Jaime Lerner's Blog, page 18

July 14, 2022

A História de Nós Três

Jorge Salton como Jota, protagonista de a História de Nós três.

Na semana passada não houve post no blog. Eu estava filmando em Passo Fundo, envolvido até a medula em um projeto sui generis. Não em termos de roteiro – A História de Nós Três é um drama familiar que aborda de forma sensível inúmeros temas existenciais e éticos – mas em termos do processo de filmagem. Filmamos, com uma equipe minúscula, um longa-metragem em sete dias. Éramos quatro profissionais: Alan Mendonça e Marcelo Curia operando as câmeras e o drone, Nina Mayers no som, e eu na direção e DF. Conosco estavam estreando o Eric Roberty como assistente de direção;  o Toni Campos como microfonista e assistente de produção e a Rejane Salton na direção de produção. O elenco era composto de atores experientes (grande Cristian Cardoso), amadores e uma maioria de não-atores que encaravam a câmera pela primeira vez. Tínhamos que criar uma dinâmica no set para filmar rápido, com um formato de produção No Budget (uma escala abaixo de Low Budget – baixo orçamento), mas com o cuidado e qualidade que o roteiro exigia. Tudo isso foi provocado pelo psiquiatra e escritor Jorge Salton, que de dia é médico e de noite é artista. E que me apresentou, durante esse processo, outros doutores que encontram na arte um refúgio para o peso da lida com o sofrimento alheio, como Paulo Raichert e Ciciliana Zailo Rech. É uma confraria que está no filme como elenco e como sujeito.

Ciciliana Rech como Angélica, livreira no filme, endocrinologista na vida real.

Salton e eu nos conhecemos há muitos anos, quando ministrei um curso de extensão sobre linguagem audiovisual, na UPF. Há tempos ele vem produzindo vídeos curtos, que utiliza principalmente em suas aulas e em congressos. No entanto, escreveu um roteiro para longa e queria qualificar o processo de produção. Acabou me seduzindo para esse desafio, que incrivelmente funcionou (e funcionou incrivelmente), sem tensão de set nem grandes percalços. Como é um roteiro de muitos diálogos, resolvemos trabalhar com duas câmeras. Em quase todas as locações, contamos com a luz existente para reforçar nosso modesto “parque” de luz. Isso exigiu um planejamento meticuloso e uma solução estética que revelarei no futuro (embora esteja sugerida neste post). Os atores foram preparados semanas antes das filmagens por Salton e, remotamente, por mim. Outro fator importante foi a organização e a dedicação de toda a equipe, o elenco e agregados. Até o inverno gaúcho se contagiou com o clima de colaboração do set, apresentando uma semana de temperaturas agradáveis e  tempo seco, no meio de frio e chuvas constantes. Duas horas após o término das filmagens, o céu foi tomado por relâmpagos e trovoadas.

A muvuca do set e Paulo Martins como Paulo, psicólogo na vida e no filme.

Falarei mais detalhadamente sobre o filme e sobre esse processo diferente de filmar, quando a obra estiver saindo do forno. Por enquanto, queria apenas compartilhar a minha satisfação e avisar da novidade que está a caminho. Além de explicar porque não houve post na semana passada. As duas fotos do making of são de Alan Mendonça, a foto da equipe é de Eric Roberty, aquele com a claquete.

Obrigado Passo Fundo pela acolhida, obrigado Jorge pelo desafio.

A equipe base (faltou a Rejane) e os dois protagonistas no set da Livraria Delta.
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Published on July 14, 2022 08:06

June 30, 2022

Uma Mulher Fantástica

Filme de Sebastián Lellio, Chile 2017

Marina perde seu grande amor na noite de seu aniversário, as vésperas de viajarem para uma lua de mel. Um aneurisma fatal leva Orlando e  vira a vida dela ao avesso. Junto com o luto, a jovem trans terá que enfrentar a família que Orlando deixou ao se apaixonar por ela, e o enorme preconceito das autoridades policiais.

O drama da protagonista é tratado sem arroubos, revelando sutilmente como por trás da máscara da polidez podem ser praticadas grandes violências. Além da exposição da hipocrisia social, o tom contido da obra, tanto no roteiro como na interpretação, tece o processo pelo qual Marina passa: de fragilidade quase absoluta, após o baque inicial, até dar a volta por cima. É interessante que mesmo que os eventos apontem o contrário, há algo em Marina que sugere, desde o início, uma grande força, e essa sugestão contrasta com as reações da protagonista frente aos calvários que sofre, a ponto de deixar o espectador frustrado, até entender o processo e a verdadeira natureza da força da mulher fantástica. Essa condução sofisticada do papel e do filme, rendeu ao diretor e à atriz  Daniela Vega inúmeras premiações, entre elas o Oscar de Melhor Filme Internacional de 2018. Foi o primeiro filme estrelado por uma mulher trans a ganhar esse prêmio. Uma ousadia poética marca o ponto alto estético da obra, quando Lellio cinematiza, ou literaliza em imagem, a caminhada de Marina contra o vento.

Daniela é atriz e cantora lírica. Após ser a primeira atriz trans a apresentar um Oscar, em 2018,  teria sido agraciada com o titulo de cidadã ilustre de Ñunõa, distrito de Santiago onde nasceu. A homenagem, porém, foi cancelada, porque o nome e o gênero em sua carteira de identidade seguem sendo masculinos. “A quem entregaríamos o prêmio? Se temos a identidade de um homem, não podemos entregá-lo à uma mulher.” Explicou o prefeito de Ñuñoa. Ele, pelo visto, não viu o filme.

Uma Mulher Fantástica está disponível na Netflix.

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Published on June 30, 2022 07:40

June 23, 2022

A Casa do Baralho, episódio de hoje: O Bode na Sala

Conta a tradição judaica que Moishe, um aldeão pobre na Polônia do século dezenove, vai procurar o rabino. Ele acabou de ganhar mais um filho e a casa está pequena para as três gerações que a compartilham. O rabino orienta que ele bote as galinhas para dentro de casa e volte a falar com ele em uma semana. Na semana seguinte, Moishe chega desesperado.

— E? — Pergunta o homem sábio.

— Só piorou, Rabino, acho que o senhor não entendeu bem o problema.

— Entendi muito bem, meu caro Moishe. Falta espaço na casa?

— Tá horrível, rabino, horrível.

— Bota o cachorro pra morar com vocês.

— Mas senhor…

— Faz isso e volta em uma semana!

Na semana seguinte um abatido Moishe se arrasta à casa do homem santo, chorando lágrimas amargas. Ele nem consegue mais distinguir quem é gente, quem é bicho naquele caos.

— Não te preocupa, Moishe, agora é só botar o bode pra dentro, morando na sala.

— Rabino, o senhor definitivamente não…

— Faça o que eu mando e volte em uma semana.

A entrada do bode no seio familiar não alterou apenas o espaço físico, já exíguo. O bode, com seu comportamento dominador, e principalmente, com seu odor peculiar, transformou o que um dia foi um lar – com todos os problemas que tinha , mas um lar – num chiqueiro. A alegria foi embora, o humor se retirou, a solidariedade e a benevolência pediram as contas. Um ar que evocava podridão, massacres e morte começou a tomar conta do pedaço. A família toda ameaçou se rebelar, incluindo o cachorro e algumas galinhas, mas o impacto odorífico era tão forte que paralisou a todos.

E assim, finalmente, na quarta semana, quando um farrapo humano que atende pelo nome de Moishe cambaleia para dentro da sala do Rabino, este sorri, ordenando:

– Agora volta para casa, tira as galinhas, o cachorro e o bode.

Moishe desta vez obedece sem pestanejar. Corre para executar a orientação rabínica (tem alguma dificuldade em convencer o bode a se retirar, mas enfim, consegue), e de repente, do nada, descobre que morava numa mansão. Será essa a sensação que o Brasil experimentará em janeiro do ano próximo, após as eleições de outubro? Conseguiremos tirar o nosso B da sala? Não perca, nos próximos episódios da Casa do Baralho.  

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Published on June 23, 2022 07:45

June 16, 2022

Intimidade

Série, criação de Verónica Fernández e Laura Sarmiento, Espanha 2022

Intimidade é uma das mais instigantes obras para TV  que  tratam do avanço das mulheres em  territórios que outrora eram predominantemente masculinos e da reação dos que não conseguem encarar este avanço. O choque entre progresso e reação é o motor dramático da série. O combustível é a violação da intimidade.

Seis mulheres, de diferentes idades, profissões e contextos sociais são envolvidas nos dramas causados pela publicação de dois vídeos que mostram duas delas durante o ato sexual. Malen é vice-prefeita de Bilbao e o vídeo, gravado na surdina, é publicado para acabar com a carreira da jovem política em ascensão. Ane é operária em uma fábrica, e as fotos e o vídeo, enviados e compartilhados em seu local de trabalho, têm o objetivo de humilhá-la por mera vingança. As outras quatro mulheres: a investigadora de crimes digitais que busca desvendar os dois casos, a irmã de Ane, a filha adolescente de Malen e a conselheira política da vice prefeita, têm seus próprios conflitos que são exacerbados em função do vazamento. A cadeia de reações machistas, desencadeada pelo material “explosivo”, engloba homens e mulheres, jovens e adultos.

Ane, Verónica Etchegui, avançando em território masculino.

A trama se desenrola entre o espaço da política e poder, a fábrica de maquinas pesadas, a polícia, a escola e as famílias. É admirável como o roteiro de Intimidade consegue conectar os personagens e cenários de dois casos paralelos, criando a dimensão de fenômeno social, sem abandonar a dimensão pessoal, o impacto de cada um dos casos nos indivíduos envolvidos. É mais admirável ainda como roteiro e direção constroem as personagens dessas seis heroínas, não apenas em cima de sua força, mas também de suas fragilidades.

Outro ponto interessante é que é uma produção do País Basco, conhecido no século passado pela luta sangrenta dos separatistas do ETA (ver o post Pátria). Com o fim do conflito a região resolveu investir no progresso e na cultura, criando, entre outras coisas, um polo de produção audiovisual. A série é falada em espanhol, mesclado eventualmente com o Euskera, o idioma local.

Intimidade, com Itziar Ituño e Verónica Etchegui, nos papéis de Malen e Ane, pode ser vista na Netflix.

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Published on June 16, 2022 07:23

June 9, 2022

Marrom e Amarelo

Livro de Paulo Scott, Brasil, 2019

Marrom e Amarelo não é um tratado sobre a estética das cores, mas um romance contundente com uma reflexão multifacetada sobre a ética do cromatismo brasileiro. Preto, pardo, cafuzo, mulato, crioulo, sarará, índio, branco, mameluco, caboclo, são algumas das classificações para a mistura de raças que originou o mito da harmonia racial, a ilusão de que o Brasil, após a abolição, eliminou o racismo. Marrom e Amarelo escancara a esquizofrenia de sermos uma sociedade rica em cores, matizes e misturas, e produtora de tamanha segregação.

Federico, o protagonista, é convidado a participar de uma comissão que discute o destino das cotas raciais. As ideias, argumentos e contra-argumentos apresentados nessas reuniões desenham o labiríntico beco sem saída que o país criou em séculos de exclusão. Em paralelo, o texto expõe o dilema, ou os dilemas que corroem Federico, o irmão “amarelo” em uma família marrom.

Paulo, o irmão André e a mãe. Foto: acervo pessoal do escritor.

Subvertendo a pontuação gramatical, fragmentando a linearidade e embaralhando memória e vivência, Paulo Scott vai além do experimento formal, criando um clima de caos que, após a estranheza inicial, nos coloca no coração e mente do protagonista. Essa confusão existencial, esse caos regado de raiva e culpa resulta numa escrita poderosa que conecta magistralmente o individuo e a coletividade no trágico labirinto esquizofrênico. Federico é ele e é também a sociedade brasileira. É parte e é o todo. De quebra, Scott aplica uma subversão surpreendente da máxima de Tchekhov: a arma que aparece no primeiro ato, deve disparar no terceiro.

Para mim, o único defeito do romance é que ele é muito curto. No auge do envolvimento com os protagonistas, a caminho de um ponto de virada importante, o livro acaba, como que dizendo: não espere um desfecho, muito menos uma solução. Entendo a intenção do autor, mas eu esperava, ao menos, seguir na viagem com Federico, seu irmão e sua sobrinha na trama explosiva que os cerca por alguns trechos.

Scott parte de uma situação familiar para tecer sua narrativa ficcional. Ele é filho de família negra, e tem a pele muito mais clara que André, seu irmão mais novo. O pai, delegado de polícia (como no livro), os chamava de Amarelo e Marrom. Mais do que o ponto de partida autobiográfico, o texto, narrado em primeira pessoa e em um fôlego só, passa uma sensação de verdade, uma autenticidade sombria e perturbadora.

Marrom e Amarelo chegou a etapa semifinal do prestigiado Prêmio Booker Internacional de 2022, um merecido impulso para a carreira internacional do livro e do autor. A editora é a Alfaguara, selo da Companhia das Letras.

Leia uma amostra e adquira o livro:

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Published on June 09, 2022 08:01

June 1, 2022

RESTAURAÇÃO

Iniciaram-se as filmagens da segunda fase do meu novo documentário. Encarando o frio intenso em Pelotas (dois dias gloriosos de magnífica luz, após chuva intensa), lá estava a nossa banda: Alan na Câmera 1 e Drone, Marcelo na câmera 2 e Gimbal, Nina no som, Rapha Pilotando a van e Cartlota na produção e AD. Por controle remoto,  Cintia Helena na produção executiva.

Isabel Torino no MALG

Mais detalhes serão informados no decorrer da gestação. Posso adiantar que em Pelotas fomos dar um mergulho no universo do escultor Antonio Caringi que além de uma vasta obra, teve uma vida muito interessante. Um super agradecimento à família (seus filhos e os netos Antonella e Amadeu), às artistas e acadêmicas Isabel Torino, Neiva Bohns e Myriam Anselmo, que também foi sua aluna, e ao MALG e à SECULT.

O filme foi gestado pelo projeto Construção Cultural do SINDUSCON-RS e tem o patrocínio da Gerdau, através da LIC-RS. As fotos (de cima para baixo) são de Alan Mendonça, Carlota Araujo, Nina Mayer.

O Sentinela Farroupilha de Antonio Caringi.
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Published on June 01, 2022 12:14

May 26, 2022

42 dias na Escuridão

Série, criação de Claudia Huaiquimilla e Gaspar Antillo – Chile, 2022

A primeira série chilena da Netflix parte, como muitas outras séries, do misterioso desaparecimento de uma pessoa.  E como muitas outras séries, tem como base uma história real. O diferente, em 42 dias de Escuridão, é que o desaparecimento de Verônica não conduz a obra ao gênero thriller policial, dando ênfase ao crime e aos policiais que o tentam desvendar, mas às consequências do acontecimento nas vidas dos familiares da desaparecida. O mistério, obviamente,  tem função importante, mas o carro chefe da narrativa é o drama familiar. Ao tecer os meandros desse drama e as intricadas relações que o conduzem, os criadores/diretores da série abandonam a história real e criam seu universo de personalidades e conflitos. É por isso que eles declaram que a obra é apenas inspirada e não baseada no desparecimento de Viviana Hager em 2010, ainda que os fatos permaneçam fieis ao que ocorreu naquele caso. É por isso também que dão nomes fictícios aos personagens e Viviana torna-se Verônica.

É muito interessante como os realizadores integram esses dois elementos: o mistério do crime e as relações familiares, um alimentando a fogueira do outro, principalmente com a inserção de flashbacks da irmã Cecília (Laudia di Girolamo) e da filha mais velha Karen (Julia Lubert) evocando suas relações com a desaparecida. A história paralela do advogado fracassado que tenta investigar o caso com seus dois “assistentes” igualmente marginalizados, também reforça essa correlação. Os dois episódios finais perdem um pouco da pegada criativa no roteiro, principalmente quando o eixo do mistério transita do desparecimento de Verônica para o julgamento. Ainda assim, é um drama  instigante do início ao fim.

O que mais me impressionou na direção da série é o tratamento quase documental que confere à obra uma autenticidade incrível. Essa qualidade é atingida pelo tom das interpretações, pela escolha do elenco e sua caracterização, principalmente  na maquiagem que sugere ausência de maquiagem. Os tipos, as caras, as falas parecem as dos vizinhos ao lado e esse é um grande diferencial de 42 dias na Escuridão. O cenário exuberante da região dos lagos chilena tem uma importância muito grande no impacto da obra, criando um contraponto estético com a caracterização quase documental dos personagens e com o clima de tensão estabelecido. Outro diferencial é o desfecho, muito distinto do que se espera de séries sobre casos como este. Pode agradar a uns e decepcionar a outros, mas é uma solução muito interessante dentro do conceito que norteia 42 dias na Escuridão.

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Published on May 26, 2022 07:48

May 19, 2022

Nomad Land – Sobrevivendo aos Estados Unidos no século XXI

Jessica Bruder a bordo do Van Hallen. Foto de Julia Moburg

Livro de Jessica Bruder – EUA, 2017.

Nomad Land – Sobrevivendo aos Estados Unidos no século XXI é um livro reportagem escrito pela jornalista Jessica Bruder. Uma reportagem feita em três anos de pesquisa nas estradas dos Estados Unidos. Jessica, que escreve sobre subculturas, ou “novas tribos”, pegou a estrada para conhecer uma tribo que começou a surgir no seu país após a crise de 2008: pessoas que estavam prestes a se aposentar, perderam tudo e viram-se obrigadas a reinventar suas vidas nessa idade avançada. Partiram para uma mudança radical: morar dentro de um veículo em busca de novas paisagens, de empregos temporários e companheiros de jornada. São os novos nômades, a maioria com mais de sessenta anos no lombo.

Jessica escreve em estilo jornalístico, porém desde o início se insere como personagem. As relações que trava com os sujeitos de sua pesquisa, principalmente Lynda May, sua “protagonista” dão um tom humano à narrativa, criam uma empatia entre o leitor e as pessoas reais que povoam o livro, como nas melhores obras de ficção. Através do mosaico de seus personagens, Jessica desenha magistralmente o fenômeno, objeto de sua reportagem, e analisa/aborda vários temas doloridos: o etarismo, o fracasso do sonho americano e o efeito do capitalismo predatório nas vidas das pessoas.

Linda May a bordo do Squeeze in, foto de Jessica Bruder

Apesar de apresentar o lado aventureiro e da camaradagem e solidariedade dessa nova tribo, cujo território é tão vasto quanto o próprio país; apesar de apresentar pessoas que rejeitam o coitadismo e se recusam a se sentir vitimadas, não se rotulam como Homeless (sem teto, ou sem lar) e sim como Houseless (sem casa), o livro emana tristeza. E esse tom contido de tristeza profunda que borbulha por toda a narrativa se configura numa das grandes belezas do texto.

São raros os livros reportagem que se tornam filmes de ficção. Nomad Land foi adaptado para o cinema pela diretora Clohé Zaho, um filme hiperpremiado que ganhou o Leão de Ouro de Cannes,  os Oscars de melhor filme, direção e atriz em 2021. Poucas pessoas sabem que há um trabalho jornalístico de grande profundidade por trás do texto que originou o filme.  No Brasil, o livro foi publicado pela editora Rocco.

Leia uma amostra:

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Published on May 19, 2022 09:26

May 12, 2022

A Casa do Baralho, episódio de hoje: O Golpe

Advertência: essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos, pessoas e situações reais é por conta da imaginação do próprio leitor.

O que antes era apenas um seguro, virou a principal estratégia  para o presidente B manter-se no cargo: esculhambar com o processo eleitoral. Assim como planejou explodir bombas no quartel em 1986, em operação que chamou de beco sem saída (e que lhe rendeu ser saído do exército), planeja agora detonar as urnas eletrônicas.

A poucos meses do pleito, mesmo tendo distribuindo benesses ao Centrão, via orçamento secreto, e benesses à população, por meio do auxilio isso, auxilio  aquilo, permanece  atrás nas pesquisas. Ao que parece, não foi o suficiente para que  o povo esquecesse as barbaridades do seu governo. O único jeito para se garantir de uma derrota é gritar lobo!!! No caso, fraude na apuração dos votos. E nisso aposta todas suas cartas. Para não parecer apenas papo de mau perdedor, ele grita antes de sair o resultado do pleito. Falou de fraude inclusive após ter sido eleito, dizendo que foi isso que o impediu de ganhar já no primeiro turno. Só que agora, como chefe da nação, colocou as forças armadas nesse jogo perigoso, com os militares questionando o Tribunal Superior Eleitoral sobre todo o processo. Com isso, o cheiro de golpe ficou insuportável.

Não é a primeira vez na história do Brasil que se alega fraude nas eleições para dar um golpe. Mas é a primeira vez que este golpe é aplicado pelo… próprio governo. É como se o CEO de uma multinacional de refrigerantes, por exemplo, declarasse que a fórmula do seu refrigerante não é confiável. E isso  com o intuito de não perder o cargo! Só na Casa do Baralho. E falando em embaralhar, a estratégia tem outra grande vantagem: enquanto os militares acuam a justiça eleitoral com seus questionamentos e a justiça tenta contra-atacar, não sabendo bem como, não se fala mais da inflação, do desemprego, da pandemia, do meio ambiente, da educação, dos ataques aos indígenas, enfim, de todos os temas importantes que deveriam ser discutidos às vésperas da eleição.

Para piorar a situação, o candidato da oposição, que lidera as pesquisas, anda soltando umas “perolas” de quando em vez, só para manter a disputa em patamar de suspense.

Apesar do mau cheiro, a elite continua tapando discretamente o nariz, fingindo que ninguém empestou a sala. Isso pode se revelar uma grande cagada.

Até onde irá o exército no jogo do presidente? Até onde irá a PF no inquérito desse golpe? Até quando continuará a elite a tapar o nariz? E o mais importante, conseguirá o Brasil não sair derrotado desse próximo pleito? Não perca, nos próximos episódios de A Casa do Baralho!

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Published on May 12, 2022 07:31

May 5, 2022

Boneca Russa

Série, duas temporadas, criação Leslie Headland, Natasha Lyonne, Amy Poheler – EUA, 2019/22

Finalmente estreou a segunda temporada de Boneca Russa, três anos após o lançamento da primeira. O início promissor e a curiosidade despertada pelo argumento excêntrico/ousado geraram grande expectativa,  esticada demasiadamente pela Covid. 

Na primeira temporada Nadia faz 36 anos. Ao sair da festa que celebra seu aniversário, na casa de sua melhor amiga, ela sofre um acidente e acaba morrendo. Desperta no banheiro da mesma casa, na mesma festa para tornar a morrer logo em seguida, até entender que está presa em um ciclo temporal que inicia nesse misterioso banheiro e culmina com sua morte. Nadia, que é programadora de games, tenta desesperadamente descobrir o bug que a está aprisionando. Nessa jornada detetivesca conhece Alan que sofre a mesma situação. Alan é uma espécie de antítese de Nadia, uma sarcástica  nova-iroquina com visão cética sobre o mundo.

Nadia (Natasha Lyonne) e Alan (Charlie Barnett), presos no mesmo labirinto.

A segunda temporada, na qual Nádia completa quarenta anos, aumenta a dose de surrealismo, e nos leva para uma viagem ao passado que lembra muito Buñuel e Freud, com situações surrealistas que só o cinema oportuniza, inseridas na regressão psicanalítica. É uma combinação explosiva que a série articula muito bem na condução narrativa e na construção do inusitado, principalmente no entendimento da realidade que é transmitido ao espectador a conta gotas, como se revela aos protagonistas. Faltou uma pitada a mais de aprofundamento, digna das genialidades do cineasta espanhol e do pai da psicanálise, para tornar a série uma obra absolutamente… fora de série. Mas como Boneca Russa faz uma reflexão sobre o contemporâneo, é provável que houve um cuidado para não “exagerar” na profundidade. Ainda assim, é um prato cheio para quem gosta de fugir da mesmice, sem ter que sair da poltrona. Uma das interessantes provocações é o tema da mãe (mais uma vez Freud), abordado de maneira muito peculiar. Ótimo programa para o  dia das mães.

Natasha Lyonne, uma das criadoras da série, faz também o papel principal, além de escrever e dirigir alguns episódios. Conhecida como uma das protagonistas do grande elenco de Orange is The New Black, aprofunda-se agora na direção, produção e roteiro. Boneca Russa pode ser vista na Netflix.

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Published on May 05, 2022 06:42