Jaime Lerner's Blog, page 13
May 11, 2023
Meu Pai

Filme de Florian Zeller – França, Inglaterra 2020
Muito se escreveu, se falou e discutiu sobre o que realmente pode se considerar uma obra de arte. Para mim o critério é simples: quando você tem contato com uma obra que te eleva o espirito e ao mesmo tempo te provoca profunda reflexão, tá aí uma obra de arte. Meu Pai, do dramaturgo, escritor roteirista e diretor francês Florian Zeller, se enquadra com distinção nessa categoria. Ainda que tratando de um tema difícil – o envelhecimento e a deterioração das faculdades mentais, o filme te toca, e anima a alma pelo tanto de arte de que ele contém.
Essa arte se manifesta fortemente na atuação, principalmente as de Anthony Hopkins e de Olivia Colman, que fazem os papeis de pai e filha no filme; na qualidade dos diálogos que ajuda ainda mais os atores em seu trabalho magnífico (e nutre-se também desse trabalho numa retroalimentação); e pela maneira original e altamente sofisticada com que o diretor estrutura o filme e usa as ferramentas específicas do cinema para transportar e envolver o espectador no mundo interior do protagonista. Inicialmente essa estrutura causa estranhamento, até o momento em que se capta o que realmente está acontecendo. O artifício acaba construindo um diálogo muito especial entre realizador e plateia. Uma interação silenciosa, porém, muito forte.

O trabalho de Hopkins aos 82 anos, além de emocionar pela arte, ajuda a quebrar um dos grandes preconceitos da sociedade atual, viciada no efêmero, no descartável, no novo: o etarismo. O velho ator emprega um vigor, uma energia que só rivaliza com a sensibilidade ao interpretar um senhor que deve dizer adeus à sua independência funcional e se nega a reconhecer isto. Anthony ganhou um Oscar por este papel.
Meu Pai é adaptação para a tela de peça de teatro homônima, do próprio Zeller. Ele escreveu o roteiro para cinema em conjunto com Christopher Hampton. O roteiro rendeu ao filme seu segundo Oscar.
Essa obra de arte pode ser vista na Netflix, na Amazon Prime Vídeo, na Paramount+ e no Youtube.
Essa resenha, é publicada no dia 11/05, data de aniversário do meu pai, Aron Lerner, falecido em 1973. Esse post é, portanto, uma homenagem a ele.
May 4, 2023
A Casa do Baralho, episódio de hoje: A Vingança da Vacina

Advertência: essa é uma obra de fricção. Qualquer semelhança com fatos, pessoas e situações reais é de responsabilidade do próprio leitor.
O ex-presidente B acordou após uma noite de sonhos intranquilos com a sensação de que o pesadelo no qual tentava, desesperadamente, proteger suas hemorroidas em uma cela escura, estava prestes a desembarcar do universo onírico para a vida real. Um bando de policiais com mandato de busca e apreensão invadiu a sua casa e levou computador, tablets, seu celular e pasmem, seu cartão de vacinação. Antes que fosse algemado correu para telefonar para aliados, políticos, militares, advogados, botando a boca no trombone. Nessas conversas ficou sabendo que seu ex-ajudante de ordens, aquele que tentou reaver as joias sauditas aprendidas pela alfândega antes da fuga presidencial para a terra do tio Trampo, havia sido preso nessa mesma operação, bem como outros assessores do ex-presidente.
No entanto, não se tratava do caso das joias das Arábias. Nem da investigação das fake news. Tampouco tratava-se do atentado à democracia, pelo qual seu ex-ministro da justiça já estava preso. Era um novo escândalo, o da adulteração dos cartões de vacina dele, de sua filha menor de idade, de seus assessores e a mulher de um deles, que viajariam com ele aos EUA na véspera de ele não entregar a faixa presidencial ao governante eleito e despedir-se do foro privilegiado. Como a lei estadunidense exigia comprovante de vacinação para quem entrasse no país, e como o presidente e sua turba preferiam a morte a tomar a vacina (a morte de outros, é claro), resolveram a parada com uma operação extremamente astuta, criando fake cartões de vacinação, forjando documentos e adulterando dados no sistema do SUS, usando para isso o gabinete da presidência. O que mais assustou B, não foi constatar que a PF descobriu a ardilosa fraude, foi o sigilo absoluto da operação policial contra ele. Esta o pegou, literalmente, sem calças. Era um claro sinal que seus comparsas na PF, no Ministério Público e em outros órgãos não tinham mais aquele acesso esperto à informação operacional. Ou continuavam tendo, mas não eram mais seus comparsas.
Logo quando ele se achava mais tranquilo em relação a ser preso e tornou a botar as manguinhas de fora, desfrutando de uma pequena vitória no Agrodoce Show, do qual o ministro de agricultura do presidente L fora desconvidado por sua causa, a PF, em pessoa, invade a sua casa. E ainda por cima apreendem as suas armas. Levem a Micheque mas não levem as minhas armas!!!, queria ele gritar, mas estava perplexo demais. Acabou não sendo preso, apenas convocado a depor, mas apreenderam também seu passaporte. Droga, pensou ele, falsificar um novo passaporte já é bem mais complicado. Iria ter que fugir para um país do Mercosul. Sentiu-se muito próximo de ver seu pesadelo premonitório se concretizando. Uma onda de autocomiseração inundou seu peito, ameaçou embargar-lhe a voz.
O que encontrarão no celular do ex-presidente, candidato a futuro presidiário? Será que ele, que escapuliu de responder pela morte de milhões de brasileiros, atrasando ao máximo a vacinação, acabará caindo por um falso atestado da vacina? Não perca nos próximos episódios de A Casa do Baralho.
April 27, 2023
O Plano Perfeito

Filme de Spike Lee – EUA, 2006
Tá aí um filme que faz jus ao nome. Poderia se chamar também o roteiro perfeito. É um dos meus favoritos entre os filmes do frenético Spike Lee, junto com Faça A Coisa Certa e A Última Noite. Sua trama ardilosa junta-se a Golpe de Mestre de George Roy Hill e Nove Rainhas de Fabian Bielinski na tradição de enredos genialmente enganosos. Mas diferente dos dois filmes, o “buraco” do golpe de O Plano Perfeito, é mais embaixo, ou melhor, mais em cima. Não é um filme sobre pequenos vigaristas e seus truques, é algo bem mais complexo cujas origens remontam ao Holocausto.
Vários elementos do assalto ao banco de O Plano Perfeito foram “levados” pela série espanhola La Casa de Papel (2017) que fez tremendo sucesso na Netflix. Mas não é apenas o roteiro inteligente de Russel Gewirtz que sustenta O Plano Perfeito. A abertura do filme, com um dos protagonistas falando para a câmera e quebrando a quarta parede (enquanto se encontra recluso entre quatro paredes), já indica que este será um filme diferente. Os atores Christofer Plummer, Denzel Washington, Judie Foster, Clive Owen e Chiwetel Ejiofor dão vida a personagens que facilmente poderiam ter escorregado em estereótipos. A direção frenética de Spike Lee junto ao ritmo da música bolliwoodiana Chaya Chaya e da trilha original de Terence Blanchard completam o cenário de um envolvente filme de ação/reflexão. Apesar de quase todo o filme se desenrolar em uma locação, o banco e suas adjacências, Spike consegue trazer para dentro da obra sua cidade fetiche, Nova York, como uma grande babilônia multiétnica. E de maneira sutil, mas bem visível, faz uma homenagem ao 11 de setembro em um dos planos.
A montagem do filme também é brilhante, principalmente a quebra da linearidade, intercalando o assalto com a inquirição de reféns e suspeitos pós-assalto, o que aumenta o mistério sobre o inusitado “roubo” do banco. A direção de fotografia contribui para essa quebra diferenciando textura e predominância de cores entre as duas situações, usando nas cenas de interrogatório um filtro Low Contrast que suaviza as altas luzes, criando um clima quase irreal, dessaturado, em contraste com as cenas do banco. Além da já mencionada engenhosidade do enredo, o roteiro se destaca também pela qualidade dos diálogos.
O Plano perfeito pode ser visto na Netflix, mas somente até o dia 15/05/23. Se você não viu, vá e veja, se você já assistiu, vale a pena ver de novo.
April 20, 2023
O Desconhecido

Filme de Thomas Michael Wright, Austrália – 2022
O cinema australiano vem produzindo, de tempos em tempos, algumas joias cinematográficas de alto quilate. Uma delas, que não teve a repercussão merecida na grande tela, é O Desconhecido, ou The Stranger, filme de aridez quase poética e de uma densidade psicológica de cortar a respiração. O filme baseia-se numa história real. Daniel Morcombe, garoto de 13 anos, foi sequestrado de um ponto de ônibus em 2003 e nunca mais foi encontrado. A polícia tinha um suspeito, mas não havia prova alguma contra ele. Montou-se então uma operação com agentes disfarçados para ganhar a confiança do indivíduo e fazê-lo confessar. O filme foca nessa operação, principalmente no relacionamento que é construído entre um dos policiais e o suspeito.

É incrível como todos os instrumentos fílmicos funcionam, orquestralmente afinados, para criar esse clima psicológico sombrio, à beira de um pesadelo. A fotografia é absolutamente noir, ou melhor dark, trabalhando com luz baixa e um preto tão denso que às vezes parece engolfar todo o quadro. Há cortes abruptos no meio das cenas, ou mesmo dos planos, que deixam o espectador suspenso, com o sentimento de que há algo errado. Os cenários de Queensland são desérticos, ermos. Os interiores – casas, quartos de hotéis e as delegacias, são absolutamente impessoais. Os diálogos, lacônicos, contrastam com o objetivo da equipe que é fazer o suspeito soltar o verbo. O mais surpreendente, no entanto, é a construção do personagem principal, o suspeito pelo estupro e assassinato do garoto. Peter Teaguer, interpretado pelo ator inglês Sean Harris, revela-se incialmente frágil, alguém incapaz de qualquer violência. Ao longo do filme a percepção muda sutilmente e essas nuances na mudança tornam o processo ainda mais assustador. O efeito da aproximação entre os dois sobre o agente Mark Frame, interpretado por Joel Edgerton, reforçam esse impacto. É incrível que não há no filme uma cena sequer de violência explícita. Não há porrada, não há tiroteio. Apenas uma ameaça intangível, crescente.
O Desconhecido é livremente baseado no livro da jornalista Kate Kiryacou The Sting: The Undercover Operation That Caught Daniel Morcombe´s Killer. O filme que teve um orçamento modesto passou quase despercebido até entrar no catálogo da Netflix. Ali foi descoberto pelos cinéfilos e é atualmente um dos filmes mais assistidos na plataforma.
April 13, 2023
O Castelo de Vidro

Livro de Jeannette Walls, 2005 + Filme de Destin Cretton, EUA 2017.
No ano de seu lançamento, O Castelo de Vidro foi o grande assunto literário. Era um livro de memórias, focado na infância e juventude da autora, uma jornalista estadunidense. O que causou alvoroço foi a história que o livro revelava e a sua qualidade narrativa. Apesar de autobiográfico, O Castelo de Vidro foi escrito como um romance, uma espécie de As Aventuras de Huckleberry Finn para adultos do século XXI. Jeannette realmente deixou de lado a jornalista, ao narrar a história real de sua família, e vestiu o avental da romancista, com a picardia e o olhar profundo do grande Mark Twain.
Uma das grandes virtudes da obra é sua variedade de tons. A família disfuncional de Jeannette não é descrita em preto e branco. Não são vilões nem heróis, ou melhor, são vilões e são heróis, às vezes fazendo o duplo papel no mesmo parágrafo. Não há no livro condescendência em relação aos seus pais e outros adultos, mas há um olhar compreensivo e amoroso, incluindo admiração, em vários momentos, que conferem à obra uma dimensão maior. Nesse universo de ambivalências e meios-tons, Jeannette, a autora, consegue alternar com maestria entre o olhar infantil e o olhar adulto da protagonista, sempre com uma sinceridade, uma verdade incrível.
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O livro foi publicado no Brasil pela editora Globo e o filme pode ser visto na Netflix. Leia uma amostra e/ou adquira o livro:
April 6, 2023
O Suplente

Filme de Diego Lerman, Argentina 2022
Con estes versos no harás la Revolucion, dicen… /Juan Gelman – Confidências
Assim como o poema de Juan Gelman, O Suplente inicia questionando a “utilidade” da poesia. E desse ponto se desenvolve para um tango de voltas e reviravoltas, dança afinada e embate entre a vocação artística, o universo acadêmico e a realidade – o mundo cão da periferia que o protagonista Lucio deve enfrentar, incialmente como suplente de professor de literatura e ao final, como substituto do… você terá que assistir o filme para saber.
O Suplente, fiel à escola dos bons filmes argentinos, tem como pilares um roteiro magistralmente elaborado e interpretações fantásticas, que abarcam desde os protagonistas aos figurantes, muitos deles não atores. Além disso, prima pelos seus planos – a escolha de onde colocar a câmera, como enquadrar e acompanhar seus personagens, criando uma relação especial (e espacial) entre eles e o entorno, sendo o indivíduo e o seu entorno uma das questões essências da obra. O cume da aplicação dessa gramática cinematográfica é a fuga do jovem Dilan pelo labirinto da favela num plano sequência, cena que ganha ainda mais dramaticidade pela opção de não usar música onde doze de dez filmes usariam.
O Suplente, no entanto, não é um filme espetacular, não no sentido do espetáculo. Não há nele grandes arroubos e os enormes conflitos são tratados com sensibilidade e comovente delicadeza. É um dos mais belos filmes que vi sobre a relação pais e filhos, embora não seja este o principal tema do filme. E qual seria o principal tema do filme? Talvez o da transformação, o do crescimento, da busca para encontrar o seu lugar no meio do caos, seja qual for o entorno; talvez uma reflexão sobre a valor das coisas intangíveis, aquelas que “não servem para nada”, como a poesia.
O Suplente está disponível na Netflix. Os poemas de Juan Guelman encontram-se traduzidos para o português no livro Amor que Serena, Termina? E Confidências (Confianzas) foi musicado pelo grupo Gotan Project.
March 30, 2023
A Casa do Baralho, episódio de hoje: A Volta do Fujão

E não é que ele voltou? Após três meses de refúgio na terra do Camundongo Mickey, do Pato Donald e do Pateta, o ex-presidente B desembarcou novamente na Casa do Baralho. Dizem que ele escolheu a data em que o presidente L estivesse bem longe, na China, e ficou decepcionado pelo presidente ter adiado sua viagem por motivos de saúde. Já outros dizem que a leve pneumonia foi uma desculpa, L adiou a viagem justamente para não estar longe do país quando B desembarcasse.
Nesses três meses de sua ausência, nem deu para sentir saudades, toda semana pipocava um novo escândalo envolvendo o seu nome. O mais recente e mais falado é o escândalo dos kits de joias da Arábia Saudita que ele e a primeira dama ganharam, após a venda de uma refinaria da Petrobrás para os sheiks. Foram vários kits, um deles não conseguiu passar contrabandeado no aeroporto na mochila de um assessor e ficou retido na alfândega, o que acabou revelando todo o imbróglio. Inclusive um dos primeiros compromissos na agenda de B em solo brasileiro é ser interrogado na Policia Federal sobre o caso.
Mas não é este o maior dos escândalos. O maior dos escândalos, por incrível que pareça, está passando despercebido. Enquanto na Casa do Baralho só se fala das joias e armas que ele ganhou dos saudistas, o STF está arquivando todos os pedidos de indiciamento do ex-presidente em função de sua conduta durante a pandemia. Os pedidos oriundos da CPI da Covid e a queixa crime protocolada pela Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 foram todos arquivados. Talvez essa sinalização de que ele não será responsabilizado por suas estripulias durante a pandemia é o que o fez voltar, já que fugiu temendo ser preso, tão logo perdesse o foro privilegiado. As outras investigações e inquéritos são fichinha perto disso.
B, tão logo aterrissou, foi agraciado com o o cargo de presidente de honra do PL, o partido pelo qual disputou a eleição. O que faz um presidente de honra? O que B fez de melhor em toda sua carreira política: nada. E por esse trabalho árduo ele ganhará um salário de 40 mil reais. É possível que crie até um Instituto B para dar palestras Brasil afora ensinado o que ele sabe como ninguém: como se safar da responsabilidade legal.
Por que o STF, tão bravo quando atacado pelo ex-presidente, alivia a mão na questão da pandemia? Logrará o ex-presidente fujão liderar uma oposição contra o governo de L? O país sentirá saudades dos três meses que B passou na terra do Camundongo Mickey? Não perca nos próximos episódios de A casa do Baralho.
March 23, 2023
Breve História de Sete Assassinatos

Livro de Marlon James, Jamaica/EUA – 2014
Breve História de Sete Assassinatos me atraiu desde o seu lançamento. Muitos comparavam o romance com Ulysses de James Joyce, pelo tamanho e a complexidade da leitura. Além disso, era um romance jamaicano, ainda que seu autor vivesse há anos nos Estados Unidos, e eu conhecia muito pouco da realidade e nada da literatura daquele país. O terceiro elemento que me atraiu foi o núcleo central da trama, a história verídica do atentado a Bob Marley, dois dias antes do concerto pela paz que ele faria numa Jamaica polarizada às vésperas da eleição. Quem e porque estava por trás do atentado e como, apesar da enorme quantidade de tiros, alguns à queima-roupa, ninguém foi morto, é algo que despertou minha curiosidade, assim como a do autor que escolheu construir sua ficção em cima desse mistério verídico. O cantor e o atentado ao cantor são o centro da narrativa, ao menos na primeira parte e desse centro irradia-se tramas para todos os lados. Na segunda e, principalmente na terceira parte, os personagens dessas tramas seguem adiante, navegando por outros mares, porém ainda ligados ao evento longínquo.
Mais de uma dezena de personagens narra a epopeia marloniana, alguns mudam de nome ao longo de suas trajetórias, o que desafia o leitor ainda mais. O primeiro narrador é um fantasma e nesse primeiro capitulo o autor já apresenta um texto poderoso e altamente sofisticado, um sarrafo alto que nem sempre será alcançado no restante do livro. O livro altera gírias, jargões e idiomas, boa parte dele é narrado na linguagem das favelas de Kingston. Eu li em inglês, mas me auxiliei inicialmente da tradução em português, até pegar os sentidos das gírias e termos. Na tradução perde-se bastante dos duplos sentidos, trocadilhos e referências às letras de músicas, mas principalmente perde-se a sonoridade do texto na qual reside boa parte de sua força. Se você lê em inglês recomendo aplicar o mesmo método: ler o original com o auxílio da tradução nos primeiros capítulos e depois seguir em frente. O dicionário do Kindle também ajuda em termos de inglês mais antigo e de algumas gírias.
Além de muitas subtramas e personagens, o romance é recheado de violência. Violência radical, explícita, cruel e chocante. Violência que irriga os canais de comunicação entre as favelas, o poder político, a polícia, a CIA e os cartéis colombianos. Canais que ligam a geopolítica global da Guerra Fria dos anos 1970 e 80 com as disputas territoriais nas zonas mais esquecidas da empobrecida Jamaica. E questiona qual o papel da arte no meio de tanto conflito, ou melhor, se a arte chega a conseguir desempenhar um papel, ou acaba sendo tragada pelas forças em conflito. O sangue, terror e dores vertidos aos borbotões não são violência pela violência, mas parte de uma profunda reflexão sobre identidade e a herança da colonização/escravidão nas Américas.
Breve História de Sete Assassinatos obteve vários prêmios importantes, entre eles o Man Booker Award de 2015. No Brasil, o livro foi publicado pela editora Intrínseca em 2017, com tradução de André Czarnobai.
Leia uma amostra e/ou adquira o livro.
March 13, 2023
OSCAR 2023

Dois filmes se destacaram na premiação do Oscar 2023. Dois filmes absolutamente diferentes. Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo mescla comédia com drama familiar e fantasia e, de quebra, presta homenagem ao fazer cinematográfico. Há uma porção reflexão e uma porção entretenimento nessa obra sui generis. Nada de Novo no Front é um filme de guerra, denso, clássico e magistralmente antibelicista.
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo foi indicado em onze categorias e venceu em sete: Melhor Filme, Direção (Os Daniels), Roteiro (Idem), Montagem (Paul Rogers), Atriz principal (Michelle Yeoh), Atriz Coadjuvante (Jamie Lee Curtis), Ator Coadjuvante (Ke Huy Quan).
O filme alemão Nada de Novo no Front de Edward Berger, faturou quatro das sete indicações que teve: Melhor Filme Internacional, Fotografia (James Friend), Direção de Arte (Christian Goldbeck e Ernestine Hipper) e Trilha Sonora original (Hauschka).
São dois filmes que eu gosto muito. É difícil comparar entre duas obras tão diferentes nas propostas de gênero, de conteúdo e principalmente, nas propostas estéticas. No entanto, acho Nada de Novo no Front um filme mais completo. Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é um filme ousado, mas tem pontos altos e pontos fracos. Nada de Novo no Front é extremamente impactante, do primeiro ao último fotograma, em cada departamento.
Você pode ler as resenhas completas desses filmes clicando em Nada de Novo no Front e em Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. Também pode ler a resenha completa do vencedor de melhor Canção Original o exuberante filme indiano RRR. Os três filmes estão disponíveis nas plataformas de streaming Netflix e Amazon Prime.
A estatueta dessa resenha não é a do Oscar, mas de Omama, protetor dos Yanomami e da floresta. A estatueta, feita pelos indígenas brasileiros, será enviada a cada um dos vencedores como parte da campanha conscientizadora O Custo do Ouro, assim como vídeo abaixo.
March 9, 2023
Harmonia e o Carnaval.

Filme – Roteiro, foto e direção de Jaime Lerner, Brasil , 2000.
Harmonia é o nome de um parque no centro de Porto Alegre. Parque que gerou um conflito entre os dois movimentos culturais mais populares de Porto Alegre, o tradicionalismo gaúcho e o carnaval. Os tradicionalistas se opunham a um projeto da prefeitura de construir no local uma pista de eventos que servisse para o desfile de carnaval em fevereiro e para o desfile em comemoração da revolução farroupilha em setembro. Até então o desfile das escolas de samba de Porto Alegre se dava numa rua lindeira ao parque que era fechada para o trânsito nas semanas que antecediam o carnaval. Curioso para entender o que havia por trás desse conflito, se havia realmente um antagonismo entre os dois movimentos, fiz um documentário sobre o assunto. A obra acabou virando um profundo mergulho na história, alma e identidade do Rio Grande do Sul. Era para ser um filme de 50 minutos, mas na edição vimos que tínhamos um longa. Harmonia foi rodado (na bitola de 16mm) em 1996 e lançado no ano 2000, após termos conseguido a grana para a finalização. Descobrimos que era o primeiro documentário gaúcho de longa-metragem.

Todo projeto que a gente faz, acaba nos enriquecendo como pessoas. Mas Harmonia mudou e mexeu com muitas coisas dentro de mim. Além da satisfação pela repercussão do filme em 2000, ele ampliou e aprofundou minha visão sobre o racismo no Brasil e me fez entender o que o carnaval significa, em sua essência, para os brasileiros descendentes de africanos.
No próximo domingo, dia 12/03, às 18 horas, o filme será exibido em sessão especial na Cinemateca Capitólio, encerrando uma mostra de filmes sobre carnaval. Eu não vejo o filme faz no mínimo 15 anos (estamos tentando, o produtor Cícero Aragon e eu, a atualização da matriz para formato digital) e estou ansioso para reassistir e ver como ele funciona para o público depois de tantos anos. Após o filme haverá debate mediado pela historiadora Laura Galli.
Estão todos convidados.