Os dias mais estranhos - 02. Inveja (cobiça, invídia, zelotipia, ciúme

Nada no mundo existe de tão complicado e estranho como as relações humanas. Para todos os que pensam que é um paraíso trabalhar entre mulheres, posso afirmar por experiência própria que é das piores coisas que pode acontecer a um homem. O meu trabalho relacionava-se com números, sendo que lidava com extensíssimas folhas de calculo e com montanhas de papeis, mas visto ser a única pessoa naquele escritório que conseguia perceber o que era um computador, pediam-me com frequência ajudar e explicar o funcionamento de alguns programas, nomeadamente processadores de texto. Isto aliado ao facto de todas as outras funcionárias serem quarentonas do género feminino e de eu ser um rapaz a meio dos seus vintes fazia com que fosse acarinhado por todas elas, sobretudo porque sabiam que, mais tarde ou mais cedo, precisariam da minha ajuda. Claro que nem tudo eram jogos de interesses, e algumas delas, após ganharem alguma confiança comigo e de verem que eu tinha um espírito brincalhão e bem-disposto, mandavam-me bocas que fariam corar um playboy, só para verem a minha reacção. Depois, claro, vinha a frase que eu mais ouvia repetida “Sabes que eu estou a brincar. Afinal já tenho idade para ser tua mãe…”Se estas situações na primeira semana tiveram piada e levantaram o meu ego, na segunda já me chateavam um bocado e eu fazia os possíveis por ficar quieto no meu canto. No entanto naquele dia tinha já uma colega da sala ao lado à minha espera porque não conseguia fazer uma determinada formatação num documento.Sentei-me em frente ao seu computador e estava a falar com ela tentando perceber o que precisava, quando de repente a porta se abriu. Como é natural voltei-me para ver quem entrava.De repente a passar por aquela porta estava toda a segurança e a sensualidade que tinham deixado o café parado no tempo. Fiquei surpreso de a ver ali, assim como ela ficou de ver alguém desconhecido na sala. Fixou o seu olhar em mim e podia jurar que naquele momento o meu coração falhou uma batida quando nossos olhos se encontraram. Desviou o olhar, disse um “Bom dia” quase inaudível numa voz suave e profunda e dirigiu-se para uma secretária que eu ainda não tinha visto ser utilizada. A colega que me tinha chamado fez os possíveis por ignora-la embora eu pudesse ver que estava profundamente perturbada com a sua presença. De novo a reacção que tinha observado no café. De novo a inveja.O ar ficou a ponto de cortar à faca, por isso conclui a formatação do documento e fui para a minha sala. Naquele dia as conversas fúteis e a discussão de receitas de culinária que eu costumava ouvir através da fina divisória que separava as nossas salas não se deu. Aliás, estranhamente, apesar da sala estar cheia de mulheres a trabalhar, o silêncio era sepulcral. Pelo menos algo de bom tinha vindo daquela aparição para mim inesperada.Nos dias seguintes o silêncio continuou, sendo só interrompido por um burburinho de sussurros cada vez que ela se ausentava. Quando nos cruzávamos nos corredores ela passava por mim como se eu não existisse. Tendo em conta a maneira como as pessoas a tratavam em geral eu conseguia perceber a sua atitude. Muito provavelmente, se trocássemos de lugar, eu faria o mesmo.
Duas semanas depois daquele dia ela deixou de aparecer. Soube que tinha sido transferida para outro local dentro do mesmo edifício. Só então tomei conhecimento das histórias que a rodeavam, sendo que a maior parte era inverosímil demais para ter acontecido. Mas também, só então soube o seu nome.
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Published on October 23, 2015 00:43
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