A Garota de Queixo Triste*

Hoje, enquanto fuçava as novidades da literatura nacional na livraria do shopping, uma garota veio até a seção em que me encontrava e demorou-se por cerca de cinco minutos a passear os olhos através das prateleiras. Era uma garota quase da minha altura, com blusa axadrezada em tons de lilás, jeans e sapatilhas. Usava os cabelos soltos, tinha os olhos verdes e franzia o queixo como se estivesse angustiada com alguma coisa — como quem prende o choro. Foi esse último detalhe que mais me chamou a atenção. Pensei em lhe perguntar que tipo de livro buscava, se gostaria de alguma recomendação de leitura, quais eram seus autores favoritos.

Nada disse-lhe, apenas permaneci em silêncio a fazer anotações em meu moleskine que uso como diário, pois acabara de ter algumas ideias que futuramente se transformariam em textos, e ela permaneceu a procurar algum livro com seus olhinhos tristes, seu queixinho triste. Nada encontrando que lhe agradasse, respirou fundo e saiu da seção. Eu permaneci ali, terminando minhas anotações, depois me dirigi à estante com os livros de bolso da L&PM, onde a reencontrei: sobrolho franzido, queixo ainda triste, olhos curiosos sobre as páginas de um livro de poemas de Neruda.

Lembrei de um pensamento que me acometeu numa das vezes que estive na livraria Saraiva do Midway Mall, em Natal: “Engraçado, sempre encontro os tipos mais interessantes diante das prateleiras de livros da L&PM. É bom observá-los, esses leitores, e, pelas escolhas que fazem, saber um pouco mais sobre eles. Não raro, perceber o quanto de nós existe neles, e deles em nós”.

Ocupado por esses pensamentos, observei que a garota de queixinho triste recolocou o livro de Neruda na prateleira e pegou um exemplar de Anti-Justine, do Restif De La Bretonne, folheou-o por alguns instantes, tornou a colocá-lo na prateleira, e pegou outro, do Faulkner.

Ela, assim como eu, não está procurando nada específico, pensei. Talvez espere que algum livro a encontre, ou que alguém lhe recomende algo, ou que...

E duas outras garotas chegaram, amigas, e passaram a procurar presentes para seus respectivos namorados:

— Será que ele vai gostar desse? — perguntou a primeira, erguendo um Quintana.

— Acho que vai gostar mais do Pessoa — respondeu a outra.

E ficaram a discutir as possibilidades, todas envolvendo livros de poesia — o que em minha opinião mostrava que os namorados daquelas garotas eram caras legais —, enquanto a menina, aquela de queixo triste, se movia entre elas, pegava um livro qualquer, folheava, recolocava, pegava outro. Talvez também estivesse procurando um livro para presentear seu namorado e, assim, resolvi deixar de importuná-la antes que ela começasse a pensar que eu a estivesse seguindo, e fui até o outro lado, onde Pornopopeia, do Reinaldo Moraes, me encontrou.

Depois fui embora, mas não esqueci o queixo triste da garota de queixo triste, e creio que com esta lembrança permanecerei para sempre. Queria imortalizá-la numa tela neo-barroca chamada “Moça de queixo triste”, onde faria questão de representar a angústia e o desespero humano em sua totalidade, um trabalho que faria inveja até mesmo a Vermeer.

Uma pena carecer dos dotes necessários a tal empreendimento. De qualquer forma, estou convencido: aquele queixinho triste merecia a imortalidade.

 

* Publicado no jornal CONTRAPONTO em 6 de dezembro de 2012.

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Published on September 05, 2013 06:00
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