Denise Bottmann's Blog
May 28, 2025
a coleção cultura musical
Em 7 de abril de 1934, Galeão Coutinho escreve uma carta a Mário de Andrade, convidando-o para coordenar a Coleção Cultura Musical, de sua recém-criada editora, que então se chamava Livraria Cultura Brasileira e depois adotou o nome de Edições Cultura Brasileira. Mário aceitou o convite.
Em veloz sucessão, começaram a sair os volumes da nova coleção - as primeiras notícias na imprensa sobre as publicações começam em agosto de 1934, já comentando o segundo título lançado, Vida de Liszt.
Segue-se abaixo a relação dos volumes da coleção coordenada e dirigida por Mário de Andrade, estendendo-se de 1934 a 1938 e incluindo um volume "extra-série", O romance de Schubert.
COLEÇÃO CULTURAMUSICAL
Direção ecoordenação de Mário de Andrade
1. Vida de Beethoven,Romain Rolland – trad. JoséLannes, 1934
2. Vida de Liszt, Guy de Pourtalès – trad.Leonor Aguiar e C. Fonseca, 1934
3. Vida de Grieg, Paul de Stoecklin – trad.Nair Duarte Nunes, 1934
4. Vida de Chopin, Guy de Pourtalès – trad.Aristides Ávila, 1934
5. Vida de Wagner, René Dumesnil – trad.Maria Ricardina Mendes de Almeida [mais conhecida como Diná Lopes Coelho], 1934
6. Vida de Massenet, René Brancour – trad.Maxime Seguin, 1934
7. Schumann: sua vida e sua obra, CamilleMauclair – trad. José Lannes, 1934
8. Panorama da Música Contemporânea, AndréCoeuroy – trad. Maria de Lourdes Cabral, 1935
9. Vida de Brahms, Willibald Nagel – trad.Joaquim Clemente de Almeida Moura, [1935]
10. Memórias de Gounod, Charles Gounod –trad. Nair Duarte Nunes, [1935]
11. Vida de Paganini, J. G. Prod’homme –trad. Pedro Antonio de Oliveira Ribeiro Netto, [1935]
12. Vida Amorosa de Bellini, Antonio Aniante– trad. Carlos de Aragão, 1935
13. Vida de Rimsky-Korsakov, [Igor] Markévitch– trad. Pedro Antonio de Oliveira Ribeiro Netto, 1935
14. Vida de Verdi, Marcilio Sabba – trad.Antônio Teles Vasconcelos, 1936
15. Vida de Paderewski, Henryk Opiensk –trad. Augusto de Souza, 1936
16. Vida de Mozart, Henri de Curzon – trad.Edith Magarino Torres, [1937]
17. Vida deHaendel, Romain Rolland – trad. Haroldo Paranhos, 1938
18. Vida de Bach [subtítulo: Memóriasíntimas de Ana Madalena Bach], Anna Magdalena Bach – trad. Augusto de Souza,1938
Extra-série: O romance de Schubert, Rudolf HansBartsch – trad. Pedro e Clemente de Almeida Moura, 1934
vide também "coleção, collecção", aqui.
May 15, 2025
coleção, collecção
mas o detalhe que achei simpático - e que me parece indicar a tenaz minuciosidade modernista de mário de andrade - é o seguinte: todos os volumes das coleções publicadas pela edições cultura brasileira usam a grafia "COLLECÇÃO" - exceto a coleção a cargo de mário, que em todos seus 18 volumes traz sempre "COLEÇÃO cultura musical" (1934-1938), e uns 2 volumes meio que perdidos na "collecção grandes homens".
sobre herbert caro
um artigo interessante, "Herbert Caro ou o tradutor como lenda", de Michael Korfmann, disponível aqui.
April 16, 2025
falsi d'autore
eu soube recentemente, graças à gentileza do prezado diogo rodrigues, que fui citada no livro de daniele petruccioli (2014) em referência à caça a plágios de tradução que, tempos atrás, empreendi durante alguns anos. fiquei muito contente, porque é realmente uma imensa sacanagem, principalmente para com o público leitor e o patrimônio histórico-cultural do país.
March 22, 2025
traduções de federico carotti
OBRAS DE TRADUÇÃO DE
FEDERICO CAROTTI
Alcott, Louisa May. Mulherzinhas. Porto Alegre: L&PM, 2017 (com Denise Bottmann) Altan. Colombo. Porto Alegre: L&PM, 1989 Argan, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992 (com Denise Bottmann) Auerbach, Erich. Dante como poeta do mundo terreno. São Paulo: 34, 2022 (tradução das expressões e poemas em italiano) Auerbach, Erich. Língua literária e público na Antiguidade tardia latina e na Idade Média. São Paulo: 34, a sair (tradução de trechos, citações e poemas em italiano) Barbagli, Marzio. O suicídio no Ocidente e no Oriente. Petrópolis: Vozes, 2019 Barbero, Alessandro. Dante – a biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2021 Bruschini, Vito. O chefão dos chefões. São Paulo: Companhia das Letras, 2012 Cacciari, Massimo. Duplo retrato: São Francisco em Dante e Giotto. Veneza: Âyiné, 2016 Calasso, Roberto. O ardor. São Paulo: Companhia das Letras, 2016 Calasso, Roberto. O caçador celeste. São Paulo: Companhia das Letras, a sair Calasso, Roberto. O inominável atual. São Paulo: Companhia das Letras, 2020 Calvino, Italo. Cartas a Chichita (1962-1963). São Paulo: Companhia das Letras, a sair Calvino, Italo. Nasci na América. São Paulo: Companhia das Letras, 2024 Calvino, Italo. Um otimista na América. São Paulo: Companhia das Letras, 2023 Cambiano, Giuseppe. Como navio na tempestade. São Paulo: Loyola, a sair Canfora, Luciano. A biblioteca desaparecida. São Paulo: Companhia das Letras, 1989 Canfora, Luciano. A escravidão do capital. São Paulo: Estação Liberdade, a sair Canfora, Luciano. O mundo dos gregos. São Paulo: Companhia das Letras, 2015 Cantini, Barbara. Entrevista ao Blog das Letrinhas. São Paulo: Companhia das Letras, 2021 Civita, Cesare. Minha vida. São Paulo: Companhia das Letras, a sair Colli, Giorgio. O nascimento da filosofia. Campinas: Editora da Unicamp, 1988 Crepax, Guido. A curva de Lesmo. Porto Alegre: L&PM Editores, 2014 Crepax, Guido. O bebê de Valentina. Porto Alegre: L&PM Editores, 1988 Crepax, Guido. Valentina de botas. Porto Alegre: L&PM Editores, 1988 Crepax, Guido. Valentina intrépida. Porto Alegre: L&PM Editores, 2014 Crepax, Guido. Valentina intrépida de papel. Porto Alegre: L&PM Editores, 2014 Crepax, Guido. Os subterrâneos. Porto Alegre: L&PM, 2018 (et al.) De Masi, Domenico. Alfabeto da sociedade desorientada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017 Enia, Davide. Assim na Terra. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2013 Flores d’Arcais, Paolo. “Fascismo e Berlusconismo”, Novos Estudos Cebrap, 9. São Paulo: Cebrap, 2011 Frugoni, Chiara. Francisco: A vida de um homem. São Paulo: Companhia das Letras, 2011 Gargano, Guido Innocenzo. O mistério da amêndoa. São Paulo: Loyola, a sair Ginzburg, Carlo. A letra mata. São Paulo: Companhia das Letras, a sair Ginzburg, Carlo. “David, Marat” e “Peur, vénération, terreur”, in Medo, reverência, terror. São Paulo: Companhia das Letras, 2014 Ginzburg, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989 Gramsci, Antonio. Cadernos do cárcere. São Paulo: Companhia das Letras, a sair Izzo, Alberto. História do pensamento sociológico. Petrópolis: Vozes, 2021 Lampedusa, G.T. di. O leopardo (tradução do prefácio, notas e aparato crítico). São Paulo: Companhia das Letras, 2017 Legrenzi, Paolo, e Umiltà, Carlo. Por que precisamos da alma. São Paulo: Loyola, a sair Leopardi, Giacomo. Memórias do primeiro amor. São Paulo: Nós, a sair Levi, Primo, e Benedetti, Leonardo de. Assim foi Auschwitz – Testemunhos 1945-1986. São Paulo: Companhia das Letras, 2015 Malaparte, Curzio. Kaputt. São Paulo: Companhia das Letras, 2021 Maldonato, Mauro. Na base do farol não há luz. São Paulo: Edições SESC, 2016 Maquiavel, Nicolau. O príncipe. Belo Horizonte: Autêntica, a sair Maurensig, Paolo. A variante de Lüneburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1994 Mazzantini, Margaret. A rosa de Saravejo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011 Mercuri, Chiara. Francisco de Assis. A história negada. São Paulo: Loyola, 2024 Montanari, Massimo. Histórias da mesa. São Paulo: Estação Liberdade, 2015 Moretti, Franco. O romance, vol. II. São Paulo: Cosac Naify Moretti, Franco. O romance, vol. III. São Paulo: Cosac Naify Moretti, Nanni. “Aula de cinema” in VV.AA., Lições de cinema. São Paulo: Martins Editora, 2010 Mulas, Ugo, “Apresentação” in Zum 6. São Paulo: IMS, 2014 Murgia, Michela. Acabadora. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2012 Paik, Nam June. Catálogo de exposição. São Paulo: Base7, 2017 Papa Francisco. Esperança – a autobiografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2025 (et al.) Parisi, Giusi. Eu, valentão. São Paulo: FTD, 2022 Pirandello, Luigi. Seis personagens em busca de um autor. Porto Alegre: L&PM, 2020 Prosperi, Adriano. Dar a alma. São Paulo: Companhia das Letras, 2010 Ravasi, Gianfranco. A página sagrada. São Paulo: Loyola, 2020 Ravasi, Gianfranco. Darwin e o papa. São Paulo: Loyola, 2021 Ravera, Lidia. Regue as flores e me espere. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989 Rossi, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989 Rossi, Pio. Dicionário da mentira. São Paulo: Nós, a sair Saramago, José. “Depoimentos” (entrevistas em italiano), in Palavras de Saramago. São Paulo: Companhia das Letras, 2010 Sassi, Maria Michela. Investigação sobre Sócrates. São Paulo: Loyola, 2023 Saviano, Roberto. Entrevistas [vídeo]. São Paulo: Companhia das Letras, FLIP, 2019 Saviano, Roberto. Zero zero zero. São Paulo: Companhia das Letras, 2014 (et al.) Saviano, Roberto. “Introdução: Saramago”. São Paulo: Companhia das Letras, 2014 Schelling, Vivian. A presença do povo na cultura brasileira. Campinas: Ed. Unicamp, 1990 Sciascia, Leonardo. O caso Aldo Moro. São Paulo: Mundaréu, a sair Scurati, Antonio. A melhor época da nossa vida. São Paulo: Mundaréu, 2024 Siti, Walter. “O romance no tribunal”, in Moretti, Franco, O romance, vol. I. São Paulo: Cosac Naify, 2010 Svevo, Italo. A consciência de Zeno. Porto Alegre: L&PM, 2019 Tabucchi, Antonio. A cabeça perdida de Damasceno Monteiro. São Paulo: Estação Liberdade, a sair Tabucchi, Antonio. A mulher de Porto Pim. São Paulo: Estação Liberdade, a sair Tabucchi, Antonio. Noturno indiano. São Paulo: Estação Liberdade, a sair Tabucchi, Antonio. Os três últimos dias de Fernando Pessoa. São Paulo: Estação Liberdade, a sair Tabucchi, Antonio. Os voláteis do Beato Angélico. São Paulo: Estação Liberdade, a sair Tabucchi, Antonio. Para Isabel: uma mandala. São Paulo: Estação Liberdade, 2024 Tabucchi, Antonio. Pequenos equívocos sem importância. São Paulo: Estação Liberdade, a sair Tabucchi, Antonio. Tristão morre. São Paulo: Estação Liberdade, a sair Tonelli, Guido. Gênesis. A história do universo em sete dias. Rio de Janeiro: Zahar, 2021 Tonelli, Guido. Tempo. O sonho de matar Chrónos. Rio de Janeiro: Zahar, 2023 Vattimo, Giovanni, e Paterlini, Piergiorgio. Não ser Deus. Petrópolis: Vozes, 2018 Vegetti, Mario, e Ademollo, Francesco. Encontro com Aristóteles. São Paulo: Loyola, 2024 Verri, Pietro, Observações sobre a tortura. São Paulo: Martins Fontes, 1992 VV.AA., Hélio Oiticica: Exercícios experimentais de liberdade. Catálogo de exposição. São Paulo: Base 7, 2016 VV.AA., Jogos da Antiguidade: Grécia e Roma. Catálogo de exposição. São Paulo: Base 7, 2016 VV.AA. Nam June Paik. Catálogo de exposição. São Paulo: Base 7, 2017 VV.AA. O Barroco em prata napolitano. Catálogo de exposição. São Paulo: Base 7, 2014 VV.AA. Roma, a vida e os imperadores. Catálogo de exposição. São Paulo: MASP, 2012 Zanotti, Giovanni. “Paulo Arantes, a dialética e o problema da ‘ideologia francesa’”, posfácio a Paulo Arantes, Formação e desconstrução: uma visita ao Museu da Ideologia Francesa. São Paulo: Editora 34, 2021disponível aqui.
February 21, 2025
a coleção "cultura musical"
em 7 de abril de1934, galeão coutinho escreve uma carta a mário de andrade, convidando-o paracoordenar a coleção cultura musical, de sua recém-criada editora, que então sechamava livraria cultura brasileira e depois ficou mais conhecida como ediçõescultura brasileira. mário aceitou o convite.
[diga-se depassagem que fiquei surpresa com a rapidez com que, em veloz sucessão,começaram a sair os volumes da nova coleção - as primeiras notícias na imprensasobre as publicações começam em agosto de 1934]
COLEÇÃO CULTURAMUSICAL
Direção ecoordenação de Mário de Andrade
1. Vida de Beethoven, Romain Rolland – trad. José Lannes, 1934
2. Vida deLiszt, Guy de Pourtalès – trad. Leonor Aguiar e C. Fonseca, 1934
3. Vida deGrieg, Paul de Stoecklin – trad. Nair Duarte Nunes, 1934
4. Vida deChopin, Guy de Pourtalès – trad. Aristides Ávila, 1934
5. Vida deWagner, René Dumesnil – trad. Maria Ricardina Mendes de Almeida (mais conhecidacomo Diná Lopes Coelho), 1934
6. Vida deMassenet, René Brancour – trad. Maxime Seguin, 1934
7. Schumann: suavida e sua obra, Camille Mauclair – trad. José Lannes, 1934
8. Panorama daMúsica Contemporânea, André Coeuroy – trad. Maria de Lourdes Cabral, 1935
9. Vida deBrahms, Willibald Nagel – trad. Joaquim Clemente de Almeida Moura, [1935]
10. Memórias deGounod, Charles Gounod – trad. Nair Duarte Nunes, [1935]
11. Vida dePaganini, J. G. Prod’homme – trad. Pedro Antonio de Oliveira Ribeiro Netto,[1935]
12. Vida Amorosade Bellini, Antonio Aniante – trad. Carlos de Aragão, 1935
13. Vida deRimsky-Korsakov, Markévitch – trad. Pedro Antonio de Oliveira Ribeiro Netto,1935
14. Vida deVerdi, Marcilio Sabba – trad. Antônio Teles Vasconcelos, 1936
15. Vida dePaderewski, Henryk Opiensk – trad. [Augusto de Souza], 1936
16. Vida deMozart, Henri de Curzon – trad. Edith Magarino Torres, [1937]
17. Vida de Haendel, Romain Rolland – trad. Haroldo Paranhos, 1938
18. Vida de Bach[subtítulo: Memórias íntimas de Ana Madalena Bach], Anna Magdalena Bach – trad.[Augusto de Souza], 1938
Extra-série: O romancede Schubert, Rudolf Hans Bartsch – trad. Pedro e Clemente de Almeida Moura,1935
December 11, 2024
generosidades
só hoje vi uma postagem de 2018 do caetano galindo no blog da companhia das letras. lindinha a postagem sobre a importância da tradução - e a generosa menção a esta que vos escreve me desvaneceu. a postagem se chama em tradução (visibilia) e está disponível aqui.
December 7, 2024
gostos, nichos, artesanias
no começo desse ano, respondendo a algumas perguntas da jornalista natália albertoni, comentei:
Uma coisa muito importante e fascinante no ofício de tradução é o gosto, o prazer em
fazer aquilo. Transcende o aspecto meramente pragmático do trabalho; abre portas a
uma dedicação de outra natureza: é o que às vezes chamo de “tradução afetiva”. Faz-se
por amor à palavra e também, digamos, por humildade perante uma obra que nos
envolve e nos sobrepuja: o diletantismo na verdadeira acepção do termo. Felizmente,
são muitos os profissionais na área de tradução lítero-humanística (que é a que conheço
melhor) que preservam um bom grau de diletantismo nesse sentido estrito. E felizmente
há editoras que abrigam de bom grado esse diletantismo profissional ou esse
profissionalismo diletante. De entremeio a uma contemporaneidade permeada por
ferramentas de automatização do ofício, existem, pois, os profissionais-diletantes que
prezam mais a artesania das palavras do que a tecnologia de automatização; isto é, são
menos operadores de máquinas e mais “tradutores” na acepção digamos humanista,
atualmente até já obsoleta, do termo. E de entremeio à crescente enxurrada de textos
produzidos por várias modalidades de IA há nichos de artesãos de alta qualidade,
aqueles seres que – curiosamente – têm conseguido escapar à extinção e até, um pouco
aqui, um pouco ali, vêm esparsamente se somando e acrescentando novos nichos.
Sobreviverão? Sem dúvida. A onda avassaladora da automatização da tradução cessará?
Não, de forma alguma; aumentará. Isso é bom, isso é ruim? Não sei e não compete a
mim julgar. O bom, com certeza, é que existam nichos onde se pode tentar,
experimentar, renovar, se comprazer naquela antiquíssima atividade que confere sentido
concreto ao termo “humanidade”: o ofício da tradução.
no começo desse ano, respondendo a algumas perguntas da ...
no começo desse ano, respondendo a algumas perguntas da jornalista natália albertoni, comentei:
Uma coisa muito importante e fascinante no ofício de tradução é o gosto, o prazer em
fazer aquilo. Transcende o aspecto meramente pragmático do trabalho; abre portas a
uma dedicação de outra natureza: é o que às vezes chamo de “tradução afetiva”. Faz-se
por amor à palavra e também, digamos, por humildade perante uma obra que nos
envolve e nos sobrepuja: o diletantismo na verdadeira acepção do termo. Felizmente,
são muitos os profissionais na área de tradução lítero-humanística (que é a que conheço
melhor) que preservam um bom grau de diletantismo nesse sentido estrito. E felizmente
há editoras que abrigam de bom grado esse diletantismo profissional ou esse
profissionalismo diletante. De entremeio a uma contemporaneidade permeada por
ferramentas de automatização do ofício, existem, pois, os profissionais-diletantes que
prezam mais a artesania das palavras do que a tecnologia de automatização; isto é, são
menos operadores de máquinas e mais “tradutores” na acepção digamos humanista,
atualmente até já obsoleta, do termo. E de entremeio à crescente enxurrada de textos
produzidos por várias modalidades de IA há nichos de artesãos de alta qualidade,
aqueles seres que – curiosamente – têm conseguido escapar à extinção e até, um pouco
aqui, um pouco ali, vêm esparsamente se somando e acrescentando novos nichos.
Sobreviverão? Sem dúvida. A onda avassaladora da automatização da tradução cessará?
Não, de forma alguma; aumentará. Isso é bom, isso é ruim? Não sei e não compete a
mim julgar. O bom, com certeza, é que existam nichos onde se pode tentar,
experimentar, renovar, se comprazer naquela antiquíssima atividade que confere sentido
concreto ao termo “humanidade”: o ofício da tradução.
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