C.N. Gil's Blog, page 57
October 30, 2015
No café. há pouco...
-Olha! Tás aqui? - pergunta o Tony.
-Ya!
-Não tás a ber o (des)governo a tomar posse?
-Não, páh, vejo a repetição daqui a uns dias...
-Ya!
-Não tás a ber o (des)governo a tomar posse?
-Não, páh, vejo a repetição daqui a uns dias...
Published on October 30, 2015 06:32
Os dias mais estranhos - 12. Diferença (disparidade, divergência, discrepância)
Na terça-feira seguinte, perto das oito da noite, o telemóvel tocou. Do outro lado um número desconhecido.-Tou… - disse um pouco receoso.-Olá… Pedro?...-Sim…-Fala a Andreia!-Oi, tudo bem?-Nem por isso.-Então?-Tenho o meu computador marado e preciso mesmo dele…-É, já sabia. A Mónica já me tinha dito que provavelmente telefonavas…-Pois, ela disse que se calhar podias dar uma ajuda…-E posso.-Podias vir cá?-Isso é que não me dava muito jeito, por vários motivos.-Como por exemplo?-Tou cheio de trabalho…-Mas eu tenho tanta urgência… Tenho adiado estes dias naquela de que podia tentar resolver eu isto, sem te incomodar, mas olha…-Pá, só se quiseres cá vir tu…-Onde?-Aqui, a minha casa.-Onde é que fica?-Na Cova-da-Piedade, perto de Almada.-Não sei…-Olha eu ia adiantando trabalho enquanto não chegavas. Alem disso, tenho todos os meus CD's aqui, e se for preciso alguma coisa tá cá tudo. É só vantagens…-Tá bem, convenceste-me. E afinal eu é que preciso… Como é que eu vou ter aí?Lá lhe dei as indicações, e de seguida dediquei-me efectivamente a adiantar trabalho. Cerca de três quartos de hora depois ela ligou-me novamente, pedindo novas indicações, mas já estava perto. Vim busca-la à rua para a ajudar com a torre do computador.Cumprimentámo-nos normalmente e de seguida peguei na torre e escoltei-a até minha casa.Ela entrou e olhou em toda a volta.-Desculpa a desarrumação – disse-lhe – Sabes como é, apartamentos de solteiro…-Já vi pior-Põe te à vontade.Pousei a torre e peguei no casaco dela esticando-o em seguida sobre a minha cama.A minha casa era pequena, com apenas um quarto não muito grande, uma sala pequena, pouco maior que o quarto, uma cozinha minúscula e uma casa de banho à medida do resto da casa. Fui ligando o computador dela ao meu monitor enquanto ela dava uma pequena volta, como que a inspeccionar o meu território.-Não está nada mal… - Acabou por dizer. – Já vi bem pior…-Mas também já viste melhor, de certeza…-Já vi de tudo por aí…Rimo-nos ambos com aquela pequena alusão à nossa conversa prévia.-Posso conhecer o teu quarto, ou é para lá que varres o lixo?-Não, podes ver à vontade.Ela entrou no quarto.-Estas guitarras são tuas?-São…-E sabes tocar?-Sei. O que é que se passa com o teu computador, afinal?-Liga e vê… Ele não arranca…Liguei-o e vi que ecrã inicial ele não detectava o disco rígido. Entrei no programa de configuração e dei-lhe instruções específicas sobre o disco. Depois, liguei-o e ele arrancou normalmente.-Tá-rá! – exclamei.-Foram-se, o que é que fizeste?-Nada de especial…Era só isto?-Era…-Tá feito.Ela olhava para o computador ainda meio abananada com a facilidade com que eu o tinha arranjado.-Mas eu tentei de tudo…-Mas não lhe deste o que ele queria…Estas mãozinhas…-Chiça!!!-Queres beber alguma coisa?-Que é que tens?-Tenho sumos…senta-te moça, - disse-lhe eu, visto que ela ainda não se tinha sentado até aquela altura – tenho sumos, cerveja, vinho, licores…-Tens moscatel?-Sim…-Pode ser um com umas pedras de gelo?-Claro…Preparei-lhe a bebida, fazendo uma igual para mim. Fui-lha dar já com ela encostada no meu sofá a ver televisão.-És sempre assim tão rápido com tudo?-Não. Há coisas com que gosto de levar o meu tempo.-Ainda bem, senão ainda ficavas stressado…-Pois…-Sempre sabes tocar?-Sei.-A sério?-Sim, a sério.-Toca qualquer coisa…-Nã… Já não toco há bué…-Vá lá, só qualquer coisa simples…-É pá, não…-Não te armes em esquisito. Eu vou buscar a guitarra. – disse enquanto se levantava e dirigia ao meu quarto. Voltou com a minha guitarra acústica. Já não fui capaz de lhe dizer que não. Afinei a guitarra e a seguir toquei-lhe uma música com um dedilhado simples. Ela conhecia a música e foi cantando junto. A seguir fui tocando mais uma e mais outra, enquanto bebíamos o nosso moscatel. Finalmente parei.-Sim senhor, um homem com alguns talentos…-Nã, nem por isso…-E pelos vistos gostas de ler…- disse ela apontando para as minhas estantes.-Sim, mas sobretudo ficção cientifica.-A sério, Porquê? Sempre achei esses livros um bocado estranho com ovnis e mais não-sei-o-quê…-Não, não tem nada a ver. A maior parte dos bons autores transpõe situações da nossa sociedade actual para ouros mundos ou para o futuro, num contexto onde essas situações são evidenciadas. Depois constroem críticas verdadeiramente brilhantes à sociedade.-Posto assim, parece bem mais interessante…-Acredita que é. Não tem nada a ver com homenzinhos verdes vindos de Marte. Isso é lixo série B.-Qual é o teu livro favorito?-Este. - Pequei num livro e estendi-lho.-O que é?-É acerca de um humano que é criado por marcianos e que julga ele próprio ser um deles. Os marcianos seriam uma sociedade milhões de anos avançada mas incompreensíveis para um humano. Esse rapaz acaba por ser mandado como emissário dos marcianos para a Terra onde tudo lhe é estranho sendo ele próprio um estranho à Terra. Tem a ver com o confronto de culturas distintas e diferentes. Também acho que tem a ver com a diferença que um único homem pode fazer.-Parece ser fascinante…-Fala de política, religião, filosofia, tudo no mesmo caldeirão.-Fiquei curiosa. Emprestas-mo?-Sim, podes levar.A nossa conversa tinha chegado a um impasse. Não lhe ia continuar a falar do livro depois de ela mo ter pedido emprestado. Por outro lado ela olhou o livro, curiosa. Depois pediu-me:-Lê-me uma passagem.Fiquei a olhar para ela.-Uma passagem?-Sim, uma passagem. Uma passagem que tenhas achado brilhante.Hesitei. Depois procurei pelo livro, durante uns momentos. Depois li-lhe uma passagem em que o personagem principal falava da essência de Deus. Dizia ele que Deus não sente um pardal a cair de uma árvore, Deus é o pardal, assim como o gato que caça o pardal em plena harmonia. Deus é tudo e tudo é Deus, logo tu és Deus. Ela ficou pasmada a ouvir-me-Isso está aí escrito?-Sim, queres ver?Aproximou-se.-Parece uma revelação…-Imagina eu a ler isto aos catorze anos… Nunca outro livro teve tanto impacto em mim.-Imagino…Estávamos muito próximos, agarrando o livro ao mesmo tempo e partilhando a vista das folhas. Ela olhou para mim.-Posso dizer-te uma coisa? – Perguntou-me.-Chuta! – respondi-lhe.-És diferente.-Diferente como?-Falas comigo de uma maneira diferente.-Diferente de..?-Dos outros homens que conheço.-É provável. Não estou a tentar impressionar-te.-É, se calhar é por isso.-Podes crer que é. Tu és uma mulher intimidante.-Intimidante? Em que sentido?-És uma mulher bonita, e isso faz com que as pessoas à tua volta se intimidem com a tua presença. -Achas-me bonita?-Bastante.Ela segurou-me o queixo com a sua mão e deu-me um beijo na face. Depois virou-me a cara e deu na outra face. Eu sorri e fiz-lhe uma festa no cabelo. Ela também sorriu. Naquele momento derreti-me.Fiquei na situação embaraçosa de não saber o que fazer. Estava criado um clima de tensão forte entre nós. Ela resolveu a situação. Passou um braço por cima dos meus ombros e abraçou-me. Eu abracei-a de volta. Ficamos assim, num momento carinhoso, agarrados um ao outro. Depois separámo-nos ligeiramente e olhámos um para o outro. Sorrimos em simultâneo. Ela deu-me um beijo suave nos lábios. Eu cheguei-me a ela e beijei-a plenamente. Entregámo-nos livremente aquele beijo e a tudo o que um beijo assim implicava. O difícil foi separármo-nos, parecendo que nenhum dos dois queria que aquele beijo acabasse. Como se soubéssemos ambos que enquanto ele durasse aquele momento não morreria. Ela era muito mais que a mulher que eu sonhei alguma vez ter nos braços. Dois estranhos encontros, e ela ali estava. Estava como num sonho.O sonho acabou ao separármo-nos. -Malandreco… - Disse ela com um sorriso.-Quem? Eu?Ela deu uma gargalhada com o meu ar de desentendido.-É tarde… - Quebrou-se o nosso abraço. – Ainda tenho coisas para fazer…O meu desapontamento devia ser evidente. Mas limitei-me a encolher os ombros.Ajudei-a a levar o computador até ao carro. Depois de arrumar o computador no dito, fiquei em frente a ela sem saber como me havia de despedir. Ela abraçou-me, chegou a boca ao meu ouvido e disse - …a ser continuado em breve… - num sussurro. Depois deu-me o beijo mais doce e ao mesmo tempo profundo e selvagem que é possível imaginar. Depois, quebrou o abraço e, arrancando com o carro, partiu, deixando-me ali especado, sem qualquer reacção.
No ar tinham ficado promessas que levantavam expectativas altas em relação ao nosso próximo encontro.
No ar tinham ficado promessas que levantavam expectativas altas em relação ao nosso próximo encontro.
Published on October 30, 2015 01:29
October 29, 2015
Os dias mais estranhos - 11. Zeca
O Zeca é meu conhecido há muito tempo. Mesmo muito tempo…Era daquelas amizades que tinham ficado desde a escola e que os estudos noutras escolas, Universidades, e mesmo ao afastamento para o interior do país. Ele vinha regularmente a Lisboa, visto ter cá família, e era comum reunirmos uma leva de pessoal dessa época, com quem mantínhamos ainda os laços, e fazermos patuscadas e tertúlias que duravam noites inteiras.Mas, volta não volta, embarcávamos numa noitada só os dois por bares com música ao vivo, coisa que muito nós apreciávamos.Esta era uma dessas noites. Fomos jantar a um restaurante tradicional onde comemos uma bela carne de porco à Alentejana regada com um tinto da Vidigueira. Durante o jantar fomo-nos pondo a par das novidades um do outro. Inevitavelmente, o que tinha acontecido com a Mónica acabou por aparecer neste capítulo. Depois de eu lhe contar a história tive direito ao comentário mais bem elaborado do século.-Heina granda cena…! Mas ouve lá, a bacana não é casada?-Tá junta com um gajo do papel.-Mas como é que foste deixar que uma cena dessas te aconteça? És burro ou masoquista?-Acho que sou um pouco dos dois…-Pois, aparentemente! -Não, mas acho que a cena está controlada. Digo eu, pelo menos.-Achas mesmo? Ou tas só a tentar convencer-te a ti próprio? Eu já te conheço puto…-Yá! Mas temos os dois consciência de que isto ficou ali. Já falamos sobre isto, e esta história acabou. Mas sabes, sinto-me bué mais seguro quando estou com ela agora. Alias, sinto-me mais seguro no geral, para te ser franco…-É. Uma cena dessas tem o condão de levantar o ego.-Acredita. -Mas, se a Mónica é tudo aquilo que tu dizes, o que é que achas que a levou a olhar para ti duas vezes?-É isso que me confunde mais que tudo, moço. Não tem lógica. Eu não faço, nem quero fazer, parte dos círculos por onde ela anda. Não temos nada a ver um com o outro. Como é que aquilo foi acontecer? Confunde-me, sabes? Dá-me um nó na carola…-É, nesse aspecto tás pior que o costume.Nesse momento a banda da noite começou a tocar, interrompendo a conversa. Tocavam bem, e nada como uma noite de Rock’n’Roll para aliviar o espírito. O bar era frequentado maioritariamente por pessoal da nossa faixa etária, o que, para meu desagrado, o tornava um ponto de encontro da malta da nossa antiga escola. O estranho é que já se vivia ali um estranho sabor a nostalgia que não me agradava de todo. Encontrávamos ali os populares da escola, que na sua maioria, hoje em dia, já não eram populares para ninguém, e por vezes os impopulares a quem a vida dera a volta. Mas no meio de toda aquela gente, sabia que eu e o Zeca éramos uma espécie de ilhas. Conhecíamos quase toda a gente e as histórias de vida eram invariavelmente e assustadoramente parecidas. “Sabes, casei-me tive um rebento, mas depois as coisas não deram certo…”. Esta frase era o reflexo da minha geração em que, a chegar pertinho dos trinta tinha feito tudo isto e nada mais que isto. Invariavelmente vinha a pergunta – Então e vocês? – ao que se seguia a resposta – A vidinha do costume, sair de vez em quando, beber uns copos…Havia uma inveja no olhar das pessoas que recebiam esta resposta, como se sentissem que nós estávamos em vantagem por não termos cedido a nossa liberdade. Mas no fundo eu identificava-me com eles. Não tinha havido um rebento ou um casamento, nem sequer chegamos a viver juntos, mas a verdade é que as marcas de uma relação longa e muitas vezes penosa tinham ficado, tal como para todos eles. Mas de uma coisa tinha a certeza, não queria mais “nós na carola”.Quem mais me surpreendeu ver foi a minha antiga paixão da secundária. Tínhamos sido da mesma turma durante dois anos, e eu passei dois anos caidinho por ela. Era a mulher mais cobiçada da escola. Era já uma mulher feita, e bem feita, nos seus quinze, dezasseis anos. Como que sabendo disso, ela gostava de usar mini-saia e andava sempre de saltos, o que realçava as suas pernas e o seu corpo perfeito. Como se isso não bastasse, era linda de morrer, com uma pele imaculada, morena, que adornava os seus olhos avelã. Não havia ninguém na escola, incluindo alguns professores, vim eu depois a saber, que não sentisse as hormonas a ferver quando ela passava. Sempre fomos os melhores amigos, mas nunca aconteceu, muito para meu desgosto, nada entre nós.Vê-la ali levou-me mais de uma década para trás no tempo e não pude deixar de sentir uma certa nostalgia. Mas foi um choque vê-la hoje em dia. Dois filhos e um casamento frustrado depois, a beleza quase angelical esvanecera-se para dar lugar a uma quase trintona que aparentava bem mais. Não pude deixar de notar, nos olhares que trocamos enquanto falávamos os lugares comuns de circunstância, na interrogação que havia, um “e se as escolhas tivessem sido diferentes?”. E se o mundo tivesse sido diferente…Quando a banda acabou o concerto, o Zeca e eu saímos do bar e fomos para minha casa. Sentá-mo-nos na minha mini sala/escritório a beber umas cervejas e a falar da vida e de tudo o que a compõe, numa conversa que mudava de tópico tão rapidamente que quem nos visse de fora acharia que somos loucos. Eram três e tal da manhã quando ele saiu, e eu me deitei.Pouco tempo depois fui acordado pelo aviso de mensagem do meu telemóvel.“ÉS MAU” – retorquiu o visor. Era uma mensagem da Mónica.“PQ?”“PQ N VIESTES…”“ISSO N FAZ DE MIM MAU”“SE SOUBESSES O QUE JÁ PASSEI HOJE SABIAS QUE FAZIA”“ENTÃO SOU MAU”O aviso de chamada que se seguiu foi diferente. Era uma mensagem multimédia. Abri e vi uma fotografia dela e da Andreia, de cara juntinha com a legenda “O PRA NOS AQUI ABANDONADAS”.Tirei uma fotografia de mim próprio a fingir que dormia e mandei com a legenda “O PRA MIM AQUI SOSSEGADO”.Depois de um bocadinho recebi “MAU. BOA NOITE”Respondi “BOA NOITE MA”“:)”“;-)”
E a noite ficou por ali.
E a noite ficou por ali.
Published on October 29, 2015 09:32
Esta manhã,...
...estava já no elevador, semi-adormecido, quando ela entrou!
-Bom dia! - disse-me com um ar alegre como quem diz "Pá, já é dia, vê lá se acordas!"
-Bom dia. - respondi eu - Tás boa?
E ela ia para responder quando eu atalhei:
-Pergunta estúpida, na realidade! Com um rabo desses, claro que tás boa! A questão é mais; Estás bem?
-Bem obrigada - respondeu finalmente no meio de uma gargalhada - Sabes, se fosse outro gajo a dizer-me isso as coisas iam correr mal...
-Pois, depende do gajo que diz né?
-Claro!
E entretanto chegamos ao piso dela e ela saiu...
-Bom dia! - disse-me com um ar alegre como quem diz "Pá, já é dia, vê lá se acordas!"
-Bom dia. - respondi eu - Tás boa?
E ela ia para responder quando eu atalhei:
-Pergunta estúpida, na realidade! Com um rabo desses, claro que tás boa! A questão é mais; Estás bem?
-Bem obrigada - respondeu finalmente no meio de uma gargalhada - Sabes, se fosse outro gajo a dizer-me isso as coisas iam correr mal...
-Pois, depende do gajo que diz né?
-Claro!
E entretanto chegamos ao piso dela e ela saiu...
Published on October 29, 2015 03:13
Os dias mais estranhos - 10. Café
No dia a seguir encontrámo-nos no café, no nosso usual, embora não nos últimos dias para mim, pequeno-almoço.Ela chegou, sentou-se sem uma palavra, e ficou ali pura e simplesmente a olhar para mim. Olhei para ela também. Observámo-nos por uns momentos.-Estamos bem em relação a ontem? – Acabou por perguntar, ao fim de algum tempo.-Estamos bem. Porquê?-Só para saber. – Disse finalmente com um sorriso – Bom dia!-Olha, p’ra ti também. Chegas aqui e demoras meia hora para dizer bom dia…-Xi, que irritadiço. Era só para confirmar…-Pois, pois… tá bem…-Acordaste com os pés de fora da cama ou quê?-Nem por isso, – disse eu com um sorriso – era só para te espicaçar…-Bahh! P’ra ti… - disse com uma careta.-Bahh! P’ra ti também, olha… - disse eu respondendo com outra. Parecíamos dois miúdos a fazer uma birrinha. Logicamente, logo a seguir, escangalhámo-nos a rir com a nossa figura.-Mas conta lá – disse ela quando nos recompusemos – afinal que coisa é assim tão importante eu tu tens que não possas ir amanhã.-Não é nada “assim tão importante”, mas são cenas que já estavam combinadas.-“Cenas”?-Sim, já não estou com um amigo meus há um tempo e resolvemos juntar-mo-nos para ir pôr a conversa em dia. -E isso é mais importante…-Não seria se ele não vivesse em Beja.-Há! Então não tens mesmo muitas oportunidades de estar com ele.-É isso…-O.K., não volto a insistir.
No resto do tempo que demoramos a tomar o pequeno-almoço, e mesmo quando seguidamente nos dirigimos ao trabalho, estivemos sempre com confiança. O episódio do dia anterior parecia ter-nos aproximado não de uma maneira passional, mas mais de genuína amizade. E isso agradou-me.
No resto do tempo que demoramos a tomar o pequeno-almoço, e mesmo quando seguidamente nos dirigimos ao trabalho, estivemos sempre com confiança. O episódio do dia anterior parecia ter-nos aproximado não de uma maneira passional, mas mais de genuína amizade. E isso agradou-me.
Published on October 29, 2015 01:34
October 28, 2015
Pá, ó gaijo, olha lá,...
Se assim de repente um gajo de outro planeta descesse à tua frente e te pedisse:
-Pá, resume-me a humanidade!
Bem, eu respondia-lhe mostrando-lhe isto,...
E isto! E acho que chegava perfeitamente!
-Pá, resume-me a humanidade!
Bem, eu respondia-lhe mostrando-lhe isto,...
E isto! E acho que chegava perfeitamente!
Published on October 28, 2015 12:53
Os dias mais estranhos - 09. Resolução (decisão, deliberação, propósito, tensão)
Escusado será dizer que não tive cabeça para fazer mais nada nesse dia. Acabei por levar as coisas para fazer à noite, em casa. Mesmo assim foi difícil concentrar-me. Aquele beijo ainda me ardia nos lábios.Sempre fui sincero comigo próprio. Fisicamente nunca fui particularmente atraente. Pelo menos nunca me considerei. Mas tinha perfeita consciência de que havia piores do que eu. Por outro lado sempre tive uma mente desperta e inquiridora o que me dava uma cultura geral acima da média e uma resposta pronta. Assim sendo, sempre consegui levar a água ao meu moinho, mas nunca fui um tipo de engates de uma noite. As relações comigo tendiam a durar algum tempo. Havia uma entrega diferente da urgência de uma noite de sexo.A minha última relação tinha durado um longo tempo. E a separação tinha deixado algumas cicatrizes e tinha fendido o escudo do meu idealismo ingénuo. Mas também tirei dela importantes lições, e jurei a mim mesmo que não deixaria que a ingenuidade me toldasse a visão. Daí para a frente tornei-me mais observador e mais atento e descobri um mundo diferente do que eu acreditara existir. Este beijo da Mónica, com tanto de inesperado como de confuso tinha, sem que fosse esse o propósito dela, abanado o meu mundo. Sentia coisas dentro de mim que eu nem notara que existiam antes. Estava verdadeiramente assustado. E nada daquilo fazia sentido. Tinha ficado mal resolvida a situação. Sentia que precisávamos falar acerca disto conscientemente. E urgentemente.Mal jantei, e só depois do jantar me consegui concentrar um pouco no trabalho. Resolvi ficar a pé até tarde para adiantar ou mais possível ou acabar. E estranhamente tudo correu de feição e despachei tudo num par de horas.Deitei-me e apaguei a luz. Quase em sincronia o visor do telemóvel acendeu-se e apitou com o aviso de chegada de mensagem. Abri a mensagem.“OLA” podia ler no visor através do brilho fantasmagórico do minúsculo LCD. Era da Mónica.“OLA” respondi.“OCUPADO?”“NÃO MUITO”“POSSO LIGAR”“SIM”Em apenas uns segundos o telemóvel tocou.-Olá! - disse eu quando atendi.-Olá. Távas ocupado?-Não, táva a acabar de me deitar.-Já távas a dormir?-Não, ainda não. E tu, que andas fazendo? Parece que andas na rua…-Ando a passear o cão.-A esta hora?-Sabes, o cão não é meu, e do “senhor” Francisco, mas se o bicho depender dele morre à fome e à sede. Nunca se lembra que o bicho tem de sair e acabo por ser sempre eu que o trago.-Enfim… Tá tudo bem?Ouvi um suspiro do outro lado. – Tá, ta tudo bem… – acabou por dizer sem uma réstia de convicção. Fez um silêncio, uma pausa, como se quisesse encontrar palavras.-Olha, Pedro, eu precisava falar contigo…-…acerca desta tarde! – Acabei eu a frase. – O que é que se passou ali?-Eu também não sei. Mas queria pedir-te desculpa…-Eu é que tenho que te pedir desculpa. Eu forcei uma situação…-Nenhum de nos dois forçou, Pedro. Sabíamos ambos o que estávamos a fazer. E eu tenho andado carente…-Não tas bem com o Francisco?-Tou, não é por ai… É de mim mesma, acho eu…Mas falamos disso noutra altura, pessoalmente. -Tudo bem.-Isto não pode voltar a acontecer…-Não, não pode. E não quero perder uma amiga por um momento.-Não perdes. – Fez-se mais uma pausa. – És um bom moço.-Obrigado. Também és uma boa moça.Houve um silêncio da parte de ambos, como se procurássemos algo mais para dizer. Mas as palavras não vieram. No fundo sabíamos que o que tinha de ser dito já o fora. Não fazia sentido tentar encontrar mais desculpas.-Não te posso mesmo convencer para Sábado? – Acabou por perguntar.-Não podes mesmo… - respondi com alguma pena.-…E posso dar o teu número à Andreia?-Podes.-Fica bem, então…-Tu também pequenina.E desligamos.Aquela pequena conversa foi o necessário para fechar aquela situação. Senti-me completamente aliviado com esse facto.No entanto, não deixei de sonhar com aqueles lábios, naquela noite…
Published on October 28, 2015 08:43
Não será estranho…
…que numa altura em que a Monsanto cresce cada vez mais, quer patentear as sementes, como se fossem propriedade intelectual sua, que o seu peso em termos de lobbying começa a ser assustador, quer nos “states” que do lado de cá do atlântico, que de repente, coisas que são comprovadamente parte integrante da evolução humana, como a carne vermelha que potenciou o desenvolvimento do nosso cérebro para aquilo que ele agora é, sejam considerado um alimento de alto risco cancerígeno e as carnes processadas, como o chouriço, o bacon, o presunto, as alheiras e farinheiras, as salsichas e o fiambre (bem ok, estes dois últimos até percebo) e outros que tais estejam ao nível do tabaco?
O que é que se segue?
Impostos brutais sobre o bacon, para desencorajar o seu uso?
Fotos de vítimas de cancro no fiambre e nas salsichas?
Não é por nada, mas a OMS não me convence…
…aliás, a OMS em muitos casos têm sido providencial para, por exemplo esgotar stocks excessivos de medicamentos de algumas farmacêuticas… (lembram-se do H1N1?)
Dá que pensar!
Published on October 28, 2015 02:31
Os dias mais estranhos - 08. Beijo (ósculo, chocho)
Na semana seguinte estive quase sempre fechado na minha sala. Com os prazos a apertar no meu trabalho nem sequer parava no café para o pequeno-almoço. Preferia entrar mais cedo e despachar trabalho.Para complicar, o ambiente com as minhas colegas estava a tornar-se cada vez mais pesado. Se por um lado isso me dificultava algumas coisas, no geral até me facilitava a vida visto que não estava constantemente a ser interrompido com problemas da treta. Mas pondo esse pormenor de lado, o ambiente era chato e eu detestava estar a trabalhar em sítios assim.Uma das consequências da minha reclusão era não ver a Mónica desde Sábado. Sentia falta das nossas conversas de café, mas outros valores se elevavam no meu horizonte. Andava de tal forma apertado com prazos que levava o trabalho para casa, coisa que eu nunca gostei de fazer. Na quinta-feira comecei por fim a ver a luz no fundo do túnel sendo que o meu esforço deu frutos.Era já final da tarde quando me bateram à porta da sala. Mandei entrar distraidamente.-Noc, noc!Virei-me reconhecendo a voz e cumprimentei-a.-Oi Mónica. Olá, desaparecido. Julgava que estivesses de férias, ou assim. Só hoje é que soube que cá estavas. Que andas a fazer?Sem palavras limitei-me a mostrar-lhe as carradas de papel que se empilhavam em cima da minha secretária.-Há, compreendo…-É, não tenho tido tempo nem para me coçar… Mas o que é que te trás aos meus humildes aposentos?-Vim ver se me andavas a evitar, ou assim…-Nada disso, não sejas tola.-Pois mas agora já vi os teus motivos.-Palavras para quê?-Olha, venho cá convidar-te para um jantar em minha casa no Sábado.-Deixa-me adivinhar, uma coisita íntima para umas cem ou duzentas pessoas?-Não, é um pouco mais intimo que isso.-Olha, adorava, mas não vai dar.-A Andreia vai lá estar…-E isso era suposto fazer-me mudar de ideias?-Não faz?-Sinceramente, não.-Não gostaste da Andreia!-Claro que gostei. É simpática, divertida…-…boa com o milho…Olhei para ela e ri-me. De alguma forma aquela expressão vulgar perdia toda a vulgaridade quando dita por ela. Ganhava até algum charme e requinte.-É verdade, mas acho que vi um pouco além disso.-Pois acredita que a maior parte dos homens não vê. Quando estão sozinhos com ela ficam todos babadinhos.-Isso deve ser chato para ela. Deve ter que andar com uma montanha de lenços de papel atrás! – Ela riu à gargalhada com o meu comentário.-Óh, pá. Só tu para me fazeres perder assim a compostura.-De qualquer maneira, eu não sou a “maior parte dos homens”.-Pois, aparentemente não. Vá lá, anda lá. – Disse com um ar de miúda a querer fazer birrinha. – Se vieres sempre me salvas da seca…-Em primeiro lugar já tenho outros compromissos. Em segundo lugar não precisas de mim. Tens lá a Andreia.-Irra! És mesmo difícil.-É, irredutível, como os Gauleses.-Tou a ver. Tens p’rai alguma “sirigaita” à tua espera.-Não, não há “sirigaita” nenhuma. Mas já assumi compromissos portanto…-…portanto já percebi que não vais mesmo, não é?-É.-O.K. Eu rendo-me. -Ainda bem. Já tava a ficar cansado.-Nota-se. Só mais uma coisa e eu desamparo-te a loja.-Sendo que a coisa é…?-A Andreia pediu-me o teu telemóvel. Posso dar? Ela ia pedir-to no Sábado, mas uma vez que não vais…-Bem, não convêm dares-lhe o meu telemóvel porque me faz falta. Mas podes dar o número.-Estúpido! – Disse com um ar trocista.-Mas para que é que ela quer o meu numero? - Perguntei eu olhando para ela de lado e levantando o sobrolho.-Acho que ela tem uns problemas no computador dela e precisava de ajuda. Só me lembrei de ti…-Por um mero acaso não estarás armada em Santa Mónica casamenteira, ou coisa assim?-Porquê? – Perguntou ela com o ar mais cândido e inocente que se possa imaginar.-É que se é esse o caso devo já prevenir-te que não vou muito à bola com loiras, a não ser geladas e dentro de uma garrafa.Ela lançou-me um olhar ao mesmo tempo inocente e pervertidamente sensual, capaz de fazer corar um morto e retorquiu – Preferes as morenas, é?Encarei o seu olhar com uma confiança que ela não esperava e que acho que a assustou e depois disse num tom doce e sensual – Prefiro as ruivas…Ela lançou-me um olhar capaz de furar uma chapa de aço inox.-Bhaaa! Vocês os homens são todos iguais. Preferem, preferem, mas depois tudo o que vem à rede é peixe.-Curioso que fales nisso, uma vez que já não lanço as redes à uns tempos.-Deves estar à espera que te salte um peixe para dentro do barco por auto-recriação. Ou preferes carne?-Tenho é andado numa dieta vegetariana.-Pois, pois! Enfim, já vi que esta conversa não chega a lado nenhum.-Pois não! Dois teimosos a teimarem um com o outro…-Bem, vou-me embora.-Tá bem, vai. Se não nos virmos, tem um bom fim-de-semana.Ao chegar à porta segurou a maçaneta e voltou-se para mim lançando-me novamente um olhar capaz de seduzir uma pedra.-De certeza que não te consigo convencer?-De certeza. E não olhes assim para mim.-Assim como?-Como estás a olhar.Ela limitou-se a sorrir, mas não desviou o olhar. Quanto a mim devia estar visivelmente perturbado, e isso neste momento divertia-a. Eu sabia que ela estava a jogar comigo, a tentar seduzir-me para eu mudar de ideias. Olhei directamente para os olhos dela tentando desmascarar o seu “bluff”, mas ela não desviou os olhos dos meus. O ar entre nós parecia carregado de electricidade.-Porquê? – Acabou por me perguntar.Naquele momento senti-me arrastado no tempo para trás, até ao momento em que vira os seus olhos pela primeira vez. De novo o meu coração pareceu falhar uma batida.-Porque me perturbas!-E…?-…e ainda me levas a fazer alguma coisa que eu não devo.-Como por exemplo…?Não pensei. Levantei-me e dirigi-me a ela. Ela não se mexeu, como se quisesse ver até onde é que eu queria chegar e o que iria fazer. Sem desviar os meus olhos dos dela pus-lhe uma mão na face. Ela perdeu o sorriso. Desviou o olhar por breves instantes. Parei. Ela voltou a trazer os seus olhos ao encontro dos meus. Naquele momento o mundo parou à minha volta e a única coisa que restou foi a imagem da face dela, serena e suave. A sensação em mim era indescritível.Aproximei-me mais um pouco e senti a sua respiração a acelerar. Não era suposto isto acontecer. Era completamente despropositado e ambos o sabíamos. Nenhum dos dois se atreveu a recuar.Bem de dentro de mim um desejo reprimido impeliu-me em frente. Beijei-lhesuavemente os lábios e o mundo, que já estava parado, pura e simplesmente desapareceu. O tempo parou. Naquele instante, para mim, a finalidade do universo era permitir que aquele momento existisse. Aquela eternidade não durou mais do que dois ou três segundos. Depois recuei ligeiramente. Os nossos olhares em momento algum se perderam.Após alguns segundos ambos cedemos. As nossas bocas colaram-se, os nossos olhos fecharam-se e envolvemo-nos num beijo carregado de paixão. Perdi por completo a noção do tempo e do espaço.Quando paramos voltamos a ficar hipnotizados com o olhar um do outro. Os segundos passaram em silêncio. As palavras tinham-se tornado supérfluas e desnecessárias.-Tenho de ir… – disse ela finalmente quebrando o olhar. Respirei fundo. Depois afastei-me.-vai…
Ela abriu a porta e saiu.
Ela abriu a porta e saiu.
Published on October 28, 2015 01:23
October 27, 2015
Os dias mais estranhos - 07. Andreia
Faltava um quarto para as nove quando cheguei ao sítio combinado, à entrada da estação de comboios de Cascais. Tinha chegado cedo e aproveitei para beber um café na estação.Conforme prometido vinha um pouco mais bem vestido que o usual, com uns sapatos em vez de os ténis do costume e com um “blazer” e uma camisa. Só as obrigatórias calças de ganga restavam. A Mónica não tinha dito que era “Black Tie”, por isso não me esforcei muito. No entanto, neste momento, estava um pouco preocupado com a minha indumentária.As dúvidas desfizeram-se quando ela chegou. Apresentou-me de imediato o Francisco que trazia uma indumentária bastante parecida com a minha.-Então você é que é o criador do logótipo…-Pode-se dizer que sim.-Gostei do que vi.-Sim, a Mónica já me tinha dito…-Sempre vai desenhar um para mim?-Vou tentar.-É justo. Mas vai ver que se vai dar bem.-Espero que sim…O Francisco era obviamente mais velho que a Mónica. Era um homem já nos cinquentas. No entanto parecia pleno de vitalidade. Era um daqueles homens que nos demonstram quem são primeira vista. Daqueles homens que sobem a vida a pulso e que não aceitam um não como resposta. Tinha um passado obviamente simples, como estava espelhado nos modos rudes como falava, mas tentava agora ganhar um estatuto que não tinha à força do dinheiro. Apesar disso parecia ser um tipo simpático. Isto, claro, desde que não estivéssemos atravessados no seu caminho. O que era o meu caso.Insistiram para que eu deixasse o meu carro ali e que seguisse no carro deles, pois ainda tínhamos que ir buscar a amiga da Mónica a casa. Durante o caminho trocaram poucas palavras entre os dois, e eu não dei atenção ao pouco que disseram.Paramos frente à entrada de um prédio. A Mónica tirou o telemóvel da sua bolsa e marcou um número.-Tou, linda… desce… estamos aqui à tua espera.Após um curto tempo de espera a luz do prédio acendeu-se e a amiga da Mónica apareceu. A Mónica tinha razão. Não seria um sacrifício para mim.Parecia saída directamente das páginas de um livro de Milo Manara. E como um amigo meu costuma dizer, se o mundo fosse desenhado por Manara seria, de certeza, muito mais agradável. Alta e esbelta, com um andar quase felino. Loira, com o cabelo a descer em cascatas onduladas até à cintura. Um rosto de traço fino onde sobressaiam uns lábios carnudos e uns olhos de um azul claro límpido. Se tivesse que usar apenas um adjectivo para a descrever seria sem duvida “Sexy”.Não deixei de me perguntar, enquanto ela se encaminhava para o carro, porque precisaria uma mulher assim que lhe arranjassem companhia para uma saída num Sábado à noite. Não encontrei uma resposta.Ela entrou no carro e após ter cumprimentado o Francisco e a Mónica foi-me prontamente apresentada. Andreia era o seu nome.Após alguns minutos de conversa de circunstância, sobretudo por parte dos meus acompanhantes, visto eu ter-me mantido quase sempre calado enquanto serpenteávamos através do trânsito de Cascais, chegamos ao nosso destino.A galeria era um edifício de dois andares com toda a fachada completamente envidraçada. De lá de dentro emanava uma luz que parecia em tons de um dourado escuro, e via-se perfeitamente formas estranhas espalhadas pelos dois pisos. Conforme entramos veio-me aos ouvidos um jazz elegante que de alguma forma enquadrava o resto do ambiente. A noite foi sendo pontuada por conversas de circunstância com estranhos que fui conhecendo. Tornou-se claro que, embora por princípio estivesse ali para escoltar a Andreia, a verdade é que o Francisco desapareceu de vista assim que entramos, sendo a Andreia a escoltar a Mónica. Isto deixou-me praticamente só no meio daquela pequena multidão que contrariava a ideia de uma festa só para uns quantos amigos.As pessoas ali presentes estavam divididas claramente em três grupos. Em primeiro, os que lá estavam porque ali pertenciam. Estavam dentro do meio e aquilo era o seu ambiente natural. Depois vinham os que vieram a acompanhar alguém, mas que se sentiam deslocados. E finalmente dos que apareceram só para se mostrar num sitio “in”.Eu pertencia claramente ao segundo. Devia ser no entanto a única pessoa na sala que tinha consciência plena disso. Como tal fui-me divertindo durante a noite com os pequenos jogos inconscientes entre os intervenientes.Quando finalmente me fartei de tal actividade dirigi-me para o terraço do primeiro andar e dei comigo sozinho. Estava uma noite fria e os vestidos de noite que a maiorias das mulheres usava só se davam bem com o calor.Fiquei a observar a rua plena de movimento quando a Mónica e a Andreia se juntaram a mim.-Tens andado divertido? – Perguntou a Mónica.-Não deve estar muito, aqui fora sozinho, ao frio… - retorquiu a Andreia.-Não, não e verdade – Disse a Mónica. – Se bem o conheço tem estado bem divertido com tudo isto. Olha para o ar dele, com um ar de gozo, mas ao mesmo tempo pensativo.-Achas?... – Perguntei eu.-Só te vi esse ar uma vez… - respondeu ela - …quando observavas a natureza humana. Verdad?-Verdad. Observadora.-Sempre. Uma mulher é sempre uma boa observadora.-Tem de ser. – Disse Andreia – Para saber o que vai na cabeça das pessoas.-Na dos homens – respondi-lhe – quando tu passas, não é preciso ser bom observador para adivinhar.-Atrevidote, o rapaz. – Disse a Andreia para a Mónica fazendo um aceno de cabeça na minha direcção.-É. – Respondeu a Mónica – Tá saído da casca. Anda para dentro. – Disse voltando-se para mim.-Para te ser franco não me apetece muito…-Mas vem. O Francisco perguntou por ti. Agora é que a tua diversão vai começar.Encolhi os ombros e suspirei. Elas entreolharam-se e riram da minha atitude.-Prontos, tá bêm. Ê vou. – E fui.Levaram-me até ao Francisco. Este ao ver-me fez-me uma festa como se eu tivesse andado na tropa com ele e não me visse já há mais de vinte anos, deu-me uma palmada nas costas e enfiou-me um copo de whisky na mão.-Pessoal, este é o Pedro, o tal puto de que eu vos falei que desenhou o logótipo para aquela brincadeira da Mónica.Não pude deixar de notar a condescendência. Não para comigo, mas com aquilo que a Mónica queria fazer. Olhei para ela e notei que, por debaixo da fachada, ela tinha acusado o toque.O Francisco passou uma cópia do logótipo pelo “pessoal”, que andava todo mais ou menos na sua faixa etária, e eles foram comentando, uns com os outros e comigo, o trabalho quer do ponto de vista artístico, quer da sua qualidade. Alguns deles pediram-me o meu número de telefone dizendo que talvez tivessem trabalho para mim.Passei o resto da noite no meio de conversas desinteressantes acerca do meu suposto talento. Era um sábado e eu, muito sinceramente, estava a acha-lo muito aborrecido, ao ponto de estar com saudades da minha consola de jogos. O único ponto alto da noite foi ter conhecido a Andreia. Mas isso também não adiantava muito à minha felicidade.Finalmente deslumbrei uma aberta e escapei-me de novo para a varanda. Mil vezes o frio aos chatos.Sentei-me numa mesa que ali havia e onde havia um chapéu-de-sol aberto. Pelo menos assim não me caía em cima a humidade da noite. Estava já farto de tanta gente, de tantas perguntas inconsequentes e de tantas conversas banais. Perguntava-me a mim mesmo porque deixara o carro tão longe. De facto, ao aceitar vir com a Mónica e o Francisco tornara descortês o facto de me querer ir embora. Teria que saber esperar.Aproveitei para reflectir acerca do que o Francisco tinha dito sobre as ideias da Mónica. Ele, aos poucos, tornava-se transparente. Não partilhava nem respeitava os interesses dela. E não se pode amar quem não se respeita. Ela não passava de mais uma das coisas que o dinheiro lhe tinha trazido. Ela abria-lhe portas a ambientes como este onde nos encontrávamos. Se não fosse por ela, teria ele sido convidado? Tinha sérias dúvidas. Ela era para ele uma mulher objecto, que lhe dava estatuto e servia, de certeza, para fazer inveja aos amigos. Ela era um símbolo de afirmação pessoal.De alguma maneira senti que a Mónica sabia de tudo isto e isso entristeceu-me. Seria ela uma pessoa diferente do que eu pensava? Continuava a achar que não. Havia por detrás destes lugares definidos nesta relação um jogo de interesses. O interesse dele era óbvio. E o interesse dela? Seria tão simples assim?A noite foi-se continuando a arrastar de forma solitária. Só voltei a entrar, e meramente de fugida, para reabastecer o meu copo. Eram já duas da manhã quando alguém pareceu dar pela minha falta. Fui desperto dos meus pensamentos pela chegada da Andreia.-Posso? – Perguntou pondo a mão sobre uma cadeira ao meu lado.-Claro…Sentou-se.-Tão só?-Mais vale só…-Num sítio cheio de gente tão interessante?-Sim, mas esses estão todos ocupados. E como os chatos os superam em número…Ela riu.-Tens razão. Tá a ser uma seca. Só a Mónica para me arrastar para um sítio destes.-A ti e a mim. Falando em Mónica, que é feito dela?-O Francisco roubou-ma. Estão lá dentro a falar com a dona da galeria, e como isto é de certeza mais estranho ao Francisco do que a ti e a mim…Sorri. As minhas suspeitas confirmavam-se com aquela frase. -E tu, – perguntou-me – com é que foste arrastado para aqui?-Foi por causa daquela história do logótipo. A Mónica disse que o Francisco me queria conhecer, que queria que eu fizesse um trabalho para ele e blá, blá, blá. Mas sinceramente não estava à espera disto.-É. Logo num sábado à noite. Aposto que deixaste alguém chateado por vires para aqui.-Quem é que eu deixaria chateado?-Sei lá… – disse fazendo-se subitamente desentendida – …a tua mãe, ou uma namorada, por exemplo.-Já vivo sozinho à uns tempos e não tenho namorada.-Porquê?O súbito interesse dela despertou-me a curiosidade. Procurei uma resposta que não fosse rebuscada ou óbvia. Conhecia esta mulher à apenas umas horas e mal tínhamos trocado uma palavra até agora. Não estava propriamente na disposição de lhe abrir os segredos da minha vida.-Prefiro assim. – Acabei por dizer.Ela recostou-se na cadeira e olhou para mim durante algum tempo, como se procurasse ler-me os pensamentos. O olhar dela começava a incomodar-me e a deixar-me inquieto. De repente quebrou o silêncio.-Posso fazer-te uma pergunta?-Já fizeste…-A sério, posso?...-Faz.-És gay?Desta vez fui eu que fiquei a olhar para ela.-Mas que raio de pergunta é essa? Se eu sou gay? Achas? A que propósito é que isso vem?-É que cada vez que conheço um homem interessante ou é comprometido, ou é gay…Ora aí estava uma novidade. -Devo depreender então que me consideras interessante?-Há piores… – disse com um encolher de ombros.-Mas também há melhores.-Há de tudo por aí…Matutei, enquanto um trago de whisky me queimava a garganta, em todas as implicações que a nossa conversa poderia ter. Decidi não dar importância ao que tinha sido dito. Antes que a conversa pudesse continuar apareceu a Mónica.-Eu sabia que vos ia encontrar aqui. Vim interromper alguma coisa?-Não, nada. – Respondemos quase em coro.-Pois… – respondeu a Mónica levantando o sobrolho. – Vamos indo meninos? -Aleluia! – Respondi eu com um suspiro de alívio.
Juntámo-nos ao Francisco, e, após umas quantas despedidas, dirigimo-nos para o carro. Pelo caminho ninguém falou e os únicos ruídos vinham do barulho monótono do motor e da música que saia baixinho do rádio. Foram-me pôr ao carro primeiro e seguiram os três. Dirigi-me rapidamente para casa pensando numa boa noite de sono, mas estranhamente foi-me difícil adormecer. E enquanto não dormi fui repensando aquela noite.
Juntámo-nos ao Francisco, e, após umas quantas despedidas, dirigimo-nos para o carro. Pelo caminho ninguém falou e os únicos ruídos vinham do barulho monótono do motor e da música que saia baixinho do rádio. Foram-me pôr ao carro primeiro e seguiram os três. Dirigi-me rapidamente para casa pensando numa boa noite de sono, mas estranhamente foi-me difícil adormecer. E enquanto não dormi fui repensando aquela noite.
Published on October 27, 2015 09:54