Os dias mais estranhos - 38. Aceitação (admissão, aprovação, consentimento)
Acredito piamente que todos nós nascemos já com alguns gostos definidos. Já outros são adquiridos ao longo da vida devido às circunstâncias por onde vamos passando. Isto, quanto a mim, aplica-se a tudo, desde a gastronomia às artes. E por norma, a primeira tendência que temos em relação à novidade é a rejeição, talvez por uma questão de insegurança, medo de não compreendermos o que se nos apresenta. aceitaçãoPor outro lado, quando começamos a rejeitar algo que sempre foi um fundamento da nossa vida algo se passa connosco. Quando isso acontece há, com toda a certeza uma mudança em curso nos nossos padrões de pensamento. O facto de existir uma mudança pode encerrar algo de benéfico, resultado de uma aprendizagem e da apreensão de novos elementos. Ou não.Posso afirmar que, neste momento, o meu pensamento estava muito focado apenas numa direcção e o resto perdia importância a cada dia que passava. Aquilo que sentia dentro de mim começava a tomar conta das minhas atitudes em relação ao mundo e começava a ameaçar tudo aquilo a que eu sempre dera importância. Era, de certa forma, como se o mundo só tivesse sal quando se relacionava com ela. Tudo o que não girava à volta dela perdia sabor. Mas também acho que isso só acontecia devido ao facto de, por comparação, o resto da minha vida ter sido vivida em tons de cinzento. A Mónica era a cor.Ela ficou, obviamente, surpresa com o facto de eu desistir da minha banda. Creio que de alguma forma ele intuiu que, em grande parte, a minha decisão tinha a ver com ela. Uma vez que ela nunca perguntou, eu também nunca tive que lhe responder a isso. Mas é claro que, se tivesse, nunca lho diria. À altura nem perante mim próprio eu o admitiria.No entanto, não me era omisso o facto de, uma vez que já não tinha banda, ter daqui para a frente os fins-de-semana todos livres para ela. E isso dava-me uma secreta felicidade. A nossa relação foi-se tornando cada vez mais próxima quando estávamos a sós. -Não achas que devíamos dizer qualquer coisa à Raquel?-Não sei, …-Mas porquê? Não achas que as coisas se estão a tornar um bocado óbvias? Preferes que seja ela a chegar ao pé de ti um dia destes e perguntar-te? É isso que preferes?-Não… Acho que tens razão, mas não sei…Compreendia as dúvidas dela. Uma afirmação daquelas, mesmo que só diante da Raquel, dava um carácter completamente diferente à relação. Seria uma coisa mais assumida por ambos. Apesar das suas dúvidas sei que ela também o queria fazer. Ainda que fosse só dentro daquelas quatro paredes, seríamos mais abertos, com toda a certeza.Acabou por aceder. Num Sábado após o jantar fomos dar uma volta até ao guincho e a Raquel veio connosco. Bebemos um café e estivemos na conversa por ali, só a apreciar aquele mar ainda com a força do Inverno. Dentro do restaurante ouvia-se claramente o rugido das ondas e isso tinha um efeito calmante.Ao chegar ao carro chegou a altura de expor a situação à Raquel. Ambos achamos preferível ser a Mónica a contar-lhe. Já sentados no carro ela começou:-Raquel, nós queríamos falar contigo…Só a simples maneira como a Mónica começou a conversa fez com que a Raquel ficasse completamente atenta num repente, com a curiosidade à flor da pele. Ao olhar para ela via claramente que ela intuía o que viria a seguir, e a sua expressão denotava que em nada se opunha à situação. Contribuía para isto, com toda a certeza, o facto de eu me dar tão bem com ela. Era claro que a Mónica não sabia por onde começar. Suspirando continuou.-Sabes que o Pedro e eu somos muito amigos e que ele tem vindo muitas vezes cá a casa… Não sei o que é que pensas disso…-Por mim está tudo bem. – Respondeu a pequena.-…pois, e sabes também que ele costuma ficar até muito tarde…-Sim.-…é que eu e ele temos falado muito…Não me contive. Aqueles rodeios não serviam para nada a não ser tentar adiar uma reacção que eu via que à partida não seria má. Por isso antecipei-me.-Olha, isto tudo é só para te dizer que eu e a tua mãe namoramos.Fez-se um silêncio. Pela primeira vez via aquele tipo de ansiedade na Mónica enquanto esperava uma resposta da filha. A Raquel olhou primeiro para ela e depois para mim. Sorri-lhe. Ela sorriu de volta.-Fixe. Já calculava…A Mónica olhava para ela algo ruborizada.-…era por isso que vocês queriam tanto tar na conversa até às tantas…A Mónica sorriu finalmente.-Era, querida. Era por isso.-Tudo bem, mãe. Eu até gosto…A Mónica olhou para mim. Notei-lhe um olhar diferente, cheio de aprovação. Aquele passo parecia ter sido decisivo para ela própria poder aceitar a relação sem se sentir culpada de nada perante ninguém. Os meus olhos devolveram-lhe a paixão que eu sentia por ela.Nessa noite estivemos os três a ver televisão na sua Sala. Estávamos muito mais soltos, fazendo carinhos um ao outro, sem termos que o esconder. Pela primeira vez podia estar com ela sem restrições. Podia ser quem eu era junto dela sem termos que esperar até ficarmos a sós. A Raquel, apercebendo-se de que talvez fosse melhor deixar-nos, foi-se deitar mais cedo que o costume. Nessa noite, uma vez que a casa tinha somente um quarto, abrimos o sofá da sala e ficamos por lá. Fizemos amor apaixonadamente e em seguida ela deixou-se dormir nos meus braços aproveitando o meu calor, enquanto eu a mimava. Acordamos no dia seguinte ainda bem agarrados um ao outro.
Foi a primeira noite que passamos juntos e aumentava em mim a vontade enorme de estar sempre com ela.
Foi a primeira noite que passamos juntos e aumentava em mim a vontade enorme de estar sempre com ela.
Published on November 12, 2015 04:15
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