C.N. Gil's Blog, page 58
October 27, 2015
Os dias mais estranhos - 06. Convite (chamada, convocação, aceno, apelo)
Tinham passado duas semanas. Notei algumas diferenças de comportamento em relação a mim por parte das minhas colegas. Não brincavam tanto comigo e por vezes apercebia-me do silêncio reinante quando eu entrava numa sala, bem como dos sussurros quando eu saia. De alguma maneira associei isso a ter sido visto com a Mónica, que eu não via já desde aquela manhã no café. Soube que ela estava de férias.Os dias decorreram normalmente e sem sobressaltos numa vida quase rotineira e quase monótona com as coisas feitas a devido tempo mas sem grande entusiasmo. Março não queria deixar a Primavera chegar e a disposição estava como o tempo.Naquela manhã dei pela sua chegada ao café. Assim que me viu dirigiu-se para a minha mesa. Não pude deixar de notar que por baixo da elegância já minha conhecida se escondia um bronzeado forte. Esse facto pareceu causar um impacto forte nos outros frequentadores habituais. Todos os rituais matinais pareceram cessar à sua chegada. -Bom dia. Posso?-Claro que podes. Aparentemente as férias foram boas. Destinos tropicais?-Norte do Brasil.-Muito bem. Palavras para quê… -fui interrompido pelo empregado solícito que anotou o seu pedido e partiu, olhando de soslaio para mim. Não pude deixar de me rir.-Tás-te a rir do que?-Lembras-te da situação com o empregado há duas semanas?-A tal situação que eu queria que mencionasses na altura e tu só mencionaste agora?-Essa mesmo.-E então?-Situação parte dois.-A sério? Então?-Veio buscar o teu pedido mas sempre a olhar meio de lado para mim.-Óh pá… – disse ela fazendo beicinho – …deixa lá o pobre do homem.-Deixar, deixo. Não deixo é de achar cómico.-Pois, pois. Já agora, e mudando de assunto, o Francisco adorou o logótipo.-Há sim? Folgo em sabe-lo! Mas quem é o Francisco?-O meu companheiro. – Disse com um ar de riso.-Ainda bem que me esclareceste. Ia passar o dia todo a pensar nisto.-Adiante, ele adorou o logótipo e gostava de te conhecer. Gostava que fizesses um para a empresa dele.-Não sei…-Seria pago, evidentemente.-Mas mesmo assim, não sei. Não sou propriamente um criativo.-Mas tenta. O que é que te custa?Pensando bem, não me custava nada. A não ser talvez algum tempo roubado ao vício de ver televisão, mas tendo em conta a programação vigente nos canais disponíveis não me custava nada abdicar desse tempo.-Tá bem. Eu tento. – Ela sorriu.-Tens telemóvel?-Tenho… – disse eu passando-lhe um papelinho com o número.-Não sabes o teu número de cor?-Não, nunca telefono para mim.Ela riu com vontade enquanto apontava o número. – Tem lógica… – acabou por dizer. – O que é que fazes no sábado?-Que eu saiba, nada.-Tá bem. Então eu depois ligo-te para combinar qualquer coisa.-Liga quando quiseres.Acabamos o pequeno-almoço e dirigimo-nos para o trabalho. Mais uma vez chegamos juntos e o facto foi devidamente notado, anotado e comentado. Embora isso não me aborrecesse em particular, estava a começar a ficar farto da gente pequena e fútil que me rodeava. Começava a sentir nos ossos que estava no sítio errado. Era quinta-feira, e como tal não faltava muito tempo para sábado. O telefonema veio na noite de sexta-feira.-Tou, Pedro?-Sim?...-É a Mónica. Tudo bem?-Tudo bem…-Sempre tens a noite livre, amanhã?-Sim, tenho…-Gostavas de vir à inauguração de uma galeria de arte de uma amiga minha? Vai haver uma festa pequena, só para alguns amigos…-Por mim tudo bem.-Podias fazer companhia a uma outra amiga que não tem par. Importavas-te?-Depende… -Disse eu, algo surpreendido. – É alguma velha chata, parecida com as nossas colegas de trabalho?-Não, não tem nada a ver. Acho que não vai ser um sacrifício para ti.-Então pode ser.
Combinei ir ter com ela na estação de comboios de cascais às nove da noite do dia seguinte. Ela pediu-me para eu me vestir um pouco melhor que o meu costume e eu prometi que o faria.
Combinei ir ter com ela na estação de comboios de cascais às nove da noite do dia seguinte. Ela pediu-me para eu me vestir um pouco melhor que o meu costume e eu prometi que o faria.
Published on October 27, 2015 05:28
Ella e o Gato: Anjinhos de Natal - Anjos que ajudam anjos
Já que não se pode fazer muito por muitos, porque não fazer só um bocadinho por um?
Ella e o Gato: Anjinhos de Natal - Anjos que ajudam anjos: Sabem do que se trata? Não? Ella passa a explicar... Sabem os meninos das instituições? Aqueles que ninguém se lembra que existem? Pois be...
Ella e o Gato: Anjinhos de Natal - Anjos que ajudam anjos: Sabem do que se trata? Não? Ella passa a explicar... Sabem os meninos das instituições? Aqueles que ninguém se lembra que existem? Pois be...
Published on October 27, 2015 02:31
Os dias mais estranhos - 05. Pequeno-Almoço
-A leitura deve estar mesmo interessante…Espreitei por cima da folha do jornal.-Está mesmo.-Tás a ver o que os nossos dirigentes fazem a este país?-Tou a ver o que não fazem. Também se peca por omissão, sabias?-Tou a ver que não estás muito de acordo com o governo…-Em compensação também não vou à bola com a oposição. Acho que sou ateu por falta de um Deus em que possa confiar…-Hummm!... Achas que as coisas estão assim tão mal? Deve haver políticos sérios…-Sim… – Disse sem grande convicção. Depois olhei para um lado e para o outro e perguntei: - Mas onde…?Ela riu. Foi mais que um simples sorriso. Riu com vontade.-És realmente um verdadeiro cavalheiro…-Porquê?-Tou aqui em pé a olhar para ti há quase meia hora…-Que exagero!-Tá bem, três quartos de hora, e ainda nem me perguntaste se me quero sentar.-Se te queres sentar, senta-te. -Já não há mesmo cavalheiros…-Não foram vocês que lutaram pela emancipação e por direitos iguais? Queres que eu me levante e te ajeite a cadeira?-Era bonito.-Tu levantavas-te e ajeitavas a minha?-Não.-Então bem podes ir esperando… – e com isto voltei de novo a minha atenção para o jornal.Ela puxou de uma cadeira do lado oposto da mesa e sentou-se. Desde há um ano e meio que tomava ali o pequeno-almoço todos os dias. As caras que estavam presentes nas mesas eram sempre as mesmas, maioritariamente pessoas que eu sabia trabalharem comigo mas que conhecia só de vista. Normalmente ninguém parecia dar pela minha presença. Mas hoje o mundo parecia ter despertado para a minha existência.O empregado, que costumava demorar dez minutos a atender-me, não demorou desta vez mais do que uns segundos. Ri-me e abanei a cabeça. A natureza humana…Ela fez o pedido, o empregado afastou-se e eu voltei à minha leitura.-Deve ser mesmo interessante…-O quê?-A noticia que estas a ler…-E é.Ela estava curiosa, mas não queria dar a entender que estava. Por outro lado eu apercebi-me disso e apetecia-me espicaça-la. Ficamos em silêncio. O empregado chegou com o pedido dela e foi dispondo o galão e a torrada com manteiga em cima da mesa sem tirar os olhos dela. Bem, para ser sincero, não tanto dela, mas mais do decote que, não sendo generoso, deixava algo à imaginação. Fixei os olhos nele. Ao notar que tinha sido apanhado corou e afastou-se rapidamente. Quando ele se afastou voltei a rir-me para comigo mesmo.-Pareces estar divertido…-E estou.-Posso saber com o quê?-Com a natureza humana.-Posso saber o que isso quer dizer ou é algum mistério profundo?-Podes saber. Eu não sou assim tão misterioso.-Olha que ninguém diria.-Mas queres saber ou não?-Vá, diz lá…Ela estava visivelmente divertida quer com a nossa conversa, quer com a situação anterior com o empregado, que ela tinha obviamente notado. Eu, sinceramente, também. O nosso jogo do gato e do rato era engraçado. Ela esperava que eu lhe falasse da situação. Eu evitava-a.-Pronto, cá vai…-Finalmente!-No Brasil um bando de traficantes de droga foi apanhado porque tiraram fotografias com o telemóvel a eles próprios ao lado da droga. -Tás a brincar… – disse ela quase largando uma gargalhada.-Não, tá aqui escrito. – Disse, apontando para o jornal. – Depois foram condenados com base nessas mesmas fotografias que foram usadas como prova contra eles.-Deixa ver…Passei-lhe o jornal e apontei-lhe a notícia. Durante alguns momentos ela leu-a avidamente para seguidamente explodir em gargalhadas no meio do café. Se já tinha as atenções concentradas em si, a atenção redobrou.-Isto devia levar um prémio internacional pela estupidez! – Comentou ela.-Eu não me atrevia a dizer tanto, mas eles devem estar em primeiro lugar no ranking brasileiro.-Acredita… – Disse. Depois inspirou longamente, procurando recuperar a sua compostura. – Já há muito que não me ria tanto.-Então devias rir-te mais.-És sempre assim pela manhã?-Normalmente não. Não costumo ter mais ninguém a tomar o pequeno-almoço comigo.-Então ainda bem que hoje tens companhia.-Sim, ainda bem.Voltei a dar a minha atenção ao jornal enquanto ela comia. Por vezes comentava um ou outro pormenor das notícias com ela, e ela respondia com humor. Estava solta e desprendida como nunca a vira antes e a sua soltura surpreendia-me tanto a mim como ao resto do café.Por fim, com a hora de entrada já perigosamente perto, pagamos e saímos do café juntos.-Sabes que mais? – Disse ela – Há pouco, quando falaste da natureza humana, esperava que me falasses de outra coisa…-Eu sei, – respondi-lhe – mas se o tivesse feito não te tinhas rido tanto.-Bom ponto de vista… Não tinha pensado nisso!Com isto tudo, e apesar do nosso passo pachorrento, chegamos à entrada do edifício e também à altura de nos separarmos. -Bem, adorei este bocadinho! – Disse ela com um sorriso.-Eu também. Temos que repetir mais vezes, não achas?-Acho. Temos mesmo que repetir mais vezes. Sempre chego aqui mais bem-disposta.-…sempre é uma mais valia para o resto do dia!-Acredita. – E com isto aproximou-se de mim e deu-me um beijo na face. Sem mais palavras, virou as costas e seguiu por um corredor oposto ao que eu devia seguir. E eu, como era suposto, virei-me e fui aos meus afazeres.
Escusado será dizer que todos os que se encontravam por ali naquela altura seguiram atentamente aos nossos movimentos.
Escusado será dizer que todos os que se encontravam por ali naquela altura seguiram atentamente aos nossos movimentos.
Published on October 27, 2015 01:23
October 26, 2015
Os dias mais estranhos - 04. Mónica
Umas batidas leves na porta da minha sala quebraram a minha concentração.-Entre… – Disse!E ela entrou. Deslizou pela sala como se flutuasse.Tentei controlar-me e esconder a minha surpresa de a ver ali. Também tentei não fazer figura de parvo frente a ela, como tinha feito anteriormente. Mas creio que não consegui nenhum dos meus objectivos.-Pareces surpreso de me ver aqui.-E, na realidade, estou.-Porquê?-Não me passou pela cabeça que viesses cá acima…-Vim ver se já tentaste.Aos poucos comecei a relaxar. Embora tivesse fama de mulherengo, o proveito não existia. A fama vinha do facto de eu me sentir extremamente confortável entre mulheres com quem já tivesse alguma confiança. Sempre gostei de brincar e, tal como elas me mandavam bocas safadas, também eu o fazia. Mas nunca se passava das bocas. Sentia muitas vezes que se forçasse a situação as coisas seriam diferentes, mas nunca o fiz. Não estava interessado em arranjar chatices no meu local de trabalho e o envolvimento com colegas, mais cedo ou mais tarde, começaria a levantar problemas.Por outro lado tinha à minha frente alguém que tinha a fama de ser uma devoradora de homens. Só que, segundo o Silvino, a fama também não era acompanhada de proveito. E no fundo, por mais sensual que ela fosse, não deixava de ser somente uma mulher. Pela primeira vez olhei para ela directamente enquanto ela se sentava do outro lado da secretária.Na realidade, embora fosse uma mulher bonita, a aura que emanava dela devia-se muito mais à sua sensualidade. A maneira como caminhava, como sabia estar, sempre de costas direitas e de queixo erguido, olhando sempre toda a gente de frente sem o mínimo temor era o suficiente para intimidar qualquer homem. E ela sabia-o bem. A sua sensualidade ia muito além da sua aparência. Era o puro reflexo da sua maneira de ser.Tendo tudo isto em linha de conta apercebi-me que ela não fixava o olhar em mim para me seduzir ou intimidar. Fazia-o para tentar entender se as palavras que eu dizia correspondiam aos meus pensamentos. Estava certamente farta de cinismo e era esta a maneira que tinha encontrado de se tentar defender. Posto isto, uma vez que não havia entre nós nenhum motivo de tensão, relaxei completamente.-Já tentei. – Respondi.-Mostra.Virei-me para o computador e abri um ficheiro. Ela olhou a imagem no monitor. Tinha feito todo o logótipo com uma aplicação 3D que dava a todo o desenho uma grande profundidade, sendo que o nome se encontrava envolvido por uma bolha oval em azul.-É isso?-Sim, o que é que achas?-Tá giro… – e ficou a observar o desenho por alguns momentos – …mas está impessoal. As cores são frias. E não gosto muito desse tipo de letra.-Sim, mas isto é só um esboço. Se te agrada podemos partir daqui.-A base agrada. Mas em vez desses azuis todos podes fazer isso com cores mais quentes?-Sim. Espera aí.Depois de meia dúzia de click no rato a bolha oval ganhou tonalidades que iam do amarelo ao vermelho intenso, dando a sensação de que era feita de um fogo suave e translúcido. Ela sorriu.-É mais isso mesmo. Agora só não gosto da letra.Abri uma caixa com os diversos tipos de letra que tinha disponível no computador. Fomos correndo uma a uma, mas nada parecia agradar e dar o efeito pretendido. Às tantas ocorreu-me uma ideia. -Queres uma coisa pessoal, não é?-É.Passei-lhe uma folha em branco e uma caneta.-Assina só o teu primeiro nome.Ela olhou para mim e compreendeu de imediato. Depois de assinar passou-me de novo a folha que eu coloquei de imediato no scanner. Aos poucos a sua assinatura apareceu enormemente ampliada no monitor. Cinco minutos depois a sua assinatura esculpida em gelo flutuava dentro de uma oval de fogo.Ela observou o desenho por algum tempo sem dizer nada. Depois tirou os olhos do monitor e olhou para mim.-Tá um espectáculo! – disse.-Gostas assim? Se quiseres posso tentar melhorar…-Não, não mexas. Tá bem assim.Tirei uma impressão da imagem na melhor qualidade que a impressora podia dar e entreguei-lhe.-Quanto é que te devo?-Nada. -Mas tiveste trabalho…-Isto foi um favor que eu fiz ao Sílvino, assim como ele já me fez muitos a mim. Não me deves nada.Ela olhou para mim e compreendeu que nada que dissesse me ia fazer mudar de opinião. Compreendeu também que já não me sentia inibido perto de si. Olhou-me profundamente nos olhos, e pela primeira vez consegui encara-la.-Obrigada. – Disse. Depois aproximou-se e deu-me um beijo na face.-De nada. Os amigos dos meus amigos, meus amigos são. Se precisares de mais alguma coisa estás à vontade.Virou-se e deslizou pela sala até à porta. Abriu-a, e antes de sair virou-se para mim.-Posso vir a cobrar-te essas palavras.-Quando quiseres.
Mais uma vez ela sorriu para mim. Atrás dela passou uma colega da sala ao lado que notou com espanto e estranheza o facto de ela estar a sair da minha sala. Foi a última coisa que vi antes de ela fechar a porta.
Mais uma vez ela sorriu para mim. Atrás dela passou uma colega da sala ao lado que notou com espanto e estranheza o facto de ela estar a sair da minha sala. Foi a última coisa que vi antes de ela fechar a porta.
Published on October 26, 2015 06:09
October 23, 2015
Os dias mais estranhos - 03. Sílvino
-Sim?-Atão puto, tas bom?-Olhó gaijo…-Olha lá, tas muito ocupado?-Nem por isso…-Tenho aqui uma coisa em que me podias dar uma ajuda, pá. Isto não é bem para mim, é para uma amiga, mas eu já não tenho idade nem paciência para estas máquinas da treta.-Tá bem, pá. Eu já aí dou um pulo.-Já bebeste café?-Por acaso não…-Então eu tiro aqui um, pá. 'Bora lá num instante.-Tá bem, já tou a ir.E com isto desliguei.Peguei no meu casaco e dirigi-me à porta. O Sílvino era do caraças. Já estava plenamente integrado no local de trabalho, e num sítio onde abundavam mulheres, o mais natural era que os poucos homens existentes criassem entre eles algumas cumplicidades. O Sílvino era já bem entrado. Já nos sessentas. Estava ali à espera da reforma, e também porque nada o esperava lá fora. Mas não se deixara abater nem pela idade nem pela solidão. Depois de ter enviuvado, e sem ter filhos, começou a levar uma vida descontraída onde as tertúlias à noite com os amigos ocupavam um lugar central. Era visto por todos, mais novos ou mais velhos como um tipo porreiro. E era uma das pessoas que eu mais considerava dentro daquele espaço.Bati à porta ao chegar à sala dele.-Entra, pá.Entrei.Ele estava de olhos fixos no monitor e não os desviou.-Tás a tentar fazer um logótipo?-É, mas não me entendo com isto.-Mas o que é que queres disso? – Disse apontando para o monitor.-Não sei bem… – disse ele afastando-se do monitor. – Queria assim uma coisa tipo mística e envolvente… – e acompanhou fazendo um gesto abrangente com os braços e as mãos.-Tou a ver! – Disse eu com um esgar de gozo olhando para o desenho no monitor.-Pá, puto, tu não me gozes. Sabes bem que eu não percebo nada destes baldes de parafusos. – Disse olhando com desdém para o PC em cima da secretária.-Deixa-te de tretas, estas máquinas são lindas. – Disse eu fazendo festinhas à torre.-Às vezes penso que gostas mais destas porcarias do que de gajas! Mas, ouve lá, ajudas-me ou não?-Mas para que é isso?-É para uma coisa… espera aí… – Pegou no telefone e discou um número interno. – Tou? Ó Mónica, chega lá aqui… Hum, Hum… pois, pois, mas é assim, cravei um amigo meu para me ajudar e ele não vai ficar aqui o dia todo a olhar para mim… Tá bem, mas despacha-te. – Desligou. – Mulheres…Bebe o teu café que ela já vem.Peguei no copo de plástico. Mónica? De repente veio-me um ano e meio à memória. Ano e meio em que o ponto alto do meu dia era o pequeno-almoço naquele mesmo café. Mónica. Sabia quase de cor os dias em que ela se atrasara. Seria a mesma Mónica? Não tinha ideia de que o Sílvino a conhecia. Nem, pelo que ouvira falar sobre ela, que ele tivesse algum interesse em conhecê-la. Acabei o meu café enquanto contemplava o monitor e os meus pensamentos de não sei quantas histórias corriam nos escritórios acerca da Mónica. Para mim essas histórias não passavam de boatos, inveja e mesquinhes entre mulheres. Mas nunca tinha falado nisso com o Sílvino e não sabia portanto a sua opinião. Se as histórias fossem levadas a sério por Sílvino então a Mónica seria alguém que ele não estaria interessado em conhecer.Os meus pensamentos foram interrompidos por umas pancadas na porta. – Entre… – Disse o Sílvino.A porta abriu-se e era ela mesma.-Tenho que ir a uma reunião daqui a dez minutos, pá.-Ta bem mas o puto… – Disse apontando para mim – …não tem o dia todo.-Mas o que é que queres afinal?-Explica lá ao puto para que é isto.Ela olhou directamente para mim pela segunda vez. Mais uma vez fiquei sem reacção.-Tu és o…-Pedro. – Disse eu.-Pois, o Pedro. -Repetiu ela. – Olha, isto é assim para, tipo, uma empresa familiar de produtos naturais, estás a ver?Acenei que sim com a cabeça.-Gostava que fosse algo meio místico e que tivesse a ver com a Natureza. Mas não consigo definir bem o que é…-Como é que se chama a empresa? – Perguntei.-“Mónica”. Achas que consegues fazer alguma coisa?-Posso tentar…Os seus olhos caíam sobre mim, sagazes, como se quisesse ver através do que eu aparentava. Como se quisesse sentir os meus pensamentos. Creio que em certa parte ela sentia o nervosismo que eu sentia com a sua presença. E acho que isso de algum modo a divertiu. Mas a sua face nunca perdeu o ar sereno, mas sério.-Então tenta.Mais uma vez assenti com a cabeça.-Joca, Sílvino. Tenho mesmo que ir.E saiu de rompante.-Sim, sim… - respondeu o Sílvino com o ar mais desprendido do mundo e de olhos colados ao monitor, enquanto a porta se fechava.Depois de ela sair a sala ficou em silêncio. Ouvia-se apenas o ruído monótono da ventoinha do PC e alguns cliks nos botões do rato.Como que incomodado pelo silêncio o Sílvino virou-se:-Pá, ainda cá tas? – E depois riu-se. – A Mónica às vezes tem esse efeito.-O quê?-Ó pá, conheço esse olhar. E também já tive a tua idade.-Foram-se! É assim tão óbvio?-Se é óbvio para mim, imagina para ela…Naquele momento dei-me conta da minha figura à frente dela.-Não te preocupes, pá. Ela já está habituada.-Há quanto tempo conheces a Mónica?-Há uma catrefada de anos. Desde que ela veio trabalhar para aqui. É uma miúda porreira.-Mas a Mónica…-Pá, diz-se por aí muita coisa. Também se diz por aí que tu és um mulherengo e eu nunca te vi sacar uma gaja daqui. E digo-te já, puto, é porque não queres. Passa-se muita fominha nesta casa… – Disse com um ar de gozo.-Yá, isso é verdade.-Devias tár à espera que estas velhas todas vissem com bons olhos uma mulher como a Mónica no meio delas. Até roem as unhas…Isto estava de acordo com o que eu sempre tinha pensado. As histórias retratavam sempre a Mónica como uma ninfomaníaca devoradora de homens, que estava a secretariar a direcção porque tinha um arranjinho com o chefe. Por outro lado, a inveja acentuava-se porque ela vivia com um industrial “todo cheio da papel” que a trazia de Mercedes todos os dias. Era “só interesse da parte dela” diziam. Ele tinha, à vontade mais uns vinte anos do que ela.Não sabia de nada em relação ao industrial, mas duvidava que ela andasse com o chefe só para ser “secretaria da direcção”. De algum modo parecia-me um objectivo demasiado modesto para a personalidade que a Mónica denotava.
Published on October 23, 2015 08:07
Os dias mais estranhos - 02. Inveja (cobiça, invídia, zelotipia, ciúme
Nada no mundo existe de tão complicado e estranho como as relações humanas. Para todos os que pensam que é um paraíso trabalhar entre mulheres, posso afirmar por experiência própria que é das piores coisas que pode acontecer a um homem. O meu trabalho relacionava-se com números, sendo que lidava com extensíssimas folhas de calculo e com montanhas de papeis, mas visto ser a única pessoa naquele escritório que conseguia perceber o que era um computador, pediam-me com frequência ajudar e explicar o funcionamento de alguns programas, nomeadamente processadores de texto. Isto aliado ao facto de todas as outras funcionárias serem quarentonas do género feminino e de eu ser um rapaz a meio dos seus vintes fazia com que fosse acarinhado por todas elas, sobretudo porque sabiam que, mais tarde ou mais cedo, precisariam da minha ajuda. Claro que nem tudo eram jogos de interesses, e algumas delas, após ganharem alguma confiança comigo e de verem que eu tinha um espírito brincalhão e bem-disposto, mandavam-me bocas que fariam corar um playboy, só para verem a minha reacção. Depois, claro, vinha a frase que eu mais ouvia repetida “Sabes que eu estou a brincar. Afinal já tenho idade para ser tua mãe…”Se estas situações na primeira semana tiveram piada e levantaram o meu ego, na segunda já me chateavam um bocado e eu fazia os possíveis por ficar quieto no meu canto. No entanto naquele dia tinha já uma colega da sala ao lado à minha espera porque não conseguia fazer uma determinada formatação num documento.Sentei-me em frente ao seu computador e estava a falar com ela tentando perceber o que precisava, quando de repente a porta se abriu. Como é natural voltei-me para ver quem entrava.De repente a passar por aquela porta estava toda a segurança e a sensualidade que tinham deixado o café parado no tempo. Fiquei surpreso de a ver ali, assim como ela ficou de ver alguém desconhecido na sala. Fixou o seu olhar em mim e podia jurar que naquele momento o meu coração falhou uma batida quando nossos olhos se encontraram. Desviou o olhar, disse um “Bom dia” quase inaudível numa voz suave e profunda e dirigiu-se para uma secretária que eu ainda não tinha visto ser utilizada. A colega que me tinha chamado fez os possíveis por ignora-la embora eu pudesse ver que estava profundamente perturbada com a sua presença. De novo a reacção que tinha observado no café. De novo a inveja.O ar ficou a ponto de cortar à faca, por isso conclui a formatação do documento e fui para a minha sala. Naquele dia as conversas fúteis e a discussão de receitas de culinária que eu costumava ouvir através da fina divisória que separava as nossas salas não se deu. Aliás, estranhamente, apesar da sala estar cheia de mulheres a trabalhar, o silêncio era sepulcral. Pelo menos algo de bom tinha vindo daquela aparição para mim inesperada.Nos dias seguintes o silêncio continuou, sendo só interrompido por um burburinho de sussurros cada vez que ela se ausentava. Quando nos cruzávamos nos corredores ela passava por mim como se eu não existisse. Tendo em conta a maneira como as pessoas a tratavam em geral eu conseguia perceber a sua atitude. Muito provavelmente, se trocássemos de lugar, eu faria o mesmo.
Duas semanas depois daquele dia ela deixou de aparecer. Soube que tinha sido transferida para outro local dentro do mesmo edifício. Só então tomei conhecimento das histórias que a rodeavam, sendo que a maior parte era inverosímil demais para ter acontecido. Mas também, só então soube o seu nome.
Duas semanas depois daquele dia ela deixou de aparecer. Soube que tinha sido transferida para outro local dentro do mesmo edifício. Só então tomei conhecimento das histórias que a rodeavam, sendo que a maior parte era inverosímil demais para ter acontecido. Mas também, só então soube o seu nome.
Published on October 23, 2015 00:43
October 22, 2015
Há uma coisa que eu não percebo!

Atão gastam uma pipa de massa para mandar o gajo para lá e nem sequer lhe deram um GPS? Pronto, vá, na pior das hipóteses, um mapa...Ó NASA, tou buéda desiludido convosco!
Published on October 22, 2015 06:55
Os dias mais estranhos - 01. Intemporalidade (para além do tempo)
Era uma manhã de finais de Setembro como qualquer outra. O verão tinha sido quente, mas as manhãs começavam agora a dar sinais de querer arrefecer. No entanto as temperaturas mantinham-se agradáveis.Eram 8:00 da manhã, e eu, como de costume nas duas últimas semanas estava sentado a tomar o pequeno-almoço num café perto do meu novo local de trabalho. Costumava chegar aqui sempre por volta da mesma hora por causa dos transportes, mas visto que entrava só às 8:30 aproveitava para desfrutar os óptimos folhados caseiros que ali faziam e lia o jornal que estivesse à mão para me por a par das noticias do mundo.Foi então que ela entrou no café, e o mundo parou à sua volta. Entrou serena e os seus passos denotavam a segurança de alguém que sabe o que quer. Alta e elegante, com um vestido que lhe descia até aos pés, mas que se lhe colava à silhueta deixando adivinhar os contornos do seu corpo. Os seus cabelos pretos, pelos ombros, emolduravam-lhe o rosto fino, de uma pele alva onde se notavam apenas alguns toques que maquilhagem, um batom de um encarnado vivo que lhe desenhava os lábios e um toque do eyeliner e de máscara que realçavam os seus olhos, verdes como duas pedras de jade sobre um pano preto.Por breves instantes o tempo quedou-se suspenso. Quando retomou o seu curso natural era evidente que todos os homens presentes tentavam disfarçadamente observa-la e que as mulheres a olhavam com intensidade e faziam comentários umas com as outras. A situação não podia deixar de me divertir. A inveja é um sentimento terrível.Ela dirigiu-se ao balcão e o empregado mais próximo deixou o que estava a fazer para se lhe dirigir solícito, para frustração dos restantes empregados. Naquele momento todo o café era seu, e ela, passando acima de todos os comentários, olhares e atitudes, sabia-o perfeitamente.
Pelo canto do olho vi que o meu folhado misto me chamava, indignado com o abandono a que eu o tinha entregue. Resolvi dar-lhe novamente atenção. Acabei de o comer e empurrei-o para o estômago com um trago de café expresso. Findo isto, levantei-me e dirigi-me à caixa para pagar. Tive que chamar a atenção ao empregado, suspenso que este estava em cada gesto daquela mulher. Depois ri-me novamente com a situação que uma simples mulher que de simples nada tinha haverá criado à sua volta. E saí, dirigindo-me ao meu local de trabalho…
Pelo canto do olho vi que o meu folhado misto me chamava, indignado com o abandono a que eu o tinha entregue. Resolvi dar-lhe novamente atenção. Acabei de o comer e empurrei-o para o estômago com um trago de café expresso. Findo isto, levantei-me e dirigi-me à caixa para pagar. Tive que chamar a atenção ao empregado, suspenso que este estava em cada gesto daquela mulher. Depois ri-me novamente com a situação que uma simples mulher que de simples nada tinha haverá criado à sua volta. E saí, dirigindo-me ao meu local de trabalho…
Published on October 22, 2015 04:03
Os dias mais estranhos... (prologo)
Antes de vos começar a prespegar com esta ladainha semi-auto-biográfica-com-pinta-de novela-da-tarde-da-TVI-sem-o-ser, gostava de esclarecer que está história é verídica (embora nomes, locais e até mesmo a ordem de alguns eventos secundários terem sido alterados) e é o meu ponto de vista pessoal!
Os outros intervenientes terão, por certo, os seus pontos de vista e as suas verdades que, pese embora os factos sejam os mesmos, podem ser radicalmente diferentes dos meus.
Esta história foi escrita há já bastantes anos como forma de eu meter a minha cabeça no sítio depois de uma altura da minha vida que foi bastante confusa!
Noutra nota, a principal personagem feminina desta história já faleceu há algum tempo. No entanto chegou a ler a história o que levou a uma enorme conversa, que levou a enormes esclarecimentos e, para minha felicidade, ao reatar de uma amizade que durou até ao fim da sua vida!
Esta história já esteve publicada noutros blogs, e já houve pressões da minha antiga editora para lhe dar o formato de livro! Nunca o quis fazer. Foi a primeira história longa que escrevi (ia para dizer livro, mas...) e vai ser aqui posto como foi escrito na altura! Como tudo na vida, a minha escrita evoluiu e sentia-me desconfortável dar isto à prensa sem rever toda a escrita aqui presente e até incluir coisas que não estão aqui (a história de "A Seca" publicada mais abaixo, é desta altura, por exemplo, embora não a tenha incluído originalmente porque achei que não era relevante) e para isso teria de mergulhar de cabeça numa altura que já deixei para trás e não me apetece...
O passado é o passado, é imutável, portanto...
Dito isto, comecemos!
***
Qualquer homem inteligente teme apenas duas coisas na vida. Deus e as Mulheres. A não ser que seja ateu… O mundo não seria o mesmo depois desta noite. Esvaziara-se de repente…
Os outros intervenientes terão, por certo, os seus pontos de vista e as suas verdades que, pese embora os factos sejam os mesmos, podem ser radicalmente diferentes dos meus.
Esta história foi escrita há já bastantes anos como forma de eu meter a minha cabeça no sítio depois de uma altura da minha vida que foi bastante confusa!
Noutra nota, a principal personagem feminina desta história já faleceu há algum tempo. No entanto chegou a ler a história o que levou a uma enorme conversa, que levou a enormes esclarecimentos e, para minha felicidade, ao reatar de uma amizade que durou até ao fim da sua vida!
Esta história já esteve publicada noutros blogs, e já houve pressões da minha antiga editora para lhe dar o formato de livro! Nunca o quis fazer. Foi a primeira história longa que escrevi (ia para dizer livro, mas...) e vai ser aqui posto como foi escrito na altura! Como tudo na vida, a minha escrita evoluiu e sentia-me desconfortável dar isto à prensa sem rever toda a escrita aqui presente e até incluir coisas que não estão aqui (a história de "A Seca" publicada mais abaixo, é desta altura, por exemplo, embora não a tenha incluído originalmente porque achei que não era relevante) e para isso teria de mergulhar de cabeça numa altura que já deixei para trás e não me apetece...
O passado é o passado, é imutável, portanto...
Dito isto, comecemos!
***
Qualquer homem inteligente teme apenas duas coisas na vida. Deus e as Mulheres. A não ser que seja ateu… O mundo não seria o mesmo depois desta noite. Esvaziara-se de repente…
Published on October 22, 2015 03:01
Há poucas coisas piores...
...do que estar trancado num elevador com umas quantas gajas a falar de comida!
Aliás, não de comida, mas de não-comida, ou seja dietas!
E então uma volta-se para mim e pergunta-me:
-Atão e tu? Já vais tendo que ter cuidado não?
Pergunta-me isto como se eu tivesse pinta de fazer dietas ou outras mariquices afins!
-Claro! - respondi eu calmamente - Agora já não como lasagna todos os dias, só dia-sim-dia-não!
Ar chocado de todas! E volta-se a que me interpelou:
-Xiça! Olha eu não posso comer lasagna!
-Não podes?
-Não!
-Mas porquê?
-Porque engorda!
-Então não é que não possas! Não queres! É diferente, porque poder podes! Não poderias se fosses alérgica, ou assim...
-Mas sou alérgica! Faz-me inchar a barriga...
-Pá, podes sempre fazer uma lasagna com anti-estaminicos.
-Estúpido.
-Eu sei...
Aliás, não de comida, mas de não-comida, ou seja dietas!
E então uma volta-se para mim e pergunta-me:
-Atão e tu? Já vais tendo que ter cuidado não?
Pergunta-me isto como se eu tivesse pinta de fazer dietas ou outras mariquices afins!
-Claro! - respondi eu calmamente - Agora já não como lasagna todos os dias, só dia-sim-dia-não!
Ar chocado de todas! E volta-se a que me interpelou:
-Xiça! Olha eu não posso comer lasagna!
-Não podes?
-Não!
-Mas porquê?
-Porque engorda!
-Então não é que não possas! Não queres! É diferente, porque poder podes! Não poderias se fosses alérgica, ou assim...
-Mas sou alérgica! Faz-me inchar a barriga...
-Pá, podes sempre fazer uma lasagna com anti-estaminicos.
-Estúpido.
-Eu sei...
Published on October 22, 2015 01:35