregavam de uma forma desenfreada. E a medida que a excitação subia, também os gemidos subiam de intensidade. Dei conta de que a certa altura os gemidos mais pareciam gritos. O orgasmo chegou para ambos como uma onda avassaladora e libertadora. Ela deitou-se ao meu lado tão cansada quanto eu. Ambos nos agarrávamos no escuro e tínhamos apenas uma palavra para partilhar. “Amo-te”.No dia seguinte acordamos quase ao mesmo tempo. Foi quando ela abriu o estore da sua janela que percebi que a nossa noite não tinha passado despercebida aos seus vizinhos, em especial à velhota que morava por cima de si.
A cena que se seguiu, nunca a esquecerei no que teve de cómico, enquanto a sua vizinha falava da “pouca-vergonha” e era rebatida com um “deves é tar com muita fominha, precisavas era de um homem que te desse uma foda destas…”. A Mónica parecia autenticamente uma varina e a peixeirada foi grande. Claro que depois só nos conseguimos rir desta história.
A cena que se seguiu, nunca a esquecerei no que teve de cómico, enquanto a sua vizinha falava da “pouca-vergonha” e era rebatida com um “deves é tar com muita fominha, precisavas era de um homem que te desse uma foda destas…”. A Mónica parecia autenticamente uma varina e a peixeirada foi grande. Claro que depois só nos conseguimos rir desta história.
Published on November 13, 2015 04:12
Os dias mais estranhos - 40. Opção (escolha, preferência, optação)
O ensaio dessa tarde decorreu normalmente. Desde o meu anúncio o clima na banda parecia diferente, com toda a gente muito mais aberta. Inevitavelmente falamos da minha saída. Eu, se por um lado com o clima actual que se vivia de amizade e camaradagem entre todos tinha pena de me afastar, por outro pensava somente na Mónica e naquilo que ia ter para lhe dar. No entanto, começava já a ter, por antecipação, algumas saudades daquilo que ia prescindir. Mas por esta altura eu sabia já que a nível musical esta banda não me preenchia. Acredito que os meus companheiros tivessem também essa percepção. Por esta altura eles estavam já conformados com a minha saída e os ensaios serviam agora para eu ensinar as minhas partes de guitarra ao meu substituto. Era um moço simpático e muito bom guitarrista, o que, sem dúvida, faria com que a transição fosse fácil. Ele chegou aos ensaios com algum receio, coisa que eu acho compreensível. Reparei que ele não sabia bem como é que deveria agir perante mim no começo. Depois percebeu que eu não estava a sair por estar mal com alguém da banda. Percebeu, se calhar mais depressa do que eu, que o motivo era externo. Isso fez com que nos déssemos bem logo à partida.Quando o ensaio acabou e se foram todos embora a minha primeira reacção foi ligar à Mónica.-Oi querida.-Olá amor. Então o ensaio?-Correu tudo bem. E tu, como é que estás?-Tou bem. Ainda dormi mais um bom bocado depois de tu saíres.-Tás cheia de sorte. Eu não.-Pois, acredito. Deves tar um bocado podre, não?-É, tou para o cansadito. As nossas noites, ainda por cima, são trabalhosas…-Pois é, meu querido. Mas são divertidas…-Lá isso são.-Vais-te deitar agora?-Não, tou cansado mas não tou sonolento. -Devias-te deitar um bocado…-Já vejo isso. E tu? Que é que vais fazer?-Olha, daqui a um bocado vou jantar com a Andreia e vamos ao cinema.-Com a Andreia? Fixe. Que é feito dela? Nunca mais a vi…-Pois, é normal. Ela agora também arranjou um namorado e passa todo o tempo que pode com ele.-Ora ai está um gajo sortudo.-Não me digas que estás com ciúmes.-Não, mas tens que admitir que o gajo é um tipo sortudo, não?-É, mas já não estou a gostar da conversa.-Então não serás tu com ciúmes?-Se calhar um bocadito…-Porquê?-Ora, afinal não aconteceu nada entre vocês por uma unha negra…-Não aconteceu porque eu não te conseguia tirar da cabeça, amor…-Pois, mas a Andreia costuma provocar efeitos esquisitos nos homens.-Tás mesmo com ciúmes…-Um bocadito, já disse.-Tonta.-Achas?-Acho. Não precisas ter ciúmes.-Não? E porquê?-Porque eu amo-te. Não há mais questões.-Ainda bem. Fico mais descansada.-Podes mesmo ficar. Ainda assim gostava de falar coma moça.-Porquê?-Gostava de falar com ela acerca de tudo o que aconteceu. Limpar o ar. Ela é uma moça impecável e eu não me portei lá assim grande coisa com ela.-Por aí não te preocupes. Tá tudo bem.-Acredito, mas gostava de falar com ela na mesma.-Podemos combinar qualquer coisa com ela e com o namorado um dia destes, nem que seja um jantar cá em casa, ou assim.-Por mim tudo bem. Podemos fazer isso.-Tá bem, eu trato disso.-OK. Olha, vou seguir o teu conselho e vou-me encostar um bocado. Diverte-te mais logo.-OK amor. Um beijão grande, grande, grande para ti.-Outro para ti amor. Amo-te.-E eu a ti. Jocas-Jocas linda.E desligamos.Fui-me encostar um bocado na cama. Estava a passar pelas brasas quando o telemóvel tocou.-Tou?-Tou, puto. É o Zeca.-Olha… Atão, que é que se faz?-Compra-se tudo já feito, dá muito menos preocupações.-É verdade. Mas diz coisas.-Olha lá, vais tar por casa ou vais lá p’ra Cascais hoje?-Vou tar por aqui…-Hé! Milagre! Ouve lá, não queres passar lá pela da Tisha e do Raul. A malta encontrava-se lá…-Pá, não sei, tou buéda cansado. Dormi pouco e tive ensaio esta tarde…-Deixa lá de ser mariquinhas, pá. Bora lá. Agente bebe umas poucas e conversa um bocado, não sejas careta, man. Tás a ficar velho…-Pá, não sei… Tu vais tar por lá?-Yá, meu. Já combinei com eles e tudo…-Atão se eu for, eu apareço.-Vá, vem lá e deixa-te de tretas.-Tá-se. Depois logo vejo.Desligamos. Estava com saudades do meu pessoal. Se era verdade que adorava a Mónica, não poderia dizer o mesmo dos seus amigos. Eram sem dúvida, na sua maior parte, pessoas interessantes, mas o facto de não poder estar à vontade com eles e o facto de termos muito pouco em comum fazia com que não houvesse uma real ligação entre mim e os seus amigos.Acabei por ir, embora cansado. Foi a meio da noite que a Tisha puxou a conversa que eu calculava já ser inevitável.-Então Pedrito, conta lá como é que tem sido as coisas lá com a “Tia”.-“Tia”? Ela não tem nada de “Tia”-Não tem?-Olha que tem. - Disse o Raul - Se pensares bem…-Yá, … - continuou a Tisha – sempre com roupas de marca, sempre produzida e a largar charme, é de Cascais…-Não achas isso um bocadinho generalizante? – Perguntei eu.-Para te ser sincera, nem por isso…-Tou a ver. É de Cascais, tem de ser “Tia”.-É mais ou menos isso.-Isso tem uma lógica do caraças. Então nesse caso, tu és loira, és burra.A Tisha olhou para mim por um instante. Depois sorriu e respondeu.-Se calhar um bocadinho….-Não há como contra argumentar. -Deixa-te lá mas é de tretas e diz lá o que se tem passado. – Disse o Raul.-Tá bem, eu digo. Só queria frisar que ela não é “Tia”.-Pois, tá bem, mas isso agora também não interessa nada.-Irra! Tá tudo contra mim. Só este gajo é que ainda não se pronunciou. – Disse eu apontando para o Zeca.-Pois não. Estou só a gozar com a situação. Fala lá, puto. Não vês que está toda a gente curiosa?Acabei por contar a história. Os comentários foram sendo mínimos. Eles queriam era realmente saber o que é que se passava na minha cabeça. Quando acabei a Tisha foi a primeira a comentar.-Isso vai realmente evoluído. Tás a gostar mesmo dela, não é?-É. Sinto mesmo bué a falta dela. Não consigo pensar em mais nada.-Isso tá mesmo mau, meu. – Comentou o Raul – E já pensaste ir viver com ela?-Já, bastante mesmo. Mas não sei como é que ela reagiria a eu propor-lhe isso.-Também, só tens uma maneira de saber. -Yá. Pergunto-lhe.Foi então que o Zeca interveio.-Pois eu ainda não sabia da cena de dizerem à chavalinha…-Pois, -interrompi eu – isso foi só no fim-de-semana passado…-…Yá, mas ouve lá, se isso já tá nesse pé e até dizes que a chavalinha ficou na boa…-É. Tenho que falar com ela acerca disso.-Tens mesmo, man, tens mesmo…Sem duvida que tinha, e foi o que fiz.No domingo, pelo telefone expus-lhe aquilo que pensava e disse-lhe que gostava de viver com ela. Perguntei-lhe se estaria disposta a tentar. Para minha surpresa ela disse que sim, que também gostaria de tentar, mas não no sítio onde morava agora. A partir desse dia começamos à procura de um apartamento. O único senão era o facto de ela se querer manter por Cascais. Mas, visto que o afastamento para mim não seria um grande problema visto estar a dar os meus últimos concertos com a minha banda, acabou por ser uma decisão tomada em conjunto…
…para grande pena minha.
…para grande pena minha.
Published on November 13, 2015 00:17
November 12, 2015
Os dias mais estranhos - 39. Concreto (real, corpóreo, material, palpável)
Dormi pouco, como se quisesse aproveitar ao máximo o tempo que tinha com ela. Embora tenha adormecido por volta das seis da manhã, acordei por volta das nove. Deixei-a a dormir e saí. Ali perto havia um café que vendia pão de produção própria. Comprei pão ainda quente para o pequeno-almoço. Tinha ainda uma chave da casa dela, que ela me tinha dado na altura das mudanças, por isso voltei a entrar em casa sem perturbar ninguém. Fiz o pequeno-almoço e levei-lho à sala. Ela não tinha ainda acordado e dormia a sono solto no sofá, agora transformado em cama de casal. Acordei-a suavemente. Ela sorriu ao abrir os olhos.-Bom dia. – Disse numa voz ensonada.-Bom dia amor. Tens aqui o pequeno-almoço.Ela olhou e viu a bandeja com dois copos de sumo de laranja e os pães fresquinhos com manteiga.-Onde é que foste buscar o pão?-Já sai e já voltei. Fui ali ao café. -Tão querido…Ela levantou-se e foi à casa de banho. Esperei por ela e fui saboreando aqueles momentos. Sabia-me bem estar assim com ela. Sabia-me bem senti-la a dormir aninhada em mim. Sabia-me bem acordar ao lado dela. Nunca quisera estar assim ao lado de alguém, nem nunca ninguém me preenchera os pensamentos como ela o fazia. Amava-a.Tomamos o pequeno-almoço sempre rindo e brincando, e depois anunciei-lhe que teria de voltar às minhas obrigações. Embora ela insistisse para eu ficar para o almoço, a verdade é que a minha vida estava à minha espera. Tinha ensaio marcado para esse sábado à tarde.Ela vestiu-se e saímos para beber um café antes da minha partida. Depois fez questão de me levar ao carro. Aí chegados, abraçamo-nos e beijámo-nos apaixonadamente.-Dá-me um toque quando chegares, amor. Quero saber que chegaste bem.-Tá bem. Assim que chegar eu dou-te um toque.
As nossas despedidas foram longas como só o são as despedidas de alguém que não se quer separar. Depois fiquei ali a vê-la afastar-se. Continuava sem dúvida deslumbrado com ela. Mais ainda agora que ela era algo em concreto na minha vida do que antes, na altura em que ela era só uma ideia. Depois arranquei e fiz o meu carro galgar a distância que me separava de casa…
As nossas despedidas foram longas como só o são as despedidas de alguém que não se quer separar. Depois fiquei ali a vê-la afastar-se. Continuava sem dúvida deslumbrado com ela. Mais ainda agora que ela era algo em concreto na minha vida do que antes, na altura em que ela era só uma ideia. Depois arranquei e fiz o meu carro galgar a distância que me separava de casa…
Published on November 12, 2015 08:03
Os dias mais estranhos - 38. Aceitação (admissão, aprovação, consentimento)
Acredito piamente que todos nós nascemos já com alguns gostos definidos. Já outros são adquiridos ao longo da vida devido às circunstâncias por onde vamos passando. Isto, quanto a mim, aplica-se a tudo, desde a gastronomia às artes. E por norma, a primeira tendência que temos em relação à novidade é a rejeição, talvez por uma questão de insegurança, medo de não compreendermos o que se nos apresenta. aceitaçãoPor outro lado, quando começamos a rejeitar algo que sempre foi um fundamento da nossa vida algo se passa connosco. Quando isso acontece há, com toda a certeza uma mudança em curso nos nossos padrões de pensamento. O facto de existir uma mudança pode encerrar algo de benéfico, resultado de uma aprendizagem e da apreensão de novos elementos. Ou não.Posso afirmar que, neste momento, o meu pensamento estava muito focado apenas numa direcção e o resto perdia importância a cada dia que passava. Aquilo que sentia dentro de mim começava a tomar conta das minhas atitudes em relação ao mundo e começava a ameaçar tudo aquilo a que eu sempre dera importância. Era, de certa forma, como se o mundo só tivesse sal quando se relacionava com ela. Tudo o que não girava à volta dela perdia sabor. Mas também acho que isso só acontecia devido ao facto de, por comparação, o resto da minha vida ter sido vivida em tons de cinzento. A Mónica era a cor.Ela ficou, obviamente, surpresa com o facto de eu desistir da minha banda. Creio que de alguma forma ele intuiu que, em grande parte, a minha decisão tinha a ver com ela. Uma vez que ela nunca perguntou, eu também nunca tive que lhe responder a isso. Mas é claro que, se tivesse, nunca lho diria. À altura nem perante mim próprio eu o admitiria.No entanto, não me era omisso o facto de, uma vez que já não tinha banda, ter daqui para a frente os fins-de-semana todos livres para ela. E isso dava-me uma secreta felicidade. A nossa relação foi-se tornando cada vez mais próxima quando estávamos a sós. -Não achas que devíamos dizer qualquer coisa à Raquel?-Não sei, …-Mas porquê? Não achas que as coisas se estão a tornar um bocado óbvias? Preferes que seja ela a chegar ao pé de ti um dia destes e perguntar-te? É isso que preferes?-Não… Acho que tens razão, mas não sei…Compreendia as dúvidas dela. Uma afirmação daquelas, mesmo que só diante da Raquel, dava um carácter completamente diferente à relação. Seria uma coisa mais assumida por ambos. Apesar das suas dúvidas sei que ela também o queria fazer. Ainda que fosse só dentro daquelas quatro paredes, seríamos mais abertos, com toda a certeza.Acabou por aceder. Num Sábado após o jantar fomos dar uma volta até ao guincho e a Raquel veio connosco. Bebemos um café e estivemos na conversa por ali, só a apreciar aquele mar ainda com a força do Inverno. Dentro do restaurante ouvia-se claramente o rugido das ondas e isso tinha um efeito calmante.Ao chegar ao carro chegou a altura de expor a situação à Raquel. Ambos achamos preferível ser a Mónica a contar-lhe. Já sentados no carro ela começou:-Raquel, nós queríamos falar contigo…Só a simples maneira como a Mónica começou a conversa fez com que a Raquel ficasse completamente atenta num repente, com a curiosidade à flor da pele. Ao olhar para ela via claramente que ela intuía o que viria a seguir, e a sua expressão denotava que em nada se opunha à situação. Contribuía para isto, com toda a certeza, o facto de eu me dar tão bem com ela. Era claro que a Mónica não sabia por onde começar. Suspirando continuou.-Sabes que o Pedro e eu somos muito amigos e que ele tem vindo muitas vezes cá a casa… Não sei o que é que pensas disso…-Por mim está tudo bem. – Respondeu a pequena.-…pois, e sabes também que ele costuma ficar até muito tarde…-Sim.-…é que eu e ele temos falado muito…Não me contive. Aqueles rodeios não serviam para nada a não ser tentar adiar uma reacção que eu via que à partida não seria má. Por isso antecipei-me.-Olha, isto tudo é só para te dizer que eu e a tua mãe namoramos.Fez-se um silêncio. Pela primeira vez via aquele tipo de ansiedade na Mónica enquanto esperava uma resposta da filha. A Raquel olhou primeiro para ela e depois para mim. Sorri-lhe. Ela sorriu de volta.-Fixe. Já calculava…A Mónica olhava para ela algo ruborizada.-…era por isso que vocês queriam tanto tar na conversa até às tantas…A Mónica sorriu finalmente.-Era, querida. Era por isso.-Tudo bem, mãe. Eu até gosto…A Mónica olhou para mim. Notei-lhe um olhar diferente, cheio de aprovação. Aquele passo parecia ter sido decisivo para ela própria poder aceitar a relação sem se sentir culpada de nada perante ninguém. Os meus olhos devolveram-lhe a paixão que eu sentia por ela.Nessa noite estivemos os três a ver televisão na sua Sala. Estávamos muito mais soltos, fazendo carinhos um ao outro, sem termos que o esconder. Pela primeira vez podia estar com ela sem restrições. Podia ser quem eu era junto dela sem termos que esperar até ficarmos a sós. A Raquel, apercebendo-se de que talvez fosse melhor deixar-nos, foi-se deitar mais cedo que o costume. Nessa noite, uma vez que a casa tinha somente um quarto, abrimos o sofá da sala e ficamos por lá. Fizemos amor apaixonadamente e em seguida ela deixou-se dormir nos meus braços aproveitando o meu calor, enquanto eu a mimava. Acordamos no dia seguinte ainda bem agarrados um ao outro.
Foi a primeira noite que passamos juntos e aumentava em mim a vontade enorme de estar sempre com ela.
Foi a primeira noite que passamos juntos e aumentava em mim a vontade enorme de estar sempre com ela.
Published on November 12, 2015 04:15
Os dias mais estranhos - 37. Banda (lado, flanco, bordo, margem)
Os dias passados com eles deram-me a tranquilidade e a fuga que eu precisava. No dia seguinte demos um passeio até moura, indo depois jantar à Vidigueira, terra que eu conhecia bem por ir lá quase todos os anos tocar à concentração Motard.Ao chegar lá o dono do restaurante reconheceu-me e fez questão de chamar o presidente do clube Motard. Ele acabou por jantar connosco, e ficamos bastante tempo ainda à conversa no café, acompanhados por vinho da produção caseira do dono do restaurante. Regressei a Lisboa já no Domingo, depois do almoço, e na viagem, como que por antecipação, comecei a ficar novamente agitado e nervoso. Era a volta para a cidade, para a confusão, para um emprego que cada vez me dizia menos, para a saturação do dia a dia…De certa forma tinha inveja do Zeca e do facto de ele viver assim numa pequena cidade do interior, e embora soubesse que esta não foi uma escolha feita por ele, foi mais uma escolha imposta pelas circunstâncias, a verdade é que a paz de espírito que emanava dele mesmo quando ele se dizia chateado ou farto daquela pasmaceira tinham de certeza de valer a pena.Os dias corriam calmos. O congresso da Mónica ainda ia demorar mais uns dias, e eu estava a aproveitar para tentar pôr a minha cabeça em ordem. Neste momento sabia o que queria e começava a olhar para as possíveis maneiras de lá chegar.A meio da semana, ensaio com a banda. Fomos para tocar, mas em vez disso voaram acusações de falta de empenho e falta de trabalho. Ao fim de cerca de meia hora de discussão apercebi-me que já nada daquilo me dizia fosse o que fosse. Tínhamos perdido aquilo que nos tinha feito fazer esta banda, a vontade de estar e tocar juntos. Tínhamos passado a ser apenas um negócio, e isso sinceramente, já não me agradava. Aquilo que eu queria para a minha vida estava em rota de colisão com esta banda, que já não me preenchia.A discussão continuava acesa com trocas de acusações. Eu por mim, deixava-me estar calado, não abrindo sequer a boca para me defender quando alguém me apontava o dedo. Tudo aquilo me era demasiadamente estranho. Por fim pedi para falar. Fui completamente ignorado. Levantei-me, pousei a guitarra, e saí. Já na rua fumei um cigarro e matutei no que estava a acontecer. Uma das consequências visíveis de ter descoberto que afinal, até eu, tinha auto-estima é que tinha cada vez menos paciência para aturar o que os outros queriam mandar para cima de mim. Claro que isso fazia com que eu deixasse de ser o “gajo-fixe-que-está-sempre-disposto-a-ajudar” e me começasse a focar nos motivos das pessoas que me rodeavam, mas também, sobretudo, nos meus.Voltei para dentro do estúdio. A confusão continuava. Uma hora desperdiçada com ninharias da treta. -Eu quero dizer uma coisa. – Disse. Continuei a ser ignorado.-Eu quero falar, porra! – Gritei. Desta vez fez-se silêncio. Ficaram todos a olhar para mim, finalmente, com uma expressão interrogativa e ao mesmo tempo surpreendida com a minha atitude. Desliguei o meu amplificador, desliguei a minha guitarra, sentei-me e perguntei?-Quais são os concertos que temos marcados neste momento?Deram-me quatro datas. A mais distante era em princípios de Agosto.-Muito bem, … – disse - …vou fazer estes concertos convosco e mais algum que apareça entretanto até lá. Depois desta data deixo de tocar com esta banda. Aconselho-vos a começarem a pensar num guitarrista para me substituir. Entretanto, meus amigos, por mim, hoje, já chega. Já tou farto disto.Acabei de arrumar a guitarra e saí.Deixei um silêncio sepulcral atrás de mim. Sentei-me num banco corrido que tinha fora do estúdio e acendi outro cigarro. O resto da banda não demorou a juntar-se a mim.-Não podes sair assim… – disse o André.-Tanto que posso que já o fiz. Tá feito, e não vou voltar atrás. -Mas porquê?-Queres melhor justificação do que o que se estava a passar lá dentro ainda há cinco minutos? Perdemos o gozo de tocar uns com os outros, e assim, meus amigos, podemos tirar um reportório completo novo, podemo-nos esforçar, fazer trinta por uma linha, mas a verdade é que não vamos sair de onde estamos agora. E eu, muito honestamente, tenho mais em que pensar neste momento do que nisto. Aconselho-vos a repensar muito bem a vossa postura em relação uns aos outros se querem continuar. Eu, por mim, já disse o que tinha a dizer.
Acho que ninguém esperava por isto neste dia. Para ser sincero, nem eu. No entanto houve um impacto positivo que veio disto. As discussões acabaram e a união voltou a reinar no seio desta banda. Pusemos as divergências de lado e fizemos os concertos a seguir com muito mais tranquilidade. Em cada um pediam-me para eu mudar de ideias, mas para mim havia apenas um pensamento. Mónica.
Acho que ninguém esperava por isto neste dia. Para ser sincero, nem eu. No entanto houve um impacto positivo que veio disto. As discussões acabaram e a união voltou a reinar no seio desta banda. Pusemos as divergências de lado e fizemos os concertos a seguir com muito mais tranquilidade. Em cada um pediam-me para eu mudar de ideias, mas para mim havia apenas um pensamento. Mónica.
Published on November 12, 2015 00:29
November 11, 2015
Os dias mais estranhos - 36. Évora
-Até que enfim que alguém te põe a vista em cima.Quem falava assim era o Zeca. Era um fim-de-semana sem concertos e a Mónica tinha ido para fora para um congresso qualquer. Estava farto de estar onde estava e decidi ir chatear o Zeca a Évora. Encantava-me aquela cidade, com os seus monumentos. E adorava a calma do Alentejo, um sítio onde parece haver tempo para tudo. Precisava deste momento para mim, só para mim. Claro que a companhia do Zeca dizia-me muito. Quando lhe telefonei ficou feliz de me poder dar a hospitalidade que eu lhe pedia. Fui para lá na sexta-feira ao fim da tarde, só com umas mudas de roupa. Quando cheguei, para minha surpresa, o Zeca não estava sozinho. A Magdalena tinha ido passar uns dias com familiares que tinha por ali e tinham combinado encontrar-se. Jantamos os três e a seguir deambulamos pelas ruas à noite com uma despreocupação que é impossível ter em Lisboa.A vida nocturna era bastante animada devido à universidade. Havia vários bares e discotecas onde se podia ir e estar a beber um copo até altas horas da manhã. Mais do que de dia, a noite de Évora era vibrante, não sendo o caos desordenado que se vivia na capital e arredores. E por todo o lado havia tertúlias e pequenas esplanadas na rua, quando o tempo o permitia. Encontramos um bar simpático onde ficamos algum tempo. Tinha uma decoração entre o gótico e o medieval, o que de alguma forma se enquadrava perfeitamente na atmosfera da parte velha da cidade onde nos encontrávamos. Era como se aquele bar fizesse parte da história da cidade em si. E pensando bem, provavelmente faria, tendo em conta o sítio onde estava instalado, bem perto do templo de Diana, a deusa romana da caça.Pedimos as bebidas. Lembro-me distintamente de ter pedido um café e uma água com gás. -Não queres beber outra coisa? Perguntou o Zeca.-Mais logo. Para já só o cafezinho.O Zeca pediu para ele e para a Magdalena, um café e um whisky e um Carol Ann´s. -Atão, mas conta lá, o que é feito de ti?-Contem-me antes o que é feito de voz. Não esperava encontrar-te aqui, Magdalena…-É mas tenho aqui família e vim cá…-Como é que as coisas estão com vocês?-Vão andando… - disse o Zeca, não querendo abrir muito o jogo. A Magdalena lançou-lhe um olhar forte, e ele calou-se desviando o olhar.-Temo-nos encontrado. – Disse ela.-Ah! Mas afinal, passa-se alguma coisa entre vocês ou não? – Perguntei eu, forçando o Zeca a abrir o jogo.-Olha, … – acabou ele por dizer – temos saído, e curtido… – olhou para ela para ver a sua reacção.A Magdalena, agindo como eu previa voltou-se para ele.-Ouve lá, porque é que não assumes? – e depois voltou-se para mim – Temos andado, prontos. Não é nada definido mas temos andado os dois.O Zeca assentiu com um sorriso, como se tivesse sido preciso esta afirmação por parte dela perante mim de que era isso que sucedia. Não pude deixar de me regalar com este jogo entre os dois que apenas há poucos meses me teria parecido quase indecifrável e absurdo. Era giro vê-la a furar as barreiras com que o Zeca se protegia. De alguma maneira, o facto de o Zeca querer manter a sua âncora em Lisboa fazia com que, embora conhecesse quase toda agente por estas partes, não se ligasse realmente a ninguém. Sabia que tivera alguns casos por aqui, mas nada que fosse para durar, e invariavelmente não durava. Por isso, era engraçado ver as cumplicidades que eles iam criando, e a maneira como aprendiam a lidar um com o outro. Notava-se que não estava ali uma relação explosiva como a que eu tinha com a Mónica. A relação que eles tinham era a cara do Zeca. Calma e com tempo. Deixar as coisas ir para onde querem ir.Olhava também para a Magdalena, e, pelo que conhecia dela, extrovertida e algo impulsiva, não deixava de me perguntar para onde iria aquela relação. Mas, curiosamente, senti-a calma, a embarcar na maneira como ele levava as coisas. Era diferente ver estes meus dois amigos assim.-Ora agora, que já sabes como é que nós tamos, é a tua vez…Olhei para a Magdalena, não sabendo até que ponto ela saberia da história. O próprio Zeca nada sabia desde o fim de ano. Talvez daí a curiosidade. Mas não sabia por onde começar para não deixar a Magdalena à deriva e fora de contexto. -Mas aqui o rapaz arranjou sarilhos com uma moçoila, foi? – Perguntou a Magdalena.-E que moçoila. Ele que te explique.Fiquei a saber naquela altura que ela não sabia de nada.-Tu andavas com uma gaja e não me disseste? E eu sempre armada em casamenteira… Hás-de ter muitos amigos…-Já não nos víamos há uns tempos. Isto é relativamente recente…-Pois, pois, tou mesmo a ver…-A sério. -É, é!-Mas queres ouvir ou não?-Vá lá, desembucha.E eu desembuchei. Tive que lhe contar tudo resumidamente desde o começo. Claro que tive de dar mais detalhe à parte final da estória, visto que essa nenhum dos dois sabia e o Zeca estava visivelmente curioso.À medida que ia contando as minhas peripécias com a Mónica, contando com poucas e breves interrupções da parte deles, o bar ia-se enchendo. Era um ambiente típico de uma sexta-feira à noite. Os estudantes vindos de fora misturavam-se com os nativos locais. O bar estava muito bem frequentado, sendo a grande maioria dos frequentadores do sexo feminino.Quando acabei de falar, a Magdalena foi a primeira a pronunciar-se.-Que romântico…Ora aí estava uma palavra que eu não estava à espera que se me aplicasse.-…mas que é que estão à espera para se juntarem?-Ela não quer que por enquanto se saiba.-Porquê? – Perguntaram os dois quase em coro. O sobrolho levantado do Zeca disse-me tudo. Ficou com o ar de “há-aí-coisa” que eu tão bem lhe conhecia.-Primeiro há a filha dela, a Raquel. Ela não quer que por enquanto se saiba por causa da miúda…-…e ela deve julgar que a miúda é parva. Vê-te lá quase todos os fins-de-semana… – retorquia a Magdalena.-Mas a chavalinha tem oito anos, pá.-Tá bem, tá. Ela pode ainda não saber a cena das abelhinhas e dos passarinhos, mas com oito anos já sabe de certeza o que é um namorado. Pensei nisso. Ela era bem capaz de ter razão. Eu adorava a Raquel, muito sinceramente. E acho que a Raquel gastava de mim, sobretudo porque não a tratava como uma criança. E convenhamos que ela era bem capaz de manter uma conversa comigo. Mas notava-lhe um certo respeito que não via nela com outras pessoas. Talvez pela maneira como eu a tratava, ou então, e pensando bem, talvez ela intuísse que havia algo entre mim e a sua mãe.-Depois há a questão do Francisco.-E o que é que o Francisco ainda tem a ver com esta cena? – Perguntou o Zeca.-Pá, contei-te aquilo que ele disse à Mónica?-A cena de ela ter cuidado com músicos?-Yá!-Bem, acho que ela também não quer dar o braço a torcer. Alem disso, sei que ele a está a ajudar a pagar algumas contas nestes primeiros tempos.-Puto, e tu sentes-te confortável com isso?Encolhi os ombros, sem saber na realidade o que dizer. Minto. Sabia bem o que queria dizer. Não o queria era admitir para comigo mesmo. Admito agora que a situação me magoava de alguma forma. Parecia que o que estávamos a fazer era proibido. Tínhamos momentos de grande intimidade entre os dois, mas quando estávamos em público ou com a filha dela, comportávamo-nos apenas como bons amigos. Por outro lado, a verdade é que a tensão que acumulávamos quando estávamos acompanhados transpunha-se completamente para os nossos momentos de intimidade. Quando tínhamos a oportunidade parecíamos dois vulcões prestes a entrar em irrupção. A nossa paixão era intensa e vibrante, em parte, se calhar por causa desse mesmo sentimento de fruto proibido.Claro que tudo isto me punha interrogações. Mas eu estava disposto a deixar o tempo encarregar-se de as resolver. O meu velho pai sempre me dissera “as cadelas apressadas parem os cachorros cegos”. A pressa era inimiga de tudo. Já o tempo tinha uma maneira estranha de resolver todas as situações. E a verdade é que eu queria esperar. Nunca tinha desejado ter alguém do meu lado como desejava a Mónica. O que me dava forças para a espera era o que eu sentia nela.Enquanto estava no meio destas conjecturas fumei o meu último cigarro e, consequentemente, levantei-me para ir buscar tabaco à máquina. Pus as moedas na ranhura e carreguei no botão. Baixei-me depois para agarrar o tabaco. Depois de o agarrar levantei-me e voltei-me para me dirigir de novo à mesa. Ao faze-lo quase me esbarrava com ela.Nunca soube o nome dela, mas parecia uma versão mais nova da Mónica. Devia ter uns dezanove ou vinte anos. Enquanto estancava, quase a embater nela, os nossos olhares cruzaram-se. Foi apenas um segundo, mas senti ali uma faísca que me fez soltar um levíssimo sorriso. A ela também.-Desculpa. – Disse-lhe eu.-Tudo bem. - Respondeu-me.E cada um de nos seguiu com a sua vida.Nunca mais a vi, nem sei quem era. Também nunca procurei sabe-lo. No entanto ela fez-me, naquele ínfimo momento, olhar para dentro de mim e perceber que, apesar do amor que sentia, haveriam sempre estas pequenas centelhas que passam entre estranhos que se cruzam e que fazem pensar. E no entanto esta centelha apenas me fazia lembrar a Mónica. Queria-a. Amava-a. Tinha que me entregar a ela e ela tinha de ser minha. Faria de tudo para que deixassem de haver meios-termos.O Zeca tinha reparado na cena e não deixou de gozar comigo quando voltei, finalmente, para a mesa.-Já me viste isto? Vem para aqui todo choroso de amores e depois a quase que se faz a uma chavala quando vai comprar tabaco…-E mesmo cena de gajo. – Retorquiu a Magdalena. – Vocês no fundo são é todos uns rebarbados…-Não se esqueçam que a maior parte do pessoal que abandonou famílias em casa saiu só para comprar tabaco. Isto é uma das explicações…Riram-se ambos.Acabamos a noite em casa do Zeca, entre bebidas e conversa e com a televisão apenas como objecto decorativo.
A Magdalena não foi dormir a casa dos familiares nessa noite…
A Magdalena não foi dormir a casa dos familiares nessa noite…
Published on November 11, 2015 08:26
Os dias mais estranhos - 35. Mudança (mutação, transformação, metamorfose)
Claro que, como não podia deixar de ser, toda a atenção que eu dava à Mónica tinha repercussões no resto da minha vida. A minha atenção para a banda, bem como para os meus amigos diminuía drasticamente. A partir daquele momento passava cada momento que podia ao lado dela. Não me queixava. Antes pelo contrário. Era notório, sobretudo para quem melhor me conhecia, que pela primeira vez não me limitava a estar num estado de alguma felicidade. Pelo contrário. Sentia-me feliz e bem comigo próprio. A minha nova e descoberta segurança reflectia-se em muitos campos da minha vida. A maior parte das repercussões era positiva. Mas nem todas o eram.A minha relação com a minha banda começou a deteriorar-se. Não com os membros da banda pessoalmente. Entre todos éramos quase como uma família. Não posso dizer que tivesse com eles uma relação no mesmo grau que tinha com o Raul e com o Zeca. Não com todos pelo menos. Mas a relação que se deteriorava era com a banda em si enquanto entidade.Se por um lado a minha estada em palco era mais segura, sentindo-me muito mais à vontade, por outro a minha falta de tempo começou a ser notória. Tenho a certeza agora, que isso aconteceu devido ao facto de eu deixar de ter na música um veículo de afirmação. Antes pelo contrário, via-a como um forma de expressão. Claro que, numa banda de bares onde tocávamos exclusivamente músicas de outras bandas, isso tornava-se problemático. A minha vontade era completamente diferente. No entanto e sobretudo pela amizade que tinha aos membros do grupo, lá ia fazendo um esforço. Mas a minha quebra de rendimento era notória. No entanto, afirmo que não era só eu a criar os problemas. Algumas fricções de ideias começaram a surgir. Era normal. Mas as discussões, sobretudo nos ensaios, começaram a surgir o que gerava, por vezes, mau clima. Curiosamente, apesar dessas discussões, sempre conseguimos deixar tudo fora do palco, e depois de um concerto, sobretudo quando corria bem, encontrávamos aquela sensação de união que sempre nos soube bem.Não era só com a banda que as coisas corriam de maneira diferente. O espaçamento com que me encontrava agora com os meus amigos era enorme, e essa distancia tinha, como sempre tem, o condão de afastar as pessoas.Já a nível positivo, posso afirmar que a minha relação com o sexo oposto estavam agora completamente diferentes. Em primeiro lugar parecia conseguir perceber melhor as mulheres, pelo menos na medida do possível que é permitido a um homem. Em segundo, perdera parte da timidez que sempre me caracterizara, sendo que a minha auto-confiança me permitia encarar quem não conhecia com uma atitude bastante afirmativa. De uma maneira subtil estes novos traços de personalidade faziam com que eu, ainda mais a seguir aos concertos, depois de ter estado exposto num palco, atraísse mais atenções. Como era óbvio, o meu ego sentia-se bem com este novo estado.Mas mais óbvio era isto ainda quando eu saia com a Mónica. De facto, quando íamos a qualquer lado eu sabia, e ela também, creio, que eu era alvo das invejas de todos os homens por que nos cruzávamos. Mas era também alvo da cobiça de todas as mulheres. A inveja …
Mas era aí que a Mónica demonstrava a sua classe, encarando a situação com uma naturalidade e calma quase sobre-humanas. Aquilo que faria provocar uma cena de ciúmes a qualquer outra mulher era olhado por ela com não mais que um sorriso superior. Por vezes chegava a chamar-me a atenção para as atitudes de uma ou outra mulher que de alguma forma olhavam para mim. Depois riamo-nos com estas situações. Ela sabia que eu não sairia do seu lado e isto dava-lhe uma confiança absoluta em mim. Eu sabia que estas situações se deviam ao facto de eu estar com ela, e não por mim. Não podia deixar de anotar para mim mesmo este facto curioso. A rivalidade feminina era, sem dúvida, a natureza humana no seu melhor. E pior…
Mas era aí que a Mónica demonstrava a sua classe, encarando a situação com uma naturalidade e calma quase sobre-humanas. Aquilo que faria provocar uma cena de ciúmes a qualquer outra mulher era olhado por ela com não mais que um sorriso superior. Por vezes chegava a chamar-me a atenção para as atitudes de uma ou outra mulher que de alguma forma olhavam para mim. Depois riamo-nos com estas situações. Ela sabia que eu não sairia do seu lado e isto dava-lhe uma confiança absoluta em mim. Eu sabia que estas situações se deviam ao facto de eu estar com ela, e não por mim. Não podia deixar de anotar para mim mesmo este facto curioso. A rivalidade feminina era, sem dúvida, a natureza humana no seu melhor. E pior…
Published on November 11, 2015 05:53
In "Conscientização"
-Fecha os olhos. – Disse ele quando ela saiu da porta do prédio.
-Porquê?
-Porque sim! Fecha os olhos.
Ela respirou fundo, encolheu os ombros e fechou os olhos. Sentiu-o a passar para trás de si, e em seguida algo que era colocado sobre os seus olhos.
-Mas que estas tu a fazer?
-Bem, aparentemente, a vendar-te.
-Mas porquê?
-Porque sim. Queres confiar em mim?
Ela resignou-se.
No dia a seguir àquela conversa que acabou abruptamente sem ela entender bem porquê, ele limitou-se a anunciar-lhe que daí a dois dias, ao fim da tarde do seu dia de folga do seu, agora, segundo emprego, a iria buscar ao apartamento dela em Lisboa e que não se preocupasse com o carro que alguém o iria buscar. Ah, e para ela se produzir “a matar”, na expressão que ele utilizou. Depois quase não o voltara a ver, até agora.
Ele guiou-a cuidadosamente até ao carro, ajudou-a a entrar e entrou em seguida, arrancando.
-Mas para onde é que vamos? – Perguntou ela, sentindo-se um pouco insegura.
-É surpresa.
Ela calou-se e foi apreciando a música. Foram indo, sem grandes conversas. Deu pelo facto de saírem de Lisboa e passarem na ponte sobre o Tejo. O ruído característico dos carros a rodar nas faixas centrais é inconfundível. Mas depois da ponte, o carro acelerou e seguiram auto-estrada fora.
Ao fim de um bom bocado ela não se conteve.
-Mas ainda falta muito?
-Um bocado. – Respondeu ele – Mas porquê? Estás com pressa? Não estás confortável?
-Não… é que ir aqui, vendada, sem saber para onde vou…
-E o que é que interessa saber para onde vais? Estás comigo. Confia. Uma coisa te prometo: A viagem só começa quando chegarmos ao destino.
-Que é que queres dizer com isso?
-Exactamente o que disse.
-O Sr. Enigmático contra-ataca.
-É, estou misterioso. É para ver se fico com um pouco mais de charme que o costume…
-Isso implicaria já teres, normalmente, charme.
-Pois, tens razão. Má escolha de palavras… - disse ele soltando uma gargalhada.
-Mas gostava de saber para onde vou. Pedes-me para vir assim, toda produzida, vens de fato, e depois levas-me assim, vendada…
-Já te disse, é surpresa.
-Mas não podes ao menos revelar um pouco?
-Está bem. Vamos para um sítio solene.
-Um sítio solene?
-Sim!
-Que sítio?
-Isso agora… Quando lá chegares vês.
Ela estava a ficar visivelmente aborrecida.
-Então, quando lá chegarmos, avisa.
Calou-se e encostou-se para trás no banco. Ele riu com o amuo dela e lançou o carro ainda mais depressa na auto-estrada em direcção a sul.
Voltou a dar conta de si quando um solavanco na estrada fez o carro abanar. Pela irregularidade que sentia, já não estavam na auto-estrada. Tinha perdido por completo a noção do tempo. Provavelmente tinha adormecido sem sequer dar por isso.
-Fizeste uma soneca jeitosa? – Perguntou ele.
Ela espreguiçou-se, bocejou, e perguntou:
-Estamos a andar há muito tempo?
-Há algum…
-E ainda falta muito para chegar aonde quer que vamos?
-Não. É perto.
-Ainda bem…
O carro parou. Sentiu-o a sair, deixando o carro ligado. Depois voltou a entrar, o carro avançou alguns metros, parou novamente, voltou a sair, voltou a entrar e seguiram devagar por uma estrada acidentada.
-Seja lá onde for que isto é, é longe…
-É. Mas já cá estamos.
Andaram mais uns cinco minutos até o carro parar e ele finalmente desligar o motor. Ele saiu e ela sentiu a porta ser aberta logo depois. Ele pegou-lhe pela mão e ajudou-a a sair. O silêncio era tal que se conseguia ouvir a brisa. Ouvia-se também o restolhar de folhas em árvores próximas. O ar estava fresco, com uma humidade que se sentia, mas que era agradável. Ele guiou-a, segurando-a pelo braço, andando ambos devagar e ela sentia e ouvia as folhas secas a serem esmagadas pelos sapatos de ambos. Depois começaram a andar em cima de pedra, direita mas não muito regular. Por fim, ouviu-o a abrir uma porta pesada, ouviu as dobradiças a protestar, rangendo, e ele guiou-a novamente passando a porta.
Havia um cheiro muito familiar no ar, como se fosse incenso, mas diferente, mais espesso, igualmente adocicado e que ela reconheceu de imediato, mas não disse nada. Deu mais alguns passos, guiada por ele, e ouviu o ressoar dos passos num espaço amplo.
“Mas onde raio estamos?” Perguntou-se ela.
Ele parou-a.
-Estamos cá. – Disse – Estás preparada?
Ela assentiu com a cabeça.
Ele pôs-se por detrás dela, desapertou a venda e tirou-lha.
Ela olhou.
À sua frente, iluminada apenas por velas, estava a nave de uma igreja antiga com um altar completamente trabalhado em talha dourada que reflectia a luz bruxuleante das velas e enchia o lugar de reflexos dourados. Os painéis de azulejos que rodeavam toda a igreja até ao altar, finamente desenhados com motivos da vida e paixão de Cristo elevavam-se até aos pedestais que deviam ter servido de repouso a estátuas de santos, agora inexistentes. O tecto, abobadado, estava decorado com frescos que haviam perdido o fulgor original, tendo em alguns sítios caído o estuque, e noutros havia manchas de humidade que atestavam a antiguidade do sítio. Os bancos corridos, de madeira, estavam decorados com rosas encarnadas, bem como o tapete vermelho que corria ao longo da nave e até ao altar, coberto de pétalas da mesma flor. O altar era uma enorme mesa dourada, da qual ela apenas conseguia ver os pés, uma vez que estava coberta com uma toalha de linho de um branco imaculado, também coberta com pétalas de rosa encarnada. O fumo que ocupava todo o espaço, fazendo o ar parecer espesso vinha de um incensário que estava por detrás do altar, pendurado num suporte alto.
O fumo, do cânhamo que queimava livremente, inebriava-lhe os sentidos, distorcia o espaço e o tempo cada vez mais, e ela ficou simplesmente parada a contemplar tudo o que tinha à sua frente.
-Gostas da tua surpresa? - Perguntou ele, observando a sua reacção.
-Onde é que estamos afinal?
-Numa igreja.
-Bem isso eu já vi, mas como…?
-É uma igreja privada. Estamos no meio de uma herdade e esta igreja pertence à herdade, mas já está desactivada há muito tempo. As estatuetas foram oferecidas e vendidas a coleccionadores, mas sobra este espaço que continua magnifico, pelo menos enquanto não acabar de se degradar por completo.
-E como é que tu…?
Ele simplesmente sorriu e olhou-a bem nos olhos.
-Ainda não me respondeste. Gostas?
Ela deixou-se ficar mais um pouco, embasbacada a olhar para todo aquele cenário montado para ela. Só depois respondeu:
-Adoro!
-Ainda bem. – Respondeu ele, agarrando-lhe a mão e levando-a ao longo do tapete encarnado em direcção ao altar.
Caminharam devagar ao longo da nave, com o tapete a abafar o som dos passos que ainda assim reverberavam nas pedras seculares. Cada vez mais os sentidos de ambos se distendiam no tempo, culpa daquele fumo espesso que invadia todo o espaço, e cada vez mais as sensações ficavam vívidas e vibrantes. O mero toque da pele enquanto ele a levava pelo braço, parecia lançar um formigueiro ao longo do corpo dela. A sensação de frio quando entrara desvanecia-se, e o seu lugar era ocupado por um conforto do espírito.
Chegaram junto do altar. Pararam, viraram-se um para o outro, ficando ambos de olhos fixos nos olhos, sem saberem sequer durante quanto tempo. Apenas numa atitude contemplativa e calma. Depois abraçaram-se finalmente, colaram os corpos, uniram os lábios num beijo que teve um sabor intemporal, as línguas a tocarem-se devagar, a procurarem-se a darem-se…
Com uma calma de quem tinha todo o tempo do mundo ele começou a abrir o fecho do vestido e ao mesmo tempo que o fazia, acariciava-lhe as costas enviando sensações pelo corpo dela que se reflectiam na calma voraz do beijo onde estavam presos. Ele quebrou o beijo, contra a vontade dela, apenas para a libertar do vestido que caiu até ao chão, deixando-a apenas vestida com um fio dental e os saltos altos, o que lhe provocou um agradável arrepio na pele, voltando depois a colar os lábios aos dela e a perder-se na sensação de abraçar o seu corpo nu.
Ao fim de um tempo que pareceu imenso e ao mesmo tempo um instante fugaz, os lábios separaram-se. Ficaram abraçados de pé em frente ao altar, cabeças a repousar sobre o ombro um do outro. Depois separaram-se finalmente. Ela olhou para ele com um ar inquiridor. Ele sorriu, deu-lhe a mão guiando-a e equilibrando-a para cima de um degrau que estava em frente ao altar. Depois de ela subir, fez-lhe descer o fio dental ao longo das pernas e ajudou-a a equilibrar-se, ora numa perna, ora noutra, enquanto lhe tirava a última e minúscula peça de roupa. Depois, agarrou-a pela cintura e sentou-a no altar.
Ela deixou-se guiar por ele enquanto, sem palavras, ele a levava ao centro daquela enorme pedra fria coberta de linho e pétalas de rosa, fazendo-a deitar-se em seguida, no centro da mesa.
Depois, sempre com uma calma que lhe fazia parecer a ela que ele se movia em câmara lenta, ata-lhe os pulsos e os tornozelos aos pés do altar com tiras de veludo “bordeaux” escuro.
Quando acabou de a atar, chegou-se perto do rosto dela, deu-lhe um suave beijo nos lábios e saiu por uma porta lateral ao altar…
Ela perdeu a noção do tempo, ali quieta num silêncio reverberante, inundada pelo fumo e o cheiro do cânhamo que queimava num incensário que estava um pouco além e abaixo de si, para que o fumo que se soltava subisse directamente na sua direcção, passando por si, inebriando-a, intensificando qualquer sensação, o contacto frio e veludoso das pétalas e do linho esfriado pela pedra, desorientando-a, a vontade de se querer mexer e estar constrangida, de movimentos limitados, exposta, em cima de uma pedra de altar em frente a um massivo altar-mor de talha dourada onde outrora estivera pendurada uma cruz, com os ouvidos preenchidos por um silêncio amplo, e de repente o simples ranger de uma porta dá significado a tudo aquilo, e ela volta-se e vê-o voltar com um habito de monge, cingido pela cintura por uns cordões largos, com uma taça dourada na mão, a representação do graal, da taça da ultima ceia, e aproxima-se dela com um ar sério, ela sorri e ele faz-lhe uma festa suave pelo rosto, passa-lhe a mão no cabelo com doçura, com ternura, põe-lhe a mão na nuca, ampara-lhe a cabeça, aproxima a taça, dá-lhe a beber e ela fá-lo sem hesitação provando uma textura algo amarga, estranha, que à medida que lhe desce da garganta provoca um calor que se espalha do centro do seu corpo para fora, fazendo-a aquecer, deixar de sentir a pedra fria, electrizar, uma sensação quente e suave que a faz mergulhar num estado de quase sono e ele retira a taça dos seus lábios e derrama parte do resto do conteúdo no seu peito que corre ao longo do seu corpo e que ele lambe devagar e dedicadamente, cada pequena gota do liquido que ela vê finalmente, apercebendo-se da cor esverdeada, e compreende o sabor do absinto misturado com algo mais que ela não reconhece, e sente o corpo solto, leve, deixa de se sentir constrangida ou amarrada, simplesmente está, sentindo a espaços o liquido a fluir sobre a sua pele e o contacto da sua língua macia a retirar cada gota que escorre de si, e percebe o porquê da fada verde, mergulha num abandono e felicidade infinita, mas que bem longe ela consegue intuir que terminará, mas não importa, nada importa a não ser as sensações que sente, que lhe transmite a ele, que pousa a taça e a saboreia pedaço a pedaço, descendo ao longo do seu corpo, ocupando cada espaço, cada milímetro da sua pele, como se quisesses absorver a sua essência, o que ele faz, quando começa a beijar o interior das suas pernas subindo até às virilhas e começa pura e simplesmente a envolver o clítoris com a sua boca, com os seus lábios, sugando-a e provocando como que uma descarga eléctrica que sobe direita ao seu cérebro, fazendo com que o seu corpo se contorça num espasmo, uma sobrecarga de sensações e deixa de ouvir, deixa de ver, e sente apenas o continuado cheiro do cânhamo e sente o sabor do absinto ainda na sua boca, e nem sente o corpo, sente apenas um pulsar que sobe da sua vulva de uma forma tão intensa que quase se esquece de respirar, fazendo soltar o ar dos pulmões num grito intenso que clama pelo orgasmo que ainda não chegou e ela tem um lampejo de se perguntar como será quando for e deseja-o, quer, muito, com todas as suas fibras sentir o prazer supremo e o seu corpo acede, faz-lhe a vontade e ela vem-se entre espasmos, gritos que preenchem o espaço e parecem continuar a durar para sempre, e o seus sentidos despertam e sente-se, vê-se, sente-o, vê-o, sente o seu corpo, a sua boca a envolve-la, os suaves toques da língua no seu recanto mais secreto, ondas de choque que varrem o seu corpo umas atrás da outras e tudo desaparece por um instante, a mente apaga-se…
…e ilumina-se de novo, descendo do êxtase mas mantendo-se no limbo, e olha, e vê-o subir para cima do altar, em frente a si, às suas pernas abertas, à sua vulva pulsante de onde escorre todo o prazer que sentiu e continua a sentir, ficar de joelhos, e sobe o habito mostrando a sua erecção pulsante, e de seguida estende-se sobre ela, toca-a, não com as mãos, mas com o corpo, afaga-a, fá-la sentir o seu peso, sente o corpo em brasa, entregue ao prazer de ambos, roça o seu sexo no dela, comprime-se contra o seu clítoris arrancando-lhe mais gemidos de prazer e não aguentando mais a tortura que lhe faz, mas que é feita a ambos, começa a penetrá-la como que numa oferta ritual, deixando-se deslizar milímetro a milímetro, querendo que ela o sinta sem pressas, e sente-a a alargar enquanto vai alargando os seus músculos e os sente a pulsar em torno do seu membro, e sente o quanto ali, naquele momento, ela o quer, e dá-se para que ela sinta o quanto ele a quer, vais deslizando até as suas púbis se tocarem, até estar pleno dentro dela, e olha-a, observa-a, deixa-se estar assim dentro dela, ela geme, contorce-se debaixo dele como uma gata no cio, e depois começa a sair devagar, a sentir a textura dela na sua glande enquanto a puxa para fora, a sentir o seu sexo a sugá-lo, como que a querer puxá-lo novamente para dentro, sempre com uma lentidão agoniante para ambos, atrasando o orgasmo dela, atrasando o seu enquanto as gotas de suor lhe invadem o rosto e começam a pingar como gotas de chuva refrescante sobro o corpo dela, até ficar apenas com a glande dentro dela, ondulando as ancas devagar para provocar um ligeiro vaivém que lhe estimula o ponto G, que a deixa louca de tesão e ele sente-a, mais do que isso, sabe-a naquele momento, e ambos se olham nos olhos, sabem-se um do outro para além de qualquer dúvida e com isto ele penetra-a fundo, forte, de uma forma quase brutal, quase animalesca, ela grita, sente-o a invadi-la, quer-se invadida, tomada por ele, oferece-se, vê o esgar de prazer no seu rosto enquanto ele sente a corrente eléctrica que lhe percorre o corpo, que ele sabe que ambos sentem enquanto se entregam a um orgasmo pleno de sensações que parecem ir além do espaço onde estão e, inebriados, desfalecem os dois em cima do altar, como uma oferenda, como que detentores de um sacro ofício, livres…
-Porquê?
-Porque sim! Fecha os olhos.
Ela respirou fundo, encolheu os ombros e fechou os olhos. Sentiu-o a passar para trás de si, e em seguida algo que era colocado sobre os seus olhos.
-Mas que estas tu a fazer?
-Bem, aparentemente, a vendar-te.
-Mas porquê?
-Porque sim. Queres confiar em mim?
Ela resignou-se.
No dia a seguir àquela conversa que acabou abruptamente sem ela entender bem porquê, ele limitou-se a anunciar-lhe que daí a dois dias, ao fim da tarde do seu dia de folga do seu, agora, segundo emprego, a iria buscar ao apartamento dela em Lisboa e que não se preocupasse com o carro que alguém o iria buscar. Ah, e para ela se produzir “a matar”, na expressão que ele utilizou. Depois quase não o voltara a ver, até agora.
Ele guiou-a cuidadosamente até ao carro, ajudou-a a entrar e entrou em seguida, arrancando.
-Mas para onde é que vamos? – Perguntou ela, sentindo-se um pouco insegura.
-É surpresa.
Ela calou-se e foi apreciando a música. Foram indo, sem grandes conversas. Deu pelo facto de saírem de Lisboa e passarem na ponte sobre o Tejo. O ruído característico dos carros a rodar nas faixas centrais é inconfundível. Mas depois da ponte, o carro acelerou e seguiram auto-estrada fora.
Ao fim de um bom bocado ela não se conteve.
-Mas ainda falta muito?
-Um bocado. – Respondeu ele – Mas porquê? Estás com pressa? Não estás confortável?
-Não… é que ir aqui, vendada, sem saber para onde vou…
-E o que é que interessa saber para onde vais? Estás comigo. Confia. Uma coisa te prometo: A viagem só começa quando chegarmos ao destino.
-Que é que queres dizer com isso?
-Exactamente o que disse.
-O Sr. Enigmático contra-ataca.
-É, estou misterioso. É para ver se fico com um pouco mais de charme que o costume…
-Isso implicaria já teres, normalmente, charme.
-Pois, tens razão. Má escolha de palavras… - disse ele soltando uma gargalhada.
-Mas gostava de saber para onde vou. Pedes-me para vir assim, toda produzida, vens de fato, e depois levas-me assim, vendada…
-Já te disse, é surpresa.
-Mas não podes ao menos revelar um pouco?
-Está bem. Vamos para um sítio solene.
-Um sítio solene?
-Sim!
-Que sítio?
-Isso agora… Quando lá chegares vês.
Ela estava a ficar visivelmente aborrecida.
-Então, quando lá chegarmos, avisa.
Calou-se e encostou-se para trás no banco. Ele riu com o amuo dela e lançou o carro ainda mais depressa na auto-estrada em direcção a sul.
Voltou a dar conta de si quando um solavanco na estrada fez o carro abanar. Pela irregularidade que sentia, já não estavam na auto-estrada. Tinha perdido por completo a noção do tempo. Provavelmente tinha adormecido sem sequer dar por isso.
-Fizeste uma soneca jeitosa? – Perguntou ele.
Ela espreguiçou-se, bocejou, e perguntou:
-Estamos a andar há muito tempo?
-Há algum…
-E ainda falta muito para chegar aonde quer que vamos?
-Não. É perto.
-Ainda bem…
O carro parou. Sentiu-o a sair, deixando o carro ligado. Depois voltou a entrar, o carro avançou alguns metros, parou novamente, voltou a sair, voltou a entrar e seguiram devagar por uma estrada acidentada.
-Seja lá onde for que isto é, é longe…
-É. Mas já cá estamos.
Andaram mais uns cinco minutos até o carro parar e ele finalmente desligar o motor. Ele saiu e ela sentiu a porta ser aberta logo depois. Ele pegou-lhe pela mão e ajudou-a a sair. O silêncio era tal que se conseguia ouvir a brisa. Ouvia-se também o restolhar de folhas em árvores próximas. O ar estava fresco, com uma humidade que se sentia, mas que era agradável. Ele guiou-a, segurando-a pelo braço, andando ambos devagar e ela sentia e ouvia as folhas secas a serem esmagadas pelos sapatos de ambos. Depois começaram a andar em cima de pedra, direita mas não muito regular. Por fim, ouviu-o a abrir uma porta pesada, ouviu as dobradiças a protestar, rangendo, e ele guiou-a novamente passando a porta.
Havia um cheiro muito familiar no ar, como se fosse incenso, mas diferente, mais espesso, igualmente adocicado e que ela reconheceu de imediato, mas não disse nada. Deu mais alguns passos, guiada por ele, e ouviu o ressoar dos passos num espaço amplo.
“Mas onde raio estamos?” Perguntou-se ela.
Ele parou-a.
-Estamos cá. – Disse – Estás preparada?
Ela assentiu com a cabeça.
Ele pôs-se por detrás dela, desapertou a venda e tirou-lha.
Ela olhou.
À sua frente, iluminada apenas por velas, estava a nave de uma igreja antiga com um altar completamente trabalhado em talha dourada que reflectia a luz bruxuleante das velas e enchia o lugar de reflexos dourados. Os painéis de azulejos que rodeavam toda a igreja até ao altar, finamente desenhados com motivos da vida e paixão de Cristo elevavam-se até aos pedestais que deviam ter servido de repouso a estátuas de santos, agora inexistentes. O tecto, abobadado, estava decorado com frescos que haviam perdido o fulgor original, tendo em alguns sítios caído o estuque, e noutros havia manchas de humidade que atestavam a antiguidade do sítio. Os bancos corridos, de madeira, estavam decorados com rosas encarnadas, bem como o tapete vermelho que corria ao longo da nave e até ao altar, coberto de pétalas da mesma flor. O altar era uma enorme mesa dourada, da qual ela apenas conseguia ver os pés, uma vez que estava coberta com uma toalha de linho de um branco imaculado, também coberta com pétalas de rosa encarnada. O fumo que ocupava todo o espaço, fazendo o ar parecer espesso vinha de um incensário que estava por detrás do altar, pendurado num suporte alto.
O fumo, do cânhamo que queimava livremente, inebriava-lhe os sentidos, distorcia o espaço e o tempo cada vez mais, e ela ficou simplesmente parada a contemplar tudo o que tinha à sua frente.
-Gostas da tua surpresa? - Perguntou ele, observando a sua reacção.
-Onde é que estamos afinal?
-Numa igreja.
-Bem isso eu já vi, mas como…?
-É uma igreja privada. Estamos no meio de uma herdade e esta igreja pertence à herdade, mas já está desactivada há muito tempo. As estatuetas foram oferecidas e vendidas a coleccionadores, mas sobra este espaço que continua magnifico, pelo menos enquanto não acabar de se degradar por completo.
-E como é que tu…?
Ele simplesmente sorriu e olhou-a bem nos olhos.
-Ainda não me respondeste. Gostas?
Ela deixou-se ficar mais um pouco, embasbacada a olhar para todo aquele cenário montado para ela. Só depois respondeu:
-Adoro!
-Ainda bem. – Respondeu ele, agarrando-lhe a mão e levando-a ao longo do tapete encarnado em direcção ao altar.
Caminharam devagar ao longo da nave, com o tapete a abafar o som dos passos que ainda assim reverberavam nas pedras seculares. Cada vez mais os sentidos de ambos se distendiam no tempo, culpa daquele fumo espesso que invadia todo o espaço, e cada vez mais as sensações ficavam vívidas e vibrantes. O mero toque da pele enquanto ele a levava pelo braço, parecia lançar um formigueiro ao longo do corpo dela. A sensação de frio quando entrara desvanecia-se, e o seu lugar era ocupado por um conforto do espírito.
Chegaram junto do altar. Pararam, viraram-se um para o outro, ficando ambos de olhos fixos nos olhos, sem saberem sequer durante quanto tempo. Apenas numa atitude contemplativa e calma. Depois abraçaram-se finalmente, colaram os corpos, uniram os lábios num beijo que teve um sabor intemporal, as línguas a tocarem-se devagar, a procurarem-se a darem-se…
Com uma calma de quem tinha todo o tempo do mundo ele começou a abrir o fecho do vestido e ao mesmo tempo que o fazia, acariciava-lhe as costas enviando sensações pelo corpo dela que se reflectiam na calma voraz do beijo onde estavam presos. Ele quebrou o beijo, contra a vontade dela, apenas para a libertar do vestido que caiu até ao chão, deixando-a apenas vestida com um fio dental e os saltos altos, o que lhe provocou um agradável arrepio na pele, voltando depois a colar os lábios aos dela e a perder-se na sensação de abraçar o seu corpo nu.
Ao fim de um tempo que pareceu imenso e ao mesmo tempo um instante fugaz, os lábios separaram-se. Ficaram abraçados de pé em frente ao altar, cabeças a repousar sobre o ombro um do outro. Depois separaram-se finalmente. Ela olhou para ele com um ar inquiridor. Ele sorriu, deu-lhe a mão guiando-a e equilibrando-a para cima de um degrau que estava em frente ao altar. Depois de ela subir, fez-lhe descer o fio dental ao longo das pernas e ajudou-a a equilibrar-se, ora numa perna, ora noutra, enquanto lhe tirava a última e minúscula peça de roupa. Depois, agarrou-a pela cintura e sentou-a no altar.
Ela deixou-se guiar por ele enquanto, sem palavras, ele a levava ao centro daquela enorme pedra fria coberta de linho e pétalas de rosa, fazendo-a deitar-se em seguida, no centro da mesa.
Depois, sempre com uma calma que lhe fazia parecer a ela que ele se movia em câmara lenta, ata-lhe os pulsos e os tornozelos aos pés do altar com tiras de veludo “bordeaux” escuro.
Quando acabou de a atar, chegou-se perto do rosto dela, deu-lhe um suave beijo nos lábios e saiu por uma porta lateral ao altar…
Ela perdeu a noção do tempo, ali quieta num silêncio reverberante, inundada pelo fumo e o cheiro do cânhamo que queimava num incensário que estava um pouco além e abaixo de si, para que o fumo que se soltava subisse directamente na sua direcção, passando por si, inebriando-a, intensificando qualquer sensação, o contacto frio e veludoso das pétalas e do linho esfriado pela pedra, desorientando-a, a vontade de se querer mexer e estar constrangida, de movimentos limitados, exposta, em cima de uma pedra de altar em frente a um massivo altar-mor de talha dourada onde outrora estivera pendurada uma cruz, com os ouvidos preenchidos por um silêncio amplo, e de repente o simples ranger de uma porta dá significado a tudo aquilo, e ela volta-se e vê-o voltar com um habito de monge, cingido pela cintura por uns cordões largos, com uma taça dourada na mão, a representação do graal, da taça da ultima ceia, e aproxima-se dela com um ar sério, ela sorri e ele faz-lhe uma festa suave pelo rosto, passa-lhe a mão no cabelo com doçura, com ternura, põe-lhe a mão na nuca, ampara-lhe a cabeça, aproxima a taça, dá-lhe a beber e ela fá-lo sem hesitação provando uma textura algo amarga, estranha, que à medida que lhe desce da garganta provoca um calor que se espalha do centro do seu corpo para fora, fazendo-a aquecer, deixar de sentir a pedra fria, electrizar, uma sensação quente e suave que a faz mergulhar num estado de quase sono e ele retira a taça dos seus lábios e derrama parte do resto do conteúdo no seu peito que corre ao longo do seu corpo e que ele lambe devagar e dedicadamente, cada pequena gota do liquido que ela vê finalmente, apercebendo-se da cor esverdeada, e compreende o sabor do absinto misturado com algo mais que ela não reconhece, e sente o corpo solto, leve, deixa de se sentir constrangida ou amarrada, simplesmente está, sentindo a espaços o liquido a fluir sobre a sua pele e o contacto da sua língua macia a retirar cada gota que escorre de si, e percebe o porquê da fada verde, mergulha num abandono e felicidade infinita, mas que bem longe ela consegue intuir que terminará, mas não importa, nada importa a não ser as sensações que sente, que lhe transmite a ele, que pousa a taça e a saboreia pedaço a pedaço, descendo ao longo do seu corpo, ocupando cada espaço, cada milímetro da sua pele, como se quisesses absorver a sua essência, o que ele faz, quando começa a beijar o interior das suas pernas subindo até às virilhas e começa pura e simplesmente a envolver o clítoris com a sua boca, com os seus lábios, sugando-a e provocando como que uma descarga eléctrica que sobe direita ao seu cérebro, fazendo com que o seu corpo se contorça num espasmo, uma sobrecarga de sensações e deixa de ouvir, deixa de ver, e sente apenas o continuado cheiro do cânhamo e sente o sabor do absinto ainda na sua boca, e nem sente o corpo, sente apenas um pulsar que sobe da sua vulva de uma forma tão intensa que quase se esquece de respirar, fazendo soltar o ar dos pulmões num grito intenso que clama pelo orgasmo que ainda não chegou e ela tem um lampejo de se perguntar como será quando for e deseja-o, quer, muito, com todas as suas fibras sentir o prazer supremo e o seu corpo acede, faz-lhe a vontade e ela vem-se entre espasmos, gritos que preenchem o espaço e parecem continuar a durar para sempre, e o seus sentidos despertam e sente-se, vê-se, sente-o, vê-o, sente o seu corpo, a sua boca a envolve-la, os suaves toques da língua no seu recanto mais secreto, ondas de choque que varrem o seu corpo umas atrás da outras e tudo desaparece por um instante, a mente apaga-se…
…e ilumina-se de novo, descendo do êxtase mas mantendo-se no limbo, e olha, e vê-o subir para cima do altar, em frente a si, às suas pernas abertas, à sua vulva pulsante de onde escorre todo o prazer que sentiu e continua a sentir, ficar de joelhos, e sobe o habito mostrando a sua erecção pulsante, e de seguida estende-se sobre ela, toca-a, não com as mãos, mas com o corpo, afaga-a, fá-la sentir o seu peso, sente o corpo em brasa, entregue ao prazer de ambos, roça o seu sexo no dela, comprime-se contra o seu clítoris arrancando-lhe mais gemidos de prazer e não aguentando mais a tortura que lhe faz, mas que é feita a ambos, começa a penetrá-la como que numa oferta ritual, deixando-se deslizar milímetro a milímetro, querendo que ela o sinta sem pressas, e sente-a a alargar enquanto vai alargando os seus músculos e os sente a pulsar em torno do seu membro, e sente o quanto ali, naquele momento, ela o quer, e dá-se para que ela sinta o quanto ele a quer, vais deslizando até as suas púbis se tocarem, até estar pleno dentro dela, e olha-a, observa-a, deixa-se estar assim dentro dela, ela geme, contorce-se debaixo dele como uma gata no cio, e depois começa a sair devagar, a sentir a textura dela na sua glande enquanto a puxa para fora, a sentir o seu sexo a sugá-lo, como que a querer puxá-lo novamente para dentro, sempre com uma lentidão agoniante para ambos, atrasando o orgasmo dela, atrasando o seu enquanto as gotas de suor lhe invadem o rosto e começam a pingar como gotas de chuva refrescante sobro o corpo dela, até ficar apenas com a glande dentro dela, ondulando as ancas devagar para provocar um ligeiro vaivém que lhe estimula o ponto G, que a deixa louca de tesão e ele sente-a, mais do que isso, sabe-a naquele momento, e ambos se olham nos olhos, sabem-se um do outro para além de qualquer dúvida e com isto ele penetra-a fundo, forte, de uma forma quase brutal, quase animalesca, ela grita, sente-o a invadi-la, quer-se invadida, tomada por ele, oferece-se, vê o esgar de prazer no seu rosto enquanto ele sente a corrente eléctrica que lhe percorre o corpo, que ele sabe que ambos sentem enquanto se entregam a um orgasmo pleno de sensações que parecem ir além do espaço onde estão e, inebriados, desfalecem os dois em cima do altar, como uma oferenda, como que detentores de um sacro ofício, livres…
Published on November 11, 2015 01:33
Os dias mais estranhos - 34. Petit mort (fr)(pequena morte)
Devotei quase o mês seguinte à Mónica. Ajudei-a a procurar casa, não sendo fácil arranjar uma para o seu rendimento, visto que ela ganhava pouco mais do que eu, e havia ainda as despesas de ter uma criança consigo. Além disso, ela não queria sair da área onde já vivia, o que dificultava ainda mais as coisas. Acabou por alugar um pequeno apartamento no centro de Cascais que consistia somente de um quarto, uma cozinha, uma sala mais ou menos ampla e ainda uma casa de banho relativamente razoável. Não tinha nada a ver com o apartamento de onde vinha, mas a modéstia não a demoveu. Senti-a mais solta, mais terra-a-terra. E sentia-lhe também o entusiasmo de alguém que vai começar algo de novo.Depois da procura pela casa veio a mudança na qual eu a ajudei também. Vieram também as arrumações normais de alguém que acabou de se mudar. Embora a casa estivesse semi-mobilada, houve necessidades de arranjar algumas estantes que montamos. A casa, embora pequena, estava com um ar extremamente acolhedor.Durante todo este tempo ia-mos curtindo um com o outro, mas não passamos daí. Quando os nossos carinhos ficavam mais quentes ela dizia-me “temos tempo”, e eu acedia.Nos fins-de-semana dos finais de Janeiro e princípios de Fevereiro não pude ir ter com ela por estar a tocar, mas num desses dias ela apareceu com uma amiga que eu desconhecia até então. Fomos apresentados. Ela chamava-se Margarida, mas gostava que a chamassem pelo seu diminutivo, Guida. Era uma mulata clara, e que conferia um tom natural de bronzeado à sua pele. Era uma mulher cuidada, nos seus trinta e poucos, com curvas prenunciadas e sensuais. Usava uma maquilhagem carregada, com tons quentes que realçavam a sua beleza e uma graça natural. A Mónica e a Guida juntas num bar, sozinhas, não podiam deixar de atrair atenções. No intervalo do concerto juntei-me a elas. Falei sobretudo com a Guida, tentando saber algo sobre ela, mas nunca deixei de dar atenção à Mónica. Fiquei a saber que eram amigas desde há algum tempo, em que a Mónica a conhecera numa convenção. Era do Porto e, quando vinha a Lisboa costumava ficar com a Mónica. Por seu turno, a Mónica quando ia ao Porto ficava em sua casa. Há anos que cultivavam esta amizade juntando-se nas férias, ou em fins-de-semana grandes. No fim da noite quando as duas quiseram voltar a casa, despedi-me da Mónica como de uma boa amiga, não deixando transparecer que algo havia entre nós.Finalmente, chegou o segundo fim-de-semana sem concertos. Dirigi-me a sua casa, chegando a Cascais ao princípio da tarde, tinha ela acabado de almoçar. A seguir fomos dar uma volta a pé pelo paredão. Foi um passeio agradável, à praia do Tamariz com ela e com a Raquel. Quando entramos em casa ficamos na sala a ver um pouco de televisão. Foi então que a Raquel pediu para ir até casa de uma amiga que morava perto, a um ou dois quarteirões de distância. A Mónica acedeu, não sem antes lhe dar um batalhão de recomendações, e dizendo-lhe para não vir tarde.A Raquel lá acabou por sair. Ela sentou-se a meu lado no sofá e aninhou-se contra mim. Beijei-a suavemente.Ela levantou-se e agarrou-me a mão.-Vem – disse.Segui-a incondicionalmente. Entramos no quarto. Ainda de pé, ela abraçou-me. Foi-me beijando, languidamente, suavemente, atraindo-me para si. Estava mesmerizado por ela. Como que sob um feitiço. Tirei-lhe a camisola grossa de gola alta. Ao fazê-lo o seu cabelo moreno, espesso, caiu como uma cascata. Descalcei os ténis. Ela sentou-se na cama e desapertou o meu cinto e a seguir as minhas calças, fazendo-as descer. Sai de dentro delas, ficando defronte dela apenas com uns boxers cinzentos. Ela acariciou-me por cima deles. Depois deitou-se para trás, desapertando as suas calças e deslizando-as abaixo das ancas. Não precisei que me dissesse para lhas tirar. Puxei-lhas e elas trouxeram consigo a sua roupa íntima. Estávamos ambos soltos, já sem o acanhamento que de alguma forma sentíramos da primeira vez que estivéramos juntos. Beijei-lhe a barriga e o baixo-ventre, sentindo-a a incendiar-se com o meu toque. Beijei-lhe o interior das coxas. Ela impulsionava as ancas para cima e para mim, querendo levar os meus lábios aos seus lugares mais íntimos. Eu negava-lhe esse prazer. Quando finalmente o fiz foi uma libertação. Ela puxava a minha cabeça para si. Via-a enquanto a beijava, de olhos fechados contorcendo-se lentamente na cama, abandonando-se ao prazer. Eu sentia o seu sabor, e o seu cheiro inebriava-me.Ela acabou por me puxar pelo cabelo. Fiquei deitado ao seu lado. Pôs a sua mão por dentro dos meus boxers, sentindo-me duro. Afagou-me por uns instantes. Fez deslizar os meus boxers e em seguida abraçámo-nos de lado na cama. Beijavamo-nos enquanto nos masturbávamos mutuamente.-Fode-me! – Ordenou.Passou uma perna por cima de mim e agarrou-me, fazendo-se deslizar por mim em seguida. Continuamos abraçados, com as nossas mãos a percorrer os corpos, e a beijar-nos sofregamente enquanto fazíamos amor. Não havia pressa. Só prazer. Conseguia sentir em mim o fogo que vinha de dentro dela. Gemíamos ambos baixinho ao princípio, sendo que ela, à medida que a excitação ia aumentando começava e respirar mais fundo soltando pequenos gritos de prazer de cada vez que a penetrava. Senti-a a ter o seu orgasmo de forma avassaladora e quase descontrolada. De alguma forma o seu orgasmo só ateou um fogo ainda maior. Separou-se de mim e pôs de gatas na cama. -Vem por trás, amor…Ajoelhei-me por trás dela e penetrei-a devagar. Ela, ao sentir-me em si empurrou-se contra mim.-Dá-me… tão bom… ai amor… fode-me bem… Nunca a ouvira falar assim. Naquele momento a Deusa que eu tinha posto num pedestal desapareceu, deixando no seu lugar uma mulher que era toda fogo. A partir daquele momento tive a certeza que a amava a ela, tudo o que ela era, e não a imagem que dela tinha. Eu puxava-a para mim e penetrava-a bem fundo. Os gemidos dela transformavam-se em pequenos gritos de prazer. Nunca estivera com uma mulher tão quente. Nunca me sentira tão ao rubro. Encostei-me às suas costas e com a minha mão afagava-lhe o clítoris enquanto a penetrava. Mordia-lhe a base da nuca, o pescoço e os ombros. Estávamos ambos numa vertigem de plena luxúria. Sentia-a contorcer-se debaixo de mim como uma felina enquanto suspirava ofegantemente de prazer.Chegamos ambos à libertação e ao auge ao mesmo tempo, fundindo-nos um no outro. Acabamos deitados lado a lado, ambos extenuados, fumando cada um o seu cigarro. Enquanto nos mimávamos e descíamos daquele momento sublime. Compreendi os franceses. La petit mort.-Desculpa… - disse ela quando finalmente nos acalmamos.-Porquê?-Pela linguagem. Sabes que eu não costumo falar assim, mas quando fico descontrolada…-…viras uma gata selvagem. – Beijei-lhe a testa. – Amo-te.-Eu também, amor.Não podíamos ficar muito tempo aproveitando aquele momento, pois sabíamos que a Raquel voltaria em breve. E de facto, mal nos acabamos de vestir ela apareceu.-Ficas para jantar?-Se o quiseres…-Tonto…Foi para a cozinha e começou a tratar do jantar. Não saí do seu lado, ajudando-a. Ela abriu uma garrafa de vinho tinto.-Gostas de vinho tinto?-Nem por isso. Não aprecio muito.-Tu não sabes é do que gostas. Hoje vais aprender a apreciar um bom vinho.Comemos tagliatelli à bolonhesa acompanhado por uma garrafa de Monte Velho. Aprendi realmente a apreciar o sabor de um bom vinho com uma boa refeição.
Eram duas da manhã quando me dirigi de volta a casa. A vontade de ficar era avassaladora…
Eram duas da manhã quando me dirigi de volta a casa. A vontade de ficar era avassaladora…
Published on November 11, 2015 00:20