Roberto Denser's Blog, page 10

February 8, 2014

O Menino que Roubava Livros

Tava aqui lendo sobre um jovem baiano de 19 anos que foi preso após roubar 3 livros numa livraria de Salvador. Segundo ele, roubou para "estudar", pois sua mãe não tem dinheiro para comprá-los. Naturalmente, sua família também não possui condições de pagar a fiança (dois salários mínimos), e o garoto acabou sendo transferido para o Complexo Penitenciário da Mata Escura.

Essa notícia fez com que eu me lembrasse de várias coisas de minha própria vida. Primeiro: minha família tem uma origem muito, MUITO pobre, mas também sempre foi muito, MUITO guerreira. Não vou entrar em detalhes, mas quando descobri meu amor pela leitura eu estudava numa escola pública de um bairro pobre (onde cresci), na qual não havia o que pudéssemos chamar de biblioteca, mas alguns livros que ficavam lá na secretaria da escola e que podíamos folhear durante o recreio. Como não podíamos levar os livros para casa, tínhamos duas opções: ler um pouco todos os dias - o que fazia com que demorássemos uma eternidade para terminar um livro -, ou simplesmente furtá-los. Tendo sido educado para jamais pegar sem autorização aquilo que não me pertence, tive que imaginar uma terceira alternativa, pois eu realmente precisava ler aqueles livros: após pensar um pouco - e após ter recebido um caloroso "não" ao perguntar se podia levar algum livro para ler em casa -, resolvi que, bom, eu podia sim levá-los escondidos, desde que os devolvesse no dia seguinte, de modo que ninguém percebesse sua falta. Foi o que fiz: na primeira oportunidade, enfiei um livro dentro das calças (Uma luz no fim do túnel, do Ganymédes José) e voltei discretamente para o restante das aulas. Ao chegar em casa, o que fiz foi tirar a roupa, me jogar de pernas pra cima no sofá e ler ininterruptamente até que meus olhos lacrimejassem, pois eu precisava devolver o livro no dia seguinte, para só então pegar outro. E foi assim que realizei algumas das minhas primeiras leituras, muitas delas bastante marcantes.

Mais tarde, e já um pouco crescido, descobri a biblioteca pública local, e ela, sobretudo durante minha adolescência, foi minha maior fonte de sabedoria. Foi lá que descobri o nome de Dostoiévski, Rimbaud, Nietzsche, Machado de Assis. Foi lá que li alguns dos meus livros favoritos. Passava horas lá, dias inteiros, passeando entre as estantes, escolhendo um livro por causa de sua capa, título, sinopse ou (no caso de já ter lido ou ouvido falar a respeito) autor. Também furtei alguns livros lá, vejam só, os quais jamais devolvi. Sim, mea culpa, sou um criminoso confesso, aprisionem-me: furtei alguns livros de uma biblioteca pública. Não, eu não me arrependo, como disse em outro texto publicado no blog (“Crime não é roubar livros, crime é não lê-los”, diz Bolaño, que hoje é um dos meus autores favoritos, e com o qual quase sempre estou de acordo): foi assim que comecei a juntar meus primeiros livros — alguns volumes baratos em sebos, algumas doações de professores e amigos, alguns furtos —, e quando a situação melhorou e consegui um trabalho que pagava um pouco melhor, comecei a frequentar livrarias e comprá-los com a mesma assiduidade que mantenho até hoje.

Também faço doações com frequência: não apenas para bibliotecas públicas, mas também para pessoas (tenho inclusive uma caixa cheia de livros pronta para ser entregue neste momento), mas não, não o faço por arrependimento. Não tenho sequer uma sombra dele. Fico a pensar o que teria sido de mim não fossem os livros, a literatura. Acho, sem exagero algum, que eles contribuíram para que eu não me perdesse. Como eu disse antes, cresci num bairro pobre. Pobre e portanto violento. Vi alguns dos meus amigos de infância - garotos que brincavam comigo ou estudavam na mesma escola que eu - se envolverem com o tráfico de drogas, e morrerem por causa desse envolvimento. Muitas foram as vezes que recusei esse ou aquele convite porque, pasmem, eu precisava terminar ou começar a ler esse ou aquele livro.

Deixo aqui, portanto, um apelo: soltem Alex Santana dos Santos, pois talvez os livros também sejam sua única salvação.

Link da notícia.

Adendo:

Após a publicação, fui informado de que o jovem Alex Santana dos Santos já foi liberado, após sua família conseguir levantar o dinheiro para pagar a fiança: link.

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Published on February 08, 2014 07:52

January 2, 2014

Memórias de Nava, uma overdose de beleza…

A Companhia das Letras caprichou na edição. Na minha humilde opinião, tais livros merecem ganhar qualquer prêmio de design de livros de que se tem notícia. Mérito sobretudo da Elisa von Randow, a quem reitero publicamente os parabéns enviados por email.

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Published on January 02, 2014 19:16

November 23, 2013

10 fatos aleatórios sobre mim

É uma dessas brincadeiras de Facebook, mas achei divertida.

1. Meu signo é câncer e, apesar de não acreditar em horóscopo, de vez em quando leio, me identifico e me divirto; há uma resistência mística em meu ceticismo.

2. Meus lados apolíneo e dionisíaco convivem em relativa harmonia - vezequando predominando um; vezenquando outro.

3. Há um ecletismo esquisito em meus gostos, talvez por causa do item anterior. Na música, consigo gostar de rock, pop, clássica, mpb, jazz, fado etc. AO MESMO TEMPO (um pendrive meu numa viagem longa de carro pode ser chocante). Na literatura, gosto de Stephen King, Dostoiévski, Roberto Bolaño, Saramago, Henry Miller, George. R.R. Martin, Reinaldo Moraes, Gaiman, Tolkien, Gaarder, Proust e Clive Barker etc. com a MESMA INTENSIDADE (e tô cagando pro que a intelligentsia literária tupiniquim pensa a respeito desses autores, só me importando o que eu mesmo penso). Nos quadrinhos, gosto tanto de TURMA DA MÔNICA quanto de WATCHMEN, HELLBLAZER e SANDMAN, e daí por diante.

4. Adoro mitologia desde criança, principalmente a nórdica e a grega, o que explica essa influência em minha produção literária (leitores atentos identificarão releituras e referências com certa facilidade).

5. Aprendi a ler no leito de um hospital infantil, antes mesmo de ser alfabetizado, graças à paciência de minha mãe e ao meu interesse por histórias fantásticas e gibis.

6. Meu humor é extremamente instável.

7. Dois dos meus maiores arrependimentos dizem respeito à perdas materiais:

7. 1 aos 14 anos, eu tinha as coleções quase completas e em excelente estado de Comando SOS X Comando Terror, Comandos em Ação, além dos Cavaleiros de Ouro - os originais, da Bandai -, Dragon Ball, também originais, etc. etc. e, convencido por influências externas de que já estava grandinho demais para brincar de boneco, coloquei todos num carrinho de mão e, em 3 viagens à feira local num final de semana, vendi todos a preço de banana (cada boneco desses, hoje, seria vendido por algo entre 100 e 200 reais - não que eu fosse vendê-los);

7. 2 Fiz algo parecido com meus gibis (mais detalhes aqui);

8. Já fui noivo.

9. Já fui VICIADO em videogames e acho que o recorde local em RE2 (51 minutos) ainda é meu; parei de jogar por causa do vício, mas planejo voltar quando tiver mais estabilidade.

10. O único osso que quebrei foi uma costela.

Bônus: 11. Já fui mordido por um macaco (não podia deixar essa passar).

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Published on November 23, 2013 06:37

November 17, 2013

Uma crônica íntima

— Achei o livro chato.

Chato. Ela achou o livro chato. Com os olhos ainda arregalados pela surpresa, engoli em seco e perguntei, numa voz que era um pouco mais que um sussurro:

— Como assim chato?

Ela deu de ombros.

— Chato, ué, você não sabe o que é um livro chato? — pensou um pouco mais, decidiu ser mais específica: — Livro véi, só fala leseira, um cara preso falando leseira. Eu, hein! Não consegui nem passar da página trinta!

Apesar da palavra “chato” ecoar em meus ouvidos, tudo o que consegui perguntar foi:

— Trinta?

— Ééé, trinta! Pra você ver como o livro é chato!

Mas o livro está com ela faz mais de um ano!, pensei.

— Mas, er, como você pode ter concluído que o livro é... bem, chato, se você nem leu o livro inteiro?

— E desde quando preciso ler um livro inteiro para saber que ele é chato?

Touché: Tive que admitir para mim mesmo. Eu, que já chegara à mesma conclusão por duas vezes em aproximadamente duas décadas de leitura — o que leva a uma média de 1 livro chato para cada 10 anos —, tinha que aceitar o argumento: não é preciso ler um livro inteiro para saber que ele é chato. O problema, e esse não era um simples problema, é que se tratava de Dostoiévski, DEUStoiévski, um dos poucos escritores a quem eu curvaria a cabeça, beijaria as mãos, pediria a benção, chamaria de painho, trabalharia de secretário e copista, faxineiro e massagista sem cobrar nenhum vintém. O livro, Recordações da Casa dos Mortos, me emocionara profundamente, e ao ouvi-la dizer que queria um livro emprestado, há mais de um ano, não pensei duas vezes: “Não tem como não gostar de Dostoiévski, sobretudo quando se trata de um livro tão magnífico, escrito com tanta verdade”.

Olhando para o passado, hoje concluo que o que a levou a pedir um livro emprestado não foi a vontade de ler — ela não era uma boa leitora, estava pouco se lixando para livros, literatura ou, posso afirmar com segurança, artes em qualquer uma de suas manifestações não dançantes —, mas o fato de eu estar com a cara sempre enfiada nalgum, comentando a respeito com entusiasmo etc. e, como estávamos no começo do namoro e pouco sabíamos um do outro, ela talvez quisesse parecer menos desinteressante, ou algo próximo disso. Um ano e alguns meses depois, já íntimos, era fácil ser sincera: O livro era chato, ela não conseguira passar da página trinta.

Aquela foi a primeira vez que me dei conta do quanto éramos incompatíveis. Apesar de muitas vezes, durante aquele ano e alguns meses em que estávamos juntos, ter observado nossas diferenças: eu era rock, ela forró; eu o sonhador inconsequente, ela a realista pragmática; eu o barbudo, ela a garota que odiava barba; dentre outras coisas, creio que foi naquele momento que pela primeira vez passou por minha cabeça que jamais daríamos certo.

Acontece que nos apaixonamos e nos acostumamos com as pessoas e passamos a relevar ou aceitar tudo aquilo nelas que não nos é bem vindo. Como ela costumava dizer: A gente ama, a gente cede. Sei que é assim que acontece, mas também sei, e o sei por puro uso da razão, que, em se tratando de relacionamento amoroso, relação conjugal, ceder não é suficiente, e que bom mesmo é sequer precisar fazê-lo.

Ceder talvez sirva por algum tempo, mas a compatibilidade é necessária. Pelo menos foi nisso que decidi acreditar. E quando, mais tarde, nosso noivado acabou e eu tive que me readaptar à vida de solteiro, foi a segurança de que jamais daríamos certo que tornou tudo tão fácil.

Não consigo, não mais, conceber um casal com o mínimo de compatibilidade nos gostos:

— Amor, vai ter show do Metallica no próximo mês.

— Nossa! Que máximo! Vamos comprar nossos ingressos!

No que ele, ou ela, sorri triunfante e diz:

— Já comprei.

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Published on November 17, 2013 18:41

November 11, 2013

Um pouco de azul para um coração amarelo

Para Iaiá, Cuja beleza não tem paralelo, e cujo coração é amarelo.

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— UM MUNDO MOVIDO A FRUSTRAÇÕES.

Camila mexeu o saquinho do chá mais um pouco, deu um golinho cuidadoso para não queimar a boca, e assentiu para si mesma, satisfeita. Lambeou os lábios e disse:

— Acho que você enxerga a existência humana sob uma perspectiva niilista demais.

— Freudiana, na verdade, Camila. Freudiana.

Camila deu de ombros.

— Tanto faz. Você diz que é freudiana quando quer falar em verdades, mentiras e sexo, mas sempre que parte para generalidades, bom, se comporta como um niilista maluco de província.

— Veja — ele apontou para o calçadão da praia, do outro lado da rua —, pessoas vestindo sungas coloridas, Camila. Sungas coloridas! Não há alegria no mundo que justifique o uso de sungas coloridas!

Ela sorriu.

— Você tá exagerando.

— Talvez, talvez, mas você há de concordar comigo que

— Ah, não me vem com mais uma daquelas teorias malucas que você costuma

Ele a interrompeu:

— Sério, escuta essa: primeiro, estive pensando que, além das sungas coloridas, quero dizer, estive pensando que tudo o que não é essencial, na vida, sim? Tudo o que não é essencial, bem, é contingente, não? Será que cortar tudo o que for contingente não é uma maneira de alcançar a felicidade?

Ela fez sinal para que ele parasse.

— Nós já falamos sobre a felicidade antes, João. Você sabe o que eu penso.

Ele a encarou em silêncio por alguns segundos.

— Seu café vai esfriar.

— Você sim é a niilista, Camila, não eu. Não eu.

Por alguns instantes não disseram mais nada:

João ficou a olhar o outro lado da rua, em direção ao mar. Pensava: Meu deus, sungas coloridas. Deus!

Camila, por sua vez, pensava simplesmente: Não consigo entender como o João consegue ser tão... idealista? Passional? Aquela palavra que identifica bem quem não consegue simplesmente aceitar as coisas sem parar pra fazer metafísica a respeito. Quer dizer, ela não sabia se existia uma palavra assim, mas sabia que existia o João, e o João era assim.

— Deveríamos admitir de uma vez por todas — começou ele — que um, não somos animais monogâmicos; dois, não somos bons; três... não deveríamos levar as comédias românticas tão a sério?

Camila deu uma gargalhada.

— Isso é uma pergunta?

— Veja bem esse último item, Camila. Levar as comédias românticas a sério tem deixado um monte de gente frustrada, não é? A vida não é uma comédia romântica. A vida tá mais para o caos, a tragédia, o horror, o surrealismo... uma mistura maluca entre Lynch (It’s a strange world, Sandy!), Bergman, Tarantino, Gaspar Noé e, sei lá, algum diabo bêbado dadaísta ou aquele canadense do filme perturbador que não conseguimos assistir até o final, como era o nome?

— Subconcious Cruelty.

— Do diretor, Camila.

— Ah, do diretor eu não lembro. Alguma coisa Sadam.

— Alguma coisa Sadam?

— É, tipo Sadam Hussein.

João ficou em silêncio, olhando pra xícara, o cenho franzido.

— Bom, não importa — deu de ombros — A vida, eu dizia, é como se todos esses caras juntos tivessem resolvido fazer um filme e, bom, a porra toda tá aí, né? Tá rolando nesse exato momento, quer dizer, tá rolando só que um pouco pior, né?

Camila não respondeu, limitou-se a encarar a xícara, pensar — e era verdade — que alguma tristeza aos poucos tomava conta dela.

— A merda, Camila, a merda tá girando feito um furacão, caindo pra cima de tudo quanto é nêgo. A merda é uma roleta, a merda não respeita idade cor classe social, não. A merda simplesmente cai em cima de você quando você menos espera e

— Você pode usar uma outra metáfora, João?

— Qual o problema com a merda?

— Não gosto de falar sobre, é... merda, quando estou à mesa.

Voltaram a ficar em silêncio. Foi Camila quem quebrou o silêncio dessa vez:

— Tenho o coração amarelo.

— Neruda?

— Sim, Neruda.

— Não estou perguntando, Camila, estou afirmando.

— Meu deus, como você é pedante, João. Além disso, foi uma pergunta. Você falou em tom de pergunta.

— Não é isso, Camila. É que não estou acreditando que você tá citando Neruda, só isso.

— E por que não?

— Eu estava apaixonado por você quando lhe dei o box com os livros de Neruda. Você nunca correspondeu ao meu amor, falou que odiava poesia, não quis aceitar o presente. Lembra o que aconteceu depois?

— Sim. Você ameaçou se jogar da janela do apartamento e ficou lá dependurado feito um maluco até me fazer prometer que não apenas iria aceitar, como ainda leria tudo.

— E agora você me cita Neruda?

— Cito, ué. Neruda explica como me sinto: tenho um coração amarelo. Talvez por isso nunca tenha correspondido ao seu amor, talvez por isso não tenha me apaixonado mais desde que o, bom, você sabe quem, você sabe o quê.

João respirou fundo, entristecido.

— Não fica assim, João. Eu te amo. Não é como você gostaria, mas você é meu melhor amigo.

— Camila, tudo bem, acho que já falamos tanto sobre isso que já conhecemos até mesmo as vírgulas e as entonações do discurso um do outro — ela sorriu —, mas, olha só, que tal colocarmos um pouco de tinta azul nesse coração amarelo, hã? Ele pode ficar, sei lá, verde, que tal? Um coração verde, que poderei amadurecer e

— E, maduro, ele voltará a ser amarelo, João. Por favor, eu já passei dessa fase, você é que levou as comédias românticas a sério demais.

João sorriu, finalmente derrotado. E, derrotado, falou:

— Uma mistura maluca entre Lynch-Bergman-Tarantino-Gaspar Noé e algum diabo bêbado dadaísta ou aquele canadense do filme perturbador que não conseguimos assistir até o final então?

— Subconcious Cruelty.

— Alguma coisa Sadam.

— Alguma coisa Hussein.

— Acho que devemos pedir a conta.

— Tudo bem. Você quer caminhar na praia?

— Não vou suportar as pessoas com sungas coloridas, Camila.

— Concentre-se no pôr-do-sol. Concentre-se em mim.

— Tudo bem.

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Published on November 11, 2013 16:46

September 12, 2013

Clarice, uma paixão

Clarice Lispector 1

Já fui um grande leitor da obra de Clarice Lispector. Na época da faculdade de Letras, que não cheguei a concluir, ela e Caio Fernando Abreu eram meus escritores brasileiros favoritos. Tal preferência, hoje, pode soar super comum, mas numa era pré-Orkut a popularidade desses dois não chegava sequer aos pés do que é hoje — nem mesmo no curso de Letras. Lembro de muitas vezes ouvir a pergunta “Caio quem?”, ou a constatação “Clarice? Não entendo nada do que ela escreve.”, o que geralmente me levava a fazer a mesma coisa que João, a pessoa que me recomendou esses autores após ler alguns dos meus contos, fez comigo: falar um pouco da obra, dos autores, recomendá-los.

Durante o período que ficou conhecido como “Orkutização”, entretanto, tais autores se popularizaram de um jeito que eu jamais poderia ter imaginado: milhares de pessoas citando-os diariamente e fora de contexto, sem jamais terem lido um único parágrafo de qualquer de seus livros, reproduzindo citações em blogs, comunidades do Orkut e outras redes sociais etc., e o pior: muitas atribuições falsas — algumas, fruto de um ctrl+c ctrl+v inocente; outras, do sarcasmo de alguns desocupados.

“Acordei com um pesadelo terrível: sonhei que ia para fora do Brasil (vou mesmo em agosto), e quando voltava ficava sabendo que muita gente tinha escrito coisas e assinava embaixo meu nome. Eu reclamava, dizia que não era eu, e ninguém acreditava, e riam de mim. Aí não aguentei e acordei. Eu estava tão nervosa e elétrica e cansada que quebrei um copo.”

(Clarice Lispector, numa carta que mandou a uma amiga três anos antes de morrer. Soa como uma verdadeira profecia do que aconteceria durante sua orkutização, não?)

Esse cenário conseguiu encher meu saco ao ponto de me fazer dar um fim a todos os meus livros de Caio e Clarice: vendi alguns, dei outros, e não voltei a reler nenhum dos dois por bastante tempo, até que ganhei de presente o livro Cartas perto do coração — correspondência entre Fernando Sabino e Clarice Lispector — e percebi a bobagem que era tudo aquilo: um milhão de idiotas gostando, mesmo que precariamente, de uma coisa não torna aquela coisa idiota — vide Beatles, por exemplo, que continua tão bom quanto sempre —, e talvez eu é que fosse o verdadeiro idiota por me incomodar com aquilo a ponto de desvalorizá-los.

Tudo bem: meu bom senso estava parcialmente recuperado, mas eu achava que jamais recuperaria a paixão e o fascínio que Clarice me despertava naqueles tempos: eu era obcecado por sua persona, de certa forma até apaixonado por ela, por sua sensibilidade, sua tristeza, seu mistério.

Esses dias, entretanto, pude finalmente começar a leitura de sua biografia (Clarice, uma biografia), escrita por Benjamin Moser e publicada pela Cosac Naify, e toda aquela paixão, todo aquele fascínio, parecem finalmente estar voltando com força redobrada. Moser, um autor notavelmente perspicaz e sensível, escreveu uma obra-prima do gênero, uma obra, digamos, à altura de Clarice em todos os aspectos — vocês, leitores do blog, sabem que adoro biografias e até já comentei algumas por aqui —, e, a despeito de ainda não tê-la finalizado, já a coloco entre as minhas favoritas.

Minha missão, agora, é recuperar todos os livros de Clarice que, de certa forma, perdi.

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Published on September 12, 2013 06:42

September 8, 2013

Rapidinhas 1

CORAÇÃO ASSOMBRADO

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Ganhei o livro Coração Assombrado, a biografia do Stephen King, um presentaço da editora Darkside e do site StephenKing.Br. Ainda não li, e provavelmente não terei tempo de fazê-lo agora, mas confesso que estou curiosíssimo pra saber um pouco mais sobre o que se passa por trás do coração (“bitter, bitter…”) desse grande contador de histórias que é o King. A edição, como todas as edições da Darkside, é caprichadíssima, de fazer babar. Me faz sonhar com o dia em que todas as editoras brasileiras se preocuparão tanto quanto ela com a qualidade de seus títulos.

NOVOS E VELHOS LUGARES

Fui convidado a manter um blog no site “Bayeux em Foco”, portal de notícias da cidade onde nasci. Estrearei por lá essa semana, onde postarei crônicas semanais. Também voltei a escrever para a Carta Potiguar, onde, em 2011, desenvolvi o Webfolhetim “A Rosa Adoecida”, sobre o qual já falei por aqui.

ORQUESTRA

Tenho recebido, por email, um retorno muito positivo sobre a leitura de meu livro, A orquestra dos Corações Solitários, acerca do qual em breve também terei novidades. Obrigado aos leitores pelos emails carinhosos.

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Published on September 08, 2013 16:46

September 5, 2013

A Garota de Queixo Triste*

Hoje, enquanto fuçava as novidades da literatura nacional na livraria do shopping, uma garota veio até a seção em que me encontrava e demorou-se por cerca de cinco minutos a passear os olhos através das prateleiras. Era uma garota quase da minha altura, com blusa axadrezada em tons de lilás, jeans e sapatilhas. Usava os cabelos soltos, tinha os olhos verdes e franzia o queixo como se estivesse angustiada com alguma coisa — como quem prende o choro. Foi esse último detalhe que mais me chamou a atenção. Pensei em lhe perguntar que tipo de livro buscava, se gostaria de alguma recomendação de leitura, quais eram seus autores favoritos.

Nada disse-lhe, apenas permaneci em silêncio a fazer anotações em meu moleskine que uso como diário, pois acabara de ter algumas ideias que futuramente se transformariam em textos, e ela permaneceu a procurar algum livro com seus olhinhos tristes, seu queixinho triste. Nada encontrando que lhe agradasse, respirou fundo e saiu da seção. Eu permaneci ali, terminando minhas anotações, depois me dirigi à estante com os livros de bolso da L&PM, onde a reencontrei: sobrolho franzido, queixo ainda triste, olhos curiosos sobre as páginas de um livro de poemas de Neruda.

Lembrei de um pensamento que me acometeu numa das vezes que estive na livraria Saraiva do Midway Mall, em Natal: “Engraçado, sempre encontro os tipos mais interessantes diante das prateleiras de livros da L&PM. É bom observá-los, esses leitores, e, pelas escolhas que fazem, saber um pouco mais sobre eles. Não raro, perceber o quanto de nós existe neles, e deles em nós”.

Ocupado por esses pensamentos, observei que a garota de queixinho triste recolocou o livro de Neruda na prateleira e pegou um exemplar de Anti-Justine, do Restif De La Bretonne, folheou-o por alguns instantes, tornou a colocá-lo na prateleira, e pegou outro, do Faulkner.

Ela, assim como eu, não está procurando nada específico, pensei. Talvez espere que algum livro a encontre, ou que alguém lhe recomende algo, ou que...

E duas outras garotas chegaram, amigas, e passaram a procurar presentes para seus respectivos namorados:

— Será que ele vai gostar desse? — perguntou a primeira, erguendo um Quintana.

— Acho que vai gostar mais do Pessoa — respondeu a outra.

E ficaram a discutir as possibilidades, todas envolvendo livros de poesia — o que em minha opinião mostrava que os namorados daquelas garotas eram caras legais —, enquanto a menina, aquela de queixo triste, se movia entre elas, pegava um livro qualquer, folheava, recolocava, pegava outro. Talvez também estivesse procurando um livro para presentear seu namorado e, assim, resolvi deixar de importuná-la antes que ela começasse a pensar que eu a estivesse seguindo, e fui até o outro lado, onde Pornopopeia, do Reinaldo Moraes, me encontrou.

Depois fui embora, mas não esqueci o queixo triste da garota de queixo triste, e creio que com esta lembrança permanecerei para sempre. Queria imortalizá-la numa tela neo-barroca chamada “Moça de queixo triste”, onde faria questão de representar a angústia e o desespero humano em sua totalidade, um trabalho que faria inveja até mesmo a Vermeer.

Uma pena carecer dos dotes necessários a tal empreendimento. De qualquer forma, estou convencido: aquele queixinho triste merecia a imortalidade.

 

* Publicado no jornal CONTRAPONTO em 6 de dezembro de 2012.

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Published on September 05, 2013 06:00

September 3, 2013

3ª Edição da revista Sexus

Saiu a 3ª Edição de uma das minhas revistas favoritas, a SEXUS, e, cá entre nós, essa edição tá EXCELENTE: diagramação lindona, imagens deliciosas, e os textos… bom, os textos são  um espetáculo a parte: conto da Clara Averbuck, artigo meu (sobre censura), além de poesias, uma excelente entrevista com Apollonia Saintclair, etc.

Para baixá-la gratuitamente (bem como as edições anteriores), basta clicar na imagem abaixo:

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Divirtam-se.

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Published on September 03, 2013 08:12

Nota sobre as livrarias paraibanas

Se juntássemos TODAS as grandes livrarias paraibanas e as transformássemos numa só, ainda assim não teríamos uma livraria sequer razoável. Creio, entretanto, que o problema não seja estrutural – a Leitura, do Manaíra Shopping, por exemplo, tem uma excelente estrutura – e sim, no caso específico das maiores, administrativo. Vou ser mais específico.

Os títulos escolhidos, por exemplo, em sua maioria são uma grande porcaria – as livrarias apenas dedicam-se à exposição desmedida de best sellers ridículos e seus derivados e/ou equivalentes. Em alguns casos, chega a ser tão problemático que outro dia encontrei uma livraria – “a mais antiga do Brasil” – onde não havia um ÚNICO exemplar de algum livro do Nelson Rodrigues.

O atendimento é sofrível: ainda não encontrei um único vendedor que fosse capaz de atender minhas necessidades como cliente-leitor. Dia desses, por exemplo, fui obrigado a corrigir o vendedor, que após procurar no computador por “HUNberto EcHo”, voltou informando que “aquele autor não constava no sistema da loja.” O pior é que o italiano Umberto Eco estava à época com seu novo livro, O Cemitério de Praga, entre os mais vendidos em vários países do mundo!, uma informação que,creio, ele teria a obrigação de saber – pelo menos no que diz respeito às listas nacionais! Isso geralmente faz com que quando me interpelem com o bom e velho “Posso ajudá-lo?”, eu responda com um “Não, obrigado.”

Não sei se é só comigo, mas eu adoro vendedores que conhecem bem o produto que estão vendendo. No caso dos livros, especificamente, gosto de conversar, trocar ideias, recomendações etc.

A organização: tem uma livraria aqui em João Pessoa onde é impossível encontrar qualquer coisa. Cheguei ao cúmulo de encontrar, por puro acaso, o livro O Evangelho segundo Jesus Cristo, do Saramago,  na estante dos livros de RELIGIÃO! – Acho, inclusive, que isso faz com que o Nobel português se revire em seu túmulo.

Algum amigo vai reclamar: “Sim, você tá falando das grandes, mas e as pequenas? Elas são boas.”

Corrijo: elas são MENOS ruins, é isso que elas são. Numa delas, muito querida da galera, o livreiro sabe os livros que possui de cabeça – “Ah, sim, eu tenho esse livro…” –, mas não consegue encontrá-los, tamanha a desorganização de sua loja – “… acho que tá perdido por aí em algum lugar.”

E por que reclamo? É por comparação que o faço, amigos, e não preciso – não quero ir – muito longe: basta olhar a livraria SICILIANO, do Midway Mall, em Natal, ou a CULTURA, em Recife – para citar apenas os estados vizinhos –, para perceber a diferença monstruosa que nos separa.

Depois reclamam que “as livrarias estão perdendo espaço para as lojas virtuais.” Ora, é CLARO que estão!

Eu sinceramente adoraria que as livrarias daqui fossem um lugar onde eu realmente tivesse vontade de ir pra encontrar algum amigo prum papo e/ou café, esse tipo de coisa.

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Published on September 03, 2013 07:29