Denise Bottmann's Blog, page 119

December 3, 2010

novo subtítulo

.os leitores mais atentos podem ter percebido que mudei o subtítulo do blog: em vez de "um blog de utilidade pública contra plágios de tradução", agora é "um blog contra plágios de tradução, e também com variedades sobre tradução".



isso porque, como alguns queridos leitores também podem ter notado, a quantidade de plágios, contrafações e irregularidades editoriais no quesito "tradução" - UFA, VIVA, FELIZMENTE! - parece ter estacionado. não sei se por acaso ou por alguma pequena contribuição deste blog ou pelo franco repúdio de inúmeros leitores a tais práticas, não tenho visto grandes novidades nessa triste seara. as editoras ishpertas pararam de proliferar, muitas dezenas de títulos foram retiradas de circulação e venda, várias medidas judiciais e extrajudiciais tiveram andamento e assim por diante.



o que se tem é a PERMANÊNCIA de algumas centenas de títulos espúrios no mercado, e ainda é possível demonstrar documentalmente a ocorrência de plágios e contrafações de várias obras publicadas anos atrás, e que continuam em circulação. isso o nãogostodeplágio continua a fazer. mas já não é aquela onda avassaladora de descobertas de um plágio atrás do outro, fato que só pode nos alegrar.





com isso, o nãogostodeplágio passou a ter mais tempo para tratar de outros temas relacionados à atividade de tradução, comentar com maior frequência lançamentos, artigos teóricos ou práticos sobre tradução, republicar posts anteriores e assim por diante.



no momento em que as questões de plágios e que tais parecerem se esgotar ou ralear muito, o destino natural do nãogostodeplágio será se extinguir. talvez mantenha o mesmo endereço e só mude de nome, para algo mais adequado aos novos conteúdos, ou talvez continue a existir com o mesmo nome e fique em stand-by. ainda não sei: gosto muito deste espaço, e acho que apresenta algumas questões de interesse. acredito também no valor documental e arquivistico do blog, e creio que merece ser preservado.



em todo caso, fica o aviso: o nãogosto está mudando de perfil, de conteúdo e de tratamento, devido à mudança das circunstâncias - e essa mudança é positiva.



imagem: emily tatlin
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Published on December 03, 2010 06:00

December 2, 2010

colóquio de tradução na unimep: marca pessoal e invisibilidade

concluindo o relato de minha apresentação no colóquio em piracicaba:



Mas, quando falamos em coisas tão grandiosas como pretensa neutralidade, originalidade, responsabilidade, na verdade falamos de coisas muito simples.



Pois, na esteira da negação da "marca pessoal" na tradução aparece, como consequência quase natural e automática, a ideia de que o desejável é que o tradutor seja invisível. Isso é um pouco complicado, porque aqui se misturam dois planos que, a meu ver, são muito distintos: o tradutor como sujeito empírico e a obra de tradução em sua materialidade, mas não trataremos disso agora. O que há é que, quando se fala em "invisibilidade" do tradutor ou da tradução, seja em sentido positivo ou negativo, costumamos entender que o termo se refere a um tipo de texto traduzido que não mostra, deixa oculto, esconde, mantém invisível – ou como se queira dizer – o trabalho executado durante a tradução. E que tal resultado é obtido com maior frequência pelo tradutor que tenta deliberadamente não deixar sua marca pessoal na tradução.





Então, a pergunta que se coloca é: mas, afinal, o que seria a marca pessoal que deixo numa tradução? Aquilo em que ela se afasta do original? Mas como, no que ela se afasta do original? Peguemos um exemplo muito simples e conhecido: diante de I swam across the river, o que faríamos? Traduziríamos "eu nadei através do rio"? Pois afinal é assim que está no original:



I = eu

Swam = nadei

Across = através d'

The = o

River = rio



Portanto: eu + nadei + através d' + o + rio.



Não interfiro, atenho-me estritamente ao original, as palavras passam através de mim como instrumento de transmissão: não deixo minha marca pessoal.



Não faz mal que em português ninguém nade "através" de um rio, pois aqui, hipoteticamente, o que importa é que não posso ou não devo colocar minha marca pessoal – no caso, meu domínio ou minha relação com a língua materna. Em minha língua materna, ouço, falo, leio, escrevo: "atravessei o rio nadando", "cruzei o rio a nado", "atravessei o rio a nado" ou similares.



Por outro lado, perante a mesma frase em inglês, eu não reagiria em português dizendo "nadei pelo rio" ou "fui nadando pelo rio", pois eu acharia que o "pelo" não esclarece se nadei de uma margem à outra ou pelo rio abaixo, se fui no sentido da largura ou do comprimento. No entanto, ainda para a mesma frase, não desdenharia nem torceria o nariz se um colega se saísse com um "nadei até a outra margem do rio".



Assim, o que se coloca é a naturalidade da língua, a fluência, o uso. E não apenas a fluência no português, mas em primeiro lugar a fluência na língua de partida. É fluente dizer "I swam across the river" em inglês? Sim, tremendamente. É usual. É fluente dizer "Eu nadei através do rio" em português? Não, nem um pouco. É estranho.



Então, onde a tradução se faz mais visível? Em "Eu nadei através do rio" ou em "Atravessei o rio a nado"? Claro que no primeiro caso. Fica visível a estrutura do original, fica evidente o decalque.



Mas não foi justamente aqui que o tradutor tentou não deixar sua marca, tentou ficar invisível? Sim, com quase toda certeza sim. E não foi justamente aqui que seu trabalho de tradução ficou mais visível? Sim, com toda certeza. Inversamente, na solução"atravessei o rio a nado" ou mesmo na mais puxada "nadei até a outra margem do rio", ambas resultantes de uma intervenção mais marcada do tradutor, seu trabalho se faz menos visível ou mesmo praticamente invisível: como dizem, "nem parece uma tradução".



Portanto, num paradoxo que me parece interessante, teríamos que o trabalho consciente do tradutor, ao elaborar atentamente seu modo de atuação e imprimir decididamente sua marca no texto, tem muito maior probabilidade de alcançar em sua tradução uma fluência similar à fluência do texto de origem. Dito em outros termos: quanto mais claro e consciente for o trabalho de imprimir uma marca pessoal no texto de tradução, mais invisível será a presença da operação tradutória.



Naturalmente, o pressuposto aqui, e que não tivemos muita ocasião de explorar durante minha apresentação, é que, pelo menos num nível simples e básico, estou considerando a chamada "invisibilidade" da operação tradutória como um valor positivo, capaz de ser alcançado com maior segurança pelo exercício sistemático de imprimir um perfil pessoal na tradução, tendo como um dos principais critérios para guiar as escolhas a preservação do tipo de fluência presente no texto de partida.



imagem: drowning

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Published on December 02, 2010 16:08

colóquio de tradução na unimep: autoria e responsabilidade

prosseguindo o relato de minha participação no colóquio em piracicaba:





Consideramos então que estava suficientemente demonstrada a impossibilidade de existir uma tradução única, mesmo de um trecho curto e simples – a menos, claro, que decidíssemos que nove alternativas eram ruins e apenas uma era boa, e aí a questão seria apresentar e justificar os critérios para esse juízo. Como não vimos nenhum critério capaz de sustentar essa hipotética decisão, fomos em frente, aceitando a existência de várias alternativas plenamente viáveis e aceitáveis para a tradução daquele trecho.



Essa marca pessoal que cada um dos participantes imprimiu em sua tradução é que, argumentei eu, constitui a base para o reconhecimento jurídico – desde o século XIX – do tradutor como autor de uma obra dotada de identidade própria. Assim, tradução é obra: é derivada de uma obra originária, claro, mas nem por isso deixa de ser, em sua esfera própria e limitada, uma obra pessoal, original, intransferível. Por outro lado, isso não tem nada a ver com "co-autoria", que são outros quinhentos. Uma tradução não é uma coautoria, a despeito do que alguns possam pensar - é simplesmente uma "obra derivada". Anule-se essa identidade, anular-se-á a figura moderna do tradutor. Que seja, isso sempre pode ocorrer, e os conceitos de autor e autoria também são historicamente datados e determinados.



Pois o que importa é que os fundamentos para que o tradutor seja juridicamente definido como pessoa portadora de direitos de autor têm uma anterioridade não só histórica, mas lógica, que independe dessa sua definição jurídica: mantêm-se os mesmos, quer o tradutor seja tido como autor ou não. Eles consistem justamente no fato inescapável de que cada obra de tradução tem uma identidade própria. E essa identidade própria decorre, evidentemente, das marcas pessoais que o tradutor imprime em seu texto, derivado do texto de origem.



E aqui chegamos a um ponto que me parece central: se por um lado as marcas pessoais de uma obra de tradução lhe conferem identidade própria, por outro lado é evidente que o tradutor é responsável pelo menos por uma parte das características presentes em seu texto de tradução. Neste sentido, entendo que negar ou querer abolir as marcas pessoais que imprimimos em nossa tradução é abdicar ou se esquivar à responsabilidade que temos por aquele texto que escrevemos.



Assim é que, em meu entender, o postulado de que uma boa tradução não guarda ou não deveria guardar a marca pessoal do indivíduo tradutor, além de ingênuo e dogmático, vem acompanhado também de uma espécie de apologia da irresponsabilidade. No momento em que o indivíduo tradutor pensa que, ao traduzir, pode se abster de deixar sua marca pessoal no texto de tradução, ele se exime de responder pelo que faz: coloca-se na posição de um mero instrumento transmissor supostamente neutro [e é claro que mesmo esta imagem é enganosa, pois não existe meio, qualquer que seja, que não exerça interferência na transmissão]. Mas, seja qual for a imagem, essa abdicação da responsabilidade por nosso texto de tradução muitas vezes se expressa na batidíssima frase, incrivelmente obscura e abstrusa, que já ouvi invocada várias vezes para justificar uma escolha X ou Y num trabalho de tradução: "está assim no original" ou "é assim que está no original".



Mas aí eu pergunto: e o que significa "está assim no original"? Pois é exatamente disso que se trata: um texto traduzido NÃO ESTÁ ASSIM no original. O texto traduzido está como o tradutor o redigiu a partir do texto de origem, passando pelos mais variados e diversos níveis de apreensão, interpretação e escolha. E é esta a responsabilidade do tradutor: na medida de suas limitações pessoais e determinações histórico-culturais, tentar perceber como está traduzindo, qual partido está adotando. Até onde consigo entender, a maneira mais coerente de nos responsabilizarmos por nossos textos de tradução é reconhecer que eles são construídos a partir de critérios e escolhas que adotamos perante os textos de origem. E aí é melhor saber do que não saber quais são eles, não é mesmo?



imagem: burmadigest.com

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Published on December 02, 2010 12:08

colóquio de tradução na unimep: marcas

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O colóquio de tradução em Piracicaba, na Unimep, foi muito legal. O tema central foi algo mais ou menos como a presença de um tradutor em seu texto, voluntária ou não, consciente ou não.



Como minhas exposições costumam ser de tipo "agonístico", isto é, adotando como ponto de partida um argumento contrário, tomei como pano de fundo uma posição tradutória que ainda hoje no Brasil afirma que uma boa tradução não traz ou não deveria trazer a "marca pessoal" do tradutor.



Considero esse tipo de concepção, além de ingênuo, simplesmente insustentável, uma impossibilidade lógica, ontológica, empírica, o que for. Pois é evidente que toda tradução* carrega a marca de quem a escreveu: seja em termos históricos e culturais, seja em termos estilísticos e estruturais, seja no simples plano mais imediato da escolha vocabular. E isso me parece tão evidente que dispensa maiores argumentações.



* Na ocasião, tratamos do campo específico de tradução literária e de humanidades, mas alguns aspectos provavelmente se aplicariam também a traduções técnicas e científicas.



Em todo caso, num exemplo simples, basta pensar nas inúmeras traduções de Shakespeare em língua portuguesa. Se se supusesse possível uma tradução sem a "marca pessoal do tradutor" e, ademais, que essa hipotética ausência de marca fosse um valor positivo, teríamos que apenas uma delas seria "boa". Aí, secundariamente, teríamos até uma outra questão, a meu ver bastante engraçada e talvez crucial: quem determinaria, entre essas diversas traduções, qual é a "impessoal" e, por extensão, "boa"? (É claro que aqui estamos falando de traduções com um mínimo de proficiência linguística.)



O público presente no colóquio era composto por estudantes da graduação e do pós em língua inglesa e tradução. Para preparar a demonstração prática de meu argumento contra a ideia da "neutralidade" ou impessoalidade de qualquer texto de tradução literária e de humanidades, pedi a dez dos presentes que traduzissem ali na hora o parágrafo inicial de Walden – a escolha do trecho foi meio arbitrária: minha tradução dessa obra acabava de ser publicada pela L&PM e, embora eu ainda não tivesse visto o livro impresso, estava com ela na cabeça. São poucas linhas bastante simples:

When I wrote the following pages, or rather the bulk of them, I lived alone, in the woods, a mile from any neighbor, in a house which I had built myself, on the shore of Walden Pond, in Concord, Massachusetts, and earned my living by the labor of my hands only. I lived there two years and two months. At present, I am a sojourner in civilized life again.
Como era de se prever, entre as dez traduções não havia duas iguais e, sob um microscópio, nem remotamente parecidas. Tirando um mínimo deslize em um ou dois casos, todas davam conta do recado. Some-se a isso que há três traduções brasileiras de Walden, também bastante diferentes entre si. Qual, então, seria a "boa"? Qual não traria a "marca pessoal" do tradutor? Um problema.





O que quero dizer é que as linhas tradutórias que invocam uma suposta objetividade ou impessoalidade da obra de tradução são, por trás de sua ingenuidade de superfície, tremendamente normativistas e balizadas por critérios nada transparentes. Pois, para escolher uma entre treze alternativas com graus equivalentes de proficiência, há de se empregar algum critério. E se, para escolher uma delas ("esta aqui é a boa"), invoco como critério uma pretensa impessoalidade ("e é a boa porque não tem a marca pessoal de quem a fez"), estou, em primeiro lugar, ocultando o fato de que HÁ, sim senhor, uma marca pessoal - tanto é que ela não se confunde com as outras doze, que também são inconfundíveis entre si. Mas, em segundo lugar e principalmente, não estou deixando claro qual é o critério que me faz escolher esta e não outra. Se o critério não é claro, ele não pode ser entendido, avaliado, julgado, aceito ou refutado: em suma, é dogmático. Esse ocultamento dos critérios para a escolha de uma alternativa – ao pretexto meramente postulado, mas indemonstrado, de que uma boa tradução não poderia ou não deveria trazer marcas pessoais do indivíduo tradutor – constitui, a meu ver, um dos principais problemas que uma tradução minimamente proficiente enfrenta na atualidade editorial brasileira. Mas este já é outro problema.



mutatis mutandis, descobriu-se que a impressão digital ajuda a detetar texturas delicadas e pequenos objetos por meio do tato. neste sentido metafórico da "digital" que o tradutor imprime em seu texto, quem sabe a prévia atenção voluntária e deliberada às marcas pessoais que inevitavelmente deixaremos em nossas traduções não poderia contribuir para uma detecção mais apurada de elementos presentes na obra originária? veja aqui.



imagem: tato apurado

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Published on December 02, 2010 08:37

desmemórias desmioladas

.entre minhas pesquisas vêm aparecendo algumas ocorrências esdrúxulas: são obras de tradutores bastante conhecidos, mas que algumas editoras publicam em nome de outros tradutores também bastante conhecidos.





as notícias sobre essas surpreendentes trocas de nomes estão dispersas no blog. reúno-as aqui, com os links para seus respectivos posts. são elas:



- tradução feita por mário quintana e atribuída a galeão coutinho: zadig, de voltaire, pela itatiaia - link e link

- tradução feita por berenice xavier e atribuída a brenno silveira: william wilson, de edgar allan poe, pela bestbolso (grupo record) - link

- tradução feita por oscar mendes e milton amado e atribuída a brenno silveira: nunca aposte sua cabeça com o diabo, de edgar allan poe, pela civilização brasileira e pela bestbolso (ambas do grupo record) - link

- tradução feita por ruth guimarães e atribuída a isa silveira leal: o subsolo, a árvore de natal na casa de cristo, mujique marei, de dostoievski, pela martin claret - link e link



não são casos de plágio de tradução - seria inconcebível e nem faria sentido -, e sim atribuições grotescamente errôneas. entendo que as editoras estão pecando por irresponsabilidade, criando confusão e dando motivos para que algum leitor, em algum momento, seja levado a considerar mário quintana, brenno silveira e isa silveira leal como meros copistas de traduções alheias. fica aqui o alerta.



imagem: espirais

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Published on December 02, 2010 04:00

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Denise Bottmann
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