Denise Bottmann's Blog, page 25
June 5, 2016
juan carlos onetti no brasil
um dos grandes autores latino-americanos, o uruguaio juan carlos onetti (1909-1994) está presente no brasil nas seguintes edições e traduções:
junta-cadáveres, pela civilização brasileira, em sua coleção "nossa américa", vol. 5, 1968. tradução de flávio moreira da costa. reeditado pela francisco alves, na coleção "latino-américa", 1980 deixemos falar o vento, pela francisco alves, na coleção "latino-américa", 1981. tradução de maria de lourdes martinitão triste como ela, e outros contos, pela companhia das letras, 1989. tradução de eric nepomuceno. reeditado pela record-altaya, coleção "mestres da literatura contemporânea", 1989 revista nossa américa nuestra america 3, pela memorial, 1992
a vida breve, pela planeta do brasil, 2004. tradução de josely vianna baptista"o inferno tão temido" em contos latino-americanos eternos, pela bom texto, 2005. organização e tradução de alicia ramal47 contos de juan carlos onetti, pela companhia das letras, 2006. tradução de josely vianna baptista. reeditado pela folha literatura ibero-americana, 2012o estaleiro, pela planeta do brasil, coleção "planeta literário", 2007. tradução de luís reyes gilo poço / para uma tumba sem nome, pela planeta do brasil, coleção "planeta literário", 2009. tradução de luís reyes giljunta-cadáveres, pela planeta do brasil, coleção "planeta literário", 2009. tradução de luís reyes gil"três poemas de juan carlos onetti", revista bula, 2012. tradução de nina rizzi"poesia completa e algo mais de juan carlos onetti" [além dos poemas, traz o conto inédito "eva perón" e fragmentos variados], germina - revista de literatura e arte, 2012, tradução de nina rizzi
Published on June 05, 2016 14:26
kafka infantojuvenil
um belo levantamento de lucila bassan zorzato com edições de kafka para o público infantojuvenil:
KAFKA, Franz. O criador de monstros. Tradução Paulo Bentancur. São Paulo: Artes e
Oficios, 2002. 48 p. Coleção Brincando de Pensar.
KAFKA, Franz. A metamorfose. Tradução Modesto Carone. Adaptação Walcir Carrasco. 3v.
2ed. novela. São Paulo: Cia das Letras, 2003. 95 p. (Die Verwandlung)
KAFKA, Franz. A metamorfose. Adaptado Peter Kuper. São Paulo: Conrad, 2004. 83 p.
Formato gibi (Die Verwandlung)
KAFKA, Franz. Kafka de Crumb. Tradução José Gradel. Texto de David Zane Mairowitz.
Desenho de Robert Crumb. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2006. 176 p. Texto Informativo.
(Tradução de Introcducing Kafka)
KAFKA, Franz. A metamorfose. Tradução Claudia Abeling. Ilustração Luis Scafati. São
Paulo: Melhoramentos, 2007. 104 p. (Die Verwandlung)
Acervo básico FNLIJ - Tradução/Adaptação Jovem, 2008.
KAFKA, Franz. A boneca viajante. Criação Jordi Sierra i Fabra. Ilustração Pep Mostserrat.
Tradução Rubia Prates Goldoni. São Paulo: Martins Fontes, 2008. (Tradução de Kafka y la
muñeca viajera)
KAFKA, Franz. Desista! E Outras Histórias de Franz Kafka. Adaptação Peter Kuper. São
Paulo: Conrad, 2008. Formato Gibi.
KAFKA, Franz. Kafka e a marca do corvo: romance bibliográfico sobre a vida e o tempo de
Grans Kafka. Criação Jeanette Rozsas. 2.ed. 2009, 179p. Texto Informativo.
KAFKA, Franz. Carta ao pai. Tradução Paulo Bentancur. Ilustração Ana Maria Moura. São
Paulo: Melhoramentos, 2009. 79 p. Coleção Três por três. (Briefe na den Vater)
KAFKA, Franz. Oportunidade para um pequeno desespero. Tradução Renata Dias Mundt.
Ilustração Nikolaus Heidelbach. São Paulo: Martins Fontes, 2010. 116 p. (Gelegenheit zu
einer kleinen Verzweiflung)
KAFKA, Franz. Metamorfoses: antologia de contos. Tradução Heloisa Prieto. Ilustração
Sergio Kon. São Paulo: Atual, 2010. 90 p.
KAFKA, Franz. Na colônia penal. Roteiro Sylvain Ricard. Tradução Carol Bensimon.
Ilustração Maël e Albertine Ralenti. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 55 p. (Tradução
do francês. Dans la colonie pénitentiaire)
KAFKA, Franz. Pequena fábula. Tradução Cristina Antunes. Ilustração Enrique Martinez.
Belo Horizonte: Autêntica, 2012. 31 p. (Tradução do espanhol. Pequeña fábula)
KAFKA, Franz. O castelo. Adaptado e ilustrado por Carlos Ferreira. Rio de Janeiro:
Desidrata, 2013. 86 p. Grandes Clássicos em graphic novel. Texto em quadrinhos. (Das
Schloss)
KAFKA, Franz. A metamorfose. Tradução Claudia Abeling. Ilustração Kris Barz. São Paulo:
Melhoramentos, 2013. 94 p. (Die Venwandlung)
KAFKA, Franz. Meu Kafka. Tradução Priscila Figueiredo. Ilustração e textos Stefanie
Harjes. São Paulo: Cosac Naify, 2013. 127p. (Kafka. Ravenburg: Ravenvurger Buchverlag
Otto Maier GmbH; Baseada na edição Gesammelte Werke, 8 v.,S. Fischer Verlag, 1883-
1924)
sua magnífica tese, "A PRESENÇA DA LITERATURA INFANTOJUVENIL ALEMÃ NO BRASIL: estudo da circulação de obras entre o público leitor (1832-2005)", está disponível aqui.
Published on June 05, 2016 09:52
June 4, 2016
rabindranath tagore no brasil
transcrevo abaixo os dados bibliográficos referentes à obra de tagore traduzida e publicada no brasil, que constam no cuidadoso levantamento feito por josé paz rodrigues, disponível aqui.
1. Gitanjali (A offerta lyrica). 1914. São Paulo: Editora O Pensamento. Tr. Braúlio Prego.
2. A lua crescente (The Crescent Moon). 1915. Rio de Janeiro: Tip. Besnard. Tr. Dr. Plácido Barbosa.
3. Poemas escolhidos: O Jardineiro. Oferta lírica. Quarto Crescente. Corbelha. Outros Poemas. 1925. Porto Alegre: Livraria do Globo-Barcellos Bertaso & Cia. Tr. Eduardo Guimaraens.
4. O Jardineiro (Mali). 1927. Rio de Janeiro: Vida doméstica. Tr. Francisca de Basto Cordeiro.
5. Gitânjali. 1932. São Paulo: Companhia Editora Nacional. Tr. Guilherme de Almeida.
6. A Religião do Homem (The Religion of Man). 1935. São Paulo: Editora Moderna. Tr. Luiz N. Greco.
7. O Jardineiro (Mali). 1939. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. Tr. Guilherme de Almeida.
8. A lua crescente (The Crescent Moon). 1942. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. Tr. Abgar Renault.
9. Colheita de frutos (Fruit Gathering). 1945. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio. Tr. Abgar Renault.
10. Memórias (Reminiscences /Jibonsmriti). 1946. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. Tr. Gulnara Lobato de Morais Pereira.
11. Pássaros perdidos (Stray Birds). 1946. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. Tr. Abgar Renault.
12. O carteiro do rei (Dakghor). 1949. Rio de Janeiro: Inédito. Tr. Cecília Meireles.
13. Mashi. 1961. Rio de Janeiro: A Noite. Tr. Cecília Meireles.
14. Çaturanga (Choturongo). 1962. Rio de Janeiro: Editora Delta. Tr. Cecília Meireles. Nota: 2ª edição em Opera Mundi, 1973.
15. Colheita de frutos. O jardineiro. Pássaros perdidos. A lua crescente. 7 poemas de Puravi. Minha bela vizinha. Conto. Mashi. O carteiro do rei. A fugitiva. 1962. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura-Serviço de Documentação-Departamento da Imprensa Nacional. Tr. de Abgar Renault, Cecília Meireles e Guilherme de Almeida.
16. Excerptas de suas obras (A lua crescente, Colheita de frutos, Gitânjali, O jardineiro, Puravi). 1963. Rio de Janeiro: Embaixada da Índia. Tr. por Abgar Renault, Guilherme de Almeida e Cecília Meireles.
17. A noite de núpcias. 1968. Brasília: Coordenada-Editôra de Brasília. Tr. Aloísio Costa.
18. Gitanjali. Oferenda lírica. 1969. Brasília: Coordenada-Editôra de Brasília. Tr. Gasparino Damata.
19. Obras selecionadas: O Jardineiro. Lua Crescente. Gitanjali. O cisne. 1972. Rio de Janeiro: Livros do Mundo Inteiro. Tr. Raul Xavier.
20. A casa e o mundo (The Home and the World). 1972. Rio de Janeiro: Livros do Mundo Inteiro. Tr. Raul Xavier.
21. Dois amores e um rio (O Naufrágio) (Noukadubi). 1972. Rio de Janeiro: Livros do Mundo Inteiro. Tr. Gasparino Damata.
22. O Jardineiro de Amor. (The Gardener). 1973. Brasília: Coordenada-Editora de Brasília. Tr. Lígia Souza Leão de Ayarza.
23. A Religião do Homem (The Religion of Man).1981. Rio de Janeiro: Editora Record. Tr. Prof. Hermógenes.
24. O significado da vida. 1985. Brasília: Thesaurus Editora. Tr. Vilma.
25. A lua crescente (The Crescent Moon). 1991. São Paulo: Paulus Editora. Tr. Ivo Storniolo.
26. Gitanjali (Oferenda lírica). 1991. São Paulo: Edições Paulinas. Tr. Ivo Storniolo.
27. O Jardineiro (Mali). 1991. São Paulo: Paulus Editora. Tr. Ivo Storniolo.
28. A Colheita (Fruit Gathering). 1991. São Paulo: Edições Paulinas. Tr. Ivo Storniolo.
29. Pássaros perdidos (Stray Birds). 1991. São Paulo: Edições Paulinas. Tr. Ivo Storniolo.
30. A fugitiva (The Fugitive). 1991. São Paulo: Edições Paulinas. Tr. Ivo Storniolo.
31. Presente de amante e travessia. 1991. São Paulo: Edições Paulinas. Tr. Ivo Storniolo.
32. O casamento e outros contos. 1992. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Tr. Leonardo Fróes.
33. Sadhana: o caminho da realização. 1994. São Paulo: Paulus Editora. Tr. Ivo Storniolo.
34. Noibeddo-Oferta. 1996. São Paulo: Edições Paulinas. Tr. Jairo Veloso Vargas (do italiano).
35. Citra. A descoberta do Deus da vida. 1997. São Paulo: Edições Paulinas. Tr. Jairo Veloso Vargas (do italiano).
36. O Cristo. 1998. São Paulo: Edições Paulinas. Tr. Jairo Veloso Vargas (do italiano).
37. Poesia mística (Lírica breve). 2003. São Paulo: Paulus Editora. Tr. Ivo Storniolo.
38. O coração de Deus. Poemas místicos de R. Tagore (The heart of God). 2004. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações. Tr. Alberto Pucheu.
39. Uma canção para meu filho. 2004. São Paulo: Vergara & Riba Editora. Tr. Regina Mª Fonseca Ferreira.
40. Meditando com Rabindranath Tagore. Roteiro para um mês. 2004. São Paulo: Paulus Editora. Tr. Antônio Lúcio da Silva Lima.
41. Meditações. 2007. São Paulo: Editora Ideias & Letras. Tr. Ivo Storniolo (da edição castelhana).
42. A Morada da Paz (La Demeure de la Paix). 2010. Campinas-SP: Verus Editora. Tr. Ivo Storniolo (da edição francesa)
acrescento outras publicações que localizei:
"história de anandi, a vaishnavi", na revista literária a novela, da livraria do globo, em seu número 19, de abril de 1938"lua crescente", em titãs da literatura, vol. VII, pela editora ateneo, 1958meditações, pela ideias e letras, 2007. trad. ivo stornioloo príncipe e outras fábulas modernas, em dois lançamentos: pela martin claret, trad. vilma maria da silva, e pela escrituras, trad. carolina caires coelho, ambos em 2013
em 2007, a martin claret publicou uma edição não autorizada da tradução de guilherme de almeida para o gitanjali.
existem também algumas obras psicografadas por médiuns (p.ex., o mundo de francisco de assis, 1984; grãos de amor, 1991, ambos pela editora livree, e outras).
uma curiosidade é o volume com poemas de kabir, que foram selecionados e traduzidos por tagore para o inglês, publicado na inglaterra em 1915. essa famosa tradução de tagore foi, por sua vez, traduzida para o português por josé tadeu arantes, pela attar, em 2013, com o título cem poemas.
outra curiosidade é a menção de erico veríssimo a tagore, em suas memórias solo de clarineta: "Eu lia e traduzia Rabindranath Tagore. Vejo agora aqui a meu lado, tirada do fundo duma gaveta quase esquecida, uma tradução que fiz de passagens do livro Pássaros Extraviados" (vide aqui).
Published on June 04, 2016 16:44
May 18, 2016
boris schnaiderman
na data de hoje faleceu boris schnaiderman. reproduzo a excelente síntese feita por paulo werneck (aqui).
Tradutor do russo Boris Schnaiderman morre em São Paulo aos 99 anosEduardo Anizelli/Folhapress
Boris Schnaiderman em seu apartamento em São PauloPAULO WERNECK
ESPECIAL PARA A FOLHA18/05/2016 20h34Compartilhar77Mais opçõesPUBLICIDADEO escritor e tradutor Boris Schnaiderman morreu, na noite desta quarta-feira (18), no Hospital Samaritano, aos 99 anos. Ele estava internado desde a semana passada e passou por uma operação no fêmur. O intelectual acabou desenvolvendo uma pneumonia e não resistiu.
A informação foi confirmada à Folha por sua mulher, Jerusa Pires Ferreira. O tradutor havia feito aniversário na terça (17).
Assim como Paulo Rónai, Anatol Rosenfeld e Otto Maria Carpeaux, estrangeiros que estenderam pontes entre a literatura europeia e a cultura brasileira, Schnaiderman é considerado por seus pares e por estudiosos o pai fundador da tradução de ficção russa no Brasil, responsável pela edição pioneira de autores clássicos e de vanguarda, de Dostoievski e Tolstói a Maiakóvski e Guenádi Aigui.
Certa vez, durante a campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália, na qual serviu como sargento, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), um capitão o interpelou:
"Mas vem cá, você é russo e quer ir para uma guerra que é de brasileiros. Que estranho!"
Schnaiderman rebateu: "Não, a guerra não é só de brasileiros". E emendou: "Além disso, eu sou brasileiro".
Nascido em Úman, na Ucrânia, no mesmo ano de 1917 que viu surgir a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Boris Schnaiderman inscreveu seu nome na cultura brasileira como um dos maiores tradutores literários que o país já conheceu.
Os Schnaiderman deixaram Úman quando o pequeno Boris tinha apenas um ano, fugindo dos pogroms (massacres de judeus) que assolavam a região. Passariam oito anos em Odessa, vivendo em um meio cultural basicamente russo, até dezembro de 1925, quando embarcaram para o Rio. Ele só voltaria para a Rússia homem feito, quarenta anos depois, em 1965.
"Meu pai era comerciante, então é claro que para ele foi mais difícil a adaptação à vida nos níveis soviéticos", contaria Boris em uma entrevista. "No período da NEP, da Nova Política Econômica, ele pôde desenvolver lá certa atividade de comércio. Quando a NEP foi posta de lado, as coisas foram ficando mais difíceis, mas ele conseguiu sair com autorização, com passaporte."
Das poucas lembranças de infância está o curioso corre-corre a que certa vez assistiu numa enorme escadaria: futuramente ele saberia que eram as filmagens da cena da escadaria de Odessa, uma das mais marcantes de "O Encouraçado Potemkin", de Sergei Eisenstein.
Em dezembro de 1925, a família desembarcou no Rio e não demorou a rumar para São Paulo. "No Brasil, meu pai continuou a trabalhar como comerciante, mas com muitas dificuldades." A pressão econômica logo recaiu sobre o jovem Boris. "Faziam questão que eu tivesse um título, algum curso superior. Insistiam em agronomia e eu queria literatura."
Os pais venceram. Aos 17, em 1934, ele se mudou com os pais para o Rio, onde foi estudar e conheceu a xenofobia da era varguista. "Minhas lembranças são péssimas... Nessa época o Brasil vivia sob um regime autoritário que tinha muita desconfiança em relação ao estrangeiro", recordaria ele em um depoimento.
Por causa de um cunhado que estava sendo investigado, chegou a ser detido e teve até seus cadernos de estudos confiscados. "A polícia política invadiu minha casa", recordaria. "Eu estava voltando da aula e quando cheguei encontrei homens sem paletó... Naquele tempo ficar sem paletó era o cúmulo da intimidade!"
A condição de estrangeiro também dificultava a vida profissional de Boris. Sem a naturalização, não podia atuar como engenheiro agrônomo nem mesmo com o diploma que obteve em 1940, na Escola Nacional de Agronomia, no Rio. "A naturalização era difícil para quem era nascido na Ucrânia, União Soviética", recordaria em entrevista. Na mesma época, a escritora
Clarice Lispector, também nascida na Ucrânia, enfrentou dificuldades semelhantes para obter a cidadania brasileira e só conseguiu após escrever uma corajosa carta ao presidente Getúlio Vargas.
GUERRA
Boris enfim naturalizou-se em 1941, mas só poderia exercer a profissão de agrônomo antes se fizesse o serviço militar, no qual só poderia ser admitido como praça: o CPOR, que formava os oficiais, era para os brasileiros natos.
Arquivo Pessoal Boris Schnaiderman
Boris Schnaiderman aos 28 anos, dois dias depois do fim da 2ª Guerra, em 1945A perspectiva de ir para o front o atraía: "Tinha vontade de ir para a guerra, mas ao mesmo tempo tinha muito medo da minha família...". Em vez de comunicar o seu desejo aos pais, fez um curso preparatório para sargento: "Era inevitável que iria ser convocado. Sabia que iria ser".
O sargento Boris Schnaiderman foi convocado às vésperas do primeiro embarque das tropas brasileiras para a Europa, em julho de 1944. Participaria da guerra até a ofensiva final, em abril de 1945. "Quando nós entramos no Norte da Itália... aí foi uma glória! A população nos recebeu de braços abertos, jogavam flores, abraçando a gente", recordaria anos depois.
Ainda que enfrentasse chumbo grosso no front de Castelo ("ali passei algumas semanas diante de uma ponte que era constantemente bombardeada"), Boris encontrava tempo para a leitura nos tempos mortos das batalhas. "Ler, eu lia, pois era uma guerra em que não se ficava o tempo todo ocupado com a luta. Como era calculador de tiro, fazia os cálculos que me pediam e nos intervalos lia romances."
Em entrevista à revista Shalom, nos anos 1980, o ex-controlador de tiro Boris Schnaiderman recordaria o despreparo dos brasileiros no front:
"Tínhamos aprendido o que se chamava de artilharia de montanha, ou seja, o canhão era desmontado e colocado no lombo do burro. Era um canhão de 75 mm, da tradição francesa da Primeira Guerra Mundial. Só quando fui enviado à guerra, fomos trabalhar com canhões de 105 mm, modelo americano, que dispensava o lombo de burro - era puxado por um caminhão."
A experiência da guerra ficou registrada em "Guerra em Surdina", narrativa autobiográfica publicada em 1964 - e reeditada pela Cosac Naify em 2004 -, um dos principais testemunhos sobre a campanha da FEB na Itália.
TRADUÇÃO
Pouco antes da convocação, em 1943, Boris Schaniderman ofereceu a diversos editores uma tradução de "Os Irmãos Karamázov", de Fiódor Dostoiévski, que acabou sendo publicada pela Vecchi, sob o pseudônimo Boris Solomonov, derivado de Solomonovitch, seu patronímico - nome que indica o nome do pai dos cidadãos russos. Boris conta que trabalhava praticamente sozinho: "Eu queria me realizar intelectualmente, mas não tinha contatos nessa época".
O Dostoievski de Boris fundou uma nova era na tradução de literatura russa no Brasil. Bastante difundida nos meios cultos do país, a ficção russa ainda chegava a partir de traduções francesas ou inglesas que, por amadorismo ou desejo de embelezar as rudezas da prosa eslava, invariavelmente deturpavam os originais.
Boris acabaria renegando essa e outras traduções publicadas na juventude, ainda que, quase seis décadas depois, elas ainda recebessem elogios de tradutores tarimbados como Paulo Bezerra, que traduziu Karamázov em 2008. Os "Karamázov" de Solomonov ainda deram prova de resistência ao serem plagiados pela editora Martin Claret, num caso denunciado pela tradutora e pesquisadora Denise Bottman.
"Essas primeiras traduções eram ruins, ruins mesmo, não é modéstia, e foram assinadas com pseudônimo", diria Boris, décadas mais tarde. "Meu nome foi publicado pela primeira vez em uma antologia de contos de Tchekhov, em 1959."
Nos anos 1950, Boris teve seu primeiro encontro intelectual decisivo: formou um grupo de amigos que se reunia às segundas-feiras na casa do casal de editores Guita e Jacó Guinsburg, para discutir e estudar filosofia, estética, literatura e psicanálise.
Naqueles encontros, articulados em torno do crítico alemão Anatol Rosenfeld, ao longo de vinte anos formou-se uma importante geração de psicanalistas, filósofos e críticos de artes, como Isaías Melsohn, Regina Schnaiderman (com quem se casou em 1949, mãe de seus filhos Carlos e Miriam), Roberto Schwarz e Sábato Magaldi, entre outros.
USP
A essa altura, o autodidata Boris já escrevia artigos sobre literatura russa para o suplemento literário de O Estado de S. Paulo, então dirigido pelo crítico de teatro Decio de Almeida Prado. O convite para abrir um curso livre de russo na Universidade de São Paulo, em 1960, ajudou-o a pôr os dois pés na vida intelectual, abandonando o emprego na Escola Agrotécnica de Barbacena (MG), do Ministério da Agricultura, onde trabalhou de 1948 a 1953.
Não demorou para que o curso de literatura e língua russas fosse oficialmente incorporado pela USP, onde Boris daria aulas até 1979, quando se aposentou. Em 2001, tornou-se professor emérito. "Hoje, há uma onda antiuniversitária, mas a universidade é um lugar onde há pessoas interessantes fazendo coisas interessantes", diria ele em entrevista.
Nesse período de fértil atuação como tradutor e formador de estudiosos da cultura russa, Anatol Rosenfeld apresentou Boris a Haroldo e Augusto de Campos, poetas que se aventuravam na tradução de poemas da vanguarda russa ainda absolutamente desconhecidos no Brasil. Era o segundo dos três encontros intelectuais fundamentais em sua vida - o terceiro seria sua união com a professora de literatura e semiótica Jerusa Pires Ferreira.
Boris, que tinha guardado alguns recortes sobre um desses poetas, Vladimir Maiakóvski, passou a dar aulas para Haroldo e mais tarde para seu irmão Augusto de Campos. Os três logo iniciaram uma parceria que Augusto qualificaria como "trabalho laboratorial em torno da poesia russa": os dois irmãos levavam a Boris alguns poemas que traduziam com os recursos que tinham à mão; Boris esclarecia dúvidas, corrigia e às vezes produzia traduções literais, em prosa, para serem retrabalhadas pelos criadores da poesia concreta. Às vezes, gostava de assinalar, quase não mexia nas traduções.
As ousadias da poesia russa de vanguarda pareciam se encaixar à perfeição no projeto estético dos irmãos Campos, para os quais não haveria revolução sem formas revolucionárias, como rezava a lição de Maiakóvski. Já Boris pareceu encontrar no concretismo uma porta aberta para uma renovação em seu repertório estético: "De um modo geral, minha formação literária era muito tradicional", diria ele. "Foi justamente em fins da década de 1950 e início da década de 1960 que eu posso dizer que me modernizei literariamente, mesmo em termos de poesia brasileira."
Da parceria com os irmãos Campos surgiram livros que fizeram a cabeça de mais de uma geração de leitores: Poemas, de Maiakóvski (1967) e Poesia russa moderna (1968). Ambos tiveram sucessivas reedições, como novos poemas incorporados, e atualmente estão disponíveis pela editora Perspectiva.
Do laboratório dos Campos e Boris ainda saíram importantes estudos literários, como A poética de Maikóvski através de sua prosa, que Boris lançou em 1971, ensaio que ele retrabalharia e relançaria no final da vida. Crítica, poesia e tradução eram uma coisa só, em permanente articulação e alimentando-se uma da outra. As mais de vinte traduções que publicaria, sempre produzindo ensaios críticos em paralelo, lhe renderiam em 2003 o Prêmio de Tradução da Academia Brasileira de Letras, concedido pela primeira vez naquele ano.
As viagens à União Soviética, a partir de 1965, permitiam-lhe fazer pesquisas e estabelecer vínculos com a intelectualidade moscovita. Sem nunca ter vivido na URSS - e tendo mantido, quase sempre, certa distância ideológica do modelo soviético –, Boris produziu um belo livro sobre a queda do regime comunista, nos anos 1990, em "Os escombros e o mito - A cultura e o fim da União Soviética."
Boris relata o assombro com que ele e seus companheiros de geração tomaram conhecimento de galpões repletos de obras censuradas nos tempos do stalinismo - chegavam-se a revelar a quase dez obras inéditos de alguns de seus autores prediletos, o que reconfigurou uma das principais constelações literárias do século 20. O livro funciona como uma espécie de guia de leitura da literatura russa e uma narrativa da impressionante vida intelectual sob o stalinismo.
O reconhecimento em solo russo veio em 2007, quando recebeu do governo a Medalha Púshkin.
Até o final da vida Boris Schnaiderman trouxe sua experiência pessoal para o centro de sua produção intelectual. Tradução, ato desmedido, publicado em 2011, condensa setenta anos de produção em ensaios que constituem sua profissão de fé como tradutor e percorrem os principais autores que traduziu. Com o livro publicado, passou a trabalhar em uma autobiografia.
Tradutor do russo Boris Schnaiderman morre em São Paulo aos 99 anosEduardo Anizelli/Folhapress
Boris Schnaiderman em seu apartamento em São PauloPAULO WERNECKESPECIAL PARA A FOLHA18/05/2016 20h34Compartilhar77Mais opçõesPUBLICIDADEO escritor e tradutor Boris Schnaiderman morreu, na noite desta quarta-feira (18), no Hospital Samaritano, aos 99 anos. Ele estava internado desde a semana passada e passou por uma operação no fêmur. O intelectual acabou desenvolvendo uma pneumonia e não resistiu.
A informação foi confirmada à Folha por sua mulher, Jerusa Pires Ferreira. O tradutor havia feito aniversário na terça (17).
Assim como Paulo Rónai, Anatol Rosenfeld e Otto Maria Carpeaux, estrangeiros que estenderam pontes entre a literatura europeia e a cultura brasileira, Schnaiderman é considerado por seus pares e por estudiosos o pai fundador da tradução de ficção russa no Brasil, responsável pela edição pioneira de autores clássicos e de vanguarda, de Dostoievski e Tolstói a Maiakóvski e Guenádi Aigui.
Certa vez, durante a campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália, na qual serviu como sargento, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), um capitão o interpelou:
"Mas vem cá, você é russo e quer ir para uma guerra que é de brasileiros. Que estranho!"
Schnaiderman rebateu: "Não, a guerra não é só de brasileiros". E emendou: "Além disso, eu sou brasileiro".
Nascido em Úman, na Ucrânia, no mesmo ano de 1917 que viu surgir a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Boris Schnaiderman inscreveu seu nome na cultura brasileira como um dos maiores tradutores literários que o país já conheceu.
Os Schnaiderman deixaram Úman quando o pequeno Boris tinha apenas um ano, fugindo dos pogroms (massacres de judeus) que assolavam a região. Passariam oito anos em Odessa, vivendo em um meio cultural basicamente russo, até dezembro de 1925, quando embarcaram para o Rio. Ele só voltaria para a Rússia homem feito, quarenta anos depois, em 1965.
"Meu pai era comerciante, então é claro que para ele foi mais difícil a adaptação à vida nos níveis soviéticos", contaria Boris em uma entrevista. "No período da NEP, da Nova Política Econômica, ele pôde desenvolver lá certa atividade de comércio. Quando a NEP foi posta de lado, as coisas foram ficando mais difíceis, mas ele conseguiu sair com autorização, com passaporte."
Das poucas lembranças de infância está o curioso corre-corre a que certa vez assistiu numa enorme escadaria: futuramente ele saberia que eram as filmagens da cena da escadaria de Odessa, uma das mais marcantes de "O Encouraçado Potemkin", de Sergei Eisenstein.
Em dezembro de 1925, a família desembarcou no Rio e não demorou a rumar para São Paulo. "No Brasil, meu pai continuou a trabalhar como comerciante, mas com muitas dificuldades." A pressão econômica logo recaiu sobre o jovem Boris. "Faziam questão que eu tivesse um título, algum curso superior. Insistiam em agronomia e eu queria literatura."
Os pais venceram. Aos 17, em 1934, ele se mudou com os pais para o Rio, onde foi estudar e conheceu a xenofobia da era varguista. "Minhas lembranças são péssimas... Nessa época o Brasil vivia sob um regime autoritário que tinha muita desconfiança em relação ao estrangeiro", recordaria ele em um depoimento.
Por causa de um cunhado que estava sendo investigado, chegou a ser detido e teve até seus cadernos de estudos confiscados. "A polícia política invadiu minha casa", recordaria. "Eu estava voltando da aula e quando cheguei encontrei homens sem paletó... Naquele tempo ficar sem paletó era o cúmulo da intimidade!"
A condição de estrangeiro também dificultava a vida profissional de Boris. Sem a naturalização, não podia atuar como engenheiro agrônomo nem mesmo com o diploma que obteve em 1940, na Escola Nacional de Agronomia, no Rio. "A naturalização era difícil para quem era nascido na Ucrânia, União Soviética", recordaria em entrevista. Na mesma época, a escritora
Clarice Lispector, também nascida na Ucrânia, enfrentou dificuldades semelhantes para obter a cidadania brasileira e só conseguiu após escrever uma corajosa carta ao presidente Getúlio Vargas.
GUERRA
Boris enfim naturalizou-se em 1941, mas só poderia exercer a profissão de agrônomo antes se fizesse o serviço militar, no qual só poderia ser admitido como praça: o CPOR, que formava os oficiais, era para os brasileiros natos.
Arquivo Pessoal Boris Schnaiderman
Boris Schnaiderman aos 28 anos, dois dias depois do fim da 2ª Guerra, em 1945A perspectiva de ir para o front o atraía: "Tinha vontade de ir para a guerra, mas ao mesmo tempo tinha muito medo da minha família...". Em vez de comunicar o seu desejo aos pais, fez um curso preparatório para sargento: "Era inevitável que iria ser convocado. Sabia que iria ser".O sargento Boris Schnaiderman foi convocado às vésperas do primeiro embarque das tropas brasileiras para a Europa, em julho de 1944. Participaria da guerra até a ofensiva final, em abril de 1945. "Quando nós entramos no Norte da Itália... aí foi uma glória! A população nos recebeu de braços abertos, jogavam flores, abraçando a gente", recordaria anos depois.
Ainda que enfrentasse chumbo grosso no front de Castelo ("ali passei algumas semanas diante de uma ponte que era constantemente bombardeada"), Boris encontrava tempo para a leitura nos tempos mortos das batalhas. "Ler, eu lia, pois era uma guerra em que não se ficava o tempo todo ocupado com a luta. Como era calculador de tiro, fazia os cálculos que me pediam e nos intervalos lia romances."
Em entrevista à revista Shalom, nos anos 1980, o ex-controlador de tiro Boris Schnaiderman recordaria o despreparo dos brasileiros no front:
"Tínhamos aprendido o que se chamava de artilharia de montanha, ou seja, o canhão era desmontado e colocado no lombo do burro. Era um canhão de 75 mm, da tradição francesa da Primeira Guerra Mundial. Só quando fui enviado à guerra, fomos trabalhar com canhões de 105 mm, modelo americano, que dispensava o lombo de burro - era puxado por um caminhão."
A experiência da guerra ficou registrada em "Guerra em Surdina", narrativa autobiográfica publicada em 1964 - e reeditada pela Cosac Naify em 2004 -, um dos principais testemunhos sobre a campanha da FEB na Itália.
TRADUÇÃO
Pouco antes da convocação, em 1943, Boris Schaniderman ofereceu a diversos editores uma tradução de "Os Irmãos Karamázov", de Fiódor Dostoiévski, que acabou sendo publicada pela Vecchi, sob o pseudônimo Boris Solomonov, derivado de Solomonovitch, seu patronímico - nome que indica o nome do pai dos cidadãos russos. Boris conta que trabalhava praticamente sozinho: "Eu queria me realizar intelectualmente, mas não tinha contatos nessa época".
O Dostoievski de Boris fundou uma nova era na tradução de literatura russa no Brasil. Bastante difundida nos meios cultos do país, a ficção russa ainda chegava a partir de traduções francesas ou inglesas que, por amadorismo ou desejo de embelezar as rudezas da prosa eslava, invariavelmente deturpavam os originais.
Boris acabaria renegando essa e outras traduções publicadas na juventude, ainda que, quase seis décadas depois, elas ainda recebessem elogios de tradutores tarimbados como Paulo Bezerra, que traduziu Karamázov em 2008. Os "Karamázov" de Solomonov ainda deram prova de resistência ao serem plagiados pela editora Martin Claret, num caso denunciado pela tradutora e pesquisadora Denise Bottman.
"Essas primeiras traduções eram ruins, ruins mesmo, não é modéstia, e foram assinadas com pseudônimo", diria Boris, décadas mais tarde. "Meu nome foi publicado pela primeira vez em uma antologia de contos de Tchekhov, em 1959."
Nos anos 1950, Boris teve seu primeiro encontro intelectual decisivo: formou um grupo de amigos que se reunia às segundas-feiras na casa do casal de editores Guita e Jacó Guinsburg, para discutir e estudar filosofia, estética, literatura e psicanálise.
Naqueles encontros, articulados em torno do crítico alemão Anatol Rosenfeld, ao longo de vinte anos formou-se uma importante geração de psicanalistas, filósofos e críticos de artes, como Isaías Melsohn, Regina Schnaiderman (com quem se casou em 1949, mãe de seus filhos Carlos e Miriam), Roberto Schwarz e Sábato Magaldi, entre outros.
USP
A essa altura, o autodidata Boris já escrevia artigos sobre literatura russa para o suplemento literário de O Estado de S. Paulo, então dirigido pelo crítico de teatro Decio de Almeida Prado. O convite para abrir um curso livre de russo na Universidade de São Paulo, em 1960, ajudou-o a pôr os dois pés na vida intelectual, abandonando o emprego na Escola Agrotécnica de Barbacena (MG), do Ministério da Agricultura, onde trabalhou de 1948 a 1953.
Não demorou para que o curso de literatura e língua russas fosse oficialmente incorporado pela USP, onde Boris daria aulas até 1979, quando se aposentou. Em 2001, tornou-se professor emérito. "Hoje, há uma onda antiuniversitária, mas a universidade é um lugar onde há pessoas interessantes fazendo coisas interessantes", diria ele em entrevista.
Nesse período de fértil atuação como tradutor e formador de estudiosos da cultura russa, Anatol Rosenfeld apresentou Boris a Haroldo e Augusto de Campos, poetas que se aventuravam na tradução de poemas da vanguarda russa ainda absolutamente desconhecidos no Brasil. Era o segundo dos três encontros intelectuais fundamentais em sua vida - o terceiro seria sua união com a professora de literatura e semiótica Jerusa Pires Ferreira.
Boris, que tinha guardado alguns recortes sobre um desses poetas, Vladimir Maiakóvski, passou a dar aulas para Haroldo e mais tarde para seu irmão Augusto de Campos. Os três logo iniciaram uma parceria que Augusto qualificaria como "trabalho laboratorial em torno da poesia russa": os dois irmãos levavam a Boris alguns poemas que traduziam com os recursos que tinham à mão; Boris esclarecia dúvidas, corrigia e às vezes produzia traduções literais, em prosa, para serem retrabalhadas pelos criadores da poesia concreta. Às vezes, gostava de assinalar, quase não mexia nas traduções.
As ousadias da poesia russa de vanguarda pareciam se encaixar à perfeição no projeto estético dos irmãos Campos, para os quais não haveria revolução sem formas revolucionárias, como rezava a lição de Maiakóvski. Já Boris pareceu encontrar no concretismo uma porta aberta para uma renovação em seu repertório estético: "De um modo geral, minha formação literária era muito tradicional", diria ele. "Foi justamente em fins da década de 1950 e início da década de 1960 que eu posso dizer que me modernizei literariamente, mesmo em termos de poesia brasileira."
Da parceria com os irmãos Campos surgiram livros que fizeram a cabeça de mais de uma geração de leitores: Poemas, de Maiakóvski (1967) e Poesia russa moderna (1968). Ambos tiveram sucessivas reedições, como novos poemas incorporados, e atualmente estão disponíveis pela editora Perspectiva.
Do laboratório dos Campos e Boris ainda saíram importantes estudos literários, como A poética de Maikóvski através de sua prosa, que Boris lançou em 1971, ensaio que ele retrabalharia e relançaria no final da vida. Crítica, poesia e tradução eram uma coisa só, em permanente articulação e alimentando-se uma da outra. As mais de vinte traduções que publicaria, sempre produzindo ensaios críticos em paralelo, lhe renderiam em 2003 o Prêmio de Tradução da Academia Brasileira de Letras, concedido pela primeira vez naquele ano.
As viagens à União Soviética, a partir de 1965, permitiam-lhe fazer pesquisas e estabelecer vínculos com a intelectualidade moscovita. Sem nunca ter vivido na URSS - e tendo mantido, quase sempre, certa distância ideológica do modelo soviético –, Boris produziu um belo livro sobre a queda do regime comunista, nos anos 1990, em "Os escombros e o mito - A cultura e o fim da União Soviética."
Boris relata o assombro com que ele e seus companheiros de geração tomaram conhecimento de galpões repletos de obras censuradas nos tempos do stalinismo - chegavam-se a revelar a quase dez obras inéditos de alguns de seus autores prediletos, o que reconfigurou uma das principais constelações literárias do século 20. O livro funciona como uma espécie de guia de leitura da literatura russa e uma narrativa da impressionante vida intelectual sob o stalinismo.
O reconhecimento em solo russo veio em 2007, quando recebeu do governo a Medalha Púshkin.
Até o final da vida Boris Schnaiderman trouxe sua experiência pessoal para o centro de sua produção intelectual. Tradução, ato desmedido, publicado em 2011, condensa setenta anos de produção em ensaios que constituem sua profissão de fé como tradutor e percorrem os principais autores que traduziu. Com o livro publicado, passou a trabalhar em uma autobiografia.
Published on May 18, 2016 17:10
May 17, 2016
prêmio abl de tradução
uma triste notícia é a extinção dos prêmios anuais da academia brasileira de letras para diversas categorias e a manutenção apenas do prêmio machado de assis, pelo conjunto da obra.
com isso, a tradução perde mais uma instância de reconhecimento do ofício.
com isso, a tradução perde mais uma instância de reconhecimento do ofício.
Published on May 17, 2016 14:28
May 13, 2016
recomendação
magnífico o trabalho de lucila bassan zorzato, a presença da literatura infantojuvenil alemã no brasil, 2014, com vasto levantamento das traduções desse segmento publicadas no brasil entre 1832 e 2005, disponível aqui. agradeço a elfi kürten fenske pela dica preciosa.
Published on May 13, 2016 19:19
May 9, 2016
Coleção Rubaiyát, II
Cito agora uma ocorrência curiosa: na listagem dos títulos publicados pela coleção que vem ao final de cada volume (aliás, no início essa listagem vinha no começo), consta entre eles Carlos Drummond de Andrade, com Poesia Errante, que enfeixaria poemas de diversos autores traduzidos por ele. É o que se pode constatar, por exemplo, na listagem presente em O livro dos provérbios (1950) ou em O Gitanjali (5a. ed., 1950), o quarto título contando de baixo para cima, na segunda página da listagem reproduzida acima:
Ocorre que a José Olympio jamais lançou essa Poesia Errante contendo as traduções de Drummond. Lembra Júlio Castañon Guimarães, em sua introdução ao volume publicado pela Cosac Naify - este sim - com a Poesia traduzida de Carlos Drummond de Andrade, que ainda em 29 de janeiro de 1955 o jornal carioca Tribuna da Imprensa noticiava a intenção da editora:
A Livraria José Olympio vai editar as traduções de poemas estrangeiros feitas por Manuel Bandeira, objeto de um lançamento há quase dez anos, sob o título de Poemas Traduzidos. [...] A mesma livraria anuncia também os poemas traduzidos de Carlos Drummond de Andrade, intitulado Poesia Errante.
Com efeito, a José Olympio publicou em 1956, pela Coleção Rubaiyát, o volume de Bandeira, mas não o de Drummond. Fica o alerta de que a listagem de títulos constante nos vários volumes da coleção nem sempre correspondia ao que já fora efetivamente publicado e, pelo menos neste caso, nem veio a sair. De todo modo, como mostra a publicação da Poesia Traduzida de Bandeira, é interessante notar que o destaque da obra é dada sobretudo a ele e a seu trabalho de tradução poética.
Outro exemplo, embora de menor importância, é o subtítulo de Cancioneiro do Amor, obra em dois volumes organizados por Wilson Lousada: na listagem consta (As mais belas poesias da literatura brasileira), ao passo que os exemplares impressos trazem Os mais belos versos da poesia brasileira.
Outra ocorrência similar se refere ao subtítulo da Nietzschiana com seleção e tradução de Alberto Ramos: (Antologia de toda a obra de Nietzsche) na listagem; Textos escolhidos na obra do autor de "Assim Falou Zaratustra" nos volumes impressos.
Veja Coleção Rubaiyát, aqui.
Published on May 09, 2016 14:13
May 8, 2016
Coleção Rubaiyát
A editora José Olympio manteve durante um tempo uma coleçãozinha que era um mimo, a Rubaiyát, em formato in-16, impressa em papel bouffon e belamente ilustrada ou com graciosas vinhetas, em capa dura, com a lombada em couro marroquim se estendendo por três centímetros na frente e no verso da capa, com letras e vinhetas douradas.
A coleção se estendeu por quase vinte anos (de 1942 a 1961), e lançou 46 títulos num total de 49 volumes, embora de maneira um tanto salteada. Às vezes passavam-se dois ou três anos sem sair nada, depois vinham uns três ou quatro lançamentos; às vezes também apenas relançavam títulos que já tinham saído alguns anos antes pela própria editora ou por outras, e assim por diante.
O catálogo era bem variado, mas com certo predomínio da chamada “poesia oriental”, como, aliás, vem indicado no próprio nome da coleção. Na verdade, a José Olympio já vinha mantendo uma iniciativa um tanto esporádica, chamada “Série de Poemas Orientais”, pela qual saíram sete títulos entre 1938 e 1942. Tenho para mim que a Coleção Rubaiyát foi uma espécie de formalização dessa série como um projeto editorial mais consistente. Nessa linha de perfil mais oriental, ela publicou várias coisas de Tagore, Saadi, Hafiz etc. Outra linha na coleção que também se destacava, em menor escala, baseava-se em textos bíblicos, em particular do Antigo Testamento: Jó, Eclesiastes, livros atribuídos a Salomão etc.
Mas a Coleção Rubaiyát trouxe também várias coisas inéditas - entre elas destaca-se O vento da noite, livro de poemas de Emily Brontë, em tradução de Lúcio Cardoso. Aliás, o time de tradutores da Rubaiyát não deixava nada a desejar: além de Lúcio Cardoso, havia também Manuel Bandeira, Octavio Tarquínio de Souza, Guilherme de Almeida, Lúcia Miguel-Pereira, Abgar Renault, Geir Campos, Aurélio Buarque de Hollanda, Oswaldino Marques, Adalgisa Nery e outros.
Seguem abaixo os títulos publicados na coleção e várias imagens de capa. Os sete títulos publicados antes na Série de Poemas Orientais trazem esse dado especificado entre colchetes, bem como o ano inicial de sua publicação.
· Aires, Matias. Reflexões sobre a Vaidade dos Homens. 1953
· Almeida, Guilherme de. Camoniana. 1956
· Amaru. Poemas de Amor. Trad. Aurélio Buarque de Hollanda, 1949
· Anônimo. Nalá e Damayanti. Trad. Luís Jardim, 1944
· As Palavras do Buddha. Trad. Guilherme de Almeida, 1948
· Bandeira, Manuel. Poemas Traduzidos. Traduções de Bandeira de vários autores, 1956 [R.A. Editora, 1945]
· Baudelaire, Charles. Flores das “Flores do Mal” de Charles Baudelaire. Trad. Guilherme de Almeida, 1944 [extra-coleção]
· Baudelaire, Charles. Pequenos Poemas em Prosa. Trad. Aurélio Buarque de Hollanda, 1950
· Brontë, Emily. O Vento da Noite. Trad. Lúcio Cardoso, 1944
· Descartes, René. Discurso do Método. Trad. João Cruz Costa, 1960
· Eclesiastes, atribuído a Salomão. Trad. Pe. António Pereira de Figueiredo, 1950
· Hafiz e Saadi. Vinho, Vida e Amor. Trad. Aurélio Buarque de Hollanda, 1946
· Hafiz, Al-Din M. Os Gazéis de Hafiz. Trad. Aurélio Buarque de Hollanda, 1944
· Herold, A. Ferdinand. A Grinalda de Afrodite – Epigramas amorosos da antologia grega. Trad. Valdemar Cavalcanti, 1949
· Kalidasa, A Ronda das Estações. Trad. Lúcio Cardoso, 1944
· Kháyyám, Omar. Rubáiyát. Trad. Octavio Tarquinio de Souza, 1942 [Imprensa Nacional, 1928; passou para a JO em 1935; Série de Poemas Orientais, 1938]
· Lousada, Wilson (org.). Cancioneiro do Amor (Os mais belos versos da poesia brasileira). 2 vols, sendo I. Árcades, Românticos, Parnasianos; II. Simbolistas e Contemporâneos. 1950
· Louys, Pierre. O Amor de Bilitis (Algumas Canções). Trad. Guilherme de Almeida, 1943
· Marco Aurélio. Meditações. Trad. Lúcia Miguel-Pereira, 1957
· Mello, Thiago de. A Lenda da Rosa. 1955
· Montaigne, Michel de. Seleta dos Ensaios (3 vols.). Trad. J. M. Toledo Malta, 1961
· Nietzsche, Friedrich. Nietzschiana. Trad. Alberto Ramos, 1949
· O Cântico dos Cânticos, atribuído a Salomão. Trad. Augusto Frederico Schmidt, 1949. [Série de Poemas Orientais, 1938]
· O Livro da Sabedoria [atribuído a Salomão]. Trad. Pe. António Pereira de Figueiredo, 1952
· O Livro de Job. Trad. Lúcio Cardoso, 1943
· O Livro dos Provérbios, atribuído a Salomão. Trad. Pe. António Pereira de Figueiredo, 1950
· Odes Anacreônticas. Trad. Jamil Almansur Haddad, 1952
· Petrarca, Francesco. O Cancioneiro de Petrarca. Trad. Jamil Almansur Haddad, 1945
· Rilke, Rainer M. Poemas de Rainer Maria Rilke. Trad. Geir Campos, 1953
· Shirazi, Saadi. O Jardim das Rosas. Trad. Aurélio Buarque de Hollanda, 1952
· Livro dos salmos, ou Saltério . Trad. Pe. António Pereira de Figueiredo, 1955
· Sermão da Montanha. Trad. Frei João José P. de Castro, 1956
· Shakespeare, William. A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca. Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos, 1955
· Shakespeare, William. Macbeth. Trad. Manuel Bandeira, 1961
· Stendhal. Do Amor (Trechos). Trad. Wilson Lousada, 1958
· Tagore, Rabindranath. A Lua Crescente. Trad. Abgar Renault, 1950 [Série de Poemas Orientais, 1942]
· Tagore, Rabindranath. Colheita de Frutos. Trad. Abgar Renault, 1952
· Tagore, Rabindranath. O Gitanjali. Trad. Guilherme de Almeida, 1943 [Série de Poemas Orientais, 1939]
· Tagore, Rabindranath. O Jardineiro. Trad. Guilherme de Almeida, 1943 [Série de Poemas Orientais, 1939]
· Tagore, Rabindranath. Pássaros Perdidos. Trad. Abgar Renault, 1952
· Touissant, Franz. As Pombas dos Minaretes. Trad. Aurélio Buarque de Hollanda, 1945
· Toussaint, Franz. A Flauta de Jade (Poesias Chinesas). Trad. Mauro de Freitas, 1949 [1942, Série de Poemas Orientais]
· Toussaint, Franz. O Jardim das Carícias. Trad. Adalgisa Nery, 1950 [Série de Poemas Orientais, 1938]
· Whitman, Walt. Cantos de Walt Whitman. Trad. Oswaldino Marques, 1946
· Wilde, Oscar. Salomé. Trad. Dante Costa, 1952
· Yutang, Lin. A Sabedoria de Confúcio. Trad. Geir Campos, 1958
Cito rapidamente uma ocorrência curiosa: na listagem dos títulos publicados pela coleção, que
vem ao final de cada volume (aliás, no início essa listagem vinha no começo), consta entre eles
Carlos Drummond de Andrade, com Poesia Errante, que enfeixaria poemas de diversos
autores traduzidos por ele. É o que se pode constatar, por exemplo, em O livro dos provérbios
(1950) e em O Gitanjali (5a. ed., 1950). Ocorre que essa Poesia errante de Drummond jamais
saiu. Lembra Júlio Castañon Guimarães, em sua introdução ao volume - este sim - com a Poesia
traduzida de Carlos Drummond de Andrade, que ainda em 29 de janeiro de 1955 o jornal carioca
Tribuna da Imprensa noticiava a intenção da editora:
A Livraria José Olympio vai editar as traduções de poemas estrangeiros feitas por Manuel Bandeira, objeto de um lançamento há quase dez anos, sob o título de Poemas traduzidos. [...] A mesma livraria anuncia também os poemas traduzidos de Carlos Drummond de Andrade, intitulado Poesia Errante.Com efeito, o volume de Manuel Bandeira saiu em 1956, mas não o de Drummond. Fica o alerta
de que a listagem de títulos constante nos vários volumes da coleção nem sempre correspondia
ao que já fora efetivamente publicado e, pelo menos neste caso, nem veio a sair. De todo modo,
como mostra a publicação da Poesia traduzida de Bandeira, é interessante notar que o destaque
da obra é dada sobretudo a ele e a seu trabalho de tradução poética.
Sobre o Rubaiyát no Brasil, veja aqui
Sobre Emily Brontë no Brasil, veja aqui
Sobre Walt Whitman no Brasil, veja aqui
Sobre Baudelaire no Brasil, veja aqui
Sobre Nietzsche no Brasil, veja aqui
Sobre Shakespeare no Brasil, veja aqui
Sobre Rilke no Brasil, veja aqui
Sobre Lúcio Cardoso tradutor, veja aqui
Sobre Manuel Bandeira tradutor, veja aqui
obs.: a ideia para esse post me surgiu a partir de um levantamento inicial disponível aqui.
Published on May 08, 2016 17:23
April 30, 2016
emerson, levantamento atualizado
Ralph Waldo Emerson (1803-1882)
Anos 1930
1. O mestre do transcendentalismo americano chegou ao Brasil com sete palestras que havia apresentado entre 1845 e 1847, e que saíram em livro em 1850 enfeixadas sob o título de Representative Men. Esses ensaios eram: "Uses of Great Men"; "Plato; or, the Philosopher"; "Swedenborg; or, the Mystic"; "Montaigne; or, the Skeptic"; "Shakspeare; or, the Poet"; "Napoleon; or, the Man of the World"; "Goethe; or, the Writer".
Esse volume surgiu inicialmente entre nós com o nome de Os super-homens. Foi lançado pela Cultura Moderna, efêmera editora paulista (1934-1938) criada pelo jornalista, escritor e tradutor Galeão Coutinho, numa edição sem data, que calculo por volta de 1936. [Note-se que o ensaio inicial, "Uses of Great Men", não consta na listagem da página de rosto. Não consultei fisicamente o exemplar; é provável que o texto venha como ensaio introdutório.]
Como se vê acima, trata-se de uma edição revista por A. Roitman, sem citar o nome do tradutor. Como em 1913 saíra em Portugal a tradução de Domingos Guimarães com o mesmo peculiar título de Os super-homens (Porto, Magalhães & Moniz), eu não excluiria a possibilidade de que tenha sido ela a ser revista e publicada pela Cultura Moderna. A avaliação e eventual confirmação dessa hipótese, aliás, poderia ser objeto de algum TCC.
2. Em 1938, uma pequena editora carioca chamada Multum in Parvo (J. Botkin) publica Trechos de Emerson, em seleção de Robert James Botkin, em sua Coleção Portátil, v. 4. Não há créditos de tradução, e não localizei imagem de capa.
Anos 1940
1. Em 1940, a Livraria Martins, de São Paulo, publica em sua coleção Pensamento Vivo o volume de excertos organizado por Edgar Lee Masters, O pensamento vivo de Emerson, em tradução de Ida Goldstein. Traz excertos de "Natureza", "Ensaios - primeira e segunda séries 1841-1844", "Poemas", "Homens representativos", "Traços Britanicos", "A conduta da Vida", "Dia de maio e Outros Trechos", "Sociedade e solidão", "Cartas e Objetivos Sociais".
2. Ainda em 1940, a Edições e Publicações Brasil Editora, também de São Paulo, publica A conduta da vida, em tradução de C. M. Fonseca. Aqui tampouco localizei imagem de capa. Em 2003, essa tradução foi reeditada pela editora paulista Martin Claret, com o título de A conduta para a vida.
3. Em 1941, a mesma Brasil Editora lança Homens representativos da humanidade, também em tradução anônima revista, agora por Alfredo Gomes, responsável pelo prefácio e notas. Em 1960, a Edigraf lança essa mesma tradução revista, com o título de Homens representativos.
Com o encerramento da Edigraf, a obra se transfere a partir de 1967 para o catálogo da Tecnoprint, em suas Edições de Ouro, porém com a tradução atribuída diretamente a Alfredo Gomes, e não mais apenas "revista" por ele. E assim permanece até hoje, na atual Ediouro. Fica aí uma segunda sugestão de pesquisa para um TCC - quem terá sido o legítimo tradutor dessa obra de Emerson?
4. Em 1948, a Livraria Editora Progresso, de Salvador, publica English Traits com o título de Inglaterra e sua gente, em tradução de Acácio França. É uma edição muito difícil de se encontrar, e nem mesmo nossa Biblioteca Nacional dispõe de qualquer exemplar.
Anos 1950
1. Em 1953, temos o ensaio “Caráter”, presente na coletânea Ensaístas americanos, em tradução de Sarmento de Beires e José Duarte, pela W. M. Jackson, do Rio de Janeiro, em sua coleção Clássicos Jackson, vol. XXXIII.
Ainda que Sarmento de Beires fosse português, exilara-se no Brasil desde 1928, após a implantação da ditadura em Portugal, retornando ao país de origem apenas após a Revolução dos Cravos, em 1974. Por esta razão, julgo legítimo considerá-la uma tradução brasileira de direito próprio. A tradução de Sarmento de Beires e José Duarte será indevidamente apropriada pela editora Martin Claret a partir de 2001, num volume chamado Ensaios, copiada na íntegra e atribuída a um ser de ficção de nome “Jean Melville”. Veja aqui.
2. Em 1955, a soteropolitana Progresso, de Pinto de Aguiar, lança outro volume com o título de Os super-homens, sem qualquer indicação sobre a tradução. Parece-me muito provável que se trate da tradução portuguesa de Domingos Guimarães ou da tradução revista por A. Roitman, pela Cultura Moderna, já comentadas mais acima. Tal hipótese, porém, demanda comprovação.
Anos 1960
1. Em 1961, temos um volume de Ensaios, com seleção, nota introdutória e tradução de José Paulo Paes, pela paulista Cultrix, em sua coleção Clássicos Cultrix, contendo “O Letrado Norte-Americano”, “A Confiança em si Próprio”, “Compensação”, “Amizade”, “A Supra-Alma”, “O Poeta”, “A Natureza” e “Política”.
Anos 1970
1. Em 1976, aparecem “Brama”, “Os dias”, “Moderação” e “Fábula” em Poetas norte-americanos, antologia bilíngue com organização e tradução de Paulo Vizioli, pela Lidador, como “Edição comemorativa do bicentenário da independência dos Estados Unidos da América, 1776-1976”. Infelizmente, só encontrei essa imagem:
Anos 1980
Não localizei nenhum lançamento na década de 1980.
Anos 1990
1. Em 1994, sai outro volume de Ensaios, este correspondendo à coletânea original de Essays (First Series), em tradução de Carlos Graieb e José Marcos Mariani de Macedo, na coleção Lazúli da editora Imago, do Rio de Janeiro.
É a este volume que a editora Martin Claret recorrerá para os demais ensaios de sua edição espúria de 2001, citada mais acima, em nome de “Jean Melville”, em cópia adulterada e bastante atamancada (vide aqui).
2. Em 1996, também pela Imago, em sua coleção Lazúli, sai uma nova edição de Homens representativos, agora em tradução de Sônia Régis.
3. Em 1997, temos "Experiência", ensaio de Emerson publicado em apêndice a Esta América nova, ainda inabordável, de Stanley Cavell, em tradução de Heloísa Toller Gomes, pela editora 34, de São Paulo.
Anos 2000
1. Em 2001, tem-se o volume Ensaios na edição espúria da editora Martin Claret, já citada, em nome de “Jean Melville”, que nem merece imagem de capa e dispensa maiores comentários (vide aqui).
2. Em 2004 é lançada uma miscelânea de excertos de vários autores, entre eles Emerson, num volume chamado Inspirações positivas: a chave do sucesso, com organização e tradução de Adriana Toledo de Almeida, pela editora paulista Vergara & Riba.
Anos 2010
1. Em 2010, a L&PM, de Porto Alegre, publica em apêndice a Walden, de Henry D. Thoreau, o necrológio de Emerson a ele, com o título “Thoreau”, em tradução minha.
2. Em 2011, a editora Dracaena, de Içara, SC, publica Natureza, em tradução de Davi Araújo.
3. Em 2013, sai Amor e amizade, também pela Dracaena, em tradução de Bianca Carvalho.
Para 2016, está previsto o lançamento de dois ensaios, “Independência” e “Amizade”, pela L&PM, em tradução minha.
Vide também "O quinteto da Renascença Americana no Brasil", in Cadernos de Tradução, UFSC, vol. 35 (2015), aqui.
Agradeço a Sérgio Tadeu Guimarães e Kim Abreu pelas contribuições em Poetas norte-americanos e Esta América nova.
Anos 1930
1. O mestre do transcendentalismo americano chegou ao Brasil com sete palestras que havia apresentado entre 1845 e 1847, e que saíram em livro em 1850 enfeixadas sob o título de Representative Men. Esses ensaios eram: "Uses of Great Men"; "Plato; or, the Philosopher"; "Swedenborg; or, the Mystic"; "Montaigne; or, the Skeptic"; "Shakspeare; or, the Poet"; "Napoleon; or, the Man of the World"; "Goethe; or, the Writer".
Esse volume surgiu inicialmente entre nós com o nome de Os super-homens. Foi lançado pela Cultura Moderna, efêmera editora paulista (1934-1938) criada pelo jornalista, escritor e tradutor Galeão Coutinho, numa edição sem data, que calculo por volta de 1936. [Note-se que o ensaio inicial, "Uses of Great Men", não consta na listagem da página de rosto. Não consultei fisicamente o exemplar; é provável que o texto venha como ensaio introdutório.]
Como se vê acima, trata-se de uma edição revista por A. Roitman, sem citar o nome do tradutor. Como em 1913 saíra em Portugal a tradução de Domingos Guimarães com o mesmo peculiar título de Os super-homens (Porto, Magalhães & Moniz), eu não excluiria a possibilidade de que tenha sido ela a ser revista e publicada pela Cultura Moderna. A avaliação e eventual confirmação dessa hipótese, aliás, poderia ser objeto de algum TCC.
2. Em 1938, uma pequena editora carioca chamada Multum in Parvo (J. Botkin) publica Trechos de Emerson, em seleção de Robert James Botkin, em sua Coleção Portátil, v. 4. Não há créditos de tradução, e não localizei imagem de capa.
Anos 1940
1. Em 1940, a Livraria Martins, de São Paulo, publica em sua coleção Pensamento Vivo o volume de excertos organizado por Edgar Lee Masters, O pensamento vivo de Emerson, em tradução de Ida Goldstein. Traz excertos de "Natureza", "Ensaios - primeira e segunda séries 1841-1844", "Poemas", "Homens representativos", "Traços Britanicos", "A conduta da Vida", "Dia de maio e Outros Trechos", "Sociedade e solidão", "Cartas e Objetivos Sociais".
2. Ainda em 1940, a Edições e Publicações Brasil Editora, também de São Paulo, publica A conduta da vida, em tradução de C. M. Fonseca. Aqui tampouco localizei imagem de capa. Em 2003, essa tradução foi reeditada pela editora paulista Martin Claret, com o título de A conduta para a vida.
3. Em 1941, a mesma Brasil Editora lança Homens representativos da humanidade, também em tradução anônima revista, agora por Alfredo Gomes, responsável pelo prefácio e notas. Em 1960, a Edigraf lança essa mesma tradução revista, com o título de Homens representativos.
Com o encerramento da Edigraf, a obra se transfere a partir de 1967 para o catálogo da Tecnoprint, em suas Edições de Ouro, porém com a tradução atribuída diretamente a Alfredo Gomes, e não mais apenas "revista" por ele. E assim permanece até hoje, na atual Ediouro. Fica aí uma segunda sugestão de pesquisa para um TCC - quem terá sido o legítimo tradutor dessa obra de Emerson?
4. Em 1948, a Livraria Editora Progresso, de Salvador, publica English Traits com o título de Inglaterra e sua gente, em tradução de Acácio França. É uma edição muito difícil de se encontrar, e nem mesmo nossa Biblioteca Nacional dispõe de qualquer exemplar.
Anos 1950
1. Em 1953, temos o ensaio “Caráter”, presente na coletânea Ensaístas americanos, em tradução de Sarmento de Beires e José Duarte, pela W. M. Jackson, do Rio de Janeiro, em sua coleção Clássicos Jackson, vol. XXXIII.
Ainda que Sarmento de Beires fosse português, exilara-se no Brasil desde 1928, após a implantação da ditadura em Portugal, retornando ao país de origem apenas após a Revolução dos Cravos, em 1974. Por esta razão, julgo legítimo considerá-la uma tradução brasileira de direito próprio. A tradução de Sarmento de Beires e José Duarte será indevidamente apropriada pela editora Martin Claret a partir de 2001, num volume chamado Ensaios, copiada na íntegra e atribuída a um ser de ficção de nome “Jean Melville”. Veja aqui.
2. Em 1955, a soteropolitana Progresso, de Pinto de Aguiar, lança outro volume com o título de Os super-homens, sem qualquer indicação sobre a tradução. Parece-me muito provável que se trate da tradução portuguesa de Domingos Guimarães ou da tradução revista por A. Roitman, pela Cultura Moderna, já comentadas mais acima. Tal hipótese, porém, demanda comprovação.
Anos 1960
1. Em 1961, temos um volume de Ensaios, com seleção, nota introdutória e tradução de José Paulo Paes, pela paulista Cultrix, em sua coleção Clássicos Cultrix, contendo “O Letrado Norte-Americano”, “A Confiança em si Próprio”, “Compensação”, “Amizade”, “A Supra-Alma”, “O Poeta”, “A Natureza” e “Política”.
Anos 1970
1. Em 1976, aparecem “Brama”, “Os dias”, “Moderação” e “Fábula” em Poetas norte-americanos, antologia bilíngue com organização e tradução de Paulo Vizioli, pela Lidador, como “Edição comemorativa do bicentenário da independência dos Estados Unidos da América, 1776-1976”. Infelizmente, só encontrei essa imagem:
Anos 1980
Não localizei nenhum lançamento na década de 1980.
Anos 1990
1. Em 1994, sai outro volume de Ensaios, este correspondendo à coletânea original de Essays (First Series), em tradução de Carlos Graieb e José Marcos Mariani de Macedo, na coleção Lazúli da editora Imago, do Rio de Janeiro.
É a este volume que a editora Martin Claret recorrerá para os demais ensaios de sua edição espúria de 2001, citada mais acima, em nome de “Jean Melville”, em cópia adulterada e bastante atamancada (vide aqui).
2. Em 1996, também pela Imago, em sua coleção Lazúli, sai uma nova edição de Homens representativos, agora em tradução de Sônia Régis.
3. Em 1997, temos "Experiência", ensaio de Emerson publicado em apêndice a Esta América nova, ainda inabordável, de Stanley Cavell, em tradução de Heloísa Toller Gomes, pela editora 34, de São Paulo.
Anos 2000
1. Em 2001, tem-se o volume Ensaios na edição espúria da editora Martin Claret, já citada, em nome de “Jean Melville”, que nem merece imagem de capa e dispensa maiores comentários (vide aqui).
2. Em 2004 é lançada uma miscelânea de excertos de vários autores, entre eles Emerson, num volume chamado Inspirações positivas: a chave do sucesso, com organização e tradução de Adriana Toledo de Almeida, pela editora paulista Vergara & Riba.
Anos 2010
1. Em 2010, a L&PM, de Porto Alegre, publica em apêndice a Walden, de Henry D. Thoreau, o necrológio de Emerson a ele, com o título “Thoreau”, em tradução minha.
2. Em 2011, a editora Dracaena, de Içara, SC, publica Natureza, em tradução de Davi Araújo.
3. Em 2013, sai Amor e amizade, também pela Dracaena, em tradução de Bianca Carvalho.
Para 2016, está previsto o lançamento de dois ensaios, “Independência” e “Amizade”, pela L&PM, em tradução minha.
Vide também "O quinteto da Renascença Americana no Brasil", in Cadernos de Tradução, UFSC, vol. 35 (2015), aqui.
Agradeço a Sérgio Tadeu Guimarães e Kim Abreu pelas contribuições em Poetas norte-americanos e Esta América nova.
Published on April 30, 2016 18:01
April 18, 2016
arte do direito
o famoso jurista italiano francesco carnelutti escreveu em espanhol seu pequeno clássico chamado arte del derecho, publicado em 1948. somente em 1949 é que sai sua versão em italiano, arte del diritto.
em 1957, a soteropolitana livraria progresso editora publica a arte do direito na tradução de manuel pinto de aguiar (infelizmente, não localizei imagem de capa). em 2001 a obra volta a ser publicada entre nós, em duas traduções diferentes, a de hebe caletti marenco,* pela extinta edicamp, de campinas, e a de ricardo rodrigues da gama, pela editora bookseller, também de campinas. ambas conheceram algumas reimpressões e reedições.
o curioso é que, em 2005, a bookseller substitui a tradução de ricardo rodrigues da gama por outra, em nome de paolo capitanio, acrescentando o artigo "a": a arte do direito. a tradução de gama, por sua vez, a partir de 2006 passa a ser publicada por uma terceira editora campineira, a russell. também nestes dois casos, ambas conheceram algumas reimpressões e reedições, sendo a mais recente a edição digital da russell em 2013.
ora, é no mínimo surpreendente constatar a absoluta identidade entre a tradução de ricardo rodrigues da gama e a de paolo capitanio, inclusive em suas frases atrozes e às vezes até ininteligíveis. veja-se abaixo (para a tradução de gama, sigo a edição digital de 2013):
já mencionei o caso de a luta pelo direito de rudof von ihering, onde se constata uma bizarra identidade entre a antiga tradução de tavares bastos (1909) e a atribuída a ricardo rodrigues da gama, publicada em 2004 pela editora russell (ver aqui). no caso presente de arte do direito, se a tradução de gama lançada pela russell em e-book em 2013 for a mesma que a bookseller publicou em 2001, teríamos aí que a atribuição de sua autoria a paolo capitanio, em 2005, é que é indevida.
outro aspecto a ser considerado é que ambos, além de serem autores de obra jurídica própria, constam como tradutores de vários textos relacionados ao direito, além deste de carnelutti. quase inevitavelmente, o leitor fica a se indagar sobre a possibilidade de eventuais outras irregularidades no que tange às traduções publicadas em seus nomes, tanto pela bookseller quanto pela russell.
em tempo: apenas para concluir a listagem das traduções brasileiras de arte do direito, cabe assinalar a edição da pillares em tradução de amilcare carletti, em 2007.
*diga-se de passagem que hebe marenco, em outra ocasião, sofreu apropriação indevida de sua tradução de metodologia jurídica, de savigny, publicada pela edicamp em 2001. veja aqui.
em 1957, a soteropolitana livraria progresso editora publica a arte do direito na tradução de manuel pinto de aguiar (infelizmente, não localizei imagem de capa). em 2001 a obra volta a ser publicada entre nós, em duas traduções diferentes, a de hebe caletti marenco,* pela extinta edicamp, de campinas, e a de ricardo rodrigues da gama, pela editora bookseller, também de campinas. ambas conheceram algumas reimpressões e reedições.
o curioso é que, em 2005, a bookseller substitui a tradução de ricardo rodrigues da gama por outra, em nome de paolo capitanio, acrescentando o artigo "a": a arte do direito. a tradução de gama, por sua vez, a partir de 2006 passa a ser publicada por uma terceira editora campineira, a russell. também nestes dois casos, ambas conheceram algumas reimpressões e reedições, sendo a mais recente a edição digital da russell em 2013.
ora, é no mínimo surpreendente constatar a absoluta identidade entre a tradução de ricardo rodrigues da gama e a de paolo capitanio, inclusive em suas frases atrozes e às vezes até ininteligíveis. veja-se abaixo (para a tradução de gama, sigo a edição digital de 2013):
ricardo rodrigues da gama:
Finalmente adverti que estudar o direito e a arte significa atacar a partir dos dois lados diversos o mesmo problema. Por desconcertante que seja esta afirmação, chegou para mim o momento de fazê-lo. O mesmo problema, digo, conforme o perfil da função e a estrutura.
A arte, como o direito, serve para ordenar o mundo. O direito, como a arte, tem uma ponte do passado para o futuro. O pintor, quando escrutava o rosto de minha mãe para pintar o retrato que, mais que qualquer outra obra, mostrou-me o segredo da arte, não fazendo mais do que adivinhar. E o juiz, quando escruta no rosto do acusado a verdade de sua vida para saber o que a sociedade deve fazer dele, não faz mais do que adivinhar. A dificuldade e a nobreza, o tormento e o consolo do direito, como da arte, não podem representar-se melhor do que com essa palavra! Adivinhar indica a necessidade e a impossibilidade do homem ver o que vê somente Deus.
Embora eu sinta profundamente a verdade dessa ideia, não me ocultam as dificuldades assim como os perigos, que apresenta sua explicação. Mas dificuldades e perigos fazem-me sempre tentado. E me seduz, ante tudo, o desejo de dedicar aos juristas da América Latina e a suas Faculdades de direito (de onde nossos irmãos de que, nós europeus, continuamos chamando de novo mundo, unem-se com forças juvenis a nosso antigo trabalho) algumas páginas, que me há inspirado a eterna formosura do direito.
* * *
Peço desculpas pelo atrevimento de haver escrito estas páginas em espanhol, embora quase não conheça o idioma de Dom Quixote, sujeitando o manuscrito somente às correções ortográficas e gramaticais.
Há duas razões para esta temeridade. A primeira se refere ao perigo da tradução. Por imensas que sejam as condições e o cuidado do tradutor, uma perda da força expressiva é inevitável como uma dispersão na transformação da energia. Embora o estilo deste livrinho desgraçadamente não possa ser o de um espanhol, contudo, é o meu estilo.
Isto é verdade, mas não toda a verdade. Devo insistir, sob pena de não ser sincero, que havendo começado a escrever em espanhol por exercício e continuado por prazer. Algo semelhante ocorreu-me quando, encontrava-me refugiado na Suíça, em 1944, escrevi La Guerre e la Paixs [sic]. Não se pode contar facilmente tal aventura. Sente-se como uma expansão da personalidade. Milagre da palavra! Não tão somente se fala sem pensar senão que não podemos pensar mais que falando. Enquanto não se encarna, o pensamento não é tal pensamento. Pois não tanto se fala quando se pensa espanhol. Agora quem conhece a voluptuosidade do pensar compreende a tentação.
Posto que não soube resistir, pequei. E para apagar o pecado não há mais que dois meios: a pena e o perdão.
paolo capitanio:
Finalmente adverti que estudar o direito e a arte significa atacar a partir dos dois lados diversos o mesmo problema. Por desconcertante que seja esta afirmação, chegou para mim o momento de fazê-lo. O mesmo problema, digo, conforme o perfil da função e a estrutura.
A arte, como o direito, serve para ordenar o mundo. O direito, como a arte, tem uma ponte do passado para o futuro. O pintor, quando escrutava o rosto de minha mãe para pintar o retrato que, mais que qualquer outra obra, mostrou-me o segredo da arte, não fazendo mais do que adivinhar. E o juiz, quando escruta no rosto do acusado a verdade de sua vida para saber o que a sociedade deve fazer dele, não faz mais do que adivinhar. A dificuldade e a nobreza, o tormento e o consolo do direito, como da arte, não podem representar-se melhor do que com essa palavra! Adivinhar indica a necessidade e a impossibilidade do homem ver o que vê somente Deus.
Embora eu sinta profundamente a verdade dessa ideia, não me ocultam as dificuldades assim como os perigos, que apresenta sua explicação. Mas dificuldades e perigos fazem-me sempre tentado. E me seduz, ante tudo, o desejo de dedicar aos juristas da América Latina e a suas Faculdades de Direito (de onde nossos irmãos de que, nós europeus, continuamos chamando de novo mundo, unem-se com forças juvenis a nosso antigo trabalho) algumas páginas, que me tem inspirado a eterna formosura do direito.
* * *
Peço desculpas pelo atrevimento de haver escrito estas páginas em espanhol, embora quase não conheça o idioma de Don Quijote, sujeitando o manuscrito somente às correções ortográficas e gramaticais.
Há duas razões para esta temeridade. A primeira se refere ao perigo da tradução. Por imensas que sejam as condições e o cuidado do tradutor, uma perda da força expressiva é inevitável como uma dispersão na transformação da energia. Embora o estilo deste livrinho desgraçadamente não possa ser o de um espanhol, contudo, é o meu estilo.
Isto é verdade, mas não toda a verdade. Devo insistir, sob pena de não ser sincero, que havendo começado a escrever em espanhol por exercício e continuado por prazer. Algo semelhante ocorreu-me quando, encontrava-me refugiado na Suíça, em 1944, escrevi La Guerre e la Paixs [sic]. Não se pode contar facilmente tal aventura. Sente-se como uma expansão da personalidade. Milagre da palavra! Não tão somente se fala sem pensar senão que não podemos pensar mais que falando. Enquanto não se encarna, o pensamento não é tal pensamento. Pois não tanto se fala quando se pensa espanhol. Agora quem conhece a voluptuosidade do pensar compreende a tentação.
Posto que não soube resistir, pequei. E para apagar o pecado não há mais que dois meios: a pena e o perdão.
já mencionei o caso de a luta pelo direito de rudof von ihering, onde se constata uma bizarra identidade entre a antiga tradução de tavares bastos (1909) e a atribuída a ricardo rodrigues da gama, publicada em 2004 pela editora russell (ver aqui). no caso presente de arte do direito, se a tradução de gama lançada pela russell em e-book em 2013 for a mesma que a bookseller publicou em 2001, teríamos aí que a atribuição de sua autoria a paolo capitanio, em 2005, é que é indevida.
outro aspecto a ser considerado é que ambos, além de serem autores de obra jurídica própria, constam como tradutores de vários textos relacionados ao direito, além deste de carnelutti. quase inevitavelmente, o leitor fica a se indagar sobre a possibilidade de eventuais outras irregularidades no que tange às traduções publicadas em seus nomes, tanto pela bookseller quanto pela russell.
em tempo: apenas para concluir a listagem das traduções brasileiras de arte do direito, cabe assinalar a edição da pillares em tradução de amilcare carletti, em 2007.
*diga-se de passagem que hebe marenco, em outra ocasião, sofreu apropriação indevida de sua tradução de metodologia jurídica, de savigny, publicada pela edicamp em 2001. veja aqui.
Published on April 18, 2016 17:56
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