Denise Bottmann's Blog, page 115
January 3, 2011
2011
.
o ano começa com ótimas notícias, que irei pingando aos poucos, conforme o tempo (
lendo walden
, meu novo xodó, é meio demandativo).
mas essa eu não podia deixar passar: encerrando o recesso natalino, ivo barroso retoma sua gaveta de preciosidades e volta para gáudio dos leitores. veja aqui .
imagem: 2011
.
o ano começa com ótimas notícias, que irei pingando aos poucos, conforme o tempo (
lendo walden
, meu novo xodó, é meio demandativo).mas essa eu não podia deixar passar: encerrando o recesso natalino, ivo barroso retoma sua gaveta de preciosidades e volta para gáudio dos leitores. veja aqui .
imagem: 2011
.
Published on January 03, 2011 13:59
December 28, 2010
a febre de voltaire
o caso do voltaire ressurreto na coleção "sacode a poeira" da folha me levou a procurar outras traduções dos anos 1930-1950. encontrei coisas interessantes, e minha listinha ficou assim:
1. cândido, ou o otimista, na já citada tradução de jorge silva, pela editora atena, 1938;
2. cândido ou o otimismo, tradução de lívio xavier, pela livraria martins, no volume o pensamento vivo de voltaire, 1940;
3. cândido, ou o otimista, tradução de galeão coutinho, pela livraria martins, 1943;
4. cândido, tradução de mario quintana, pela editora globo, num volume chamado contos e novelas, 1951;
5. cândido ou o otimismo, tradução de lívio xavier, num volume pela difel com o título romances e contos, 1959.
quatro traduções do cândido entre 1938 e 1951! devia estar uma febre danada de voltaire naqueles anos.
1.
2.
3.
4.
5.
interessou-me bastante a edição cor de rosinha da martins, em sua coleção excelsior. já havia o caso muito bizarro do zadig de voltaire, envolvendo galeão coutinho e mario quintana, ambos assinando traduções absolutamente idênticas, fato que atribuí a algum lapso da editora itatiaia. veja aqui . por outro lado, é interessante que um livro chamado candide, ou le optimisme encontre duas traduções diferentes com o título cândido, ou o otimista. como essa tradução do cândido pela atena parece ser filha única de mãe viúva, como diziam antigamente, do tal "jorge silva", quero dar uma checada. vai que é algum pseudônimo do galeão?
obs.: romances e contos da martins aparece na ilustr. 2 na edição de 1951.
.
1. cândido, ou o otimista, na já citada tradução de jorge silva, pela editora atena, 1938;
2. cândido ou o otimismo, tradução de lívio xavier, pela livraria martins, no volume o pensamento vivo de voltaire, 1940;
3. cândido, ou o otimista, tradução de galeão coutinho, pela livraria martins, 1943;
4. cândido, tradução de mario quintana, pela editora globo, num volume chamado contos e novelas, 1951;
5. cândido ou o otimismo, tradução de lívio xavier, num volume pela difel com o título romances e contos, 1959.
quatro traduções do cândido entre 1938 e 1951! devia estar uma febre danada de voltaire naqueles anos.
1.
2.
3.
4.
5.
interessou-me bastante a edição cor de rosinha da martins, em sua coleção excelsior. já havia o caso muito bizarro do zadig de voltaire, envolvendo galeão coutinho e mario quintana, ambos assinando traduções absolutamente idênticas, fato que atribuí a algum lapso da editora itatiaia. veja aqui . por outro lado, é interessante que um livro chamado candide, ou le optimisme encontre duas traduções diferentes com o título cândido, ou o otimista. como essa tradução do cândido pela atena parece ser filha única de mãe viúva, como diziam antigamente, do tal "jorge silva", quero dar uma checada. vai que é algum pseudônimo do galeão?
obs.: romances e contos da martins aparece na ilustr. 2 na edição de 1951..
Published on December 28, 2010 15:17
atualização
prosseguem as notas de leitura no lendo walden, na sequência de baixo para cima:
homero, a leitura
a casa, V
homero e mitos de origem
homero em walden
lareira: referências
a casa, IV
a casa, III
a casa, II
a casa, I
contraste como figura de estilo
lunáticos
sons da mobelha
a mobelha: o riso, o uivo e o chamado
o ulular da coruja
o uivo do mocho
.
homero, a leitura
a casa, V
homero e mitos de origem
homero em walden
lareira: referências
a casa, IV
a casa, III
a casa, II
a casa, I
contraste como figura de estilo
lunáticos
sons da mobelha
a mobelha: o riso, o uivo e o chamado
o ulular da coruja
o uivo do mocho
.
Published on December 28, 2010 07:55
December 27, 2010
coleção poeira
.Acho que a Coleção Folha "Livros que Mudaram o Mundo" devia mudar de nome e passar a se chamar Coleção Poeira.
Vendo o Cândido, ou o otimista, de Voltaire, que saiu nesses dias, fiquei mais uma vez decepcionada.
A tradução de Voltaire feita por Jorge Silva foi publicada de início pela editora Atena em 1938, lá se vão mais de setenta anos.
Quem visita o nãogostodeplágio sabe que sou enérgica defensora da preservação de nosso patrimônio tradutório, o qual entre 1995 e 2009 andou sofrendo saques desenfreados. Mas daí até achar que o tempo parou e que desde os anos 1930-1940 não surgiram novas traduções quiçá mais meritórias vai uma grande distância.
Recapitulemos. Nos volumes lançados pela Coleção Poeira, temos:
um descarado plágio de uma antiquésima tradução lusitana de 1908: Darwin, A origem das espécies, ainda por cima feita por interposição do francês e crivada de erros grotescos;
um lançamento francamente enganoso: o livro de Gabriel Deville, O capital de Karl Marx, resumido e acompanhado de um estudo sobre o socialismo científico, apresentado como se fosse o próprio O capital de Marx em edição condensada, e como se o Estudo sobre o socialismo científico fosse de sua autoria, também em vetusta tradução;
uma edição de Descartes que dá vontade de chorar de tão ruinzinha que é;
e nada menos que cinco títulos - a rigor seis, pois o volume de Maquiavel agrupa duas obras - com encanecidas traduções da antiga Atena (que fechou nos anos 1960), desde então exaustivamente republicadas por várias editoras - Ediouro, Abril Cultural, Nova Cultural, Agir, Nova Fronteira, Escala, Cultura Brasileira, Livraria Exposição do Livro, Hemus, Edipro - e que até acho que talvez já estejam em domínio público:
Maquiavel, O príncipe, tradução de Lívio Xavier, c.1940
Maquiavel, Escritos políticos, tradução de Lívio Xavier, 1942
Platão, A república, tradução de Albertino Pinheiro, s/d (em 1950 já era a 4a. ed.)
Thomas Morus, Utopia, tradução de Luís de Andrade, 1937
Aristóteles, A política, tradução de Nestor Silveira Chaves, 1944
Voltaire, Cândido ou o otimista, tradução de Jorge Silva, 1938
A Coleção Poeira tinha anunciado que a obra de Pascal, Pensamentos, sairia na tradução de Paulo M. Oliveira, também do baú de nossas avós. Mas aparentemente mudou de ideia, pois substituiu em seu site o nome de Paulo Oliveira pelo de outro tradutor. Apenas notei a troca de nomes, mas não cheguei a comprar o exemplar nessa outra tradução.
De mais a mais, A república de Platão e A política de Aristóteles são traduções do francês um tanto, digamos, superadas, e que em minha opinião têm valor basicamente histórico.
Não entendi muito bem a razão para reeditar esses títulos, em tradução seja espúria, medíocre ou ultrapassada, em tiragens tão grandes e com tanto aparato de marketing.
sobre darwin, a origem das espécies, veja aqui
sobre gabriel deville, o capital de karl marx, veja aqui
sobre descartes, discurso sobre o método e princípios de filosofia, veja aqui
.
Vendo o Cândido, ou o otimista, de Voltaire, que saiu nesses dias, fiquei mais uma vez decepcionada.
A tradução de Voltaire feita por Jorge Silva foi publicada de início pela editora Atena em 1938, lá se vão mais de setenta anos.
Quem visita o nãogostodeplágio sabe que sou enérgica defensora da preservação de nosso patrimônio tradutório, o qual entre 1995 e 2009 andou sofrendo saques desenfreados. Mas daí até achar que o tempo parou e que desde os anos 1930-1940 não surgiram novas traduções quiçá mais meritórias vai uma grande distância.
Recapitulemos. Nos volumes lançados pela Coleção Poeira, temos:
um descarado plágio de uma antiquésima tradução lusitana de 1908: Darwin, A origem das espécies, ainda por cima feita por interposição do francês e crivada de erros grotescos;
um lançamento francamente enganoso: o livro de Gabriel Deville, O capital de Karl Marx, resumido e acompanhado de um estudo sobre o socialismo científico, apresentado como se fosse o próprio O capital de Marx em edição condensada, e como se o Estudo sobre o socialismo científico fosse de sua autoria, também em vetusta tradução;
uma edição de Descartes que dá vontade de chorar de tão ruinzinha que é;
e nada menos que cinco títulos - a rigor seis, pois o volume de Maquiavel agrupa duas obras - com encanecidas traduções da antiga Atena (que fechou nos anos 1960), desde então exaustivamente republicadas por várias editoras - Ediouro, Abril Cultural, Nova Cultural, Agir, Nova Fronteira, Escala, Cultura Brasileira, Livraria Exposição do Livro, Hemus, Edipro - e que até acho que talvez já estejam em domínio público:
Maquiavel, O príncipe, tradução de Lívio Xavier, c.1940
Maquiavel, Escritos políticos, tradução de Lívio Xavier, 1942
Platão, A república, tradução de Albertino Pinheiro, s/d (em 1950 já era a 4a. ed.)
Thomas Morus, Utopia, tradução de Luís de Andrade, 1937
Aristóteles, A política, tradução de Nestor Silveira Chaves, 1944
Voltaire, Cândido ou o otimista, tradução de Jorge Silva, 1938
A Coleção Poeira tinha anunciado que a obra de Pascal, Pensamentos, sairia na tradução de Paulo M. Oliveira, também do baú de nossas avós. Mas aparentemente mudou de ideia, pois substituiu em seu site o nome de Paulo Oliveira pelo de outro tradutor. Apenas notei a troca de nomes, mas não cheguei a comprar o exemplar nessa outra tradução.
De mais a mais, A república de Platão e A política de Aristóteles são traduções do francês um tanto, digamos, superadas, e que em minha opinião têm valor basicamente histórico.
Não entendi muito bem a razão para reeditar esses títulos, em tradução seja espúria, medíocre ou ultrapassada, em tiragens tão grandes e com tanto aparato de marketing.
sobre darwin, a origem das espécies, veja aqui
sobre gabriel deville, o capital de karl marx, veja aqui
sobre descartes, discurso sobre o método e princípios de filosofia, veja aqui
.
Published on December 27, 2010 16:18
December 22, 2010
recesso natalino
Published on December 22, 2010 06:46
December 21, 2010
novo blog
.como os caros leitores do nãogostodeplágio devem ter notado, iniciei uma série de notas sobre walden, de thoreau, que provavelmente ainda se estenderá por bastante tempo. minha intenção é reunir subsídios para vir a compor um estudo de perfil mais acadêmico. esses subsídios, quero ir publicando como uma espécie de "primeira versão", mais informal, que espero possam ter algum interesse de um ponto de vista mais geral.
por isso hoje iniciei um novo blog, chamado lendo walden , dedicado exclusivamente a essas notas de leitura e pesquisa. assim, o nãogostodeplágio interrompe a série em "lendo walden, XIX", e as notas já publicadas aqui serão republicadas lá.
.

por isso hoje iniciei um novo blog, chamado lendo walden , dedicado exclusivamente a essas notas de leitura e pesquisa. assim, o nãogostodeplágio interrompe a série em "lendo walden, XIX", e as notas já publicadas aqui serão republicadas lá.
.
Published on December 21, 2010 07:37
December 20, 2010
lendo walden, XIX
.
Comentei a infinidade de espécies vegetais que Thoreau menciona em Walden. A fauna - da água, da terra e do ar - também comparece às centenas.
Dois ou três se destacam maravilhosamente; mais que metáforas, como que signos vivos, de altíssimo grau de condensação, estereótipos (como diria Thoreau) da criação. São eles a mobelha (loon, Colymbus glacialis), o mocho orelhudo (hooting owl, Bubo virginianus) e especialmente o lúcio (pickerel, Esox lucius). São longos trechos onde o denso estilo de Thoreau deixa de lado as frases curtas, as ironias incisivas, os juízos ásperos: faz-se ora distendido, ora empático, ora quase grandioso.
Os três são mencionados em diversas ocasiões, mas as passagens mais detidas se encontram, respectivamente, em "Vizinhos irracionais, "Sons"/"Animais de inverno" e "O lago no inverno".
.
Comentei a infinidade de espécies vegetais que Thoreau menciona em Walden. A fauna - da água, da terra e do ar - também comparece às centenas.
Dois ou três se destacam maravilhosamente; mais que metáforas, como que signos vivos, de altíssimo grau de condensação, estereótipos (como diria Thoreau) da criação. São eles a mobelha (loon, Colymbus glacialis), o mocho orelhudo (hooting owl, Bubo virginianus) e especialmente o lúcio (pickerel, Esox lucius). São longos trechos onde o denso estilo de Thoreau deixa de lado as frases curtas, as ironias incisivas, os juízos ásperos: faz-se ora distendido, ora empático, ora quase grandioso.
Os três são mencionados em diversas ocasiões, mas as passagens mais detidas se encontram, respectivamente, em "Vizinhos irracionais, "Sons"/"Animais de inverno" e "O lago no inverno".
.
Published on December 20, 2010 19:47
lendo walden, XVIII
.Henry David Thoreau não se chamava assim. Seu nome era David Henry Thoreau, e aos 20 anos, ao voltar de Harvard para Concord, fez a inversão dos nomes, sem chegar a registrar legalmente a mudança. Na verdade, preferia Henry D. Thoreau.
Existem algumas interpretações sobre o fato, mas ele mesmo não deixou explicações. Thoreau mantinha registros em caráter esporádico, e só iniciou de fato seu diário, que veio a ocupar 47 volumes manuscritos, também aos 20 anos, no retorno da faculdade, por sugestão de Emerson, e aí já como Henry David.
Thoreau é sobrenome de origem francesa, e muitos pronunciam mais ou menos "Thorôu". Mas Alcott comenta que Thoreau, pessoalmente, pronunciava como Thór-o, e em Concord diziam também Thôr-o. Aliás, em seu outro grande prazer, a filologia, não deixava de apontar distantes relações entre seu sobrenome e Thor, o deus escandinavo do trovão e da agricultura, e/ou thorough (perfeito, íntegro, completo) em inglês. Imagino que fosse uma boutade.
.
Existem algumas interpretações sobre o fato, mas ele mesmo não deixou explicações. Thoreau mantinha registros em caráter esporádico, e só iniciou de fato seu diário, que veio a ocupar 47 volumes manuscritos, também aos 20 anos, no retorno da faculdade, por sugestão de Emerson, e aí já como Henry David.
Thoreau é sobrenome de origem francesa, e muitos pronunciam mais ou menos "Thorôu". Mas Alcott comenta que Thoreau, pessoalmente, pronunciava como Thór-o, e em Concord diziam também Thôr-o. Aliás, em seu outro grande prazer, a filologia, não deixava de apontar distantes relações entre seu sobrenome e Thor, o deus escandinavo do trovão e da agricultura, e/ou thorough (perfeito, íntegro, completo) em inglês. Imagino que fosse uma boutade.
.
Published on December 20, 2010 15:56
December 19, 2010
lendo walden, XVII
.
A certa altura (p. 137), ao falar sobre a saúde, Thoreau diz:
Na continuação do parágrafo, Thoreau declara que não é adepto dos recursos da medicina ("Não sou adorador de Higeia, filha daquele velho curandeiro Esculápio"). E, numa imagem que parece curiosa, completa: "e sim de Hebe, a escansã de Júpiter, filha de Juno e da alface-silvestre" (p. 138).
Tive um problema de gênero para traduzir wild lettuce, que, a despeito de aparecer aqui como pai de Hebe, ficou no feminino... A versão mais corrente é que Hebe seria filha de Zeus e de Hera (Walden traz o correspondente romano Júpiter), mas Thoreau adota a versão menos habitual de que Hera teria concebido Hebe ao tocar numa folha de alface-silvestre.
Seja como for, a alface-silvestre, alface-brava ou alface do ópio é a lactuta virosa, erva com propriedades analgésicas, sedativas e brandamente psicotrópicas, relaxando os estados de ansiedade, com efeitos narcóticos e aumentando a vividez dos sonhos. É conhecida desde a antiguidade grega e entrou na mitologia na figura de sua filha Hebe, a atendente que servia nos cálices dos deuses o elixir da imortalidade.
Thoreau não usava álcool, chá, café, tabaco, e não era um adepto de "ampliar a percepção" com recursos externos. Pelo contrário, e numa indireta menção a De Quincey (cuja obra bem conhecia), ele dizia: "prefiro o céu da natureza ao paraíso de um comedor de ópio" (p. 209). E acrescentava: "Entre todas as espécies de embriaguez, quem não prefere se inebriar com o ar que respira?"
Assim, o cântaro de Hebe - em oposição à taça de Esculápio, "onde às vezes se abebera a serpente" (e é impossível deixar de sentir aí uma anacrônica ressonância do símbolo cristão do mal) - aparece como um dos recursos da "botânica medicinal universal" a que ele se referia antes. Belamente termina o parágrafo: "e, por onde ela ia, era primavera".
imagens: old parr e hebe (wiki)
.
A certa altura (p. 137), ao falar sobre a saúde, Thoreau diz:
Qual é a pílula que nos manterá bem, serenos, contentes? Não a do meu ou do teu bisavô, mas a botânica medicinal universal de nossa bisavó Natureza, com a qual ela mesma se conserva sempre jovem, sobrevivendo a tantos velhos Parrs e alimentando sua saúde com a obesidade decadente deles.Old Parr conhecemos mais como aquele uísque escocês meio forte (que existe desde 1871). O nome não é à toa: trata-se, no uísque e na passagem de Thoreau, do inglês Thomas "Old" Parr, famoso como o homem mais longevo do mundo, nascido em 1483, falecido em 1635, com quase 153 anos de idade. Não que Thoreau demonstre grande simpatia por ele...
Na continuação do parágrafo, Thoreau declara que não é adepto dos recursos da medicina ("Não sou adorador de Higeia, filha daquele velho curandeiro Esculápio"). E, numa imagem que parece curiosa, completa: "e sim de Hebe, a escansã de Júpiter, filha de Juno e da alface-silvestre" (p. 138).
Tive um problema de gênero para traduzir wild lettuce, que, a despeito de aparecer aqui como pai de Hebe, ficou no feminino... A versão mais corrente é que Hebe seria filha de Zeus e de Hera (Walden traz o correspondente romano Júpiter), mas Thoreau adota a versão menos habitual de que Hera teria concebido Hebe ao tocar numa folha de alface-silvestre.
Seja como for, a alface-silvestre, alface-brava ou alface do ópio é a lactuta virosa, erva com propriedades analgésicas, sedativas e brandamente psicotrópicas, relaxando os estados de ansiedade, com efeitos narcóticos e aumentando a vividez dos sonhos. É conhecida desde a antiguidade grega e entrou na mitologia na figura de sua filha Hebe, a atendente que servia nos cálices dos deuses o elixir da imortalidade.
Thoreau não usava álcool, chá, café, tabaco, e não era um adepto de "ampliar a percepção" com recursos externos. Pelo contrário, e numa indireta menção a De Quincey (cuja obra bem conhecia), ele dizia: "prefiro o céu da natureza ao paraíso de um comedor de ópio" (p. 209). E acrescentava: "Entre todas as espécies de embriaguez, quem não prefere se inebriar com o ar que respira?"
Assim, o cântaro de Hebe - em oposição à taça de Esculápio, "onde às vezes se abebera a serpente" (e é impossível deixar de sentir aí uma anacrônica ressonância do símbolo cristão do mal) - aparece como um dos recursos da "botânica medicinal universal" a que ele se referia antes. Belamente termina o parágrafo: "e, por onde ela ia, era primavera".
imagens: old parr e hebe (wiki)
.
Published on December 19, 2010 18:18
lendo walden, XVI
.A
Ilustríssima de hoje, na versão online
, publicou uma breve entrevista minha a Marcelo Maraninchi, sobre Walden e Thoreau.
Esse aspecto final que comento por cima - a presença de Kant, via romantismo inglês, no transcendentalismo da Nova Inglaterra (e daí também a designação do grupo) - me parece muito fecundo. Voltarei ao tema.
.
Em entrevista à Ilustríssima, Bottmann conta como foi seu primeiro contato com a obra, menciona os desafios da tradução e afirma Goethe, Wordsworth e Kant como influências perceptíveis na obra de Thoreau.
Folha - Quando você teve contato com Thoreau pela primeira vez, e como foi?
Denise Bottmann - Li Walden pela primeira vez aos 16, 17 anos (1970/71), numa época em que abandonar a faculdade, sair pelo mundo de mochila nas costas, viver no campo, morar em comunidade, virar vegetariano ou macrobiótico, em suma, levar uma "vida alternativa", exerciam um tremendo fascínio para adolescentes urbanos sob a ditadura. Andei com aquele livrinho debaixo do braço por uns três, quatro anos. Duvido que tenha entendido muita coisa, além de decorar frases de efeito e guardar folhinhas secas entre suas páginas. Mas era uma companhia muito interessante.
Quando tempo você dedicou à tradução de Walden? Quais foram os maiores desafios?
Olha, quem faz tradução em tempo integral e vive disso tem de ter uma produtividade média razoável. Então, quando hoje revejo a quantidade de pesquisas e anotações que fiz, até me admiro que tenha levado apenas quatro meses, mesmo em regime de trabalho bem puxadinho. Por outro lado, é um absurdo de tempo, pois qualquer tradutor morreria de fome se levasse esse tempo todo para fazer 300 páginas. Quero dizer: para um leigo, quatro meses pode parecer pouco, e para um estudioso não é nada; mas, para um tradutor profissional, é bastante.
Como você avalia a importância dele para a cultura americana?
Essa pergunta beira o irrespondível, de tão abrangente e complicada que é. Mas, muito esquematicamente, eu diria: no contexto da história do pensamento moral americano oitocentista, ele foi a voz levemente - atenção, apenas levemente - dissonante e um pouco estridente entre aquela linhagem do individualismo de tipo heroico que tem em Emerson seu grande expoente. Já no contexto dos anos 60/70, período de sua redescoberta e divulgação entre o grande público, Thoreau foi alçado a guru de diversas correntes ideológicas que, a meu ver, dificilmente ele compartilharia. Tenho bastante dificuldade em enxergá-lo como papa da contracultura - e no entanto é essa sua adoção pelos pacifistas, hippies e outras correntes posteriores (ecologistas e vegans, p.ex.) que permitiu desempoeirá-lo daquela pátina meio mofada do transcendentalismo novo-inglês.
Thoreau tem uma dicção que lembra, em vários momentos, poetas como Walt Whitman e Álvaro de Campos. Seu isolamento e paixão pelos livros lembra também Montaigne. Você identifica uma linhagem clara para ele, com as implicações de filiação e influência literárias?
Quanto à dicção, sobretudo Wordsworth, não? Quanto à linhagem nem sempre explícita e à flor da pele, mas muito enraizada e entranhada, seria, a meu ver, o romantismo inglês, com sua leitura bastante peculiar de Kant, o papel da percepção e da intuição, e sua teoria do sublime. E não há como deixar de ver o dedinho de Goethe com sua doutrina da natureza.
Esse aspecto final que comento por cima - a presença de Kant, via romantismo inglês, no transcendentalismo da Nova Inglaterra (e daí também a designação do grupo) - me parece muito fecundo. Voltarei ao tema.
.
Published on December 19, 2010 05:45
Denise Bottmann's Blog
- Denise Bottmann's profile
- 23 followers
Denise Bottmann isn't a Goodreads Author
(yet),
but they
do have a blog,
so here are some recent posts imported from
their feed.

