C.N. Gil's Blog, page 54
November 10, 2015
Os dias mais estranhos - 33. Basta (acabar, cessar, chegar, parar)
Passagem de ano.Como era já quase ritual no meu grupo de amigos, a noite era passada em casa do Raul e da Patrícia. Cada um trazia uma coisa qualquer, um bolo, um doce, salgados, marisco, e depois passávamos a noite com uma boa conversa e uma boa petiscada, longe das confusões habituais. Raramente havia algum ano em que alguém falhava. Ainda que estivéssemos bastante longe uns dos outros, tentávamos sempre organizar as coisas para que a passagem de ano fosse passada em conjunto.Como qualquer grupo de amigos de longa data, havia montes de gente que tinha ficado pelo caminho, pura e simplesmente deixando de aparecer ou dar noticias, assim como houvera outros que se tinham juntado ao grupo. No entanto, eu, o Zeca, o Raul, a Patrícia e mais tês ou quatro pessoas nunca perdíamos o contacto. Era importante para mim que este grupo de pessoas existisse e era interessante o esforço que fazíamos para que continuasse a existir. São estas as únicas pessoas no mundo com quem eu posso estar de uma forma completamente isenta. Aceito-os como são e eles aceitam-me como sou.Tinha passado quase um mês desde o meu último encontro a sós com a Mónica. Depois disso só nos encontráramos no trabalho, ou faláramos pelo telefone. Sabia por ela que a sua situação com o Francisco estava à beira da rotura. Tentava dar-lhe todo o apoio que podia, e embora a aconselhasse a ter calma, as situações que ela me ia contando faziam com que apetecesse ir busca-la, e tirá-la do pé dele, dizendo a mim mesmo que ela não o merecia.Mas, frequentemente, caía em mim. O Francisco era um homem inteligente e, embora pudesse não saber de nada, sabia com certeza que se passava algo com a Mónica. Aquilo que despontara entre nós punha em stress a relação e eu tinha a certeza de que, a partir de determinada altura, ele só forçava situações para ver até onde ela queria ir. Ele queria que ela partisse mas não queria ser ele a mandá-la embora.Aquilo que o Francisco nunca percebeu é que se ele não tivesse forçado situações a Mónica nunca se teria permitido levar as coisas até ao ponto onde estavam agora entre nós. Podia ter havido uma química, mas nunca teria passado daquele primeiro beijo. Todo o resto tinha de alguma forma sido provocado por ele.Voltando àquela noite, estávamos na cozinha do Raul quando o meu telemóvel tocou. Era a Mónica. Como sempre, atendi cautelosamente.-Tou?...-Olá amor!-Olá querida. Onde é que tu estás? – Perguntei eu ouvindo o barulho de fundo tão alto que quase não ouvia a voz dela.-Tou na praia do Tamariz. Tou só com a Raquel.-Então e o Francisco?-Olha, amor, tá aqui uma grande confusão. Só te queria desejar uma boa passagem de ano com os teus amigos e dizer-te que eu e o Francisco acabamos tudo. -Acabaram tudo? Como assim?-Tá muita confusão para falarmos agora. Mais logo, se quiseres, telefona-me. Eu não vou ficar aqui muito tempo, mas vou ficar acordada até tarde de certeza. Liga-me, tá bem meu anjo?-Claro que sim. Eu quando sair daqui ligo-te.-Boas entradas, amor.-Boas entradas, fofinha.-‘Té logo.-Tchau.A partir daquele momento, embora o meu corpo estivesse ali, a minha mente claramente não estava. E isso notava-se.A meio da noite, eu, o Raul e o Zeca sentámo-nos na varanda. Estávamos já bem bebidos, e fomos falando enquanto íamos fumando os nossos cigarritos. Aproveitei para me voltar para o Zeca.-Ouve lá, então e como é que ficou aquela cena com a Magdalena?-Olha, vai ficando…-Quem é a Magdalena? – Perguntou o Raul.O Zeca fez uma cara esquisita e olhou para mim com aquele ar de “olha, explica tu…”.-A Magdalena é uma amiga minha. É uma miúda fixe que costuma ir ver os meus concertos. Conheci-a por ser amiga do meu vocalista.-E, ouve lá, a moça é jeitosa?-Bastante… - disse o Zeca. Eu soltei uma gargalhada.O Raul olhou para o Zeca e torceu o nariz. Depois voltou-se para mim.-Não me digas que o Zeca e ela…-Pá, não sei, para te ser franco. Mas, olha, depois de um concerto eu e o Zeca fomos pô-la a casa. Eu comecei a meter-me com ela, a mandar-lhe umas bocas, a dizer que tinha direito a um xôxo de boa noite, …-…Tu és mau… – disse o Raul.-…e então ela deu-me um xôxinho.-Um xôxinho?-Yá, um xôxinho.-Mas o que é que isso tem a ver com este “gaijo”?-Bem, digamos que ele esteva a noite toda com ela. Nem me perguntes grande coisa que eu andava ocupado. Mas reparei que ele estava a dar bastante atenção ao decote da moça…-E o decote é?...-…Bem, digamos que, generoso.-Háááá! Tou a ver!-Pois. O que não tas a ver é que depois do xôxo este gajo começa a reclamar, “há, e tal, eu também quero, e não-sei-quê…”-…e?...-…e não é que a moça dá a volta ao carro e lhe dá um mel daqueles?-Bem… - disse o Raul depois de uma breve pausa em que se limitou a observar o Zeca - …é uma história interessante. E depois?-Depois conta-te ele, que eu não sei de nada desde aí.O Raul virou-se prontamente para o Zeca e repetiu a pergunta.-E depois?-Pá, e depois já saímos umas vezes, e tal, temos curtido, mas ainda não há assim nada de sério… - disse o Zeca, nitidamente não se sentindo à vontade com a questão – Vamo-nos vendo quando eu venho cá acima, mas sem compromissos.-E ela sabe disso? – Perguntou o Raul.-Do quê?-Da parte do “sem compromisso”?-Bem,… - fez uma pausa como que para pensar um pouco - …acho que sim.Por esta altura já era nítido o desconforto pela parte do Zeca, o que era um indício de que as coisas estavam claramente mais evoluídas do que ele queria fazer transparecer. Nesse aspecto eu e o Zeca tínhamos algo em comum, não gostando de revelar muito os nossos sentimentos. Foi então que o Zeca, com um brilhozinho de vingança nos olhos e querendo desviar a atenção de si próprio me perguntou:-Atão e como está lá aquela tua cena com a Mónica?O Raul ficou estupefacto.-Cena com quem? Ouve lá, a Mónica não era uma daquelas duas bacanas que cá trouxeste uma vez?-Yá.-E tu não andavas com a outra, a Andreia?-Mais ou menos…-E a Mónica não era casada?-Junta…-…é a mesma treta.-Yá.O Raul ficou a olhar para mim, sem saber muito bem o que dizer. Olhei para o Zeca e este estava com um sorrisinho nos lábios, feliz por estar livre do interrogatório do Raul, e ao mesmo tempo curioso para ver o que ia sair dali. Já eu, por meu turno, sentia os meus níveis de desconforto a aumentar astronomicamente. -Ora atão, explica lá essa cena, que já não tou a perceber.Sentia-me relutante em falar acerca do assunto, mas por outro lado sabia que, se havia pessoas no mundo em que podia confiar, eram estas duas. E também sabia que me faria bem desabafar tudo isto. Assim, fui-lhes contando tudo o que se andava a passar. Enquanto contava a estória desde o princípio ao Raul, a atenção do Zeca estava dispersa, mas assim que cheguei aos pormenores que este ainda não conhecia, as atenções ficaram presas em mim. Quando acabei de falar, foi o Zeca o primeiro a falar.-Bem, mano, isso já vai bué mais à frente do que eu pensava. Ouve, nem sei o que é que te hei-de dizer. -Ouve, … - disse o Raul - …se queres a minha opinião, que eu sei que não queres mas eu dou-a na mesma, acho que te vais dar mal com isto tudo. Mas espero que não.Eu mantive o meu silêncio. Não tinha mais nada para dizer. Enrolamos um charro e partilhámos entre os três em silêncio, enquanto era notório que eles iam repensando o que eu lhes tinha dito. Eu, por meu lado, sentia-me bem de finalmente ter contado tudo a alguém. Como se agora as minhas dúvidas fossem partilhadas com eles. Sentia-me um pouco melhor.Às tantas o Zeca e o Raul começaram a falar entre eles acerca de mim, sempre observando-me-Ouve lá, … - disse o Zeca - … não sei se já reparaste, mas já viste que este gajo tá com outra postura e outra atitude?-Yá, lá isso é verdade. Tá mais…, sei lá…, já sei. Assertivo.-É, tá mais seguro, tá com a cabeça toda desgraçadinha, mas com menos pancas auto-existenciais…-Tá mais fixe, o gajo. Pelos vistos aquele avião tá-lhe a fazer bem à auto-estima.-Haja alguma coisa, fogo. Também já tava farto de o ouvir.O Raul dirigiu-se finamente a mim.-Sabes o que eu disse há pouco acerca de te dares mal? Esquece, mano. Vive, meu.Eu assenti. Era isso, sem dúvida. Pela primeira vez em anos, e apesar das confusões na minha cabeça, sentia-me vivo, sentia o mundo de uma forma vibrante. A vida deixara de ser uma mera sucessão de dias, para passar e ser uma expectativa do que vem a seguir, como um bom filme ou um bom livro, mas com a diferença fundamental de que, por maior que fosse a curiosidade, não havia hipótese de acelerar a fita ou espreitar umas páginas à frente. Passara do lugar de mero espectador para interveniente activo. Estava-me a saber bem viver.Saí da casa do Raul por volta das quatro, apesar da insistência para que passasse a noite por lá. Se por um lado me apetecia ficar, a conversa que tivera ao princípio da noite com a Mónica não me deixava descansar nem assentar ideias, e se ficasse seria impossível ter uma conversa longa e privada o suficiente para tentar perceber o que se tinha passado.Assim que me deitei mandei-lhe uma mensagem perguntando se lhe podia ligar. Foi ela quem ligou em resposta.-Oi, querida.-Oi amor. Passaste bem a meia-noite com os teus amigos?-Passei com saudades tuas.-Passaste agora, … - disse ela só para me picar - …aposto que nem te lembraste que eu existia…-Mentira. Só pensava que távas sozinha lá pró Tamariz e que ainda havia um esperto qualquer que te dava a volta…-A sério?-Claro…Rimo-nos os dois. Era giro. Portávamo-nos como dois adolescentes. Acabei por ser eu a trazer o Francisco à conversa.-Então explica-me lá o que se passou…-Olha, para te ser franca, nada de especial. Acabamos pronto…-Mas porquê assim de repente.-Porque ele é mais esperto do que pensas.-Não digas isso. Não o acho brilhante, mas sei que ele é bastante esperto. Aliás, se não fosse não tinha chegado onde está.-Pois é, pois é. -Mas conta lá os detalhes.-Olha, foi simples até. Ontem estávamos deitados, e vou-te dizer, estava mesmo cansada. Além disso, para te ser franca, em sequer me apetecia olhar para ele. Já ele, posso dizer-te, estava todo entusiasmado. Estava lá a ver os seus filmes da treta e não me largava. Eu bem lhe dizia que não me apetecia, mas ele…-Tou a ver, tava com a pica toda.-É. Entretanto insistiu e insistiu. Eu bem me deixei ficar de costas para ele, e dizia que tinha sono, mas ele não me largava, e apalpava-me e sei lá mais o quê…-E então?-E então, às tantas, lá no filme passa uma cena de uma mulher e dois homens. Ele tava todo encostado a mim e começa a falar-me ao ouvido, que adorava tar na cama comigo e com outro homem…Ninguém pode imaginar o que me passou pela cabeça naquele instante. O ódio que eu tive daquele homem era incomensurável. Como é que alguém conseguiria descer tão baixo e mostrar tal falta de respeito pela pessoa que partilha a sua cama? Ele com certeza sabia que isso não era o que ela queria. Era ele a forçar ainda mais a situação?-…e foi aí que eu me voltei para ele, empurrei-o e disse “basta”. Peguei num cobertor e na minha almofada e vim dormir para a sala.-E ele?-Ele, nem ai, nem ui. Nada. Só hoje, de cabeça fria, é que falamos. Concordámos ir um para cada lado, e ele aceitou deixar-me ficar lá em casa durante uma ou duas semanas enquanto arranjo uma casa para mim e para a Raquel. Já tava farta…-Agora vai ser duro…-É, mas de certeza menos do que acordar ao lado dele todos os dias.-Tás bem?-Tou óptima.-Ainda bem. Mas vocês ficaram na boa, os dois?-Sim, ficámos bem. Sabes que mais, no fim da conversa ele só me disse “tem cuidado com músicos”.-Espertinho o senhor! Ora vistes…-É. Ele sabia bem o que tava a fazer…-Tou a ver. Se cedesses, olha, era um bónus. Se não, tava a situação resolvida.-Podes crer.
O resto da conversa não passou de mimos trocados entre nós. Para mim, a sensação de alívio que me dava a liberdade dela era qualquer coisa de sublime, como se me tivessem tirado um peso de cima. Agora ela podia ser minha. Eu sabia-o. Ela também. Restava-me saber se era isso que ela queria. E a ela, julgo, também.
O resto da conversa não passou de mimos trocados entre nós. Para mim, a sensação de alívio que me dava a liberdade dela era qualquer coisa de sublime, como se me tivessem tirado um peso de cima. Agora ela podia ser minha. Eu sabia-o. Ela também. Restava-me saber se era isso que ela queria. E a ela, julgo, também.
Published on November 10, 2015 06:17
Ontem,...
...saia do carro calmamente junto com a Mini Me, depois de o ter estacionado à porta de casa, quando fomos ambos abordados por dois jovens, um de nacionalidade Brasileira e outro de nacionalidade Norte Americana!
Chamavam-se ambos Elder, o que é uma coincidência do cara... ças!
Ora, ambos os Elderes vieram perguntar-me se eu conhecia a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias!
Acho o nome desnecessário! É comprido! É chato de dizer numa frase!
Mas adiante...
Respondi-lhes que sim e que já tinha lido o livro de Mormon (se há livros sagrados com noções estranhas, este é um deles).
Ficarão surpreendidos!
-Já leu?
-Sim.
-Todo?
-Sim. Tal como a bíblia e o Corão e uma data de textos budistas e védicos! A única maneira que temos de saber se nos enquadramos numa determinada visão do mundo é conhecermos outras visões! Se só conhecermos uma, como é que podemos ter uma ideia clara de onde está a verdade?
-Então e o que é que achou?
-Achei que o livro de Mormon não combina com a minha personalidade!
A conversa não ficou por aqui, continuou. E acho que continuou de tal maneira que o Brasileiro já só queria sair dali, incomodado, e o Americano olhava para mim de olhos bem abertos, sem saber o que me dizer!
Infelizmente, creio que coloquei a fé de ambos em perigo! Não que fosse esse o meu objectivo...
Quando eles se foram embora, a Mini Me voltou-se para mim:-
-Ó pai, acho que confundiste aqueles senhores!
-Se calhar, filhota! Eles devem estar a falar um com o outro e a dizer "aquele gajo é tonto!".
-Não pai. Acho que devem pensar que és muito inteligente...
-Na volta... Se calhar até demais... Mas deixa estar, não nos voltam a chatear por uns bons tempos...
Chamavam-se ambos Elder, o que é uma coincidência do cara... ças!
Ora, ambos os Elderes vieram perguntar-me se eu conhecia a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias!
Acho o nome desnecessário! É comprido! É chato de dizer numa frase!
Mas adiante...
Respondi-lhes que sim e que já tinha lido o livro de Mormon (se há livros sagrados com noções estranhas, este é um deles).
Ficarão surpreendidos!
-Já leu?
-Sim.
-Todo?
-Sim. Tal como a bíblia e o Corão e uma data de textos budistas e védicos! A única maneira que temos de saber se nos enquadramos numa determinada visão do mundo é conhecermos outras visões! Se só conhecermos uma, como é que podemos ter uma ideia clara de onde está a verdade?
-Então e o que é que achou?
-Achei que o livro de Mormon não combina com a minha personalidade!
A conversa não ficou por aqui, continuou. E acho que continuou de tal maneira que o Brasileiro já só queria sair dali, incomodado, e o Americano olhava para mim de olhos bem abertos, sem saber o que me dizer!
Infelizmente, creio que coloquei a fé de ambos em perigo! Não que fosse esse o meu objectivo...
Quando eles se foram embora, a Mini Me voltou-se para mim:-
-Ó pai, acho que confundiste aqueles senhores!
-Se calhar, filhota! Eles devem estar a falar um com o outro e a dizer "aquele gajo é tonto!".
-Não pai. Acho que devem pensar que és muito inteligente...
-Na volta... Se calhar até demais... Mas deixa estar, não nos voltam a chatear por uns bons tempos...
Published on November 10, 2015 06:00
Eina páh...
Hoje é um dia histórico!
Primeiro porque, a realizarem-se todas as certezas que tem sido anunciadas, acabará o governo mais curto de sempre da democracia pós 25 de Abril!
Uns vão celebrar a data, outros lamentá-la (eu não farei nem uma coisa nem outra, porque mudam as moscas...), mas é sem dúvida uma data histórica!
Em segundo lugar, e muito mais importante que estes fait divers, esta barraca atingiu as 30.000 visualizações! Não é lindo?
(OBRIGADO!)
:)
Primeiro porque, a realizarem-se todas as certezas que tem sido anunciadas, acabará o governo mais curto de sempre da democracia pós 25 de Abril!
Uns vão celebrar a data, outros lamentá-la (eu não farei nem uma coisa nem outra, porque mudam as moscas...), mas é sem dúvida uma data histórica!
Em segundo lugar, e muito mais importante que estes fait divers, esta barraca atingiu as 30.000 visualizações! Não é lindo?
(OBRIGADO!)
:)
Published on November 10, 2015 01:51
Os dias mais estranhos - 32. Confissões (profissões, ofícios, reconhecimentos)
Claro que, se a situação estava já complicada antes disto, mais complicada ficou depois. Se aquilo que sentia era, de todo, inquestionável, justo será dizer que o facto de ela morar com alguém era, para mim, um pequeno demónio que vivia na minha consciência. Ainda para mais quando o Francisco fez questão de ir ter comigo ao trabalho para me agradecer pessoalmente o favor que lhe fizera, chegando mesmo a oferecer-me dinheiro. Claro que recusei, dizendo-me mesmo ofendido com a sua insistência, mas não deixando de pensar para mim na ironia da situação. Mas também, a partir daí, a nossa separação parecia insuportável. Mandava-lhe frequentemente mensagens anónimas para o telemóvel, apenas com uma piada, ou coisa assim. Era como se fosse um código secreto entre nós, e ela, quando tinha oportunidade, ligava de volta.As nossas conversas ao telefone eram puras confissões de paixão, e por vezes de algum desejo. Com o tempo, as conversas foram ficando mais quentes.-Tou?-Olá meu anjo.-Olá, querida.-Tás bem?-Tou… (suspiro)-‘Tadinho do meu pequenino…, tem saudadinha, tem?-Muitas…-Pois é, … e eu para aqui sozinha…-E eu também…-Vem até cá, vem, amor…-Não posso…-Eu choro…-Eu também… (suspiro) queria que estivesses aqui…-Queria-te beijar. Tou com saudades desses lábios…-E eu dos teus amor…-Ficares aqui, aconchegadinho a mim…-Tas onde?-Tou em frente à lareira, com um copo de vinho tinto. Saí agora do banho, tou aqui sentada no tapete só com uma toalha enrolada a mim…-Humm! Que visão deliciosa…-Vem cá, vem, amor… vem fazer amor comigo…-Se pudesse…-Gostavas de fazer amor comigo agora?-Adorava amor, adorava beijar-te, e tocar-te, beijar-te os seios…-Beija, amor, beija…As conversas foram ficando de tal maneira tórridas, devido à separação, que chegamos ao ponto de fazer sexo telefónico, excitando-nos mutuamente com as palavras que íamos dizendo e com a imaginação à solta. E isto só fazia piorar ainda as coisas. Ela confessava-me que já não suportava estar com o Francisco, e que não suportava a maneira como era tratada por ele. E em mim, secretamente, ia nascendo um desejo de a ter para mim, de que ela fosse só minha. Um sentimento de egoísmo e ciúme que me chegava a envenenar a alma. A minha vida estava nos extremos da felicidade quando estava com ela, e da ansiedade quando a esperava.Numa tarde soalheira de um Domingo nos princípios de Dezembro ela ligou-me.-Tas ocupado?Para ela nunca o estava.-Não, nem por isso…-Queres vir ter comigo à casa da guia?Claro que fui. Encontrei-a nos jardins da casa. Sentada num moro a contemplar o oceano. Bebemos por ali um café e arrancamos para a praia da enseada, depois do Guincho. Ficamos algum tempo a ver o mar, mas o frio forçou-nos a ir para dentro do carro. E aí ficamos um longo tempo curtindo e falando, comigo sentado no banco do condutor e ela deitada ao longo dos dois bancos, ao meu colo, com as costas apoiadas no volante. Aí me confessou algumas coisas. Falou-me abertamente da sua vida familiar. O Francisco, sabendo não ter já qualquer atenção dos seus sentimentos, sabia também, no entanto, que ela estava com ele meramente pela sua situação financeira, e pelo desejo que ela tinha de manter a sua filha ao pé de si. Assim sendo, esticava a corda na relação, fazendo-lhe propostas que se fazem apenas a alguém que não se respeita. Aí me confessou, com muita mágoa, que tinha aceitado uma das propostas. O Francisco quisera ir para a cama com ela e outra mulher. Ele preparara tudo. Ela nunca tinha pensado que ele levasse semelhante ideia por diante. Tinha sido numa sexta-feira à noite. A sua filha estava com o pai. Ele tinha convidado uma rapariga que já frequentava a casa há bastante tempo. Uma amiga da família. Com a desinibição da familiaridade foram falando a noite toda. Depois começaram a ver alguns filmes pornográficos. A Mónica, ao ver tal, refugiou-se na bebida. Contou-me que tinha apenas lembranças difusas dela própria na banheira a tomar banho com a outra moça, e que esta a ensaboava enquanto riam bastante as duas.Fiquei com a minha alma negra enquanto ouvia isto, mas não comentei. Não compreendia, não queria sequer compreender.Ainda assim, parecia que o que sentia por ela ultrapassava tudo. Dizia ter contado isto para que entre nós não houvesse segredos. Chorou nos meus braços dizendo-se usada.Limitei-me a acarinhá-la, sem saber o que pensar. Ela não estava comigo. Eu era o outro. Não tinha direito a exigir-lhe ou recriminá-la fosse pelo que fosse.Talvez pela minha reacção, os nossos beijos foram-se tornando mais fortes e mais longos e as nossas carícias mais ousadas. Acabei por pôr as minhas mãos por dentro das suas calças, acariciando-a e penetrando-a com os dedos até a levar a um orgasmo nos meus braços. Depois foi ela que me desapertou as calças e me agarrou a acariciou, masturbando-me. Por fim, acabou por me beijar e engolir o meu membro enquanto eu continuava a massajá-la e acariciá-la. Levou-me até um orgasmo galopante com a sua boca, e depois beijou em pleno a minha, devolvendo o meu sabor.Depois ficámos só ali, rindo-nos e amando-nos. Fizemos juras de amor enquanto a lua nascia no horizonte.
Depois, como sempre, separámo-nos.
Depois, como sempre, separámo-nos.
Published on November 10, 2015 00:25
November 9, 2015
Os dias mais estranhos - 31. Cama (leito, tarimba, catre, tálamo)
Há duas semanas que eu não via a Mónica, o que estava a dar comigo em doido. Ela estava a chegar mais tarde ao trabalho por culpa do Francisco e nós não podíamos juntar-nos no nosso encontro habitual para o pequeno-almoço. Trocávamos umas mensagens de vez em quando, ou uma palavra durante o dia ao telefone interno, visto que não tinha desculpa nenhuma para ir ao sítio onde ela estava, mas nada mais.Nessa sexta-feira de manhã tudo mudou. Ela ligou-me.-Oi, Pedro.Pelo tom que usava, e pelas palavras percebi de imediato que ela não estava sozinha. Adoptei alguma rigidez na linguagem para não a comprometer.-Oi Mónica, tudo bem?-Tudo.-Então, que é que dizes?-Olha, o nosso computador aqui em casa tá um bocado marado, sempre a desligar-se… precisava das tuas mãozinhas. Se pudesses vir cá ver isto…-Pois, mas não me dá para ir aí, pá. Ando um bocadito ocupado…Ela percebeu prontamente o motivo da recusa. Sabia que eu não me iria sentir à vontade. A maneira como falou disse-me que ela já contava com a minha resposta.-Olha, o Francisco precisa mesmo dele. Se tivesses um bocadinho eu ia a tua casa. De certeza que é uma coisa rápida, e assim poupavas o tempo da deslocação. A gente paga-te o que for preciso…-Sabes que não é isso que está em causa…-Sei, mas eu dava aí um pulinho. Quando é que dava para ti?-Tás onde, tu?-Tou em casa. Hoje nem fui trabalhar, tinha umas coisas para tratar…-Pá, só se eu tirasse umas horas à tarde e tu davas lá um pulo com isso.Ela tapou o auscultador do telefone e eu pude ouvir os ruídos abafados dela a falar com alguém.-Desculpa, tava aqui a falar com o Francisco. Ele hoje não pode ir aí, mas se der para ti, eu devo estar despachada por volta das duas. Podia ir aí ter…-Por mim tudo bem.-Que é que queres que eu leve do computador?-Só a torre.-Não precisas de fios nem nada?-Nã, tenho cá tudo.-OK. Então às duas em tua casa.-Tá feito.Desligamos. A minha tarefa seguinte foi pedir para sair à hora do almoço. A minha chefe acedeu prontamente visto eu ter o meu trabalho em dia e uma montanha de horas para tirar.Saí ao meio-dia e seguiu-se a habitual maratona de transportes. Aproveitei o caminho para antecipar o momento de a ver. Ia-me saber bem com certeza. Mas francamente não sabia o que esperar.À hora combinada ela apareceu sozinha, vestida casualmente, com uma saia comprida preta e uma camisa branca. Fui ter com ela e cumprimentamo-nos com dois beijos na face, normalmente. Agarrei na torre e trouxe-a, vendo ela atrás de mim até ao meu quarto, onde eu tinha o meu computador.-A tua mãe? – Perguntou ela enquanto eu trocava os cabos entre as duas máquinas e arrancava o seu computar.-Foi numa excursão para Aveiro. Só volta na segunda-feira.Sentei-me a ver o computador e ela sentou-se ao meu lado. Trocamos um olhar e demos um beijo, mas a minha atenção estava neste momento focada na máquina. Queria resolver o problema o quanto antes para poder ter tempo para ela. Ela percebeu. Pôs a sua mão na minha perna e deixou-me trabalhar, limitando-se a observar-me.Dez minutos depois o problema estava resolvido. Pus a maquina a fazer alguma manutenção e relaxei finalmente.-Então? – Perguntou ela.-Já está. Tá como novo.-E o que é que ele está a fazer?-Manutenção ao disco. Assim vai mesmo todo limpinho.-Isso ainda vai demorar?-Depende, mas não menos de uma hora e tal. Queres ir beber um café, ou assim?-Quero fazer amor contigo.Fiquei sem palavras para lhe responder. Não sabia mesmo o que dizer, não me tinha preparado para isto neste momento. Claro que isto é fácil dizer. Nenhum homem, por mais macho que se faça, está preparado para ter uma mulher a dizer-lhe isto assim de chofre. Pelo menos nenhum homem que estivesse na situação em que eu estava agora.-Não te quero pressionar… – Acabei por dizer meio gago. – Nem era esse o objectivo…-Achas que me estás a pressionar?-Não.Ela agarrou-me o pescoço e deixou-se cair, levando-me atrás dela. Ficamos deitados ao longo da cama. Depois ela elevou-se acima de mim, pôs uma mão em cima do meu peito, e beijou-me.Admito o meu nervosismo com naturalidade. Naquele momento era ela que comandava. Eu deixava-me estar passivo, num gesto de aceitação a tudo o que ela me quisesse dar. Estava no paraíso.Ajeitámo-nos na cama, para não ficarmos com as pernas de fora como estávamos antes. Eu deslizava a minha mão ao longo do seu corpo, enquanto ela me puxava para si suavemente pelo pescoço, prendendo-me no seu beijo. Ela deslizou a sua mão ao longo do meu peito, e sem qualquer aviso começou a despertar a minha camisa. Depois fez a mão deslizar por cima da minha pele. Não me contive e comecei a desapertar-lhe a camisa também, expondo os seus seios, nesta altura ainda oprimidos pelo seu soutien. Puxei-a para mim e tirei-lhe completamente a camisa. Depois livrei-me da minha. Abracei-a.O contacto do seu corpo com o meu provocava-me sensações indescritíveis, por mais que eu tente expô-las em palavras. Algo que nunca tinha sentido com esta intensidade. Estávamos muito além do desejo e da paixão, muito além da luxúria. Cada toque carregava consigo uma sensualidade pura, não calculada. Nada fazíamos para impressionar o outro. Abandonávamo-nos simplesmente. A linguagem tinha de ser fluida como um rio para eu poder explicar este momento.Ela deixou-se deslizar ao longo do meu corpo, languidamente. Depois desapertou os botões das minhas calças. Depois tirou-mas pelos pés. Em seguida limitou-se a ficar ajoelhada ao fundo da cama a olhar intensamente para mim, deitado, apenas vestido com uns boxers cinzentos largos onde a minha excitação se fazia notar, com um sorriso sacana nos lábios. Saiu da cama. Ao fundo do quarto tinha uma cómoda comum espelho. Pôs-se defronte do mesmo, de costas para mim e fez deslizar a saia pelas ancas, deixando-a cair no chão. Ainda de costas para mim e num movimento fluido, tirou o soutien. Depois, num gesto felino de pura sensualidade, ajeitou o cabelo. Voltou-se então para mim, e eu vi o seu glorioso corpo semi-nu pela primeira vez, coberto apenas por uma pequena tanga que prometia desaparecer em breve. Voltou à cama e tirou-me os boxers com uma calma delicada. Depois, sentou-se em cima de mim, fazendo com que os nossos sexos ficassem separados apenas por uma fina tira de pano. Levei as minhas mãos aos seus seios, sentindo a sua macieza, e puxei-a para mim, beijando-os. Ela começou a baloiçar as ancas massajando-me o sexo contra o seu. Puxei-a para mim e beijei-lhe os lábios enquanto as minhas mãos desciam as suas costas. Detiveram-se nas suas nádegas. Firmemente puxei-a para mim, apertando o meu sexo ainda mais contra si. Gemeu levemente. Ambos tínhamos já uma respiração pesada, carregada de excitação. Precisava de tê-la, agora, já. Agarrei-a e puxei-a para mim. Ela acabou por ficar deitada ao meu lado e eu aproveitei para me pôr por cima dela e deixá-la sentir o meu peso devagar. Beijei-lhe os lábios, o pescoço, os seios, o umbigo. Levei o meu tempo. A minha urgência era calma e serena. Neste momento ela era minha. Acabei, detido pela única peça de roupa que ainda nos separava. Fi-la deslizar ao longo das suas pernas. Voltei depois a seguir o meu percurso. Beijei-lhe o interior das coxas. Sentia a sua impaciência a crescer, a sua frustração. Dei-lhe por fim aquilo que a sua antecipação já queria. Suavemente deixei a minha língua deslizar ao longo da sua vulva. Saboreei-a. Explorei-a. Senti a humidade da sua excitação. Beijei-lhe o clítoris, primeiro suavemente, e depois aumentando a intensidade ao ritmo que a sentia. Levei-a assim até um orgasmo libertador.Voltei depois a beijar-lhe o corpo, percorrendo o caminho em direcção aos seus lábios sequiosos, apertando o meu corpo contra o seu. Ao mesmo tempo que a minha boca encontrava os seus lábios, a sua mão encontrava o meu sexo, puxando-o e guiando-me em direcção ao seu. A minha virilidade pulsava na sua mão. Ela, agarrando-me, fez-me penetrá-la de uma só vez, bem fundo. Senti-a a envolver-me. Deixei-me mergulhar nela e no mar de sensações que se seguiram. O orgasmo foi breve carregado como estava com a tensão, o tesão e a paixão que havia entre nós, mas teve uma intensidade única, fazendo com que nos entregássemos por completo. Depois da libertação os nossos corpos relaxaram. Deixámo-nos ficar nos braços um do outro, trocando carícias suaves. Ficamos assim durante algum tempo, de olhos nos olhos, sem dizer uma palavra. Fui eu que quebrei o silêncio.-Amo-te.Era a única palavra que tinha dentro de mim e saiu de uma forma tão pura e sincera que finalmente soube o seu significado. Neste momento eu não interessava para nada. Ela era a minha vida.-Também te amo, meu anjo.Senti uma comoção dentro de mim, como se uma descarga eléctrica percorresse o meu corpo, de uma forma avassaladora. Sou capaz de jurar que uma lágrima se deve ter desprendido dos meus olhos.Voltamos a fazer amor nessa tarde, inebriados pelo amor e a paixão que estávamos certos de sentir um pelo outro.Despedimo-nos ao fim da tarde com uma mágoa sentida.
Este é o dia da minha vida mais claro na minha memória, carregado de sentimentos e emoções que estas palavras ou quaisquer outras não poderão nunca transmitir. Não há palavras. Só os sentimentos que guardo.
Este é o dia da minha vida mais claro na minha memória, carregado de sentimentos e emoções que estas palavras ou quaisquer outras não poderão nunca transmitir. Não há palavras. Só os sentimentos que guardo.
Published on November 09, 2015 08:36
Os dias mais estranhos - 30. Conversas (diálogos, cavaqueiras, prosas)
O Zeca ficou a olhar para mim com um olhar atónito, não acreditando quase no que eu acabava de lhe contar. Ao fim de algum tempo desatou a rir.-Chavalo, vou-te dizer…Eu limitei-me a manter o meu silêncio. Sentia nitidamente um tom de alguma incredulidade, mas também de alguma inveja.-Ouve, mas tu esperastes até agora para ficares parvo? Mas o que é que queres tirar daí?-Sei lá…, já não sei. Mas curto aos molhos tar com ela. Custa-me à brava tar assim longe. -Mas sê sincero contigo, pá. Mano, ela tá casada com um gajo que, pelo que dizes tá carregado de papel. O que é que tu tens para dar a uma gaja dessas? -Não sei, meu, não sei…-Ouve irmão, tu vais-te meter numa fria. Tou mesmo a ver. Fiquei a olhar para ele. A voz dele soou-me à voz da razão.-Se calhar… – fiz uma pausa à procura de palavras – Pá, se tiver de ser, acho que está na altura de dar uma cabeçada na parede.-Yá, mas vê lá se pões um capacete primeiro…Rimo-nos os dois.
Não voltamos nessa noite a tocar no assunto. Ainda conversamos mais um bocado, mas só mesmo para descontrair. Quando acabamos as nossas cervejas matámos a noite.
Não voltamos nessa noite a tocar no assunto. Ainda conversamos mais um bocado, mas só mesmo para descontrair. Quando acabamos as nossas cervejas matámos a noite.
Published on November 09, 2015 07:23
Os dias mais estranhos - 29. Zeca e Magdalena
Já não via o Zeca há algum tempo, visto ter os meus fins-de-semana divididos entre a Mónica e a minha banda. Mas naquele fim-de-semana tudo pareceu conjugar-se para que nos encontrássemos.Ele telefonou-me a perguntar se eu queria ir beber um copo com ele. Eu informei-o de que estava a tocar, mas que era no mesmo bar na Amora onde já tínhamos estado antes. Convidei-o para jantar comigo, coisa a que ele acedeu de imediato.Durante o jantar fomo-nos pondo a par das novidades um do outro. Evitei ao máximo falar da minha actual situação com a Mónica. No entanto, o assunto era inevitável. Ainda mais quando ele se sai com a pergunta:-Olha lá, é verdade, que é feito daquelas tuas amigas boazonas de Cascais?-Lá estão… - disse eu, tentando ser evasivo.-Lá estão?! Atão mas não tinhas uma cena com uma delas?-É, mas as coisas não correram bem.-Como é que ela se chamava? Andreia não era?-Yá, era.Fizemos uma pausa para beberricar as nossas imperiais.-Essa bacana era um granda traço…-Yá, mas olha…, caputz!-Fosga-se, … é pena.Mais uma pausa.-Olha lá, atão e a outra?-A Mónica?-Yá, a Mónica. -Lá tá na vidinha dela.Ele olhou para mim e ficou em silêncio um bocado, torcendo o nariz enquanto se recostava na cadeira.-É impressão minha ou tas a contar mal essa história?-A contar mal?...-É que tu esqueces-te que eu já te conheço há bué. Das duas uma, ou houve confusão ou não tas a dizer tudo.-Achas?...-Já conheço as tuas evasivas puto. – Ficou mais um bocado em silêncio a olhar para mim – Conta lá ao tio Zeca o que é que se passa.-É pá, não se passa nada. Deixa-te de filmes.-É assim, lá que não queiras contar é uma coisa, agora que não se passa nada…O Zeca tirou mais uma pausa para me observar, e eu, sentia-me já bastante desconfortável. Já não sabia como é que havia de sair daquele canto evitando o assunto. O meu telemóvel tocou e foi a saída que eu precisava. “MAGDALENA”, dizia o visor. Se ela tivesse ali naquele momento até lhe tinha dado um beijo.-Tou?-Olha lá, mas onde é que o menino para?-Tou aqui num café na Amora a jantar.-Onde?-Ao pé do coreto. Porquê?-Porque eu tou aqui no bar e como sempre chego e não tá ninguém.-Anda cá ter. Tou a jantar com um amigo, mas és bem-vinda.-Tá bem, daqui a um minuto tou aí.E desligamos.-É uma amiga minha, a Magdalena. Tá aqui ao pé e vem aí a caminho…-Arranjaste maneira de te safar, não é meu sacana.Olhei para ele a sorrir e encolhi os ombros. Sabia que esta conversa não iria ficar por aqui.A Magdalena chegou e cumprimentou-me. Depois apresentei-a ao Zeca. Ela cumprimentou-o e depois sentou-se voltando-se para mim.-Atão desaparecido, como é que vão as coisas? Não há quem te ponha a vista em cima…-Olha, vou andando por aí…-Pois, pois. Cá p’ra mim andas é atrás de alguma burra de saias.-Pois… tu não me dás bola… Apareces sempre assim toda boazona e com esses decotes, mesmo para provocar um gajo, mas depois cortas-te.-É, agora manda-me bocas. Uma gaja telefona-te para ir dar uma volta mas tu é que te cortas sempre, tens sempre bué que fazer… Tens, tens…Foi então que olhei para o Zeca que estava a ser completamente ignorado. Notei o vivo interesse que ele tinha na Magdalena, sobretudo no seu decote que eu tinha já mencionado. Devo referir que a Magdalena, embora magra de silhueta, tinha um busto farto, daqueles que só aparecem nas páginas da Playboy americana, e que, como se isso por si só não fosse o suficiente para chamar a atenção masculina por onde passava, gostava de usar decotes a condizer e que realçassem bem os seus atributos.-Pois, mas não sou eu que ando sempre assim a provocar.-O quê, vais-me dizer que não gostas…?-Gosto, claro que gosto, e não sou o único… – disse eu olhando para o Zeca o que levou a Magdalena a fazer o mesmo apanhando-o em flagrante e fazendo com que ele ficasse corado e embaraçado enquanto tentava disfarçar, para meu divertimento, e acredito, da Magdalena também – mas tu não me deixas morder…-Também, vê lá se te esforças… Nem nada…-Pff… – respondi eu, encolhendo os ombros.-É por isso que eu digo que há moira na costa… - disse ela com um ar gozão.-Mas vocês hoje tiraram o dia para me azucrinar o juízo, ou quê?-Ah, pelos vistos não sou a única…-Não, eu também já tentei tirar nabos da púcara, – acabou por intervir o Zeca – mas o sacana não se descose…-Não achas que ele tem p’rái uma gaiata qualquer e não nos quer dizer?-P’ra recusar um convite teu para sair, só pode. Se eu já desconfiava… Olha, eu não recusava.-Bhaa! Vocês tão é bem um pró outro hoje. Vou mas é pró bar e vocês já podem falar mal de mim à vontade. – Disse eu levantando-me em seguida.Paguei e voltei para o bar onde estava já o resto da minha banda. Ao entrar o André viu-me.-Viste a Magdalena?-Vi. Tá a caminho. Tá com o Zeca.-Essa gaja mandou-me uma mensagem a dizer que cá estava, vim a correr e chego cá, sopa.-Atão, ela chegou cá, não tava ninguém e ela deu-me um toque. Como eu tava aqui ao lado ela foi ter comigo.-E não veio contigo?Meti as mãos dentro dos bolsos das calças e virei-os do avesso, observando cuidadosamente.-Pá, não sei, mas acho que não a trouxe nos bolsos…-É pá, vai mas é gozar com o ca…-Hé! Tu é que fazes perguntas estúpidas. E para perguntas idiotas…-…Já sei, já sei, respostas ainda mais idiotas.Eu fartava-me de me meter com o André. Era um puto todo metido, sempre armado em engatatão, mas depois metia os pés pelas mãos nestes pormenores. Mas ele ainda tinha tempo para aprender. Todos temos…O concerto correu bem. A Magdalena ficou numa mesa mesmo em frente do palco para gáudio não só de nós, músicos, e sobretudo do André, que estava na maior parte do tempo bem perto dela, mas também do Zeca. Ela, embora sentada, abanava-se toda ao som da música e, tenho que admitir, aquele decote provocava sensações maravilhosas em todos nós.Também reparei que o Zeca se foi aproximando. E que ela lhe dava bastante atenção.À noite, depois do concerto acabado e do material arrumado, a Magdalena preferiu que fosse o Zeca a levá-la, sobretudo sabendo que eu também iria. O Zeca tinha de voltar para minha casa, onde ia passar a noite, e assim não voltava sozinho.Quando chegamos à porta do prédio dela, eu sai da parte de trás do carro, para passar para a frente por troca com ela. Ela também saiu.-Dá cá um xôxo de boas noites, ó boazona. Sem seque me responder à provocação, ela chegou ao pé de mim e fez isso mesmo. Deu-me um beijo leve e sem qualquer intenção nos lábios. Já não era a primeira vez que, estando sozinhos ou com malta conhecida, fazíamos isto. Não significava nada mais do que uma grande amizade.-Eu também quero… – protestou o Zeca – Também tenho direito…Ela deu a volta ao carro, baixou-se até à janela e deu um beijo ao Zeca, esse sim, carregado de segundas intenções. Depois dirigiu-se à porta do prédio. Antes de a fechar só disse:-Boa noite rapazes, portem-se bem.E fechou a porta.Entrei para dentro do carro e arrancamos.-Sim senhor, sôr Zeca. Muito bem. Tou a ver que a conversa progrediu…-É… – disse o Zeca - … mas não penses que me esqueci do que estávamos a falar antes dela aparecer. Ainda temos uns assuntos para acabar.Arranjou maneira de eu ficar calado até chegar-mos a minha casa. Quando lá chegamos fui buscar umas cervejas ao frigorífico, fumámos um charro a meias para relaxar e, após isto, veio o que eu estava à espera.-Atão, agora que estamos só aqui os dois, explica-me lá o que é que se passa com essa história da Andreia e da Mónica, que isso, cá p’ra mim, tá muita mal contado.
E eu, contei.
E eu, contei.
Published on November 09, 2015 04:42
Os dias mais estranhos - 28. Desejo (ambição, anseio, aspiração, fome)
Senti mais forte o cheiro do ar conforme sai do meu carro para passar para o dela. Era um cheiro carregado de sal e pesado espesso de humidade. Um ar típico de final de Outubro à beira-mar.Entrei para o carro dela, e o meu primeiro impulso foi o de querer abraça-la. Não o fiz. Esperei primeiro pela reacção dela. Ela tinha ainda um ar carregado e os seus olhos, embora cheios de lágrimas, não espelhavam dor ou tristeza, mas raiva.-Ele teve a ousadia, … – disse em tom carregado, falando para mim como se estivesse a falar com ele – ele teve a ousadia de me tocar. Bastardo, filho da puta… – disse já completamente aos gritos.Foi então que num impulso a agarrei e a puxei para mim. Ela sossegou de imediato quando a abracei, e ficou ali num silêncio irado. Aos poucos fomos deslizando até que ela ficou deitada ao meu colo, ao longo dos bancos, comigo debruçado por cima dela a envolve-la. Acendi um cigarro e passei-lhe, acendendo outro de seguida para mim. Ficamos em silêncio. Ela, talvez pelo efeito do som das ondas do mar e despedaçarem-se contra as rochas, ou pelo efeito das passas longas que dando no cigarro, foi-se acalmando e às tantas serenou os olhos e ficou ali, sossegada, a respirar devagar.Finalmente, abriu os olhos e voltou-se para mim. Olhou-me com o ar mais doce imaginável. Eu derreti-me.-Obrigado, meu anjo. Tu não tens nada que tár a levar com estes filmes…-Não te incomodes.-Não, a sério. Desculpa.-O quê?-Vens para aqui, assim, de repente.-Esquece… Ficamos mais um pouco em silêncio, mas os nossos olhos não se desviavam, perdidos que estavam no olhar do outro. Conforme a luz do farol rodava espalhava-se um clarão na humidade que já cobria os vidros permitindo que eu a visse com clareza num flash. Nunca ela me perecera tão bonita com naquele momento.Não querendo estragar o momento, pousei a minha mão na sua coxa, bem suavemente, e ali a deixei ficar quieta. Ela, por seu turno, levou a mão à minha cara, e depois passou-a pela minha cabeça, repousando-a atrás do meu pescoço. Pude sentir a leve pressão da sua mão a puxar-me para si. Deixei-me mergulhar lentamente, com uma suavidade quase sobrenatural, ou por outra, sobretemporal. Naquele momento não era um mero beijo. Era tudo. Era muito mais do que isso. Era a própria razão de existir. Os nossos lábios colaram-se de uma forma mágica, com uma sucção suave mas que nada poderia quebrar. De uma forma absolutamente lânguida as nossas línguas encetaram um bailado, unindo-se e explorando-se.Senti a sua mão sobre a minha, na sua coxa. Entrelacei os dedos da minha mão na sua. Sentia o peso do seu corpo sobre as minhas pernas. Sentia-a completamente, num simples beijo que de simples nada tinha. Sabia que o sentimento era recíproco. Aos poucos, e muito levemente, a sua mão fez deslizar a minha para cima do seu seio. Fiz-lhe uma pequena massagem e senti a sua respiração mudar um pouco. À medida que fui massajando senti a sua respiração ficar mais urgente. Retirei a mão e comecei a desabotoar-lhe o botão mais acima da camisa. A sua mão veio ter com a minha. Hesitei um pouco. A sua mão limitou-se a fazer uma carinho à minha mão, com a ponta dos dedos, como que em aprovação. Demorei o meu tempo, criando antecipação em mim e nela. Fui desapertando os botões ate lhe deixar só o ultimo botão. Depois, passei a mão ao longo do seu corpo, sentindo-o, até a repousar de novo sobre o soutien. O seu peito, ali oprimido, perecia querer saltar para fora. Passei meu polegar para dentro do soutien, massajando-lhe o peito. Ela correspondeu-me. Quebramos finalmente o beijo, que parecia ter durado uma eternidade e os nossos olhares prenderam-se novamente. Estávamos com um ar absolutamente sério, mas ao mesmo tempo com uma paz indescritível. Apenas num beijo tínhamos acabado de fazer amor, de uma maneira estranha ao corpo, que só uma mente quando se eleva consegue compreender. Naquele momento tínhamos sido deificados. Naquele momento éramos Deus e o universo e, sobretudo, nós próprio, completamente nus e expostos um ao outro.Expus-lhe o seio, baixando o soutien, e fiz a minha mão moldar-se a ele. Massajando-a em seguida suavemente. O olhar dela espelhava uma aceitação que eu nunca tinha visto. Só então desviei o olhar e baixei a cabeça, para a beijar. Ela facilitou a acção arqueando as costas, expondo mais e seu seio e aproximando-o da minha boca. Eu beijei-o suavemente, deixando que os meus lábios sentissem a sua textura, e depois a língua, deixando que esta fizesse círculos na sua auréola. Depois suguei-o fazendo com que ela suspirasse. Ali fiquei, sorvendo-o longamente, completamente perdido do tempo. Beijei-o até ela me puxar de novo para os seus lábios num beijo apaixonado e meigo, mas ao mesmo tempo carregado de urgência e tesão. Toda ela era um fogo que me aquecia mas não me queimava, a não ser por dentro.Paramos finalmente para respirar, e eu deixei-me ficar, completamente atónito e com todas as palavras perdidas no meu cérebro. Como era doce aquela deusa encarnada. Depois abracei-a e apertei-a contra mim, sem saber como expressar os meus sentimentos. Este momento tinha ido muito além de tudo o que conhecia. Muito além de mim. Não dissemos mais uma palavra. Não foi preciso. Só o fizemos ao fim de um tempo longo que passou depressa, exprimindo, não o desejo, mas sim a necessidade de nos separarmos.
A viagem de volta para casa correu como um sonho que sei que existe, mas não consigo identificar. Deitei-me a saber que em sonhos faríamos amor.
A viagem de volta para casa correu como um sonho que sei que existe, mas não consigo identificar. Deitei-me a saber que em sonhos faríamos amor.
Published on November 09, 2015 00:32
November 6, 2015
Mike Oldfield - Tubular bells II (Live in Edinburgh castle) 1992
Published on November 06, 2015 12:50
Os dias mais estranhos - 27. Raiva (ira, cólera, fúria, danação)
Tinha-me mandado uma mensagem, na noite anterior, avisando que já tinha chegado. A mensagem tinha chagado no meio de um concerto e eu não tinha dado por ela. Só a vi quando, junto com o pessoal da minha banda, acabamos de arrumar o material.Era um Domingo. Como sempre, nos dias a seguir ao conserto, a minha vontade era hibernar. Mas como não me conseguia levantar tarde devido ao meu hábito de acordar às seis da manhã, passava o dia semi-acordado.Às sete e meia da tarde o meu telemóvel tocou. Era ela.-Tou… – disse meio ensonado.-Pedro, ele bateu-me. – Disse a voz dela carregada de lágrimas e raiva, não me dando sequer tempo para assimilar o que ouvia – O filho da puta bateu-me. Nem o meu pai nunca me tinha levantado a mão…-O quê? – Perguntei eu, acordando de vez, completamente incrédulo.-Tivemos uma discussão à bocado e ele bateu-me. – Disse ela descarregando a sua raiva por entre soluços e as lágrimas que a sua voz deixava adivinhar.-Onde é que estás?-Tou no Guincho, naquele café onde estivemos da outra vez…Nem pensei.-Vou já ter contigo…-Não é preciso, só precisava de desabafar…-Mas eu vou na mesma. Espera ai por mim.-Tá bem… Mas vem com cuidado…-Eu vou.E arranquei de casa.Demorei uma meia hora achegar ao Guincho com o meu carro a refilar comigo pelo que eu lhe estava a fazer. Não apanhei trânsito absolutamente nenhum no caminho. Como se todos soubessem que eu estava numa missão e que era imperioso que não houvesse nenhum impedimento à minha passagem.Quando cheguei ela estava à minha espera, com as marcas das lágrimas no seu rosto. Mas notei o lampejo de alegria nos seus olhos por me ver.-O que é que se passou?-Não vamos falar aqui… Queres alguma coisa?Mandei vir uma tosta mista e um sumo, visto que não tinha jantado. A seguir engoli um café apressadamente e saímos. A noite ameaçava chuva. Os nossos carros estavam parados a pouca distância um do outro. Ela dirigiu-se para o seu e eu acompanhei-a.-Anda atrás de mim. Sei de um sítio onde podemos falar.-Ok.
Dirigi-me então para o meu carro. Saímos juntos do bar, e tomamos a direcção de Cascais. Pouco depois viramos para uma entrada que dava acesso a um farol que existe antes da praia do Guincho. Estacionamos os carros lado a lado perto do farol e ela fez-me sinal para eu passar para o carro dela. Assim o fiz.
Dirigi-me então para o meu carro. Saímos juntos do bar, e tomamos a direcção de Cascais. Pouco depois viramos para uma entrada que dava acesso a um farol que existe antes da praia do Guincho. Estacionamos os carros lado a lado perto do farol e ela fez-me sinal para eu passar para o carro dela. Assim o fiz.
Published on November 06, 2015 07:38