Roberto Denser's Blog, page 11

September 2, 2013

Um breve agradecimento aos BONS Tradutores*

traducao

Foi a Denise Bottmann quem abriu meus olhos. Antes dela, antes desse contato diário com a internet, e consequentemente, com sua luta (guerra, na verdade) e seu trabalho, eu nunca havia me preocupado com a qualidade ou procedência das traduções dos livros que eu comprava ou lia (sim, há uma diferença), exceto quando me via diante de uma inegável tradução ruim, que reconhecia apenas como leitor e de forma empírica, uma vez que não sou algo que se possa chamar de especialista em tradução — Fique claro: acredito que não seja preciso ser especialista para perceber quando o tradutor trabalhou com esmero, com o cuidado que a obra merecia etc.

O que me levava a essa despreocupação era a confiança cega que eu dedicava aos livros. Entenda: na escola, aprendi a vê-los como um produto acabado, isento de erros, onde se encontrava a verdade incontestável que eu devia aprender e aceitar. “Está na bíblia, logo é verdade: aprenda e aceite.”, uma lógica que foi exportada para os outros livros, e que nunca, ou quase nunca, ousamos contestar e que resulta numa passividade na forma como os vemos ou os entendemos — pelo menos em parte de nossas vidas, ou durante uma vida toda, a depender do rumo que se tome — semelhantes àquela que muitos dedicam à tevê. Via de regra, não temos acesso ao processo de criação, tradução etc. do livro e, por consequência, passamos a ignorar tudo o que está por trás. Pegamos o livro pronto e, pensamos, acabado — da melhor forma que seria possível.

Mais uma vez: nós vemos o espetáculo pronto, ignoramos os ensaios, os erros, as repetições intermináveis, a escolha da trilha sonora, a elaboração dos figurinos, tudo o que está por trás daquela coisa deslumbrante que é o resultado final dum espetáculo. E ao nos vermos diante desse resultado, muitas vezes ignoramos aquilo que para o elenco foi considerado uma série de erros, uma péssima execução. Eis o paralelo que faço com traduções ruins, mas não somente: também há os plágios, há a apropriação de traduções em domínio público, para as quais se atribui uma autoria qualquer, uma falta de ética terrível e inconcebível num país sério... Deixarei para falar sobre isso em outra oportunidade, pois, como o título sugere, escrevi esse texto tão somente para agradecer, e de forma breve.

E o que quero agradecer? Quero agradecer à Denise por ter aberto meus olhos. Por me ter feito perceber, de forma mais consciente, a importância da tradução que, ouso dizer, chega a ser tão importante quanto a obra — e o que me leva a ficar irritado quando alguém afirma que o trabalho do tradutor é apenas um “bico”. Foi graças à Denise que passei a tomar cuidado com minhas leituras: hoje, antes de ler um livro, costumo olhar a tradução, pesquisar na internet sobre o tradutor, procurar alguns dos seus trabalhos anteriores etc., e, só então, comprar a obra. Cheguei ao ponto de escolher os livros pelo tradutor, da mesma forma como costumamos escolher pelo autor ou pela editora. Se estou na livraria e dou de cara com duas edições de uma mesma obra, com traduções diferentes, sempre levo a de um tradutor no qual confie, o qual conheça. É assim com as traduções da Denise (as quais compro de olhos fechados), do Ivo Barroso (por quem nutro o tipo de admiração que se dedica aos heróis, o tipo de respeito que se dedica aos pais e avós, e que traduziu alguns dos livros mais importantes que já li e reli em toda a minha vida, e que meu alemão limitado a poucas palavras jamais me permitiria encarar no original), do Herbert Caro (que me proporcionou momentos de plenitude ao lado de Thomas Mann), do Paulo Bezerra (meu conterrâneo, tradutor daquele que é o escritor mais importante da minha formação) e tantos outros que não cito, mas dos quais procuro o nome quando me vejo diante dum livro traduzido.

Obrigado, Denise, por abrir meus olhos. Obrigado, tradutores, pelo trabalho sagrado ao qual vocês se dedicam. Muitas das obras que vocês traduziram, mudaram a minha vida e, tenho certeza, a de muitos outros leitores.

* Repost. Permanece atual, com a diferença que, hoje, meu contato com o processo de tradução é bem mais amplo, uma vez que tenho me dedicado, ainda que amadoristicamente, a essa sublime arte.

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Published on September 02, 2013 10:10

August 31, 2013

Pra não dizer que não falei do Draccon

Inspirado na figura de Thomas Pynchon, Roberto Bolaño, em seu livro 2666, concebeu o escritor misantropo Benno Von Archimboldi (Pseudônimo de Hans Reiter), acerca do qual muito pouco se sabe: os maiores especialistas em sua obra, os críticos Pelletier (francês), Morini (italiano), Spinoza (espanhol) e Norton (inglesa), sabem apenas que trata-se de um escritor alemão do pós-guerra, avançado em idade, que publicou obras geniais no decorrer da vida e nunca, ou quase nunca, ao que se sabe, foi fotografado, entrevistado ou qualquer coisa que o valha, muito pelo contrário: Archimboldi, um dos nomes mais cotados para o Nobel de Literatura, é praticamente um escritor sem rosto. Sua obra, entretanto, é adorada, cultuada, estudada e discutida de forma obsessiva em círculos literários e revistas.

Tal particularidade faz com que os críticos fiquem atentos a qualquer informação aleatória que apareça sobre o escritor alemão: querem convidá-lo para palestrar, discutir sua obra, encher-lhe de perguntas.

O paradeiro e a biografia de Reiter, contudo, são narrados apenas no último livro —“A Parte de Archimboldi” —, onde sua figura, sedutora desde as primeiras páginas do portentoso volume, ganha uma projeção muito maior, levando o leitor a compreendê-lo, admirá-lo, e a encarar sua misantropia como conditio sine qua non de sua fascinante pessoa.

Nos cinemas, por sua vez — Shadows in the Sun (2005) —, o escritor Weldon Parish isola-se numa cidade do interior da Itália há cerca de 20 anos, período durante o qual nada publicou, e o jovem editor e aspirante a escritor Jeremy Taylor é incumbido por seu chefe a encontrá-lo e convencê-lo a assinar um contrato com uma grande editora britânica.

Ainda nos cinemas, William Forrester — Finding Forrester (2000) —, que escreveu uma obra-prima lida e estudada em escolas e universidades americanas, mantém-se recluso com seus livros numa cidade periférica dos Estados Unidos, onde acaba por conhecer o jovem negro Jamal Wallace, verdadeiro prodígio literário, com o qual passa a manter uma relação do tipo tutor-discípulo. Jamal, que enfrenta dificuldades por causa de sua classe social e sua cor, apega-se ao velho Forrester como a um avô, e assume para si a missão de trazê-lo de volta à vida em sociedade.

Fora da ficção, Salinger, autor cultuado no mundo inteiro, muitas vezes pelos motivos errados, criador da curiosa família Glass, do inesquecível Seymour Glass (“Ver mais vidro, ver mais vidro!”) e de um dos momentos mais belos e tristes da literatura ocidental — A Perfect Day for Bananafish — talvez seja o exemplo mais citado: também resolveu se isolar, viver e morrer em reclusão, deixar sua obra por conta própria, a andar com as pernas que ele lhes deu.

Já houve outros como ele, ainda há, e sempre haverá: Coetzee, Pynchon, Clarice Lispector, McCarthy, Harper Lee, Raduan Nassar, Dalton Trevisan, Proust... Rubem Fonseca.

Rubem Fonseca. Um escritor de primeira grandeza em nosso país, nossa língua, nossa Literatura, cuja postura misantrópica foi citada por Draccon (?) como exemplo de algo reprovável em nossos tempos: “Um escritor como Rubem Fonseca”, aduz o autor/editor do selo Fantasy da editora Casa da Palavra, “hoje, não seria publicado.” Argumenta ainda que o autor deve ter a oferecer algo além de sua obra, que sua história de vida e sua personalidade devem ser tão impactantes quanto o livro que escreveu, que o autor introspectivo, que passa o dia em casa trabalhando em seus escritos, já não tem espaço.

Talvez o maior absurdo que eu tenha lido nos últimos dias, certamente o maior no que diz respeito à Literatura. Draccon parece ter uma visão distorcida do que é a arte (Literatura em particular), uma vez que, para ele, a vida e a popularidade do artista/autor possui mais importância que sua obra, quando desde sempre tem sido exatamente o contrário. Na Literatura, a vida do autor sempre foi secundária. Aliás, na arte.

Para usar as palavras do próprio Rubem Fonseca: “Li os Sertões, essa obra-prima de Euclides da cunha, inúmeras vezes (...). E a vida de Euclides, apesar de todos os seus aspectos dramáticos, nunca me interessou. Aliás, não me interessava a vida de ninguém. Não me importava saber, por exemplo que Gauguin era pedófilo, meu interesse era descobrir como conseguia a luz e a cor de suas telas.” (Vastas emoções e pensamentos imperfeitos).

Mas Draccon discorda, e ele não está só em sua linha de raciocínio. Trata-se, evidentemente, de uma visão de mercado, o tipo de visão que coloca Bruna Surfistinha, Padre Marcelo Rossi e Geyse Arruda na lista dos livros mais vendidos, e deixa de lado escritores geniais que, se tivermos sorte, descobriremos algum dia de alguma forma: ou graças a algum editor com bom senso, ou graças ao acaso, ou graças à autopublicação. Prova disso é que o editor do selo Fantasy, que não publicaria Rubem Fonseca hoje, como podemos depreender facilmente de seu enunciado (lembrem-se que o homem se trai por todos os poros), é o mesmo editor que publicou o vlogger Felipe Neto.

Para Draccon, também não basta que o autor tenha “uma vida impactante”, é preciso que ele esteja ativo nas redes sociais (portanto, ele também não publicaria o Jonathan Franzen, que não apenas não possui redes sociais, como também as odeia), que seja submisso, que não critique os colegas — pelo contrário —, pois uma única crítica será suficiente para que o autor seja “cortado” de sua lista. Sim, o que importa para ele é a “união entre os autores” (Tolkien, ao criticar Lewis, também não seria publicado por Draccon. Oh, céus.).

Que tipo de autor gostaria de ser publicado por uma editora assim? É importante que nos façamos essa pergunta, pois existe sim uma resposta óbvia. E cá entre nós: é o tipo de autor do qual eu prefiro manter distância.

Fico com os reclusos, Draccon. Obrigado.

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Published on August 31, 2013 07:55

August 28, 2013

Escritores falando mal de outros escritores–Parte 1

Numa época em que falar mal de outros escritores é visto com desconfiança por pessoas que acreditam que Rubem Fonseca, hoje, não seria publicado, não custa resgatar algumas pérolas dos arranca-rabos literários mais famosos da história:

“Ouvi dizer que macacos treinados em datilografia, escrevendo eternamente, um dia conseguiriam reproduzir as peças de William Shakespeare. Mas tudo o que eles produziram até agora foram as obras completas de Francis Bacon.”

(Bill Hirst)

“Henry James escreve ficção como se fosse uma obrigação dolorosa.”

(Oscar Wilde)

“Henry James tem uma mente tão privilegiada, que impede a entrada de qualquer idéia.”

(T. S. Eliot)

“O senhor Eliot é tratado como Suprema Eminência entre os críticos ingleses simplesmente porque se disfarça de cadáver.”

(Ezra Pound)

“Para mim, Ezra Pound é um showman, só que sem o show.”

(Ben Hecth)

“Esta biblioteca não tem nenhum livro de Jane Austen. Mas uma única omissão já faria esta biblioteca bem melhor do que qualquer outra que tenha as obras completas.”

(Mark Twain)

“Mark Twain é um escritor que não seria considerado nem de quarta categoria na Europa, mas ele tem cor local suficiente para intrigar os superficiais e os preguiçosos.”

(William Faulkner)

“Qualquer um pode desmontar o trabalho de Joseph Conrad com a simples menção da palavra "humor". É um desses malditos truques ingleses que ele nunca aprendeu a manejar.”

(H. G. Wells)

“H. G. Wells é uma tia velha entre romancistas.”

(Rebecca West)

“Uma mulher que escreve um livro comete dois pecados: aumenta o número de livros e diminui o número de mulheres.”

(Alphonse Karr)

“Ulisses é o trabalho de um nojento sem educação espremendo espinhas.”

(Virginia Wolf)

“Virginia Woolf é um tipo muito peculiar de esnobe, pois nunca pertenceu a um grupo que a permitisse agir como tal.”

(Edmund Wilson)

“Kurt Vonnegut é o pior escritor dos EUA.”

(Gore Vidal)

“Vidal sofre do medo de ser tomado como chato, estúpido, antiquado, uma péssima atitude para um novelista.”

(Kingsley Amis)

ou

“Escrevia sobre beber para aproveitar alguma das horas que não se dedicava a isso.”

(Martin Amis sobre o pai, Kingsley)

“Toda a sua obra se centra em ser patético.”

(Frédéric Beigbeder sobre Michel Houellebecq)

“Bellow é uma mediocridade miserável.”

(Vladimir Nabokov)

“Dei uma olhada nos livros de Bolaño e me aborreci espantosamente. Ele falava mal de todo mundo. Era uma pessoa extraordinariamente conflituosa que nunca disse nada de bom de ninguém. É um bom escritor que desgraçadamente morreu, mas isso não faz dele uma pessoa melhor.”

(Isabel Allende)

Pero antes que Bolaño morresse, él dicho:

“Nem sequer acho que Isabel Allende seja uma escritora, é uma escrevinhadora. Não mudaria de idéia se tivesse bebido com ela. Primeiro, porque essas senhoras evitam beber com alguém como eu. Segundo, porque já não bebo. Terceiro, porque nem nos meus piores porres perdi uma lucidez mínima, um sentido da prosódia e do ritmo, um certo pudor ao plágio, à mediocridade ou ao silêncio. Se tivesse que escolher entre ela e António Skármeta, ficaria com Allende, mas escolhendo entre a espada e a parede.”

Mais do genial chileno, que sofria… do fígado:

“Os méritos de Paulo Coelho? Os mesmos de Isabel Allende: vende livros.”

“A literatura chilena gira em torno de um sol morto que se chama Pablo Neruda.“

“Como poeta, seriam umas bichas loucas, como Whitman e Blake. Neruda e Paz, no entanto, são só umas bichas.”

“A melhor lição de literatura que deu Vargas Llosa foi fazer jogging nas primeiras luzes da alvorada.”

Aguardem outros arranca-rabos literários na próxima semana.

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Published on August 28, 2013 18:43

Novela e Romance: uma proposta

Muitas coisas me irritam. Algumas sequer precisam de explicação: pessoas que jogam lixo nas ruas, jovens que não cedem o lugar a idosos e gestantes nos ônibus, gente mal educada, injustiça e uma lista enorme de outras coisas, a maior parte delas ligadas à imbecilidade humana. Uma, entretanto, nada tem a ver com isso, estando ligada mais provavelmente a outros fatores, como a formação cultural do povo brasileiro, e que exatamente por isso me é compreensível, a despeito de, repito, me irritar bastante. Não sei. Quando se trata do tema que irei desenvolver, geralmente raciocino do topo de minha própria ignorância — ou inocência —, uma vez que, como para o religioso, estou mais confortável assim, e não faço a menor questão de sair de minha zona de conforto por causa de racionalizações, justificativas e provas científicas em sentido oposto.

O que é essa coisa, afinal?, quase consigo ouvir alguém perguntar. A resposta é simples: a ideia de que, ao dizer que estou escrevendo um romance, quero dizer com isso que se trata de uma história de amor. Qual o escritor brasileiro vivo que nunca passou por isso? Para certo público, há uma ligação ingênua e quase indissociável entre essas duas ideias: romance e romantismo, histórias cheias de amores e paixões ardentes, o que leva alguns autores e editoras a classificarem o que escrevem e o que publicam como romance romântico, romance de horror, romance steampunk etc., o que, cá entre nós, acho desconfortável.

Gosto do termo usado pelos anglófonos e pelos latinos: novel e novela, respectivamente. Eu, por minha própria conta, uso novela para me referir ao que os outros chamam romance, e noveleta para o que os outros chamam novela. Conto, obviamente, permanece conto.

No Brasil, novela, infelizmente, virou sinônimo de telenovela — Obrigado, Globo —, mas no campo da Literatura, em termos simplistas, trata-se de uma narrativa menor que o romance, e maior que o conto — algo entre 20 e 40 mil palavras. Tudo o que fiz foi trocar (“Primeiro as invertidas, agora isso?! Tu és doido de pedra, Denser!”, dizem meus amigos escritores), aqui vai tabela explicativa:

Conto: até 20.000 palavras.

Noveleta: de 20.000 a 40.000 palavras.

Novela: acima de 40.000 palavras.

Romance: uma novela romântica. E só.

Parece confuso? Eu não acho. Pelo contrário, acho que faz mais sentido e é mais lógico, além de nos colocarmos em afinidade com duas das línguas mais importantes do mundo hoje, o inglês e o espanhol. Também é importante lembrar que tais medidas apresentadas são apenas uma “aproximação” e, portanto, o que separa uma novela de uma noveleta não é uma única palavra.

Uma curiosidade: hoje em dia, se você digita novel no Google Imagens, o que você encontra? Livros, livros e mais livros. Mas se você digita romance ou novela... bom, acho que dá pra ter uma ideia do que aparece.

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Published on August 28, 2013 07:31

August 27, 2013

Uma anedota* sobre James Joyce

JJ_1923Conta-se que, certo dia, um amigo foi visitar James Joyce e o encontrou em seu escritório, esparramado sobre a escrivaninha e com uma expressão de verdadeiro desespero estampada no rosto.

— O que houve, James, algo errado? — perguntou — É o trabalho?

Joyce indicou a cadeira sem sequer levantar a cabeça para olhar o amigo. Claro que era o trabalho. Não era sempre?

— Quantas palavras você escreveu hoje? — indagou o visitante.

Joyce, ainda em desespero, ainda esparramado sobre a escrivaninha, respondeu:

— Sete.

— Sete? Mas James... isso é ótimo, pelo menos pra você!

— Sim — disse Joyce, finalmente erguendo a cabeça e olhando para o amigo — Suponho que sim, mas eu não sei em que ordem colocá-las.

 

* Apesar de ser uma anedota tradicional sobre o escritor irlandês, a versão acima foi adaptada de On Writing, da autoria de Stephen King. 

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Published on August 27, 2013 05:41

August 26, 2013

Sobre bons e maus autores

Em seu livro On Writing, Stephen King pontua que a maioria dos escritores consegue lembrar o primeiro livro que deixaram de lado pensando: “Eu posso fazer melhor que isso. Diabos, eu faço melhor que isso!”, e nos deixa uma pergunta: O que pode ser mais encorajador para o aspirante do que perceber que seu trabalho é inquestionavelmente melhor do que aquele pelo qual alguém foi pago?

Quando li o trecho citado, sublinhei o parágrafo inteiro e me pus a questionar se de fato lembrava qual o primeiro livro que me causou essa sensação. Não demorou muito e me vi deitado no sofá, de pernas pra cima, a cabeça apoiada numa almofada enquanto lia o livro de um autor local que caíra em minhas mãos, e cujo título não citarei por motivos éticos. Naquela época, não tinha dinheiro para comprar livros e lia qualquer coisa que aparecesse pela frente, tendo como único critério que fosse escrito em língua portuguesa, pois ainda não conhecia nenhum outro idioma.

Lembro que na quarta capa o livro trazia a informação de que o autor recebera uma quantia exorbitante (para mim, ao menos) da prefeitura para que sua obra fosse publicada. Fiquei intrigado: “Como assim a prefeitura pagou pra publicar essa porcaria?”

Eu era um garoto — calculo que algo entre 11 e 12 anos —, mas já conseguia distinguir, um pouco institivamente, um livro bom de um livro ruim. Claro que meus critérios, na maioria das vezes, eram essencialmente subjetivos, o que quer dizer que não valiam para todas as pessoas. Em relação ao tal autor local, entretanto, eu conseguia sair um pouco da minha subjetividade para encarar o fato de que aquele livro era um verdadeiro lixo. O autor era viciado em dizer o óbvio da forma mais patética possível, e, para piorar, seu estilo era entediante e pretensioso; suas máximas, rasas como uma poça de lama (uma delas tão inacreditavelmente ridícula que jamais consegui esquecer: “Por mais sábios que sejam os homens, eles nunca serão capazes de saber quantas estrelas existem no céu.”), e erros gramaticais primários davam conta de transformar aquelas páginas mal diagramadas num verdadeiro circo de horrores.

Lembro de ter ficado tão impressionado que mostrei o livro a todos os meus amigos com os quais podia debater a questão (não eram todos, para a maioria dos meus amigos da época um livro era igual a qualquer outro), e eles, claro, ficaram tão embasbacados quanto eu.

Foi essa a primeira vez que pensei poder escrever melhor que alguém, mas não foi a única. Muitas vezes me vi pensando isso ou algo parecido, como quando ao ler determinado autor, me ocorreu que, bom, eu ainda não escrevia melhor que ele, mas eu era jovem, dedicado e, se vivesse o suficiente, um dia o colocaria no chinelo.

Vaidade boba e imatura, claro.

Ocorre que, se algo existe, existe também o seu oposto, não? É a impressão que tenho. Quando li Dostoiévski pela primeira vez, fiquei dias inteiros em uma espécie de catatonia: não falava com ninguém, não conseguia dormir, andava e ia à escola como um zumbi, esse tipo de coisa. Como, por Deus, alguém podia escrever daquele jeito? Era algo para além da arte, para além do belo! Quase desisti de escrever. Se alguém como Dostoiévski existira e publicara seus livros, por que algum outro livro seria necessário?

O tempo passou e outros choques vieram (Hesse, Rimbaud, Nietzsche, Miller), autores que pareciam escrever mais para me esbofetear do que para qualquer outra coisa. Eu era nocauteado por cada livro, às vezes já no primeiro round, sem chance alguma de reação, e por muitas vezes me vi catatônico pela casa, deprimido por saber que eu jamais escreveria tão bem.

Os últimos autores que me derrubaram — não é surpresa pra ninguém que me conheça — foram José Saramago e Roberto Bolaño, esse último talvez o melhor boxeador de que já tive notícia. Após terminar a leitura de 2666, de fato morri de vergonha e amaldiçoei tudo o que já havia escrito até então (confesso que tive vontade de juntar todos os meus textos numa única pasta e apagá-los para todo o sempre, o que por pouco não fiz), e cheguei a ficar meses inteiros sem conseguir escrever uma linha sequer: aquilo não era um livro, era uma humilhação (mais tarde, li uma crítica na qual o autor dizia quase a mesma coisa), e sempre que eu me sentava para escrever, lá estava o fantasma de Bolaño a me dizer que eu teria muito trabalho pela frente se quisesse chegar aos seus pés. Não preciso dizer que o choque se repetiu quando li Os Detetives Selvagens. Na época, eu estava para terminar a primeira versão de Bernardo, meu romance, mas fiquei tão sobressaltado que não tive o menor receio de mandar o arquivo para a lixeira... e recomeçar do zero.

Se não parei de escrever foi tão somente porque não consigo. Porque ainda jovem, sem titubear, gritei um retumbante “SIM!” em resposta a Rilke, porque minha vida inteira girou em torno disso, e a escrita SEMPRE esteve presente: das cartas de amor (ridículas!) aos poemas amor-com-dor, diários, contos, e até mesmo às peças processuais que escrevo sobretudo por obrigação.

Obviamente, devo minha insistência aos bons e maus autores: aos primeiros, por querer igualá-los, aos últimos, por me sentir capaz de superá-los. O tempo e os leitores dirão ao lado dos quais deverei figurar. Espero que dos primeiros.

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Published on August 26, 2013 16:11

August 25, 2013

“Formiga”

D. ENCONTROU UM BILHETE ENTRE AS PÁGINAS do seu livro de matemática. Nele, uma declaração e uma pergunta: Eu amo você, a declaração, e Você é gay?, a pergunta. Não estava assinado e a palavra gay estava grafada “gei”, o que para D. era ainda mais absurdo que a pergunta pretensamente... ofensiva? Provocante? Uma forma de desafio do tipo “prove que é macho e me dê atenção”? Não importava. Riu do erro com mais indiferença que desprezo, amassou o papel e o atirou ao cesto de lixo, próximo ao quadro negro manchado de giz.

No pátio da escola, V., seu amigo que estudava na sala vizinha por ser um ano mais velho, sentou-se ao seu lado.

— Você não vai acreditar.

— O quê?

— Eu tenho uma admiradora secreta.

V. sorriu.

— Sério?

— Sim.

— Se ela é secreta, então como você sabe?

— Tinha um bilhete escondido no meu livro de matemática, dizia que me amava e perguntava se eu era gei.

— O que é isso?

— Ela provavelmente quis dizer gay.

— Ah! — V. deu uma gargalhada — Cadê? Quero ver!

— Eu joguei no lixo.

Ficaram em silêncio. Foi V. quem falou primeiro.

— Quem será que é?

— Luciana.

— Quem é essa?

— Aquela da testona que o Elias chama de Formiga.

— Ah, Formiga?! — V. riu até se curvar e perder o fôlego — Logo Formiga?! Cara, sinceramente, eu até preferia ser gay se pra provar ser macho eu tivesse que namorar a Formiga!

— Eu não preciso provar nada pra ninguém.

— E como você sabe que é ela?

— Ela é a única da minha sala que usa uma caneta cor-de-rosa com aqueles negócios brilhosos. A professora até já brigou com ela por causa disso.

V. voltou a ficar em silêncio, olhando para os sapatos.

— Por que ela pensa que você é gay?

D. deu de ombros.

— Deve ser porque eu não jogo futebol, não participo da educação física, não jogo peteca nos professores e nos intervalos prefiro ficar lendo a ter que papear com pessoas com quem não tenho nada em comum.

— Ela também dizia que te amava?

— Sim.

— Que estranho, né?

— É, pois é.

— Eita, olha, lá na porta da tua sala, é ela! Tá olhando pra gente...

— Eu já tinha visto.

— Vai deixar pra lá?

— Vou sim.

E deixou. Outros bilhetes vieram com o passar dos dias, alguns cheios de promessas de amor eterno (“minha vida depende de voçê”), outros de provocações (“V. é seu maxo?”), sempre com erros e imposições.

Mas D. não mudou de ideia. Não reagiu. No fundo no fundo, sentia uma pena sufocante daquela garota a qual os meninos do fundão apelidaram de Formiga, e até certo ponto gostaria de corresponder aos seus sentimentos, o que nunca chegou a acontecer.

Um dia, já adulto, D. sentou-se para escrever uma crônica e, por algum motivo, lembrou de “Formiga” e seus bilhetes amorosos. Sorriu, perguntou-se que fim teria levado aquela moça e, ainda sorrindo, se pôs a escrever.

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Published on August 25, 2013 10:37

Livro: A Orquestra dos Corações Solitários

Capa - A Orquestra dos Corações SolitáriosUm ex-suicida com os tendões atrofiados, um jovem casal que se conheceu pela internet, um vendedor ambulante de sandálias magnéticas que foi abandonado pela noiva, uma garota maníaco-depressiva que sonha se transformar numa poesia, um velho escritor frustrado, uma bailarina que nasceu com uma doença rara... o que esses e tantos outros personagens possuem em comum? A dolorosa solidão na qual se encontram mergulhados e através da qual buscam nadar e sobreviver, apesar do autor nos deixar claro já nas primeiras linhas que isso nem sempre acontecerá.

Comparado a Cortázar por escritores como W. J. Solha, Roberto Denser brinca com as tragédias particulares das "tantas pessoas solitárias" que desfilam pelas páginas dessa obra que, como diz a escritora Luisa Geisler no prefácio, é "um primeiro álbum de best-hits".
__________________________________

É isso aí, pessoal, com muita alegria informo que A Orquestra dos Corações Solitários - uma coletânea de contos sobre a solidão inspirados nas músicas dos Beatles - encontra-se, finalmente, disponível para compra nos sites da gigante Amazon.

Aos que resolverem se aventurar pelas páginas desse palimpsesto da solidão, desejo uma excelente leitura. Espero que o livro, apesar de versar sobre corações solitários, seja uma excelente companhia para vocês - assim como foi para mim enquanto o escrevia.

Agradeço também aos que puderem ajudar na divulgação.

Abraços.

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Published on August 25, 2013 07:09

August 24, 2013

Em defesa de Paulo Coelho*

Biografia é um dos meus gêneros favoritos. Adoro conhecer a história de vida de grandes homens e mulheres e tudo o que eles tiveram que passar para chegar aonde chegaram. Por esse motivo, já li inúmeras: Freud, Shakespeare, Balzac, Assis Chateaubriand, Sartre, Simone de Beauvoir, Cervantes, Kafka, Raul Seixas, Renato Russo, Napoleão Bonaparte — para citar apenas os que me chegam à memória de imediato.
Ano retrasado, em uma promoção, comprei o livro O Mago, a mais completa biografia do escritor Paulo Coelho disponível no mercado, escrita pelo jornalista Fernando Morais, um dos biógrafos mais competentes do país.
Infelizmente, apenas agora pude fazer a leitura.
Já na capa, o livro traz algumas informações interessantes e que me chamaram a atenção:
“A incrível história de Paulo Coelho, o menino que nasceu morto, flertou com o suicídio, sofreu em manicômios, mergulhou nas drogas, experimentou diversas formas de sexo, encontrou-se com o diabo, foi preso pela ditadura, ajudou a revolucionar o rock brasileiro, redescobriu a fé e se transformou em um dos escritores mais lidos do mundo”.
Além disso, ele é o escritor vivo mais traduzido de todo o planeta. O único mais traduzido que, pasmem, Shakespeare.
Acho que esses dados, soltos assim de leve, chamam a atenção até de quem não simpatiza muito com sua obra, não é verdade? De qualquer forma, não estou aqui para discuti-la — nem tenho interesse em fazer isso, pelo menos não no momento — , mas para comentar um pouco minhas impressões sobre sua biografia.
Quero, primeiro, repetir o que já deixei claro no título**: trata-se da biografia mais interessante que eu já li até hoje. Na verdade, o livro prendeu tanto a minha atenção que li as mais de 600 páginas em apenas dois dias — acho que é meu recorde oficial de leitura — tendo que, inclusive, varar uma madrugada para fazê-lo, pois não conseguia desgrudar os olhos na ânsia de saber que rumo tomaria a vida daquele “maluco” hippie-satanista-teatrólogo-compositor-jornalista-junkie que sempre teve a certeza de que entraria para a história — ele, desde muito cedo, manteve diários onde registrou coisas como “Meu sucesso, quando estourar, vai estourar de uma vez...”
Amigos, creio que nem o mais imaginativo dos ficcionistas seria capaz de conceber a história de vida deste homem. Aliás, creio também que, caso o fizesse, não conseguiria convencer nenhum leitor de sua verossimilhança. Certamente os leitores pensariam coisas como: “Ora, não pode existir ninguém assim. Ora, as coisas não acontecem assim”, mas está tudo lá — com direito a fotos, documentos e tudo o mais.
A vida do Mago é, ao mesmo tempo, exemplo e contra-exemplo. É a história de um homem com um sonho, decidido a fazer qualquer coisa para alcançá-lo; de um homem corajoso e que, exatamente por esse motivo, tem minha admiração e respeito. Recomendo a leitura tanto para os que simpatizam com seus livros, quanto para os que os odeiam, com plena convicção de que suas impressões sobre ele jamais serão as mesmas.
Do livro, ao final das contas, ficou uma conclusão: no Brasil, fazer sucesso é visto como algo negativo, como se o sucesso entre as massas descaracterizasse qualquer outro mérito. Tenho, porém, duas informações interessantes sobre a recepção da obra de Paulo Coelho entre novos leitores:
Primeira: três amigos meus são, hoje, leitores vorazes. Eles possuem uma coisa em comum: começaram a ler com os livros de Paulo Coelho.
Segunda: no projeto “Livro Itinerante”, que iniciei por aqui no começo do ano retrasado, e que contava com dez livros, sendo dois deles da autoria de Paulo Coelho, os únicos que deram retorno — os livros tinham um recado com um endereço de email para onde os leitores que os encontrassem poderiam, se quisessem, enviar um email falando sobre o modo como os livros afetaram suas vidas, impressões da leitura, et cetera — foram justamente os dele — os outros eram de Machado de Assis, Jorge Amado, Stephen King e Clarice Lispector, mas ninguém até hoje mandou email comentando suas obras, ao contrário do que aconteceu com as de Paulo Coelho.
Coincidência que, de dez livros, apenas os dois de Paulo Coelho tenham dado retorno? Pode até ser, mas eu custo a acreditar.
No mais, meus queridos, se o Mago ajuda a formar leitores neste país de novelas e big bróderes, então o Mago é meu amigo, assim como Stephenie Meyer, J.K. Rowling e/ou qualquer outro que contribua nesse sentido.
Falo sério: alguns acham que se você começa sua vida de leitor lendo aquilo que eles consideram “subliteratura” (na opinião desses especialistas, todo mundo deveria começar lendo Machado de Assis, Proust, James Joyce no original), você jamais evoluirá como leitor. Eu, é claro, penso de forma extremamente oposta: comecei a ler com gibis, alguns bem bobos, e até chegar ao Guimarães Rosa foi uma grande e divertida trajetória.
* O texto acima foi publicado originalmente em meu outro blog, hoje extinto, mas decidi resgatá-lo após uma conversa com a Bebel, no Twitter.

** No título original: “O Mago – A biografia mais impressionante que eu já li.”
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Published on August 24, 2013 09:32

August 23, 2013

Conto publicado na revista Blecaute

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Saiu a nova edição da revista Blecaute e, nela, tenho a honra de estar publicado ao lado de escritores como Maria Valéria Rezende, Eduardo Lacerda, Wilson Gorj, Diego Moraes, entre outros. Pra quem ainda não conhece, trata-se do mesmo periódico que, em quase cinco anos de existência, já publicou autores como Roberto Menezes da Silva, Sérgio de Castro Pinto, André Ricardo Aguiar, Bráulio Tavares, Bruno Ribeiro, W.J. Solha etc., para citar apenas alguns dos meus conterrâneos que tanto admiro e respeito.

O convite para participar dessa edição me foi feito por um dos editores, o também escritor João Matias, que ao me convidar argumentou que eu devia um conto à Blecaute, o que , de fato, era verdade. Não titubeei, selecionei um dos contos do meu livro A Orquestra dos Corações Solitários e, com muita alegria, o remeti na mesma hora.

Aqui está, portanto, a publicação, vocês poderão baixá-la gratuitamente no site oficial da revista, bastando clicar nesse link, e também poderão fazer a leitura online.

No mais, resta dizer que tive a alegria de receber alguns comentários sobre o texto publicado que muito me honraram, ei-los:

"Não deixem de ler a revista Blecaute. Em especial o conto de Roberto Denser, sem dúvida o melhor." (Roberto Menezes da Silva, autor de palavras que devoram lágrimas – ou a felicidade cangaceira, Pirilampos Cegos, O Gosto Amargo de Qualquer Coisa e Despoemas).

"Denser, acabo de ler o conto que você publicou na Blecaute. Genial. Lembra-me Cortázar. Você está conseguindo captar nossa época com a nitidez impressionante que ele costumava ter. É como se a gente estivesse cansado de tanto experimento em Arte e, de repente, déssemos com um quadro de total realismo,  e respirássemos aliviados. Você vai emplacar, meu caro. Vai emplacar." (W.J. Solha, autor de História Universal da Angústia, Esse é o homem, O Relato de Prócula, Sobre 50 livros, Marco do Mundo, dentre outros, por email).

Boa leitura.

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Published on August 23, 2013 16:00