C.N. Gil's Blog, page 74
June 6, 2015
Encarnação (parte IV)
Mal suou o ultimo acorde do concerto a música de dança invadiu o espaço tornando aquilo que parecia um bar de rock numa autentica discoteca. A mutação do ambiente fez com que este deixasse de combinar com a minha personalidade, e deixou-me algo desconfortável. Ainda assim, deixei-me ficar porque tinha já oferecido a minha ajuda para arrumar o palco e carregar o material da banda para a carrinha.Enquanto eles ainda descontraiam falando com os amigos e conhecidos após o concerto, eu subi ao palco e fui-me entretendo a enrolar cabos, escudado pelos amplificadores dos instrumentos. Dali tinha uma panorâmica sobre tudo o que se passava no bar.O espaço que estava para além das mesas tinha-se transformado rapidamente numa pista de dança. Lá, a ruiva era a rainha indisputada de todas as atenções……excepto da minha.Ao lado dela o anjo loiro dançava de forma mais contida e menos exuberante. Repararam ambas que eu as observava. A ruiva, talvez porque tivesse notado que há pouco tinha deixado de lhe dar importância, quis acentuar o meu interesse insinuando-se, olhando directamente para mim como que dizendo “sei que me estas a ver” e dançando de uma forma que estava a fazer crescer a água na boca de quase todos os homens ali presente……e de algumas mulheres também.A loura reparou também que eu olhava, mas, vendo a reacção da amiga, acanhava-se. Creio no entanto que foi percebendo que o meu olhar repousava mais sobre ela do que sobre a amiga.Fui pagar a minha despesa e sai com a banda pela porta lateral enquanto os ajudava a carregar o material para a carrinha que os levaria de volta a casa. Estava a carrinha já carregada quando elas saíram e se dirigiram a nós. Conheciam os elementos da banda e deram-lhes os parabéns pelo concerto, falaram riram…Se por um lado me apetecia entrar na conversa, por outro lado a minha vontade de chegar à loura podia levar a interpretações da parte dela e da ruiva que eu não queria. Assim sendo, fui fumando o meu cigarro com calma enquanto observava o desenrolar da conversa.Mas, costuma-se dizer que tudo o que tem de ser tem mesmo de ser e não há volta a dar. E não houve.Aquando das despedidas a ruiva volta-se para o pessoal da banda e pergunta:-Vocês por acaso não podiam dar boleia à Ana?E eis que soube o nome do anjo.-Não, pá, temos a carrinha completamente atulhada…-É pena. Se pudessem sempre evitava ir e voltar à margem sul…E eu falei finalmente e dirigi-me directamente à Ana.-Pá, eu vou para a margem sul. Se quiseres vir comigo…-Não quero dar trabalho…-Não dás, de maneira nenhuma. Até aproveito a companhia. Ia sozinho, de qualquer maneira…Ela, relutantemente, acabou por aceitar, e, após as despedidas, levei-a até ao meu carro, onde não tive qualquer gesto de cavalheirismo em relação a ela.Ela entrou, apertamos os cintos de segurança, arranquei o motor do carro para ir aquecendo um pouco, coloquei uma música suave, porque já bastava o assalto sonoro a que nos tínhamos submetido durante toda a noite, e arrancamos.Seguimos em silêncio até ao tabuleiro da ponte. Foi ela quem o quebrou.-Podes perguntar…-O quê?-Aquilo que queres perguntar…-Vais ter que me esclarecer, porque eu perdi-me!-Aposto que estás curioso acerca da Júlia.-A tua amiga?-Sim.-Não, não estou. Era suposto estar?-Normalmente toda a gente está. Porque é que tu havias de ser uma excepção?-Não sei se sou ou não, mas de facto não estou.-Porquê?-Porque é que não estou?-Sim!-Porque acho que já sei tudo dela que me interessaria saber. Não te vou dizer que ela não causou impacto, quando a vi. É de uma beleza arrebatadora. Mas, infelizmente, não há nada para além disso.Ela fitou-me surpreendida.-Achas mesmo isso?-Acho. Acho inclusivamente que tu és bem mais interessante que ela…Ela corou, mas olhou para mim desconfiada. Percebia-a perfeitamente. Quantos não teriam sido já os tipos que tinham dado em cima dela, não por ela, mas pela amiga?-Porquê?Olhei para ela com o sobrolho levantado.-Sabes, podes estar habituada a estar em segundo plano, e se calhar até gostas disso. Chateiam-te menos. Mas a verdade é que és uma mulher extremamente bonita e há algo em ti… Nem te sei dizer bem o que é, mas é extremamente apelativo.Ela corou ainda mais e calou-se.Parei nas bombas de gasolina, quase logo a seguir, para ir comprar tabaco.-Queres ir beber um café? – Perguntei-lhe – Estou a precisar de um.-Não, obrigada.-E fazes companhia?-Faço, isso faço.Entramos, eu comprei o tabaco e bebi o café, voltamos ao carro.O nosso olhar cruzou-se quando abríamos as portas.Entramos.Sentamo-nos.Passei-lhe o braço por detrás, puxei-a para mim sem esforço, uma vez que ela se entregou e os nossos lábios colaram-se enquanto as nossas línguas iniciaram um bailado angelical……e quando finalmente quebramos o beijo ficamos olhos nos olhos, completamente afogueados e assoberbados a olhar um para o outro sem saber como reagir.Fui eu o primeiro a falar.-Se calhar é melhor sairmos daqui, não?Ela sorriu.-É melhor…Arranquei e sai da estação de serviço e entrei novamente na auto-estrada. Os olhos dela refugiam ao meu lado, o seu sorriso por demais lindo…-Leva-me a um sítio bonito!Eu sorri. Dei-lhe a mão.E, por uma vez, fui um mocinho bem mandado…
Published on June 06, 2015 02:36
June 5, 2015
Encarnação (parte III)
Tenho de o afirmar:
A verdade é que a própria proximidade daquela mulher me incomodava, ao ponto de eu quase não conseguir olhar para ela.
Ela sentia o poder que tinha e divertia-se com isso, deleitava-se, alimentava-se disso.
O concerto foi decorrendo, o som alto demais para me aperceber de conversas que pudesse haver entre elas e as outras pessoas que estavam ao pé de mim e que as conheciam. O meu incómodo e fascínio por ela não desvaneciam. Até que…
Houve uma altura em que os nossos olhares se cruzaram e ficaram. E foi ai que eu percebi. E o fascínio, de repente, desvaneceu-se. Ela não era, afinal, nenhum avatar, nenhuma deusa encarnada. Era uma casca, uma aparência, alguém que tinha investido tanto no que parecia que descurara tudo o resto. Para lá da aparência, do aspecto, do charme, havia algo que falhava, embora, se me perguntassem, eu não conseguisse dizer o quê.
Mas, fosse o que fosse, tinha-se quebrado o encanto e, aos meus olhos ela saiu do pedestal e passou a ser apenas mais uma mulher no meio de tantas outras que por ali havia. E o engraçado é que ela notou essa mudança em mim e reparei o quanto, subtilmente, isso lhe abalou a confiança. E daquele momento em diante deixei de me sentir incomodado pela presença dela, deixei de não conseguir tirar os olhos dela, e voltei a ser eu próprio, sem fascínios nem deslumbramentos.
A amiga, o anjo louro que a acompanhava, notou também qualquer coisa de diferente após o nosso cruzar de olhares e pareceu intrigada.
A noite continuou, comigo a ir travando conhecimento com as pessoas mais próximas, no que fui ajudado pelo intervalo no concerto em que os artistas desceram do palco e, enquanto o vocalista e o baixista foram ter com pessoas do outro lado da mesa, o resto veio para o pé de mim. Uma vez que não havia lugares sentados para todos, levantei-me e ficamos ali, na conversa, com piadas de músico que mais ninguém entende, e às vezes nem os próprios músicos, num momento de pura descompressão, para eles, e descontracção para mim.
Quando eles voltaram para o palco, ao sentar-me, olhei para os olhos do anjo, e ai sim, descobri algo de raro e precioso. A personalidade doce passava num olhar límpido, e no entanto, bem lá no fundo, por baixo daqueles lagos azuis queimava um fogo que lutava por se libertar. Tinha algo de intangível e que, suspeitava eu, se mantinha contido pela contínua presença da amiga. Ela, embora fosse lindíssima, sentia-se sempre o patinho feio. Mas hoje não era. Para mim não era. E ela percebeu. E sorriu. E eu também…
A verdade é que a própria proximidade daquela mulher me incomodava, ao ponto de eu quase não conseguir olhar para ela.
Ela sentia o poder que tinha e divertia-se com isso, deleitava-se, alimentava-se disso.
O concerto foi decorrendo, o som alto demais para me aperceber de conversas que pudesse haver entre elas e as outras pessoas que estavam ao pé de mim e que as conheciam. O meu incómodo e fascínio por ela não desvaneciam. Até que…
Houve uma altura em que os nossos olhares se cruzaram e ficaram. E foi ai que eu percebi. E o fascínio, de repente, desvaneceu-se. Ela não era, afinal, nenhum avatar, nenhuma deusa encarnada. Era uma casca, uma aparência, alguém que tinha investido tanto no que parecia que descurara tudo o resto. Para lá da aparência, do aspecto, do charme, havia algo que falhava, embora, se me perguntassem, eu não conseguisse dizer o quê.
Mas, fosse o que fosse, tinha-se quebrado o encanto e, aos meus olhos ela saiu do pedestal e passou a ser apenas mais uma mulher no meio de tantas outras que por ali havia. E o engraçado é que ela notou essa mudança em mim e reparei o quanto, subtilmente, isso lhe abalou a confiança. E daquele momento em diante deixei de me sentir incomodado pela presença dela, deixei de não conseguir tirar os olhos dela, e voltei a ser eu próprio, sem fascínios nem deslumbramentos.
A amiga, o anjo louro que a acompanhava, notou também qualquer coisa de diferente após o nosso cruzar de olhares e pareceu intrigada.
A noite continuou, comigo a ir travando conhecimento com as pessoas mais próximas, no que fui ajudado pelo intervalo no concerto em que os artistas desceram do palco e, enquanto o vocalista e o baixista foram ter com pessoas do outro lado da mesa, o resto veio para o pé de mim. Uma vez que não havia lugares sentados para todos, levantei-me e ficamos ali, na conversa, com piadas de músico que mais ninguém entende, e às vezes nem os próprios músicos, num momento de pura descompressão, para eles, e descontracção para mim.
Quando eles voltaram para o palco, ao sentar-me, olhei para os olhos do anjo, e ai sim, descobri algo de raro e precioso. A personalidade doce passava num olhar límpido, e no entanto, bem lá no fundo, por baixo daqueles lagos azuis queimava um fogo que lutava por se libertar. Tinha algo de intangível e que, suspeitava eu, se mantinha contido pela contínua presença da amiga. Ela, embora fosse lindíssima, sentia-se sempre o patinho feio. Mas hoje não era. Para mim não era. E ela percebeu. E sorriu. E eu também…
Published on June 05, 2015 00:22
June 4, 2015
Foi com alguma surpresa...
...que fiquei a saber que o Sportinguista mais Benfiquista que eu já vi, o verdadeiro prototipo do "gajo de Alfama", o gajo em quem, muito provavelmente, o RAP e a Maria Rueff se inspiraram, vai deixar de treinar o clube que está de acordo com a sua personalidade para ir treinar o clube do seu coração, por acaso o maior rival!
O mundo está perdido!
Mas será que ele não vê que se já quase ninguém o percebia nas conferências de imprensa do Benfica, agora é que ninguém presente na sala o vai perceber?
Além disso, é um problema acrescido para o "zproting", uma vez que além de pagar o treinador, ainda vai ter de lhe pagar um interprete...
...a não ser que já venha um incluído no contrato!
Isto realmente embrada... embara... desmbra... confunde-me!
O mundo está perdido!
Mas será que ele não vê que se já quase ninguém o percebia nas conferências de imprensa do Benfica, agora é que ninguém presente na sala o vai perceber?
Além disso, é um problema acrescido para o "zproting", uma vez que além de pagar o treinador, ainda vai ter de lhe pagar um interprete...
...a não ser que já venha um incluído no contrato!
Isto realmente embrada... embara... desmbra... confunde-me!
Published on June 04, 2015 03:19
Encarnação (Parte II)
O que mais me fascina num grupo de pessoas são as interacções, e, quando estamos atentos, há sempre algo que sobressai.
Uma mulher como aquela ruiva, no meio de um bar, roubando todas as atenções para si e ofuscando todas as outras presenças femininas, tem um efeito estranho.
Após o embate inicial em que todas as mulheres se sentem chutadas para canto, a verdade é que a competitividade acaba por emergir e de repente todas querem ser melhores que ela, e, para isso, acabam por vezes por tomar opções que não tomariam e de que se arrependem mais tarde e por consumir mais álcool do que o que seria normal, na esperança de se tornarem mais afoitas e de libertarem a “sex symbol” que vive no interior de cada uma delas.
É minha firme opinião que deveria ser obrigatório por lei que cada bar tivesse em cada noite em que está aberto uma mulher assim. E porquê?
A mera presença dela aumentava astronomicamente as hipóteses de qualquer homem que ali estava sozinho de sair acompanhado, e dos que estavam acompanhados de chegar a porto seguro nessa noite. De repente todas as mulheres do bar queriam ser sensuais e glamourosas, numa tentativa de prender as atenções que estavam concentradas apenas naquela fêmea…
…e que fêmea.
Mas a minha história não continua aqui, neste bar, nesta noite, embora tenha sido a noite em que a observei, curioso, bem como à criatura angelical e desprezada que a acompanhava. E apesar do primeiro impacto me ter deixado deslumbrado, o facto de estar ali com uma excelente companhia e de não estar à procura de nada, fez com que passado pouco tempo a presença dela se começasse a desvanecer do meu espírito. Não que não olhasse para ela. Era impossível não o fazer. Mas não olhava com qualquer intenção de me aproximar ou com qualquer outra intenção que não fosse observar a rara beleza estética e harmonia de movimentos que ela tinha.
A minha história continua uma semana depois.
Fui sozinho para o Jardim do Tabaco para ver a banda de bares desses mesmos meus amigos. Cheguei cedo, como era meu costume. Muitas vezes chegava quando a banda ainda estava a fazer o ensaio de som, ajudava, e saia com eles para ir jantar e estarmos “na bacorada”.
Dessa vez, no entanto, quando cheguei não estava ninguém, pelo que, estando o bar praticamente vazio, escolhi uma mesa mais ou menos recatada que me desse uma boa visão do palco e do resto do bar. Estranhei a disposição das mesas, sendo que em frente ao palco havia uma correnteza delas com um cartão de “reservado”, mas não liguei muito.
Pedi uma bebida e deixei-me ficar apreciando o espaço, decorado com muito bom gosto, na companhia dos poucos que por ali estavam, e perdendo-me nos meus pensamentos.
O bar foi enchendo sem que eu desse por isso, de tão perdido que estava, até ao momento em que chegaram os meus amigos, as estrelas da festa. Entraram, viram-me e vieram direitos a mim.
-Olha o que anda por aqui hoje… Não me digas que atravessaste a ponte só para nos vir ver…
-É verdade, pá. Estava aborrecido e resolvi sair para ouvir barulho…
-Sim, que se estas na esperança de ouvir alguma coisa parecida com musica hoje, ouvi dizer que os “não-sei-quantos” estão a tocar em Santa Iria. – Brincou um deles.
-Não, vim mesmo só para ouvir barulho, por isso acho que estou no sítio certo.
-Mas estás sozinho ou ela foi retocar a maquilhagem?
-Não, estou sozinho, mesmo.
-Pá então não ficas ai.
-Então?
-Vens para ali para a frente, para a mesa VIP. É que hoje temos ai o pessoal da editora e mais uns quantos gajos, e por isso é que aquelas mesas estão ali. Sentas-te lá. Sempre ficas com o barulho mais próximo.
Aceitei a sugestão. A mesa, aliás o conjunto de mesas era comprido pelo que me sentei numa das pontas que ainda estava vazia sendo que a outra tinha já algumas pessoas que eu não conhecia e deixei-me estar.
Rapidamente foi chegando mais gente e a mesa foi sendo preenchida. E qual não foi o meu espanto quando percebi que estava à mesma mesa com o Joaquim de Almeida, que fumava o seu charuto e bebia um whisky, dois ou três jogadores do Futebol Clube do Porto que estavam ali porque tinham tido jogo com o Benfica nessa tarde, e com mais algumas pessoas que aparentemente eram conhecidas de toda a gente, embora eu não fizesse ideia de quem fossem. Nunca liguei muito ao “Jet Set”…
Mas foi então que elas chegaram, para meu espanto, causando o impacto que eu já tinha visto na semana anterior e se sentaram na mesma mesa que eu a muito pouca distância…
Uma mulher como aquela ruiva, no meio de um bar, roubando todas as atenções para si e ofuscando todas as outras presenças femininas, tem um efeito estranho.
Após o embate inicial em que todas as mulheres se sentem chutadas para canto, a verdade é que a competitividade acaba por emergir e de repente todas querem ser melhores que ela, e, para isso, acabam por vezes por tomar opções que não tomariam e de que se arrependem mais tarde e por consumir mais álcool do que o que seria normal, na esperança de se tornarem mais afoitas e de libertarem a “sex symbol” que vive no interior de cada uma delas.
É minha firme opinião que deveria ser obrigatório por lei que cada bar tivesse em cada noite em que está aberto uma mulher assim. E porquê?
A mera presença dela aumentava astronomicamente as hipóteses de qualquer homem que ali estava sozinho de sair acompanhado, e dos que estavam acompanhados de chegar a porto seguro nessa noite. De repente todas as mulheres do bar queriam ser sensuais e glamourosas, numa tentativa de prender as atenções que estavam concentradas apenas naquela fêmea…
…e que fêmea.
Mas a minha história não continua aqui, neste bar, nesta noite, embora tenha sido a noite em que a observei, curioso, bem como à criatura angelical e desprezada que a acompanhava. E apesar do primeiro impacto me ter deixado deslumbrado, o facto de estar ali com uma excelente companhia e de não estar à procura de nada, fez com que passado pouco tempo a presença dela se começasse a desvanecer do meu espírito. Não que não olhasse para ela. Era impossível não o fazer. Mas não olhava com qualquer intenção de me aproximar ou com qualquer outra intenção que não fosse observar a rara beleza estética e harmonia de movimentos que ela tinha.
A minha história continua uma semana depois.
Fui sozinho para o Jardim do Tabaco para ver a banda de bares desses mesmos meus amigos. Cheguei cedo, como era meu costume. Muitas vezes chegava quando a banda ainda estava a fazer o ensaio de som, ajudava, e saia com eles para ir jantar e estarmos “na bacorada”.
Dessa vez, no entanto, quando cheguei não estava ninguém, pelo que, estando o bar praticamente vazio, escolhi uma mesa mais ou menos recatada que me desse uma boa visão do palco e do resto do bar. Estranhei a disposição das mesas, sendo que em frente ao palco havia uma correnteza delas com um cartão de “reservado”, mas não liguei muito.
Pedi uma bebida e deixei-me ficar apreciando o espaço, decorado com muito bom gosto, na companhia dos poucos que por ali estavam, e perdendo-me nos meus pensamentos.
O bar foi enchendo sem que eu desse por isso, de tão perdido que estava, até ao momento em que chegaram os meus amigos, as estrelas da festa. Entraram, viram-me e vieram direitos a mim.
-Olha o que anda por aqui hoje… Não me digas que atravessaste a ponte só para nos vir ver…
-É verdade, pá. Estava aborrecido e resolvi sair para ouvir barulho…
-Sim, que se estas na esperança de ouvir alguma coisa parecida com musica hoje, ouvi dizer que os “não-sei-quantos” estão a tocar em Santa Iria. – Brincou um deles.
-Não, vim mesmo só para ouvir barulho, por isso acho que estou no sítio certo.
-Mas estás sozinho ou ela foi retocar a maquilhagem?
-Não, estou sozinho, mesmo.
-Pá então não ficas ai.
-Então?
-Vens para ali para a frente, para a mesa VIP. É que hoje temos ai o pessoal da editora e mais uns quantos gajos, e por isso é que aquelas mesas estão ali. Sentas-te lá. Sempre ficas com o barulho mais próximo.
Aceitei a sugestão. A mesa, aliás o conjunto de mesas era comprido pelo que me sentei numa das pontas que ainda estava vazia sendo que a outra tinha já algumas pessoas que eu não conhecia e deixei-me estar.
Rapidamente foi chegando mais gente e a mesa foi sendo preenchida. E qual não foi o meu espanto quando percebi que estava à mesma mesa com o Joaquim de Almeida, que fumava o seu charuto e bebia um whisky, dois ou três jogadores do Futebol Clube do Porto que estavam ali porque tinham tido jogo com o Benfica nessa tarde, e com mais algumas pessoas que aparentemente eram conhecidas de toda a gente, embora eu não fizesse ideia de quem fossem. Nunca liguei muito ao “Jet Set”…
Mas foi então que elas chegaram, para meu espanto, causando o impacto que eu já tinha visto na semana anterior e se sentaram na mesma mesa que eu a muito pouca distância…
Published on June 04, 2015 00:19
June 3, 2015
A Seca (com breves palavras introdutórias)
Não era para pôr isto aqui. No entanto, já depois de publicar a primeira parte da história anterior dei-me conta que fazia referências ao facto de andar perdido em elevadores...
...o que poderia deixar quem se der ao trabalho de ler aquilo a pensar o que quereria isso dizer. Pois bem, fica aqui a referência que põe o outro texto em contexto... LOL
Divirtam-se!
Cheguei a casa dela deviam ser umas cinco e meia da tarde, depois de ter passado um sábado da minha vida com os olhos pregados num monitor a fazer a treta mais repetitiva que se possa imaginar.
Tinha a vista cansada e apetecia-me descansar um bocado, relaxar. Esperava fazê-lo na companhia dela, com uma boa refeição, um copo de vinho tinto, um passeio à beira mar…
As minhas esperanças foram completamente aniquiladas assim que ela me disse a segunda frase, tendo a primeira sido um “Olá”.
-Lembras-te dos S.?
-Quem?
-Aqueles meus amigos que conheceste daquela vez, no bar…
-Ah, sim, lembro. Que é que têm?
-Convidaram-me para ir lá passar o serão. Eu disse que já tinha planos, e que estava acompanhada por ti, mas eles insistiram e disseram para te levar e não fui capaz de dizer que não.
“Mas devias ter dito!” pensei eu. Claro que o que eu pensei deve ter aparecido estampado no meu rosto.
-Não fiques assim, eles até são divertidos…
Claro que dependia do conceito. E sobretudo da paciência que havia, e hoje não havia muita.
-Pá, para te ser sincero não estou muito nessa… Se calhar tu vais, que já te comprometeste, e eu rumo para outras paragens. Afinal, amigo não empata amigo…
Ela fuzilou-me com o olhar que eu tinha catalogado com o numero vinte e oito e que dizia inequivocamente “Deixa-te de tretas, vais e pronto”.
Encolhi os ombros e resignei-me.
Antes de continuar a desfilar esta memória, deixem-me esclarecer uma coisa, que pode ajudar a perceber a minha pouca propensão para ir. Embora nos déssemos extremamente bem a todos os níveis, e nos entendêssemos perfeitamente, ao ponto de muitas vezes não ser necessário dizer nada para que o outro entendesse, a verdade é que a nível social éramos azeite e agua.
Eu, roqueiro, tinha como amigos montanhas de gente despretensiosa, malta cujo o lema de vida era sexo, drogas e rock’n’roll. Muitos dos meus amigos eram músicos, profissionais e amadores, e quando estávamos todos juntos estávamos sempre bem… Desde que houvesse cerveja, porque se não houvesse, mudávamo-nos.
Ela, a tia de Cascais. Mais velha que eu uns anos, sempre cuidada e arranjada, roupas de marca, a maquilhagem certa, as lentes de contacto coloridas (com as quais eu embirrava solenemente pois não me deixavam ver os olhos dela, de um castanho mel lindíssimo) que condiziam com a roupa, e cujos amigos eram gente da classe média-alta ou alta, que davam aquelas festas aborrecidamente chiquérrimas.
Quando os nossos mundos colidiam havia, quer da parte dos amigos dela, quer dos meus, uma estranheza imensa, mas eu sempre relevei isso.
Mas tendo esclarecido este ponto, que ajudar, talvez, a explicar o porquê de eu preferir ir-me embora a ter de aturar um serão em casa dos S., voltemos às memórias.
Onde é que eu ia…?
Ah!
Depois de me fuzilar com o olhar, eu voltei-me para ela e argumentei.
-Olha lá, mas não vim minimamente preparado para ir a lado nenhum. Não tenho ai roupa, estou a precisar de um banho, e qual é o objectivo de vestir a t-shirt e as calças sujas depois de um banho?
-Calculei que dissesses qualquer coisa do género, por isso vai ver acima da minha cama. Está lá uma t-shirt lavada que te serve e um casaco que era do M. e que ainda ai ficou. Vê lá se te serve…
-Mas queres que eu me vista com roupa do teu ex.?
-E então?
Não valia a pena argumentar. Apesar do meu ar de poucos amigos, lá fui ver se o casaco me servia, uma vez que o M. era substancialmente mais baixo que eu. Infelizmente, era também bastante forte, pelo que o casaco até me serviu.
Fiz-lhe companhia durante um pouco na cozinha, enquanto ela começava a preparar o jantar. Queria jantar cedo para podermos estar lá às horas combinadas.
Ao fim de pouco tempo fui tomar o meu banho e quando sai estava já a comida em cima da mesa. Jantamos meio em silêncio, eu porque estava contrariado mas resignado e ela porque não queria forçar nada. Depois fomo-nos vestir.
Eu demorei os meus normais cinco minutos. Já ela…
…ao fim de meia hora ainda a esperava na sala. Mas finalmente apareceu.
-Estou pronta. Que é que achas?
Achei que me apetecia, ali, naquele momento, desfazer o trabalho todo que ela tinha tido, levá-la para a cama e parti-la ao meio.
Estava toda produzida da cabeça aos pés, o que contrariava um bocado a história do “é-só-um-serão-informal”. O vestido preto, liso, justo, que acabava quatro dedos acima do joelho, colava-se-lhe às formas e realçava-as e deixava ver o suficiente das suas pernas lindas, perfeitamente depiladas e com a pele morena ainda brilhante do creme hidratante, cuja elegância estava ainda mais realçada pelas sandálias de salto alto, pretas e simples, em que ela andava com uma segurança absoluta. Uma vez que o vestido deixava desnudas as suas costas, não usava soutien, o que deixava os seus mamilo pressionados contra o tecido, como se o quisessem furar, e apetecia-me chegar a ela e trincá-los, assim mesmo, por cima do tecido.
A maquilhagem de rosto, perfeita, fazia-a parecer uma capa de revista, linda. Claro que sempre a preferi ver ao natural, mas ainda assim, quando ela se produzia…
Ela notou o meu olhar.
-Em que é que estás a pensar?
-Em nada…
Ela sorriu, com aquele sorriso maroto que dizia tudo.
-Ainda bem. Podias estar a ter alguma ideia estranha, e nós agora não temos tempo…
-Ideia estranha? Eu?
-Sim…
-Pois, talvez, agora que falas nisso. Mas tu costumas gostar das minhas ideias estranhas…
-E agrada-me que as tenhas… Mas tem de ficar para mais logo.
-Isso é uma promessa?
-É. E nem é daquelas feitas por políticos…
Saímos de casa com um sorriso. Fomos no carro dela, e eu não me contive a pôr-lhe a mão em cima da perna e passar-lhe os dedos ao de leve, enquanto ela conduzia.
-Olha que eu estou a conduzir e ainda me desconcentras…
-Mas estou a fazer alguma coisa de mal?
-Não, mas eu conheço-te… Se não te digo nada, vais subindo…
-E era mau?
-Nada. Mas estando a conduzir pode ser chato.
-Eu contenho-me.
-Acho bem.
Lá chegamos ao nosso destino, um prédio alto cuja entrada era um indicio do quanto os apartamentos deviam ser luxuosos.
Entramos para o elevador. Ela, como qualquer mulher que se preze, aproveitou o espelho para ver se estava tudo bem, dar um ou outro toque no cabelo que a deixava exactamente igual, mas com a impressão de que não, enquanto o elevador prosseguia na sua marcha lenta prédio acima.
E eis que, por volta do quinto andar, o elevador pára com um solavanco ao mesmo tempo que ficamos mergulhados na escuridão, iluminados apenas por uma pequena luz de emergência.
-Bonito. Falha de electricidade… - disse eu.
-Bolas, pá… - disse ela com nervoso na voz - … se eu já detesto isto quando está a andar, ficar aqui fechada…
Puxei-a para mim e abracei-a, aninhando-a contra mim.
-Não te preocupes, a luz já volta e isto volta a andar…
-Espero que sim…
Eu também o esperava. Não que me metesse confusão estar dentro de um elevador parado quase às escuras, mas estar ali com ela, e ela assim…
…só me apetecia…
Enquanto a tinha abraçada a mim, ia-a mimando, passando com as minhas mãos ao longo do seu corpo, sentindo-lhe as formas coladas ao tecido leve. Queria beijar-lhe os lábios, tocar a sua língua, mas não queria estragar-lhe a maquilhagem. Afinal estávamos a três pisos do nosso destino. Mas que ela me apetecia…
As minhas mãos foram-se tornando audazes. Percorria-lhe o corpo, apalpava-a, subia até aos seus seios, sentia-lhe os mamilos por cima do tecido…
…e sentia o corpo dela a responder, a colar-se ao meu para me sentir.
Comecei a mordiscar-lhe os ombros desnudos enquanto as minhas mãos vagueavam pelo corpo dela.
-Tu não sejas mau…
-Estou a ser?
-Estás.
-Mas queres que eu pare?
Ela respirou fundo e deu-me uma dentada leve no pescoço.
-Não, podes ser mau mais um bocadinho…
E eu fui sendo…
A luz demorava na mesma proporção que a minha vontade dela aumentava. As minhas carícias foram-se tornando mais afoitas e as objecções dela, faladas ou pensadas, foram sendo derrubadas. Com ela ainda abraçada a mim, fui-lhe subindo o vestido.
-Tu és mesmo mau…
-Mesmo, mesmo?
-Mesmo, mesmo!
Larguei-a, ajoelhei-me no chão à frente dela, meti as mãos por dentro do vestido, subindo ao longo das suas pernas, agarrei o fio dental e fi-lo deslizar pernas abaixo, até aos pés. Ela, calmamente, sem uma palavra, levantou um pé e depois o outro, permitindo que eu lhe tirasse completamente a peça de roupa que guardei no bolso do casaco, atabalhoadamente.
Depois olhei para ela enquanto lhe subia a saia. Ela estava afogueada de tesão. Olhei para a cona dela, lisinha e depilada.
-Sabes que mais? – Disse-lhe – Já que não te beijo esses lábios bons para não estragar a maquilhagem, acho que me vou vingar nestes…
E com isto passei a minha língua insalivada pelo clítoris dela, fazendo com que ela tremesse um pouco e soltasse um pequeno gemido. Depois colei-lhe os lábios e chupei-a. Estava doce, tão doce…
Quando a senti já bem molhada comecei a fodê-la devagar, com dois dedos, enquanto a chupava.
-Se a luz volta agora… - Disse ela com uma voz perdida de tesão.
-É bom que não volte…
Continuei a fodê-la e a chupá-la. A situação em si e os imponderáveis faziam com que tudo fosse ainda mais excitante.
-Se passa alguém nas escadas…
-Vai ficar com uma inveja do caraças… - Disse-lhe eu.
Por esta altura ela só não escorria porque eu aproveitava cada gota do seu leite para satisfazer a minha sede dela, que ainda assim nunca estava satisfeita.
Ela por fim cedeu, não aguentou mais e veio-se na minha mão e boca, tentando conter os barulhos o mais possível. E eu a fazer os possíveis por que ela gemesse e gritasse mais…
Quando por fim acalmou só me disse com uma voz melada e com um fogo no olhar de pura tesão:
-Isso não se faz!
-Ai faz, faz! Até se faz pior…
Levantei-me, desapertei as calças, fi-la ficar de costas para mim, ela dobrou-se para a frente, agarrando-se ao varão do elevador, e eu, de uma só estocada fiz-me deslizar todo para dentro dela. Estava tão quente, tão…
…boa.
Sabíamos ambos que de um momento para o outro poderíamos ter de interromper esta pequena festa privada, pelo que não era altura para nos torturarmos. Fodi-a furiosamente, vigorosamente, a tentar controlar-me apenas para a levar a um orgasmo junto comigo que eu sabia que não demoraria…
…e não demorou!
Viemo-nos os dois intensamente, enquanto tentávamos controlar o barulho que fazíamos.
Quando acalmamos os dois ela só me dizia:
-Espera, não saias… - enquanto procurava os lenços de papel na sua mala.
Lá os encontrou e eu lá sai dela. Enquanto eu apertava as calças e ela se limpava a luz voltou de repente e o elevador arrancou com um solavanco. Ela, quase em pânico, passou-me os lenços com que se limpara para as mãos, desceu a saia, e olhou-se ao espelho para ver se não havia muitos estragos. Achou que estava tudo bem, respirou fundo, compôs-se e quando o elevador parou já nada se tinha passado. Enquanto lhe abria a porta ainda lhe sussurrei:
-Vês, não foi assim tão mau faltar a luz…
-Pois, por acaso não foi! – Respondeu ela piscando o olho.
Tocamos à porta e os S. vieram receber-nos. Entre os cumprimentos de circunstância lá veio a pergunta por parte da dona da casa:
-Não me digam que ficaram fechados no elevador!
-Foi, … - respondeu ela - …e foi horrível!
-Pois, calculo!
O senhor S. olhou para mim, e estranhamente para o meu casaco. Depois dirigiu-se a mim com um ar matreiro:
-Uma verdadeira seca, não? – e piscou-me o olho.
Levei a mão ao bolso do casaco e senti o fio dental dela meio fora do bolso. Sorri.
-Do pior, mesmo!
...o que poderia deixar quem se der ao trabalho de ler aquilo a pensar o que quereria isso dizer. Pois bem, fica aqui a referência que põe o outro texto em contexto... LOL
Divirtam-se!
Cheguei a casa dela deviam ser umas cinco e meia da tarde, depois de ter passado um sábado da minha vida com os olhos pregados num monitor a fazer a treta mais repetitiva que se possa imaginar.
Tinha a vista cansada e apetecia-me descansar um bocado, relaxar. Esperava fazê-lo na companhia dela, com uma boa refeição, um copo de vinho tinto, um passeio à beira mar…
As minhas esperanças foram completamente aniquiladas assim que ela me disse a segunda frase, tendo a primeira sido um “Olá”.
-Lembras-te dos S.?
-Quem?
-Aqueles meus amigos que conheceste daquela vez, no bar…
-Ah, sim, lembro. Que é que têm?
-Convidaram-me para ir lá passar o serão. Eu disse que já tinha planos, e que estava acompanhada por ti, mas eles insistiram e disseram para te levar e não fui capaz de dizer que não.
“Mas devias ter dito!” pensei eu. Claro que o que eu pensei deve ter aparecido estampado no meu rosto.
-Não fiques assim, eles até são divertidos…
Claro que dependia do conceito. E sobretudo da paciência que havia, e hoje não havia muita.
-Pá, para te ser sincero não estou muito nessa… Se calhar tu vais, que já te comprometeste, e eu rumo para outras paragens. Afinal, amigo não empata amigo…
Ela fuzilou-me com o olhar que eu tinha catalogado com o numero vinte e oito e que dizia inequivocamente “Deixa-te de tretas, vais e pronto”.
Encolhi os ombros e resignei-me.
Antes de continuar a desfilar esta memória, deixem-me esclarecer uma coisa, que pode ajudar a perceber a minha pouca propensão para ir. Embora nos déssemos extremamente bem a todos os níveis, e nos entendêssemos perfeitamente, ao ponto de muitas vezes não ser necessário dizer nada para que o outro entendesse, a verdade é que a nível social éramos azeite e agua.
Eu, roqueiro, tinha como amigos montanhas de gente despretensiosa, malta cujo o lema de vida era sexo, drogas e rock’n’roll. Muitos dos meus amigos eram músicos, profissionais e amadores, e quando estávamos todos juntos estávamos sempre bem… Desde que houvesse cerveja, porque se não houvesse, mudávamo-nos.
Ela, a tia de Cascais. Mais velha que eu uns anos, sempre cuidada e arranjada, roupas de marca, a maquilhagem certa, as lentes de contacto coloridas (com as quais eu embirrava solenemente pois não me deixavam ver os olhos dela, de um castanho mel lindíssimo) que condiziam com a roupa, e cujos amigos eram gente da classe média-alta ou alta, que davam aquelas festas aborrecidamente chiquérrimas.
Quando os nossos mundos colidiam havia, quer da parte dos amigos dela, quer dos meus, uma estranheza imensa, mas eu sempre relevei isso.
Mas tendo esclarecido este ponto, que ajudar, talvez, a explicar o porquê de eu preferir ir-me embora a ter de aturar um serão em casa dos S., voltemos às memórias.
Onde é que eu ia…?
Ah!
Depois de me fuzilar com o olhar, eu voltei-me para ela e argumentei.
-Olha lá, mas não vim minimamente preparado para ir a lado nenhum. Não tenho ai roupa, estou a precisar de um banho, e qual é o objectivo de vestir a t-shirt e as calças sujas depois de um banho?
-Calculei que dissesses qualquer coisa do género, por isso vai ver acima da minha cama. Está lá uma t-shirt lavada que te serve e um casaco que era do M. e que ainda ai ficou. Vê lá se te serve…
-Mas queres que eu me vista com roupa do teu ex.?
-E então?
Não valia a pena argumentar. Apesar do meu ar de poucos amigos, lá fui ver se o casaco me servia, uma vez que o M. era substancialmente mais baixo que eu. Infelizmente, era também bastante forte, pelo que o casaco até me serviu.
Fiz-lhe companhia durante um pouco na cozinha, enquanto ela começava a preparar o jantar. Queria jantar cedo para podermos estar lá às horas combinadas.
Ao fim de pouco tempo fui tomar o meu banho e quando sai estava já a comida em cima da mesa. Jantamos meio em silêncio, eu porque estava contrariado mas resignado e ela porque não queria forçar nada. Depois fomo-nos vestir.
Eu demorei os meus normais cinco minutos. Já ela…
…ao fim de meia hora ainda a esperava na sala. Mas finalmente apareceu.
-Estou pronta. Que é que achas?
Achei que me apetecia, ali, naquele momento, desfazer o trabalho todo que ela tinha tido, levá-la para a cama e parti-la ao meio.
Estava toda produzida da cabeça aos pés, o que contrariava um bocado a história do “é-só-um-serão-informal”. O vestido preto, liso, justo, que acabava quatro dedos acima do joelho, colava-se-lhe às formas e realçava-as e deixava ver o suficiente das suas pernas lindas, perfeitamente depiladas e com a pele morena ainda brilhante do creme hidratante, cuja elegância estava ainda mais realçada pelas sandálias de salto alto, pretas e simples, em que ela andava com uma segurança absoluta. Uma vez que o vestido deixava desnudas as suas costas, não usava soutien, o que deixava os seus mamilo pressionados contra o tecido, como se o quisessem furar, e apetecia-me chegar a ela e trincá-los, assim mesmo, por cima do tecido.
A maquilhagem de rosto, perfeita, fazia-a parecer uma capa de revista, linda. Claro que sempre a preferi ver ao natural, mas ainda assim, quando ela se produzia…
Ela notou o meu olhar.
-Em que é que estás a pensar?
-Em nada…
Ela sorriu, com aquele sorriso maroto que dizia tudo.
-Ainda bem. Podias estar a ter alguma ideia estranha, e nós agora não temos tempo…
-Ideia estranha? Eu?
-Sim…
-Pois, talvez, agora que falas nisso. Mas tu costumas gostar das minhas ideias estranhas…
-E agrada-me que as tenhas… Mas tem de ficar para mais logo.
-Isso é uma promessa?
-É. E nem é daquelas feitas por políticos…
Saímos de casa com um sorriso. Fomos no carro dela, e eu não me contive a pôr-lhe a mão em cima da perna e passar-lhe os dedos ao de leve, enquanto ela conduzia.
-Olha que eu estou a conduzir e ainda me desconcentras…
-Mas estou a fazer alguma coisa de mal?
-Não, mas eu conheço-te… Se não te digo nada, vais subindo…
-E era mau?
-Nada. Mas estando a conduzir pode ser chato.
-Eu contenho-me.
-Acho bem.
Lá chegamos ao nosso destino, um prédio alto cuja entrada era um indicio do quanto os apartamentos deviam ser luxuosos.
Entramos para o elevador. Ela, como qualquer mulher que se preze, aproveitou o espelho para ver se estava tudo bem, dar um ou outro toque no cabelo que a deixava exactamente igual, mas com a impressão de que não, enquanto o elevador prosseguia na sua marcha lenta prédio acima.
E eis que, por volta do quinto andar, o elevador pára com um solavanco ao mesmo tempo que ficamos mergulhados na escuridão, iluminados apenas por uma pequena luz de emergência.
-Bonito. Falha de electricidade… - disse eu.
-Bolas, pá… - disse ela com nervoso na voz - … se eu já detesto isto quando está a andar, ficar aqui fechada…
Puxei-a para mim e abracei-a, aninhando-a contra mim.
-Não te preocupes, a luz já volta e isto volta a andar…
-Espero que sim…
Eu também o esperava. Não que me metesse confusão estar dentro de um elevador parado quase às escuras, mas estar ali com ela, e ela assim…
…só me apetecia…
Enquanto a tinha abraçada a mim, ia-a mimando, passando com as minhas mãos ao longo do seu corpo, sentindo-lhe as formas coladas ao tecido leve. Queria beijar-lhe os lábios, tocar a sua língua, mas não queria estragar-lhe a maquilhagem. Afinal estávamos a três pisos do nosso destino. Mas que ela me apetecia…
As minhas mãos foram-se tornando audazes. Percorria-lhe o corpo, apalpava-a, subia até aos seus seios, sentia-lhe os mamilos por cima do tecido…
…e sentia o corpo dela a responder, a colar-se ao meu para me sentir.
Comecei a mordiscar-lhe os ombros desnudos enquanto as minhas mãos vagueavam pelo corpo dela.
-Tu não sejas mau…
-Estou a ser?
-Estás.
-Mas queres que eu pare?
Ela respirou fundo e deu-me uma dentada leve no pescoço.
-Não, podes ser mau mais um bocadinho…
E eu fui sendo…
A luz demorava na mesma proporção que a minha vontade dela aumentava. As minhas carícias foram-se tornando mais afoitas e as objecções dela, faladas ou pensadas, foram sendo derrubadas. Com ela ainda abraçada a mim, fui-lhe subindo o vestido.
-Tu és mesmo mau…
-Mesmo, mesmo?
-Mesmo, mesmo!
Larguei-a, ajoelhei-me no chão à frente dela, meti as mãos por dentro do vestido, subindo ao longo das suas pernas, agarrei o fio dental e fi-lo deslizar pernas abaixo, até aos pés. Ela, calmamente, sem uma palavra, levantou um pé e depois o outro, permitindo que eu lhe tirasse completamente a peça de roupa que guardei no bolso do casaco, atabalhoadamente.
Depois olhei para ela enquanto lhe subia a saia. Ela estava afogueada de tesão. Olhei para a cona dela, lisinha e depilada.
-Sabes que mais? – Disse-lhe – Já que não te beijo esses lábios bons para não estragar a maquilhagem, acho que me vou vingar nestes…
E com isto passei a minha língua insalivada pelo clítoris dela, fazendo com que ela tremesse um pouco e soltasse um pequeno gemido. Depois colei-lhe os lábios e chupei-a. Estava doce, tão doce…
Quando a senti já bem molhada comecei a fodê-la devagar, com dois dedos, enquanto a chupava.
-Se a luz volta agora… - Disse ela com uma voz perdida de tesão.
-É bom que não volte…
Continuei a fodê-la e a chupá-la. A situação em si e os imponderáveis faziam com que tudo fosse ainda mais excitante.
-Se passa alguém nas escadas…
-Vai ficar com uma inveja do caraças… - Disse-lhe eu.
Por esta altura ela só não escorria porque eu aproveitava cada gota do seu leite para satisfazer a minha sede dela, que ainda assim nunca estava satisfeita.
Ela por fim cedeu, não aguentou mais e veio-se na minha mão e boca, tentando conter os barulhos o mais possível. E eu a fazer os possíveis por que ela gemesse e gritasse mais…
Quando por fim acalmou só me disse com uma voz melada e com um fogo no olhar de pura tesão:
-Isso não se faz!
-Ai faz, faz! Até se faz pior…
Levantei-me, desapertei as calças, fi-la ficar de costas para mim, ela dobrou-se para a frente, agarrando-se ao varão do elevador, e eu, de uma só estocada fiz-me deslizar todo para dentro dela. Estava tão quente, tão…
…boa.
Sabíamos ambos que de um momento para o outro poderíamos ter de interromper esta pequena festa privada, pelo que não era altura para nos torturarmos. Fodi-a furiosamente, vigorosamente, a tentar controlar-me apenas para a levar a um orgasmo junto comigo que eu sabia que não demoraria…
…e não demorou!
Viemo-nos os dois intensamente, enquanto tentávamos controlar o barulho que fazíamos.
Quando acalmamos os dois ela só me dizia:
-Espera, não saias… - enquanto procurava os lenços de papel na sua mala.
Lá os encontrou e eu lá sai dela. Enquanto eu apertava as calças e ela se limpava a luz voltou de repente e o elevador arrancou com um solavanco. Ela, quase em pânico, passou-me os lenços com que se limpara para as mãos, desceu a saia, e olhou-se ao espelho para ver se não havia muitos estragos. Achou que estava tudo bem, respirou fundo, compôs-se e quando o elevador parou já nada se tinha passado. Enquanto lhe abria a porta ainda lhe sussurrei:
-Vês, não foi assim tão mau faltar a luz…
-Pois, por acaso não foi! – Respondeu ela piscando o olho.
Tocamos à porta e os S. vieram receber-nos. Entre os cumprimentos de circunstância lá veio a pergunta por parte da dona da casa:
-Não me digam que ficaram fechados no elevador!
-Foi, … - respondeu ela - …e foi horrível!
-Pois, calculo!
O senhor S. olhou para mim, e estranhamente para o meu casaco. Depois dirigiu-se a mim com um ar matreiro:
-Uma verdadeira seca, não? – e piscou-me o olho.
Levei a mão ao bolso do casaco e senti o fio dental dela meio fora do bolso. Sorri.
-Do pior, mesmo!
Published on June 03, 2015 08:57
Concerto de dia 5/7 adiado sine die
"Titalo" auto-explicativo.
E amodos que é isto!
E amodos que é isto!
Published on June 03, 2015 07:58
Encarnação... (parte I)
Entraram no bar, as duas, e parecia que tinha havido uma pequena pausa.
Deixem-me falar um pouco delas.
A loura entrou à frente. O cabelo, brilhante, cuidado, levemente ondulado, caia-lhe em cascata até um pouco abaixo do meio das costas e emoldurava o rosto de um anjo, pele branca e imaculada, lábios muito bem delineados e uns olhos azuis límpidos, rosto desenhado por um qualquer pintor renascentista.
Vestida para a noite, sensual, botas de salto um pouco abaixo do joelho, calças justas, coladas a um corpo com todas as medidas certas, uma camisa que lhe assentava larga e meio esvoaçante e que deixava tudo à imaginação e que tomava forma quando chegava ao peito com as proporções exactas…
Toda a gente se virou para ela conforme entrou e teve o título de rainha do bar. Pelo menos durante uns dez segundos porque depois passou a ser uma gaja exactamente igual às outras todas. É que atrás dela, vinha a amiga.
Se me pedissem uma definição de luxúria e sensualidade, apontava para ela e a resposta estaria dada.
O corpo!
Uma pernas que pareciam não acabar, metidas numas botas de salto alto de cabedal preto, justo à pele, desenhando-lhe o contorno da perna até um pouco acima do joelho, partindo dai umas meias de rede que paravam abruptamente, com grande pena de todos os que a observavam, uns centímetros mais acima onde começava um vestido preto completamente colado ao corpo, elástico, que não só lhe realçava as proporções divinais como acompanhava a fluidez do seu movimento, e que subia até acabar num generoso decote que lhe cobria os seios livres cujos mamilos ameaçavam furar o tecido leve, deixando a partir dai ver a pele contrastantemente bronzeada por um qualquer sol exótico, dando-lhe uma compleição morena que fazia com que os olhos azuis, intensos, límpidos, faiscantes fluorescentes ficassem realçados no meio daquele rosto que era lindo, um rosto de mulher, um rosto que embora suave estava longe de ser angelical, tinha antes algo tentador, convidava à perdição, ainda para mais emoldurado como estava pelo cabelo longo, escorrido, brilhante, ruivo claro, louro escuro, não consigo precisar, mas que parecia fogo liquido enquanto ela andava.
Todas as mulheres que estavam no bar, incluindo a amiga, deixaram de existir e tiveram plena consciência disso.
Deixem-me desde já esclarecer uma coisa; eu, embora seja um empedernido exemplar heterossexual masculino, não tenho o hábito de olhar para uma mulher e babar. Mas adoro apreciar a forma, da mesma maneira que gosto de contemplar uma obra de arte, uma pintura ou escultura que me prendam os sentidos e me fascinem com a forma. A forma feminina, pela beleza, suavidade e fluidez, merecem a minha contemplação enquanto definição de beleza…
…tal como, por exemplo, o quadro da Mona Lisa, de Da Vinci. E nunca me passou pela cabeça fazer sexo com o quadro.
Isto não faz com que a mulher seja vista por mim como um objecto. De forma alguma. Mas é vista como um poema em movimento.
Mas a história não começa aqui!
Para contar esta história tenho que ir mais atrás.
Uns meses antes o meu telefone tocara inesperadamente, como era seu costume, aliás, e eu, como era habito meu quando semelhante coisa acontecia, atendi.
-Eu queria falar com o Ulisses, por favor… - disse uma voz feminina do outro lado.
-É o próprio!
-Olá. Não me conheces, mas eu sou a R., e sou irmã da P.
A P. era uma moça que eu conhecia há já algum tempo. Já tinha visto a R. de relance, mas nunca tínhamos falado. Fiquei surpreendido de ela me estar a ligar, mas não comentei. Ela continuou.
-Olha, eu sei que é esquisito estar a ligar-te assim, mas precisava de um favor…
-É sexo? – Perguntei eu aparentando uma seriedade absoluta.
Do outro lado ficou um silêncio embaraçoso, embaraçado, uma longa pausa de alguém que não sabia o que dizer. Finalmente respondeu.
-Não…!!!
-Ainda bem, porque se fosse eu não estava disponível.
Soltou uma gargalhada sonora quando percebeu que apenas brincava com ela. Eu perguntei:
-De que é que precisas então?
-É assim. Estive a falar com o M. porque precisava de gravar um CD com umas coisas para a faculdade, mas ele não pode e disse-me que talvez tu pudesses…
Para esclarecer digo desde já que isto se passou há tanto tempo que os gravadores de CD eram algo extraordinariamente raro, mais ainda do que os Tigres de Bengala, mais do que o Lince da serra da Malcata, e tão estupidamente caros que custavam o dobro do preço do computador onde eram encaixados que não era, já de si, muito barato.
-Claro, sabes onde é que eu moro?
Lá lhe dei as indicações e meia hora depois ela chegava a minha casa. Era uma miúda gira, muito gira. Não era o protótipo da gaja boa, embora fosse bem torneada, mas aquilo que chamava mesmo a atenção nela eram os olhos vivos e inteligentes e o sorriso fácil. E depois, falar com ela era um gosto. Fazia um uso peculiar de um sentido de humor carregado de ironia.
Ficamos amigos nesse dia, mesmo amigos. Descobrimos alguém com quem falar francamente, e não fora eu andar perdido em elevadores na altura em que a conheci, creio que não a teria deixado escapar. Apreciava mesmo a sua companhia, e acho que ela apreciava a minha.
Começamos a sair juntos algumas vezes, em noites em que eu não estava ocupado, e íamos a um bar ou outro ver música ao vivo e ganhávamos horas de conversa.
Foi precisamente numa dessas saídas, já uns meses depois de eu deixar de andar perdido em elevadores, numa noite em que tinha recebido uma chamada de um dos elementos da banda que estava a tocar a perguntar que eu queria ir ver o concerto de lançamento do álbum deles e a tinha convidado, que vi pela primeira vez aquelas duas amigas.
Estávamos os dois em amena cavaqueira quando eu me virei para ela e perguntei:
-Desculpa lá, mas vocês, as mulheres, são umas verdadeiras cabras umas para as outras, não são?
-Porque é que perguntas isso?
-Pá, se eu estivesse aqui sentado, sozinho, ninguém me ligava patavina, mas como estou aqui contigo e tu até estas arranjadita e até pareces girinha, já houve umas quantas a olhar para mim e a pensar “hummm!”…
-Pá, estúpido… Mas estou gira hoje não estou?
-Pá, eu comia-te na boa…
-Obrigada. Vindo de ti é um elogio.
E foi nesta altura que elas entraram e ela vê a ruiva e volta-se para mim com um ar completamente aparvalhado e diz:
-Pois olha que eu não gosto de mulheres, mas comia aquela ruiva!
O que me levou a olhar e a ficar parado a pensar se olhava para uma bússola de forma a poder ajoelhar-me no chão virado para meca e agradecia a Ala, embora não seja muçulmano, se dava a existência dela como prova concreta de que Deus existia a uma qualquer sociedade científica, ou se, pela súbita e invulgar tesão que senti, a admitia como encarnação de uma qualquer criatura infernal que teria vindo apenas para puxar mais umas quantas almas para o inferno…
Com a dúvida sobre as várias hipóteses era imensa, optei pelo mais sensato e fiquei quieto, parado e calado, preso a cada movimento daquela criatura…
…o que me leva, finalmente à história…
Deixem-me falar um pouco delas.
A loura entrou à frente. O cabelo, brilhante, cuidado, levemente ondulado, caia-lhe em cascata até um pouco abaixo do meio das costas e emoldurava o rosto de um anjo, pele branca e imaculada, lábios muito bem delineados e uns olhos azuis límpidos, rosto desenhado por um qualquer pintor renascentista.
Vestida para a noite, sensual, botas de salto um pouco abaixo do joelho, calças justas, coladas a um corpo com todas as medidas certas, uma camisa que lhe assentava larga e meio esvoaçante e que deixava tudo à imaginação e que tomava forma quando chegava ao peito com as proporções exactas…
Toda a gente se virou para ela conforme entrou e teve o título de rainha do bar. Pelo menos durante uns dez segundos porque depois passou a ser uma gaja exactamente igual às outras todas. É que atrás dela, vinha a amiga.
Se me pedissem uma definição de luxúria e sensualidade, apontava para ela e a resposta estaria dada.
O corpo!
Uma pernas que pareciam não acabar, metidas numas botas de salto alto de cabedal preto, justo à pele, desenhando-lhe o contorno da perna até um pouco acima do joelho, partindo dai umas meias de rede que paravam abruptamente, com grande pena de todos os que a observavam, uns centímetros mais acima onde começava um vestido preto completamente colado ao corpo, elástico, que não só lhe realçava as proporções divinais como acompanhava a fluidez do seu movimento, e que subia até acabar num generoso decote que lhe cobria os seios livres cujos mamilos ameaçavam furar o tecido leve, deixando a partir dai ver a pele contrastantemente bronzeada por um qualquer sol exótico, dando-lhe uma compleição morena que fazia com que os olhos azuis, intensos, límpidos, faiscantes fluorescentes ficassem realçados no meio daquele rosto que era lindo, um rosto de mulher, um rosto que embora suave estava longe de ser angelical, tinha antes algo tentador, convidava à perdição, ainda para mais emoldurado como estava pelo cabelo longo, escorrido, brilhante, ruivo claro, louro escuro, não consigo precisar, mas que parecia fogo liquido enquanto ela andava.
Todas as mulheres que estavam no bar, incluindo a amiga, deixaram de existir e tiveram plena consciência disso.
Deixem-me desde já esclarecer uma coisa; eu, embora seja um empedernido exemplar heterossexual masculino, não tenho o hábito de olhar para uma mulher e babar. Mas adoro apreciar a forma, da mesma maneira que gosto de contemplar uma obra de arte, uma pintura ou escultura que me prendam os sentidos e me fascinem com a forma. A forma feminina, pela beleza, suavidade e fluidez, merecem a minha contemplação enquanto definição de beleza…
…tal como, por exemplo, o quadro da Mona Lisa, de Da Vinci. E nunca me passou pela cabeça fazer sexo com o quadro.
Isto não faz com que a mulher seja vista por mim como um objecto. De forma alguma. Mas é vista como um poema em movimento.
Mas a história não começa aqui!
Para contar esta história tenho que ir mais atrás.
Uns meses antes o meu telefone tocara inesperadamente, como era seu costume, aliás, e eu, como era habito meu quando semelhante coisa acontecia, atendi.
-Eu queria falar com o Ulisses, por favor… - disse uma voz feminina do outro lado.
-É o próprio!
-Olá. Não me conheces, mas eu sou a R., e sou irmã da P.
A P. era uma moça que eu conhecia há já algum tempo. Já tinha visto a R. de relance, mas nunca tínhamos falado. Fiquei surpreendido de ela me estar a ligar, mas não comentei. Ela continuou.
-Olha, eu sei que é esquisito estar a ligar-te assim, mas precisava de um favor…
-É sexo? – Perguntei eu aparentando uma seriedade absoluta.
Do outro lado ficou um silêncio embaraçoso, embaraçado, uma longa pausa de alguém que não sabia o que dizer. Finalmente respondeu.
-Não…!!!
-Ainda bem, porque se fosse eu não estava disponível.
Soltou uma gargalhada sonora quando percebeu que apenas brincava com ela. Eu perguntei:
-De que é que precisas então?
-É assim. Estive a falar com o M. porque precisava de gravar um CD com umas coisas para a faculdade, mas ele não pode e disse-me que talvez tu pudesses…
Para esclarecer digo desde já que isto se passou há tanto tempo que os gravadores de CD eram algo extraordinariamente raro, mais ainda do que os Tigres de Bengala, mais do que o Lince da serra da Malcata, e tão estupidamente caros que custavam o dobro do preço do computador onde eram encaixados que não era, já de si, muito barato.
-Claro, sabes onde é que eu moro?
Lá lhe dei as indicações e meia hora depois ela chegava a minha casa. Era uma miúda gira, muito gira. Não era o protótipo da gaja boa, embora fosse bem torneada, mas aquilo que chamava mesmo a atenção nela eram os olhos vivos e inteligentes e o sorriso fácil. E depois, falar com ela era um gosto. Fazia um uso peculiar de um sentido de humor carregado de ironia.
Ficamos amigos nesse dia, mesmo amigos. Descobrimos alguém com quem falar francamente, e não fora eu andar perdido em elevadores na altura em que a conheci, creio que não a teria deixado escapar. Apreciava mesmo a sua companhia, e acho que ela apreciava a minha.
Começamos a sair juntos algumas vezes, em noites em que eu não estava ocupado, e íamos a um bar ou outro ver música ao vivo e ganhávamos horas de conversa.
Foi precisamente numa dessas saídas, já uns meses depois de eu deixar de andar perdido em elevadores, numa noite em que tinha recebido uma chamada de um dos elementos da banda que estava a tocar a perguntar que eu queria ir ver o concerto de lançamento do álbum deles e a tinha convidado, que vi pela primeira vez aquelas duas amigas.
Estávamos os dois em amena cavaqueira quando eu me virei para ela e perguntei:
-Desculpa lá, mas vocês, as mulheres, são umas verdadeiras cabras umas para as outras, não são?
-Porque é que perguntas isso?
-Pá, se eu estivesse aqui sentado, sozinho, ninguém me ligava patavina, mas como estou aqui contigo e tu até estas arranjadita e até pareces girinha, já houve umas quantas a olhar para mim e a pensar “hummm!”…
-Pá, estúpido… Mas estou gira hoje não estou?
-Pá, eu comia-te na boa…
-Obrigada. Vindo de ti é um elogio.
E foi nesta altura que elas entraram e ela vê a ruiva e volta-se para mim com um ar completamente aparvalhado e diz:
-Pois olha que eu não gosto de mulheres, mas comia aquela ruiva!
O que me levou a olhar e a ficar parado a pensar se olhava para uma bússola de forma a poder ajoelhar-me no chão virado para meca e agradecia a Ala, embora não seja muçulmano, se dava a existência dela como prova concreta de que Deus existia a uma qualquer sociedade científica, ou se, pela súbita e invulgar tesão que senti, a admitia como encarnação de uma qualquer criatura infernal que teria vindo apenas para puxar mais umas quantas almas para o inferno…
Com a dúvida sobre as várias hipóteses era imensa, optei pelo mais sensato e fiquei quieto, parado e calado, preso a cada movimento daquela criatura…
…o que me leva, finalmente à história…
Published on June 03, 2015 06:52
June 2, 2015
Lembro-me perfeitamente de como a conheci,...

... porque há coisas que são inesquecíveis!
O gajo entra-me pelo estúdio adentro, coisa que eu não estranhei, uma vez que estava à espera dele, com a saudação mais famosa dele, um “Atão, Zé Manel? Tá-se?” e apanha-me em plena sedução com a minha Epiphone Flying V, resquício dos meus tempos de metaleiro e que entretanto já seguiu para outras paragens, enquanto gravava músicas dos Teatrum, não com um objectivo concreto, mas apenas porque, depois de ter desistido delas queria ter uma espécie de arquivo do que tinha feito, levando com a resposta habitual, um “tá-se…” meio jogado fora e que demonstrava a minha concentração noutra coisa que não nele, naquele momento, concentração essa que foi quebrada quando me apercebi que com ele estava mais alguém.A amiga entrou primeiro e foi-me prontamente apresentada, uma mulher bonita, sem ser espampanante, simples, alta, vestida casualmente, com o cabelo castanho longo, ondulado e os olhos de um azul intenso. Mas atrás vinha ela…Foi a primeira vez que conheci alguém assim. Não era bela, num sentido de mera beleza estética. Era relativamente alta, apenas ligeiramente mais baixa que eu, um corpo equilibrado, sem ser espectacular, mas de uma elegância rara, graças à postura que ela tinha, um tom de pele morena, cabelo preto, completamente preto, escorrido, pelo ombro e uma franja que tinha caído em desuso desde que a Beatriz Costa deixara de a usar, o que lhe dava um ar muito “anos 20”……isto, claro, na altura, antes de as ditas franjas terem voltado a estar na moda, sendo a altura a primeira metade da década de 90 do século passado (sim, eu sei, estou velho, mas na altura não o estava assim tanto), mas depois……depois olhei para os olhos dela e tremi. Aqueles olhos castanho-mél transpiravam algo que eu nunca tinha visto e que lhe conferiam uma aura da mais pura sensualidade, e senti-me, pela primeira vez, completamente subjugado pela presença de uma mulher. Se ela me tivesse pedido naquele momento para me deitar no chão e rebolar, não sei se não o teria feito.Claro que me recompus com alguma facilidade, mas ainda assim a presença dela não deixava de ser perturbadora.E foi-o, de facto, durante toda aquela tarde enquanto a conversa fluía com uma facilidade surpreendente e enquanto ela se foi revelando aos poucos, mostrando ser muito mais que aquilo que, à partida, já parecia ser… Houve alguns episódios com ela e que foram marcantes.Via o mundo de uma maneira algo diferente, na altura, fruto das muitas circunstâncias passadas até então e que não são de todo relevantes para aquilo de que aqui falo, mas o certo é que procurava, para mim, alguma estabilidade e a capacidade para assentar os pés no chão. Percebi, pouco antes de a ter conhecido, que para saltar alto é preciso ter um ponto de apoio sólido, no chão, e percebi também que durante a minha vida inteira tinha sentido o chão a fugir-me debaixo dos pés…Ela acabou por me dividir entre uma atracção brutal e a vontade de me manter afastado. Sabia perfeitamente que algo entre nós não teria a mínima hipótese de resultar e não procurava nada de passageiro na minha vida.Não podia no entanto de deixar de me deslumbrar pela segurança e liberdade que emanavam dela nas coisas mais simples, nos gestos mais insuspeitos. E ela, talvez porque tivesse a noção absoluta de que eu não a bajulava como todos os outros homens que andavam à volta dela, provocava-me……descaradamente……despudoradamente……mas ao mesmo tempo falava comigo de uma forma que também sabia que não podia falar com mais ninguém, expondo-se e deixando que eu conhecesse as inseguranças e os medos daquela mulher poderosa e que não deixava ninguém indiferente.Ela lidava todos os dias com homens poderosos, fruto do trabalho que tinha, e já lhe tinham prometido a lua. No entanto ela continuava a ser quem era e a dar-se com pelintras meio perdidos como eu.Nunca fui pessoa para exacerbar as minhas qualidades e tentar esconder os meus defeitos. Sou o que sou e como sou, e a única certeza que tenho é que tenho de viver comigo todos os dias. Não me dou muita importância porque, no fundo, a importância de tudo é relativa e tenho plena consciência de que o universo não existe só para que eu existisse neste momento…Ando aqui a divagar através destas ideias para tentar contextualizar o que vem a seguir, porque precisa de ser contextualizado para ser percebido, e peço desde já desculpa se causo alguma confusão. Mas a verdade é que naquela altura no tempo eu era alguém com 26 ou 27 anos que tinha passado por uma adolescência problemática e que ainda se sentia revoltado com o mundo, sendo que tudo o que me era realmente importante parecia ser-me tirado, fosse por que meio fosse. Assim sendo, para alem da revolta, havia um sentimento de alheamento, de “desligamento” talvez, em relação a tudo.Durante a minha adolescência o amor e a paixão eram algo de extremamente difícil de concretizar……já o sexo era fácil, tão fácil……e até era aparentemente gratificante!No entanto, uns bons anos antes de a conhecer, a conjunção de tudo o que se passou na minha vida até então tornou-me oco e vazio. E foi nessa altura que o sexo deixou de fazer sentido, até porque a cada pessoa que passava pela minha vida de forma absolutamente casual, apenas me sentia mais vazio.Sabia que procurava algo, mas não sabia o quê.Depois acabei por me envolver numa relação que durou uns anos e que acabou muito antes de ter acabado verdadeiramente, em que a outra parte afirmava que eu era um autentico cubo de gelo……e com razão.E eis que eu chegava a esta altura da minha vida, à procura de algo de estável e perdido no meio de incertezas.Mas, por vezes, meia dúzia de palavras são o suficiente para abalar o mundo……ou, pelo menos, o nosso mundo!Depois de termos feito uma directa no meu estúdio, entre cegadas e diversão, e enquanto o resto do pessoal dormia, lavava-a até casa, para ir almoçar com o pai, que fazia anos, mas com a promessa de voltar ao estúdio assim que se despachasse do almoço.Ao contrário do que era habitual em mim, levava o meu BMW 2002 Ti preto lentamente ao longo da estrada, estando ela recostada no banco, ao meu lado, de olhos fechados, fruto da noite passada em claro. Mas eis que de repente ela dispara a pergunta:-Porque é que não tens ninguém?-Desculpa?-Porque é que não estás com ninguém?…e pela primeira vez em algum tempo tive de parar para pensar. Não havia uma resposta fácil. Talvez numa tentativa de ganhar algum tempo retorqui com outra:-Mas porquê essa pergunta?Ela abriu finalmente os olhos, sorriu, e a resposta veio de forma fácil.-Fazes-me confusão. És um gajo culto, falas bem, consegues falar de quase qualquer assunto, parece que nunca estas deslocado em lado nenhum…-…mas parece que também nunca estou colocado…-Verdade! Mas é preciso conhecer-te um bocadinho para perceber isso. Não é algo que seja evidente à partida. E no entanto estas sozinho…-Se calhar estou à procura da mulher certa…-Todos andamos à procura da pessoa certa…-…o que não quer dizer que não nos vamos divertindo com as erradas pelo caminho. Eu sei. Mas já tive uma boa dose de diversão…-Sim, acredito que sim.-Obrigado pelos elogios.-Não eram elogios. Eram constatações. Muitas mulheres davam tudo para que um tipo como tu se lhes atravessasse no caminho…Fiquei sem saber o que dizer. E, como sempre, quando isso acontece, remeti-me ao silêncio e dediquei a minha atenção de volta à estrada, com a minha mão abandonada distraidamente em cima da alavanca das mudanças.A mão dela foi pousar-se me cima da minha, os seus dedos entrelaçaram-se nos meus. Não tive coragem para olhar para ela e fingi continuar a dar atenção à estrada. Ela chegou-se a mim, encostou-se, repousou a sua cabeça no meu ombro e respeitou o meu silêncio. Dentro de mim despertava um turbilhão de duvidas e emoções adormecidas.Chegávamos à entrada de uma povoação, onde havia um semáforo. Vi-o verde na distância e acelerei, na esperança de passar, mas a esperança dissipou-se logo em seguida, obrigando-me a parar.Conforme o fiz olhei para ela, ela levantou a cabeça, olhou para mim e avançamos vorazmente um para o outro colando, naquele momento, os lábios e os sentimentos num beijo que me fez perder a noção de tudo e acho que apenas voltei à realidade quando os carros atrás de mim começaram a buzinar avisando-me para o facto de o semáforo estar novamente verde. Quando finalmente estacionei o carro caímos nos braços um do outro. Não havia ali paixão, nem desejo e ambos o sabíamos, mas estava presente entre nós uma intensidade difícil de explicar. Um carinho que, neste momento, se traduzia desta maneira, transbordando de todos os momentos que passáramos nas ultimas semanas.Foi com algum custo que nos separamos, ela para o almoço prometido e eu para comprar as iguarias para fazer o meu e o do resto do pessoal que ainda estava no estúdio.Fiquei parado a vê-la seguir até virar a esquina. Detestei vê-la partir……mas estava a adorar vê-la a ir!Quando virou a esquina, mesmo antes de desaparecer, olhou para mim, mostrando nitidamente que sabia que eu a estava a observar, sorriu e piscou-me o olho. Eu também sorri. Talvez uma promessa para mais tarde?Enquanto fazia as compras, pensava no que tinha acontecido. No fundo, tínhamo-nos deixado envolver num momento, mas não havia mais nada entre nós. Não havia pontos de contacto. Aquele momento não passava de uma cortina de fumo que se dissipava à medida que subia pelo ar. No entanto, era como fumo de incenso, que mesmo quando não se via deixava um aroma doce no ar, envolvente.O almoço passou com um pouco de ansiedade da minha parte, esperando que ela voltasse. O resto do pessoal descansava quando ela chegou a meio da tarde.
Como eu esperava, dissipado o fumo, ficaram apenas os olhares cúmplices, mas nada mais
Published on June 02, 2015 08:15
O Sistema
O sistema era, na realidade, bastante simples.
Cada cidadão, reconhecido como tal, tinha direito, quando chegava aos dezoito anos, a duas cartas. Duas cartas com objectivos distintos, uma completamente azul e outra encarnada.
A partir desse dia cada cidadão faria o que entendesse com essas cartas, que, independentemente de tudo, eram pessoais e intransmissíveis. No entanto, podiam ser penhoradas a terceiros, sem que a propriedade fosse alguma vez posta em causa. Em qualquer altura, fosse por que motivo fosse, o proprietário da carta podia livrá-la da penhora.
Os motivos que poderiam levar alguém a penhorar as cartas diziam respeito apenas ao próprio. Desde interesses pessoais a ideológicos. Ou podia, inclusivamente, escolher nunca as penhorar, se bem que não era fácil conseguir ficar com elas, simplesmente.
Quando alguém recebia o penhor de uma das cartas, fosse a troco do que fosse, essa carta passava a contar como dele. Quanto mais cartas alguém tiver, mais peso representa na sociedade. No entanto, o possuidor das cartas não tem qualquer obrigação de espelhar as ideias do detentor original. Apenas as suas. Mas, uma vez que a qualquer altura a penhora pode ser levantada, convinha manter satisfeitos os portadores originais.
Claro que o mesmo se passava em escalões mais acima. O portador de uma vasta quantidade de cartas poderia penhorá-las, independentemente da vontade dos portadores originais, a uma terceira pessoa, e assim por diante.
A carta azul representava uma comuna restrita, local. A encarnada era mais abrangente, contando a nível da nação. Em qualquer altura, os dez cidadãos com maior número de cartas tinham direito a sentar-se num concelho onde eram tomadas as decisões executivas.
Claro que, devido à organização das penhoras, havia constantemente cartas a mudar de filiação, pelo que os dez eram sempre algo de variável, consoante as aspirações legítimas dos proprietários das cartas.
Uma vez que a contagem das cartas era anunciada semanalmente, sempre na véspera da reunião, podia haver sempre mudanças na constituição do conselho dos dez, embora isso fosse, de alguma forma, raro. Mas mesmo quando havia mudanças, estavam restringidas a uma elite que conseguia chegar e manter-se no topo da hierarquia.
Os membros do concelho não dispunham de igualdade. Somadas todas as cartas detidas pelos dez, eram achadas as percentagens que cabiam a cada um, e com base nessas percentagens eram-lhes atribuídas fichas que valiam votos nas decisões. No conselho dos dez havia sempre também uma décima primeira pessoa, o decimo primeiro com mais votos, que era o mediador.
Cada um dos dez trazia propostas à mesa que estavam de acordo com os seus pontos de vista, fossem eles pessoais ou questões que apareciam de acordos feitos para obter o numero de cartas necessário. Essas questões eram postas em cima da mesa e analisadas de uma semana para a outra, altura em que seriam votadas, caso fossem aceites, ainda que quem as tivesse apresentado não estivesse na mesa na semana a seguir. As reuniões abriam sempre com a votação das propostas da semana anterior e, só em seguida, com a apresentação das propostas para a semana seguinte e a votação de aceitação.
As votações eram feitas levando as fichas que cada um detinha para um determinado ponto da mesa em que havia dez quadrados contíguos e exíguos. As fichas de cada um tinham de ser dispostas dentro do quadrado. Se alguma das fichas, por azar, caísse para um dos quadrados contíguos, esse voto contaria segundo a vontade do proprietário desse quadrado. Finda a votação, as fichas seriam devolvidas ao respectivo dono.
E, é neste clima que começa a nossa história…
Cada cidadão, reconhecido como tal, tinha direito, quando chegava aos dezoito anos, a duas cartas. Duas cartas com objectivos distintos, uma completamente azul e outra encarnada.
A partir desse dia cada cidadão faria o que entendesse com essas cartas, que, independentemente de tudo, eram pessoais e intransmissíveis. No entanto, podiam ser penhoradas a terceiros, sem que a propriedade fosse alguma vez posta em causa. Em qualquer altura, fosse por que motivo fosse, o proprietário da carta podia livrá-la da penhora.
Os motivos que poderiam levar alguém a penhorar as cartas diziam respeito apenas ao próprio. Desde interesses pessoais a ideológicos. Ou podia, inclusivamente, escolher nunca as penhorar, se bem que não era fácil conseguir ficar com elas, simplesmente.
Quando alguém recebia o penhor de uma das cartas, fosse a troco do que fosse, essa carta passava a contar como dele. Quanto mais cartas alguém tiver, mais peso representa na sociedade. No entanto, o possuidor das cartas não tem qualquer obrigação de espelhar as ideias do detentor original. Apenas as suas. Mas, uma vez que a qualquer altura a penhora pode ser levantada, convinha manter satisfeitos os portadores originais.
Claro que o mesmo se passava em escalões mais acima. O portador de uma vasta quantidade de cartas poderia penhorá-las, independentemente da vontade dos portadores originais, a uma terceira pessoa, e assim por diante.
A carta azul representava uma comuna restrita, local. A encarnada era mais abrangente, contando a nível da nação. Em qualquer altura, os dez cidadãos com maior número de cartas tinham direito a sentar-se num concelho onde eram tomadas as decisões executivas.
Claro que, devido à organização das penhoras, havia constantemente cartas a mudar de filiação, pelo que os dez eram sempre algo de variável, consoante as aspirações legítimas dos proprietários das cartas.
Uma vez que a contagem das cartas era anunciada semanalmente, sempre na véspera da reunião, podia haver sempre mudanças na constituição do conselho dos dez, embora isso fosse, de alguma forma, raro. Mas mesmo quando havia mudanças, estavam restringidas a uma elite que conseguia chegar e manter-se no topo da hierarquia.
Os membros do concelho não dispunham de igualdade. Somadas todas as cartas detidas pelos dez, eram achadas as percentagens que cabiam a cada um, e com base nessas percentagens eram-lhes atribuídas fichas que valiam votos nas decisões. No conselho dos dez havia sempre também uma décima primeira pessoa, o decimo primeiro com mais votos, que era o mediador.
Cada um dos dez trazia propostas à mesa que estavam de acordo com os seus pontos de vista, fossem eles pessoais ou questões que apareciam de acordos feitos para obter o numero de cartas necessário. Essas questões eram postas em cima da mesa e analisadas de uma semana para a outra, altura em que seriam votadas, caso fossem aceites, ainda que quem as tivesse apresentado não estivesse na mesa na semana a seguir. As reuniões abriam sempre com a votação das propostas da semana anterior e, só em seguida, com a apresentação das propostas para a semana seguinte e a votação de aceitação.
As votações eram feitas levando as fichas que cada um detinha para um determinado ponto da mesa em que havia dez quadrados contíguos e exíguos. As fichas de cada um tinham de ser dispostas dentro do quadrado. Se alguma das fichas, por azar, caísse para um dos quadrados contíguos, esse voto contaria segundo a vontade do proprietário desse quadrado. Finda a votação, as fichas seriam devolvidas ao respectivo dono.
E, é neste clima que começa a nossa história…
Published on June 02, 2015 04:16
Eu disse que avisava, portanto...
Published on June 02, 2015 00:58