Jaime Lerner's Blog, page 16

November 10, 2022

Pequim em Coma

Livro de Ma Jian, China/Inglaterra –  2008

Pequim em Coma é uma obra de alto impacto. Impacto político, pelo mergulho na história da opressão chinesa, da luta intensa entre reformistas e líderes linha dura,  idealistas e  arrivistas no governo e no próprio movimento estudantil. Impacto humanista por expor as crueldades, as mesquinharias e virtudes de cidadãos comuns em meio a essa opressão. Impacto literário por um conjunto de ousadias de linguagem e estrutura genialmente articuladas numa narrativa hipnotizante.

Dai Wei é o narrador/personagem, mas sua narração em primeira pessoa se alterna para uma narração em terceira pessoa quando conta fatos de sua pré história, e volta e meia surge uma narração em segunda pessoa, quando o Dai Wei consciência fala com o Dai Wei corpo. “Você se lembra de estar parado no meio da praça, o vento quente soprando em seu rosto. A Praça era como o quarto em que está deitado agora: um espaço quente com um coração vivo, aprisionado no centro de uma cidade gelada.” A narração em segunda pessoa (raramente utilizada na literatura) e a alteração entre as formas de narração criam um clima dramático que aumenta ainda mais a tensão dos fatos narrados. A condição do protagonista, preso em uma cama, ou melhor, em seu corpo em coma, porém ciente de tudo que se passa em sua volta e tentado lembrar do que o trouxe até essa condição, justifica a pluralidade de pontos de vista narrativos, exposta por  um único narrador.

O coma é real e também metafórico, como o próprio título indica, e o narrador comatoso simboliza o cidadão oprimido sob a ditadura: pode lembrar, mas não pode agir.

Pequim 1989 – Imagem icônica do protesto na Praça da Paz Celestial

Pequim em Coma é épico e intimista ao mesmo tempo, alterna poesia e ira explosiva, luta e romance ao narrar em detalhes os eventos de 1989 que culminaram no protesto do movimento estudantil na Praça da Paz Celestial (Tiananmen), no coração de Pequim. O autor testemunhou parte desses eventos e seu olhar nos coloca no centro neural do movimento. A complexa teia de conflitos e personagens, a sofisticada construção literária não afastam o leitor, ao contrário, criam fluência e uma tensão dramática de tirar o fôlego.

Ma Jian teve seu livro sobre o Tibet (1987) banido pelas autoridades por “contaminação espiritual” e mudou-se para Honk Kong para respirar ares menos oprimentes. Após a devolução da ilha à China ele rumou para a Europa. Vive desde 1999 em Londres. Todos os seus livros estão proibidos atualmente na China.

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Published on November 10, 2022 05:59

November 3, 2022

A Casa do Baralho, episódio de hoje: Homem Bomba

Advertência: essa é uma obra de fricção. Qualquer semelhança com fatos, pessoas e situações reais é por conta da imaginação do próprio leitor.

E não é que ele atacou? Há uma semana da decisão das eleições mais acirradas, polarizadas, tensas que o Brasil já viu desde que os militares resolveram largar para os civis a bomba da sua gestão desastrosa do país por mais de vinte anos, o pistoleiro homem bomba Bob Cheferson roubou os holofotes. Sabendo que sua autorização para prisão domiciliar fora retirada, esperou a polícia com fuzil e granadas e feriu dois policiais, após disparar mais de 50 vezes. Enquanto todos se perguntavam se esse teria sido o tiro de misericórdia no esforço desesperado do Presidente para B virar o resultado do primeiro turno, a resposta veio de outra aliada do presidente, a deputada CZ. Ela, após ouvir provocações que B perderia a eleição do dia seguinte, sacou sua pistola, em plena luz do dia num bairro nobre de São Paulo e perseguiu o apavorado provocador que fugia pela sua vida. O segurança da deputada também sacou a sua arma e ainda deu uns tiros para o ar, deixando a Paulicéia desvairada mais desvairada ainda.

O quanto esses episódios de violência explicita por arma de fogo pesaram na derrota de B, defensor e difusor das armas, é difícil mensurar. O fato é que esses dois episódios foram os derradeiros de uma série de exceções, escândalos e aberrações políticas anteriores ao pleito, produzidos aos borbotões por este governo que se encerra. Mas pode ter certeza que os escândalos e as aberrações continuarão, enquanto o presidente derrotado finge de morto no Palácio da Alvorada, após uma declaração mixa, como ele, e que demorou mais de quarenta horas para pronunciar. Estava ocupado demais absorvendo o golpe da derrota, preparando o golpe da desforra e acima de tudo, tentando blindar as suas hemorroidas de uma vida fora do foro privilegiado. O que fará em 2023? Mandará seu currículo para a iniciativa privada? Seguira os passos de FHC e L e criará o Instituto Bozo? Ou aproveitará as suas aposentadorias em um ambiente seguro, fora do país? Seja o que for, é certo que pretende seguir tumultuando a vida dos brasileiros. Só deve tomar cuidado para não virar, ele mesmo, um homem bomba.

Tradicionalmente, A Casa do Baralho se encerra sempre com uma série de perguntas, prometendo respostas nos próximos episódios. Não, não é um truque barato para manter o leitor em suspense. Tanto é que chegou, finalmente, a hora das respostas.

Às perguntas: seguirá B ultrajando cada vez mais o STF, neste ano de eleições? (ep. Um Cabo e um Soldado); conseguiremos tirar o nosso B da sala? (ep. O Bode na Sala); conseguirá o eleitor mais pobre driblar a arapuca do suborno? ( ep. O Escândalo), a resposta é SIM.

Às perguntas: conseguirá o presidente se livrar do seu apego ao poder para ganhar mais quatro anos no cargo?  logrará  convencer o Brasil que vencerá essas eleições, e no primeiro turno? (Para Inglês Ver II); conseguirá o presidente extrair da falecida Rainha o segredo do reinado longevo (Para Inglês Ver)? A resposta é NÃO!

À pergunta: Até onde irá o exército (e as polícias) no jogo do  futuro ex presidente? A resposta é: não perca, nos próximos episódios de A Casa do Baralho!!!

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Published on November 03, 2022 06:06

October 27, 2022

Argentina 1985

Filme de Santiago Mitre – Argentina – 2022

Em 1985  o cinema argentino fazia história, ao ganhar o primeiro Oscar para a América Latina com uma obra que impactou o mundo, A História Oficial. O filme também foi pioneiro em abordar  as atrocidades do regime ditatorial que havia recém caído.  Naquele mesmo ano, o governo democrático de Raul Alfonsín encarava uma prova de fogo: o julgamento dos líderes do regime militar por sequestro, assassinato e desaparecimento de milhares de pessoas. Fazer o julgamento dos generais e trazê-lo para a esfera civil foi um ato absurdamente ousado e muito importante para os argentinos lidarem com seus traumas e fantasmas daquele período. E é desse julgamento que trata o filme Argentina 1985.  Seu protagonista é  Julio Strassera, um funcionário público, procurador da república que sai de seu virtual anonimato quando é incumbido de representar a promotoria no julgamento dos generais. Ele nem acredita, inicialmente, que esse processo será levado à cabo. E leva um choque ao receber a missão de juntar provas e consolidar as denúncias em apenas poucos meses. A transformação do funcionário público no decorrer do processo é também a transformação da Argentina e dos argentinos nesse período de transição de volta à democracia.

Ricardo Darin interpreta Strassera e Peter Lanzati faz o papel de Luiz Moreno, o jovem promotor adjunto. Ambos, assim como todos os outros, são personagens reais, de uma história real e recente. O filme tornou-se fenômeno de público na Argentina e foi escolhido para representar o país no Oscar. Não tem a densidade dramática de A História Oficial, mas é  retrato e resgate importante de um marco na história do país. O Brasil não seguiu o mesmo caminho e déspotas, torturadores e assassinos ficaram impunes, nem sequer foram a julgamento. Talvez seja este o motivo  da volta, nos últimos quatro anos, da ameaça de uma nova ruptura constitucional, de contorno e coturnos militares, embora com outra roupagem, a nos assombrar após tantos avanços da democracia.

Argentina 1985 pode ser visto na Amazon Prime. É importante assisti-lo, principalmente aqui no Brasil, a uma semana da definição das eleições presidenciais.

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Published on October 27, 2022 06:09

October 20, 2022

Sex Simbols

Blonde + Prazer, Kalinda

Filmes de Andrew Dominic EUA 2022,  e de Katarzyna Klimkiewicz, Polônia 2021

Há dois filmes recentes sendo exibidos na Netflix sobre mulheres que tornaram-se símbolos sexuais. Blonde é norte americano e fala de Norma Jean, mais conhecida como Marylin Monroe (1926-1962); Prazer, Kalinda é polonês e trata da cantora e atriz Kalina Jedrusik (1930-1991).  As duas foram alçadas à fama mais ou menos na mesma época, nos anos 1950 e 60. Marylin foi celebridade mundial, projetada em écrans nos quatro cantos do planeta pela máquina hollywoodense. Kalina era muito  famosa na Polônia, onde ganhou o apelido de a Marylin polonesa.

Nenhum dos filmes é estritamente biográfico, ambos se permitem licenças poéticas e narrativas em torno das suas estrelas/personagens reais. Blonde foca na fragilidade emocional de Norma e na exploração sexual de sua imagem e de seu corpo. Prazer, Kalinda mostra uma mulher forte e liberada que emana sensualidade, mas escolhe quando e com quem irá transar. O filme gira em torno de um episódio em que Kalina é demitida da TV pelo novo diretor que não conseguiu levá-la para a cama.  Na Polônia daqueles tempos, ser demitida da TV estatal significava o fim da carreira. Blonde se estende por um período maior, iniciando na infância de Norma para mostrar os traumas que originaram sua fragilidade emocional. Da infância há um pulo para o início da carreira e um “teste de elenco” em que Marylin é praticamente estuprada pelo diretor do estúdio. A cena é tão chocante quanto o encontro dela com o presidente Kennedy, anos depois. Essas cenas de abuso, bem como a cena das filmagens da icônica sequência em que o vento que sobe da ventilação do metrô levanta o seu vestido (O Pecado Mora ao Lado, de Billy Wilder) despertam a suspeita que sob o pretensa intenção de denunciar a exploração sexual de Marylin, Blonde é mais uma exploração voyeurista de sua história e da sua tragédia. Essa sensação aumenta ainda mais ao assistirmos Prazer, Kalinda que também trata da questão do símbolo sexual, mas sob o olhar de uma diretora, ou seja um olhar feminino, que traz um tratamento bem diferente da protagonista e de seus conflitos.

Blonde. Ana de Armas como Marilyn Monroe, Cr.Matt Kennedy / Netflix © 2022

Outra diferença entre as obras é estética. Ambas fogem em determinados momentos da narrativa convencional. Prazer, Kalinda externa os sentimentos de sua heroína tornando as cenas naturais em cenas de um musical, criando do nada coreografias interessantes nas situações em que Kalina confronta a sociedade frívola e hipócrita da cena artística polonesa. Blonde também tenta ser expressionista ao retratar os processo internos de Marylin, sua confusão mental e seus delírios com algumas cenas surrealistas e trocas (meio inexplicáveis) entre a cor e o preto e branco. Embora seja válida a ousadia estética, ela acaba não funcionando, talvez por falta de um conceito e de uma conexão clara com a personagem. Muitas vezes essa experimentação parece apenas um exercício de estilo que  sabota, inclusive, o trabalho da atriz.

Norma Jean, ou Marylin Monroe, é interpretada por Ana de Armas e Kalina por Marina Debska. Vale assistir as duas obras em sequencia, justamente pelas semelhanças temáticas e as diferenças na abordagem que ensinam muito sobre o fazer cinema.

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Published on October 20, 2022 07:41

October 13, 2022

O Som do Silêncio

Filme de Darius Marder, EUA 2019

Poucos filmes conferem ao som  papel tão importante na condução dramática e narrativa quanto o O Som do Silêncio, (Sound of Metal). O protagonista é um jovem  músico, um baterista heavy  metal que no meio da turnê percebe que está perdendo a audição. Ao  consultar o médico tem dificuldade de absorver o fato que está caminhando a passos largos rumo à surdez. É por isso que o diretor, Darius Marder, usa o desenho de som para expor os conflitos, assumir o papel que muitas vezes é atribuído à uma câmera subjetiva, colocando o espectador no interior do personagem. Em O Som do Silêncio não somos convidados a ver pelos olhos de Rubem, mas a sentir através de seus ouvidos. E a maneira como  o desenho e a edição de som nos levam por este caminho é simplesmente genial e genialmente sensível. O responsável por este trabalho primoroso é Nicolas Becker que assina também o som de Gravidade, de Alfonso Curaon (2013) e A Chegada, de Denis Villeneuve (2016).

Contracenando com essa edição de som há um protagonista de carne e osso, Riz Ahmed, no papel de Rubem. Tirando algumas cenas de rompante, sua atuação é sensível, sólida, comovente. Seu olhar, sua postura, seus silêncios dizem muito e reforçam essa sensação de estarmos, em muitos momentos, em sua pele. Outro grande ator é Paul Raci, no papel de Joe, o administrador de uma comunidade de deficientes auditivos que tenta ajudar Rubem.

Mais uma qualidade interessante do filme é a ausência de vilões, e o fato de que essa ausência não prejudica em nada a intensidade dos conflitos que Rubem enfrenta. Ao contrário, torna as decisões que ele toma, decepcionando pessoas que muito lhe ajudaram, em momentos profundamente dramáticos. Há uma sensação (latente, porém constante)  que Rubem, perdido no enfrentamento do seu problema, faz as escolhas erradas, tentando driblar a peça que o destino lhe pregou, e vai se dar mal. O final, no entanto, é mais do que surpreendente.

O Som do Silêncio concorreu ao Oscar em seis categorias, entre elas Melhor  roteiro e Melhor Filme, e foi premiado em Melhor Montagem e Melhor Som. O filme pode ser visto (e ouvido!) na Amazon Prime.

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Published on October 13, 2022 05:41

October 6, 2022

O Vazio do Copo Meio Cheio

O Grito, de Edvard Munch

Como encarar o resultado do primeiro turno das eleições, como absorver o impacto e se colocar de pé novamente para enfrentar as quatros semanas até o desfecho do pleito? Há gente que se recusa a falar em derrota. Lula, afinal, foi o mais votado, faltou um tantinho assim, 1.6% dos votos, para ser eleito já no primeiro turno. No legislativo, seus correligionários formam a  segunda maior bancada. Há também uma outra forma de olhar para o copo e vê-lo meio cheio: na eleição de 2018 Bolsonaro venceu o primeiro turno com 46,03% dos votos válidos. Agora, em 2022, após quatro anos na presidência e utilizando a máquina do governo de maneira escancarada em sua campanha, caiu para 43.2% e o segundo lugar. De fato, muitos analistas comentavam como as grandes benesses que distribuiu no período eleitoral, não surtiam efeito (baseados em pesquisas que se revelaram erradas).

Há porém um grande vazio nessa metade de copo aparentemente cheia. Para mim, desde o início das campanhas, o espantoso não era o presidente não conseguir angariar mais intenções de votos além dos 30%, 35% que as pesquisas indicavam. O espantoso era ele estar conseguindo, apesar de tudo que fez na pandemia, das mentiras, da negligência, do escárnio e desprezo pelo sofrimento e a vida dos brasileiros, um terço das intenções de votos. O normal seria ele nem conseguir chegar até o fim do mandato. O normal seria ele ficar isolado e cair, abraçado a um pequeno séquito de fanáticos, assim que demitiu o ministro Mandetta. E nem menciono aqui os ataques ao meio ambiente, aos povos originais, à democracia, à quem tentava investigar as rachadinhas de sua família.

Mas com a abertura das urnas do primeiro turno, viu-se que não era um terço, era quase metade dos votos. Como pode? Quase metade dos eleitores brasileiros votaram para lhe dar mais um mandato. E elegeram para o Congresso as figuras mais bizarras/nefastas que passaram pelos seus ministérios, uma mistura de Torquemadas e escravocratas. Não aceito a tese de que o povo não tem memória, não tem conhecimento, é fácil de ser enganado. Não após os quatro anos que estamos vivendo.

Resta então a constatação que virtualmente metade de meus compatriotas se sente representada pelo genocida e normaliza a morte de setecentas mil pessoas pela conduta criminosa de um “líder” que coloca na conta do congresso, do STF, da mídia, da guerra na Ucrânia a sua imensa incompetência. Essa constatação gera um vazio grande demais para suportar. E é justamente desse vazio que se deve tirar as forças para se levantar e lutar, cada um com seus meios e sua capacidade, para que ele desocupe o planalto. Não nos livraremos do bolsonarismo, mas ao menos mandaremos embora o presidente genocida.

Não se trata de “pensar positivo”, trata-se de “pensar combativo”.

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Published on October 06, 2022 07:18

September 29, 2022

MO

Série, criação de Mohammed Amer e Ramy Youssef, EUA, 2022

Mo é um palestino que nunca pisou na Palestina, nasceu no Kuwait e de lá fugiu ainda menino com a família para os Estados Unidos. Mo é Mohammed, abreviação muito útil para facilitar a vida em solo norte americano. Há mais de vinte anos que seu pedido de cidadania está tramitando e Mo sustenta a família transitando na margem da (i)legalidade. Ele está, mas não está no sistema. Essa situação semi-kafkiana é explorada com humor pelo criadores da série  Mohammed Amer e Ramy Youssef que começaram suas carreiras como artistas de stand up. Talvez por isso a série tenha uma estética de sitcom, embora seja uma comédia dramática.

Por trás das situações insólitas, dos vários choques culturais e dos dramas familiares que propiciam o material para o humor sardônico, inteligente de MO há uma tragédia histórica da qual pouco se fala e se falou na época em que aconteceu. Em 1990, Saddam Hussein, ditador máximo do Iraque, invadiu o Kuwait, para se apoderar dos seus poços de petróleo. Naquela época o Kuwait já se consolidava como país acolhedor de trabalhadores palestinos que mesmo sem a cidadania, viviam ali há décadas integrados à sociedade local. Com a invasão iraquiana, um grande número fugiu. O exército de Saddam acabou derrotado por uma força internacional na operação Tempestade do Deserto, e as coisas pareciam voltar ao normal. Não para os palestinos. Durante a guerra, o líder da OLP, Yasser Arafat, havia apoiado Saddam Hussein e os palestinos do Kuwait acabaram pagando o pato. Encarados como quinta coluna, inimigos do povo, em poucos meses a grande maioria dos 350.000 palestinos que moravam no Kuwait foram expulsos. Alguns foram presos e brutalmente torturados. E o mundo calou-se.

Mohammed Amer (com nove anos de idade) e sua família estavam entre esses palestinos. E a série resgata essa tragédia usando elementos da história vivida pelo criador e também ator protagonista de MO. Os Amer foram morar em Houston, Texas, em Alief, um dos bairros mais multiculturais da cidade. E Mohammed fez questão de situar e filmar boa parte da série nesse bairro. A primeira temporada termina com um enorme pega ratão, o que indica uma continuidade. MO, série que trata com leveza temas parrudos como identidade, diversidade e superação, pode ser vista na Netflix.

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Published on September 29, 2022 06:53

September 22, 2022

A Casa do Baralho, episódio de hoje: Pra Inglês Ver II – A Missão

Este episódio é sequência direta de Pra Inglês Ver. Se você não leu, clique aqui.

E o presidente B, foi à Londres. E acreditem ou não (afinal, a verdade tornou-se algo muito subjetivo nos últimos anos), atingiu o seu intuito. Parecia uma missão impossível, extrair o segredo da falecida rainha. Em primeiro lugar, tinha que descobrir as palavras mágicas lendo um livro. E em Inglês. Para isso levou seu filho, o 03, formado no idioma do Bardo na prestigiosa Mcdonalds. Percorreram várias livrarias antigas, ele já estava tonto de tanta letra, mas não acharam o dito volume que ensinava como roubar os segredos dos mortos.

Ao chegar ao velório, B percebeu que de nada teria adiantado ter aprendido a fórmula. Ao contrário da Condessa, a Rainha Elizabeth estava em um caixão fechado e ainda por cima, de chumbo. Além disso, não haveria como se aproximar, uma barreira de guardas, câmeras e cordões cercava o féretro, principalmente depois que um  maluco correu para tocar no caixão, no dia anterior.

B Cumprimentava as pessoas apático, com um só pensamento em mente, desesperado por ter chegado tão perto e sair de mãos vazias. Estava tão decepcionado e obcecado que em vez de assinar seu nome e o da Micheque no livro de condolências, rabiscou “o segredo dos mortos”.

Acabrunhado, voltou ao hotel, não sem antes atacar uma jornalista só por ter perguntado se estava ali para fazer campanha. Estava ali para fazer algo muito mais importante, pensou, mas infelizmente, o imbrochável havia falhado.

No meio da noite acordou sentindo um frio na espinha. Na penumbra da madrugada londrina viu a porta se abrir e uma senhora de camisola branca entrar na suíte, aproximando-se como se deslizasse sobre o carpete. B ficou com os pelos das sobrancelhas em pé. Já ia soltar um grito. Ela fez sinal que ficasse quieto.

– Eu sei por que você veio ao meu enterro – disse a Rainha. B tentou explicar que não era nada disso daí que a mídia estava escrevendo, mas ela tornou a encostar os dedos nos lábios.

– Fica frio! – sussurrou e ele pensou: frio?, to gelado.

– Vim aqui pra te revelar o segredo do poder longevo, só pra tu me deixar descansar em paz.

B não acreditou no que estava ouvindo. Pensou em beliscar a Micheque que ronroncava ao seu lado, mas ficou com medo que ela acordasse e botasse tudo a perder. Congratulou a si mesmo por ser tão obsessivo. Deus me ama, pensou.

– Presta atenção no serviço: o segredo para manter-se no trono por sete décadas é…

Fez uma pausa para criar suspense e ele quase enfartou.

– …não ter apego ao poder.

No dia seguinte um abatido presidente perdeu a hora da reunião com o secretário da ONU e fez o discurso mais sonolento que a assembleia das Nações Unidas já viu.

Conseguirá o presidente se livrar do seu apego ao poder para ganhar mais quatro anos no cargo?  Logrará convencer o Brasil que vencerá essas eleições, e no primeiro turno? Não perca no próximo episódio de A Casa do Baralho.

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Published on September 22, 2022 06:23

September 15, 2022

A Casa do Baralho, episódio de hoje: Pra Inglês Ver.

A Rainha Elizabeth, após 96 anos de vida e 70 de reinado, faleceu. Uma de suas últimas manifestações foi parabenizar o Brasil, no 7 de setembro, pelos duzentos anos da independência. A missiva foi endereçada, obviamente e protocolarmente, ao chefe da nação. O Presidente B, que após a queda de Trampo só levava pau na área internacional, ficou comovido. Essa mulher deve ter paixão por mim, pensou, todo mundo me atacando por ter usado a data da independência pra comício e ela me congratulando. No dia seguinte a soberana faleceu. B decretou três dias de luto nacional e proclamou que “Elizabeth foi uma rainha para todos nós.”

Surgiu então a questão de ir, ou não, ao funeral da Rainha. Diz o ditado que ir ao enterro de alguém é a maior prova de amizade desinteressada, pois não se espera que o falecido devolva o favor. Mas amizade desinteressada passa longe do léxico do presidente. Parte de seus aliados argumentou que ele não deveria ir, já chega ter que ausentar-se, em plena campanha para reeleição, para discursar na ONU. Outra parte defendia que sua presença no ato fúnebre ajudaria a reverter o desprestígio internacional, com imagens do presidente entre outros Chefes de Estado sendo fartamente utilizadas na campanha. Os contrários à ida alegaram que ele poderia ficar isolado e isto seria um tiro no pé, e ademais, ele precisava era ir às ruas, convencer o eleitor no Brasil e não produzir imagens de um enterro distante pra inglês ver.

B decidiu ir. E por nenhum dos motivos mencionados acima. Dizem as más línguas que ele foi sondar um destino para a fuga, caso perca as eleições. Mas tampouco foi isso. A Casa do Baralho traz com exclusividade a verdadeira motivação do presidente.

Quando muito jovem o menino B viu um filme de terror no qual um oficial russo busca extrair o segredo das cartas de uma nobre idosa. Movido pela ganância e viciado no jogo, ele tanto exorta e ameaça a anciã que esta acaba morrendo. O desesperado capitão Herman vai ao velório da condessa Ranevskaya após consultar o livro: como roubar os segredos dos mortos. O ponto mais aterrorizante do filme (A Dama de Espadas, de 1949, baseado em conto homônimo de Pushkin) é o momento em que o oficial chega perto do caixão, sussurra as palavras mágicas e a falecida abre de repente os olhos. Esta cena marcou o jovem B, que anos mais tarde também seria capitão do exército. E ainda anos mais tarde seria eleito presidente do Brasil e quatro anos depois estaria desesperado para não perder o poder, após um calamitoso mandato, assim como Herman estava desesperado para faturar no baralho. O problema é que para conseguir seu intuito, B tem que, antes de mais nada, consultar um livro.

Conseguirá o presidente extrair da falecida Rainha o segredo do reinado longevo? Não perca nos próximos episódios de A Casa do Baralho.

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Published on September 15, 2022 06:57

September 8, 2022

Nas Muralhas da Fortaleza

Filme de Hwang Dong-Hyuk, Coreia do Sul, 2017

O ano é 1636, o local, o reino de Joseon, na península que hoje chamamos de Península da Coreia. O Rei Injo está espremido entre duas dinastias que disputam o domínio da China: a Quing e a Ming. O exército Quing invade a península e o Rei consegue fugir para uma fortaleza nas montanhas, ao sul da capital. Sitiado com sua corte, poucos soldados e os aldeões da fortaleza, Injo deve decidir se capitula para as exigências dos Quing ou os enfrenta. Em suma, tem que optar pela sobrevivência com humilhação ou uma provável morte com dignidade. Curiosamente, este conflito (filosófico, mas também muito pragmático) é o cerne dramático do filme, e não a própria guerra que espreita logo abaixo das muralhas. Dois ministros conduzem esse debate, lutando pela atenção do Rei e dos vários outros conselheiros que o cercam, representando duas facções políticas. Junta-se aos conflitos político e militar o conflito social, o abismo entre nobres e o povo que padece de fome e frio durante o sítio. Este terceiro conflito insere um olhar contemporâneo no filme histórico que se passa em uma Ásia feudal.

A densidade dramática, assim como as muralhas da fortaleza, é solidamente construída. Percebe-se a mão segura e a sensibilidade apurada do diretor. Os figurinos e cenários, as cores do inverno na montanha gelada, as composições rigorosas dos planos, o uso de lentes longas que borram a profundidade, além do trabalho preciso dos atores, fazem parte dos instrumentos nessa orquestração que trata questões universais, atuais abordando uma realidade distante num episódio histórico quase esquecido.

O diretor Hwang Dong-Hyuk alcançou fama mundial com sua série Round 6. Assim como a série, o filme Nas Muralhas da Fortaleza, adaptado do romance histórico Namhansanseong (2007) de Kim Hoon, pode ser visto na Netflix.

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Published on September 08, 2022 05:49