Joel Neto's Blog, page 43

February 3, 2014

A vida num sopro


Respondendo a um desafio do Facebook, cá vai o esforço. Deixando criminosamente de fora autores que me marcaram bastante como escritor, incluindo David Lodge, Philip Roth, Paul Auster ou Raymond Carver; deixando de fora um monte de poetas (de que sou sempre, ainda assim e lamentavelmente, mau leitor); deixando até de fora esse monumento fundador do século XX açoriano e português que é “Mau Tempo no Canal”; e deixando inescrupulosamente de fora mais um monte de coisas fundamentais: seguem os dez (oh, ignomínia!) livros que talvez mais me marcaram – ou que neste momento me parece que mais me marcaram – como homem, e pela ordem cronológica em que o terão feito. Lidos quase todos até ao final da adolescência, no máximo no pós-adolescência, que é o período em que, provavelmente, a influência dos livros sobre a nossa dimensão humana é mais indelével (que não, necessariamente, maior).


 


- “Bíblia Sagrada” (por razões diferentes, o Velho e o Novo Testamentos)
- “Um Deus À Beira da Loucura”, Daniel de Sá
- “Cem Anos de Solidão”, Gabriel Garcia Márquez
- “A Vida Não É Aqui”, Milan Kundera
- “Gente Feliz Com Lágrimas”, João de Melo
- “Conta-Corrente” (sobretudo o primeiro volume), Vergílio Ferreira
- “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, José Saramago
- “As Vinhas da Ira”, John Steinbeck
- “Moby Dick”, Herman Melville
- “Ou o Poema Contínuo”, Herberto Helder

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Published on February 03, 2014 14:06

Se for preciso, também faço chover sapos

Numa encruzilhada narrativa. Tinha de chegar o dia. Peripeteias, deus ex-machinas, plot devices - alguma coisa vai ter de funcionar...

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Published on February 03, 2014 04:10

January 31, 2014

De encontro ao Vento Carpinteiro


"Olhou sobre Angra, aninhada aos pés do Monte Brasil, e tentou recordar o poema com que, nos primeiros tempos de Lisboa, quando ainda restava entre eles uma espécie de afecto, o pai celebrava os dias bons.
Duas gaivotas atravessaram o jardim, vindas do lado do Porto de Pipas, e pousaram sobre os ramos nus da linha de plátanos que bordejava o passeio, descendo até ao coração da cidade. O tempo tornara a suspender-se e quase não restava ruído de trânsito.
Pairava uma espécie de paz – e, no entanto, era como se tudo estivesse a postos para a tempestade.
Esquadrinhou com o olhar as ruas da cidade, os seus solares e palácios, e imaginou marinheiros e mercadores, saltimbancos e aventureiros cruzando-se de passagem a caminho das sete partidas do mundo.
Charlatães bebiam vinho com missionários, soldados negociavam serviços com prostitutas, piratas persuadiam navegadores ao serviço do rei sobre novas e mais rentáveis rotas, de encontro ao Vento Carpinteiro.
Havia escravos e bêbedos, funcionários públicos e crianças furtivas, freiras e casaes de condenados com destino ao Brasil – e toda essa gente circulava por Angra como se fosse o seu sangue, incerto e veloz, bombeado por um coração descompassado que era o próprio movimento do mar, furioso, naufragando navios como numa tela de Turner."

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Published on January 31, 2014 11:50

Que a paz prevaleça no mundo, uf


E, à terceira noite, Melville já não ganiu. Nem ladrou. Nem se atirou à porta ou às janelas. Policiou garbosamente o jardim – coisa que faz deitado entre as duas botijas de água quente que eu lhe enfio na casota, mas tenho a certeza de que num estado de grande alerta – e agora está aqui a dormir, junto aos meus pés, enquanto escrevo. À hora de almoço, sairemos para a habitual caminhada pelo Monte Brasil, e então acompanhar-me-á a um ritmo regular, sem se atrasar ou adiantar, esperando com paciência o momento em que o libertarei para um pouco de reboliço e rebolanço. À tarde estará de volta comigo ao escritório, dormindo de novo, acordando para beber água e outras necessidades fisiológicas e logo voltando a aninhar-se, até que chegue a hora de jantar. Este cão tem, enfim, vida de cão e nós temos, enfim, vida de gente. Haverá sobressaltos, mas penso que começámos, de uma vez, a gozá-lo como deve ser. Agora, quero os dez anos que a mãe Natureza me prometeu.

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Published on January 31, 2014 02:23

January 30, 2014

Balanço desta manhã: oito chamadas emitidas e nenhuma atendida

Um mundo sem telefones - a isso reduzo às vezes o sonho.

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Published on January 30, 2014 03:53

January 29, 2014

Mais do que uma lição sobre o fim do tempo do serviço-e-vólei

Penso que posso ser definitivo nisto: nenhum de nós, aqueles que escrevem ou já escreveram sobre deporto, sabe verdadeiramente o que é escrever sobre desporto até ler um texto de Foster Wallace sobre Federer.

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Published on January 29, 2014 03:24

January 28, 2014

Medidas desesperadas de um gajo que já não sabe mais o que tentar


O Melville andava há meses a tentar enforcar-se no canil que lhe fiz na garagem. Todas as semanas eu reforçava a estrutura e todas as semanas ele encontrava uma nova maneira de se pendurar pelo pescoço. Começava a fazer-me lembrar a luta do ano passado contra os coelhos que me comiam a horta. Nem a castração resolveu o problema.



De modo que, após a enésima visita ao veterinário para tratamento de escoriações e prescrição de anti-inflamatórios, decidi empreender a medida radical. “Esta noite vais dormir na rua e passar a ganhar o teu como cão de guarda”, disse-lhe ontem. A seguir, só em casa – e em casa parece-me sempre haver muitos mais inconvenientes do que vantagens, desde logo porque de vez em quando tenho de viajar e não quero que se mate por inanição.


E então ele lá ficou: ganindo a noite toda, atirando-se contra a porta, arranhando as janelas a que, sinceramente, nem quero saber como conseguiu chegar. Pusemos tampões nos ouvidos e, mesmo assim, não pregámos olho. Ou melhor: a certa altura, pregámos, sim. E esta manhã, quando fomos à procura dele, estava de facto na sua casota, mas cheio de escoriações - e de tal modo exausto que no momento em que escrevo, meio-dia e vinte, ainda só se levantou para comer.


Durante a noite, venceu a vedação, fugiu para o jardim e andou pela mata, pela horta e até pelo curral do porco, derrubando cancelas e abrindo portões e marcando território um pouco por toda a parte. Mas voltou. Voltou e - o desespero faz destas coisas - tudo está bem quando acaba bem. Portanto, Melville ganhou, enfim, o seu primeiro emprego.


Agora quero ver quem se aproxima desta casa, com tal fera deitada na soleira da porta, na sua vigília disfarçada de sono.


Estás acordado, não estás, cão?


Cão?/Terra Chã, 28.1.14

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Published on January 28, 2014 05:31

A malta da Chiado está autorizada a processar


Todas as semanas, agora, me pedem um prefácio para, uma leitura crítica de ou até uma palavrinha nos jornais por um livro com a chancela de uma auto-intitulada Chiado Editora. “Surgiu-me esta oportunidade”, diz o jovem escritor, às vezes das ilhas e às vezes do continente – e eu, mesmo barafustando, faço o que posso.



Mas não deixo de tentar explicar-lhe que está a ser iludido.


Uma editora é uma empresa que faz selecção de edições, que faz edição e revisão de textos, que faz a divulgação do trabalho e candidata o livro a prémios e promove o seu autor. Sem isso não há editora e sem editora também não há propriamente um livro: há uma impressão, que até podia ser feita na casa de fotocópias da esquina.


E a Chiado Editora, fazendo-o talvez com Pinto da Costa ou Edson Athayde, não faz nada disso com estes jovens escritores a quem proporciona “a oportunidade”. Ou quase nada.


De resto, nem sequer é bom negócio, aquilo que lhes impinge. Mil e quinhentos euros por cento e cinquenta exemplares em mau papel, com má tinta, sem editing ou copying e com (enquanto gloriosos argumentos negociais, isto é) uma “distribuição nacional” cómica, dois press-releases obscuros, que os jornalistas apagam sem ler, e um lançamento sombrio numa loja FNAC vazia às três da tarde de uma quarta-feira – nada disso é bom negócio para um autor, embora seja um maravilhoso negócio para uma impressora.


Pelo amor de Deus, opúsculos a dez euros a unidade? Meus queridos, se têm mesmo de pagar para editar os vossos livros, então encontram melhor a um terço do preço. Isso é tudo menos uma oportunidade. E, daqui a dois meses, quando acharem que o mundo editorial é todo tão incompetente e frívolo e peseteiro e fundamentalmente inútil como os vossos actuais interlocutores, vão adquirir um trauma tal que ficam cinco anos sem escrever, a acumular ressentimentos antes do tempo.


Para mais, caramba: vocês estão na idade de queimar etapas. É preciso aprender a fazê-lo. Pergunta-vos um tipo que cometeu todos os erros, se aventurou a todas as precipitações e, no essencial, perdeu dez anos da sua vida a escrever bilhetinhos à mulher-a-dias: vocês têm mesmo de publicar o vosso blog em livro?/Terra Chã, 28.1.14

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Published on January 28, 2014 03:38

January 27, 2014

Sim, meus amigos, o problema é o mesmo. É sempre o mesmo

Tenho a impressão de que ninguém está a perceber isto: as praxes já são proibidas. Tudo o que é proibível nas praxes (o assédio, a coação, a injúria...) já é proibido. Era o que faltava vir agora o Estado e proibir-nos de mais uma coisa ainda, ademais se praticada de mútuo acordo. As universidades, sim, deveriam proibir tais manifestações no seu perímetro. O resto é apenas cumprimento da lei. E isso, muito mais do que da fiscalização, depende da educação. Das escolas. Das famílias. Das comunidades. Da cultura. A grande gaita das praxes, e do modo como nos últimos anos triplicaram a violência, é que elas são expressão do mesmo problema que se encontra por detrás da alienação dos jogos-de-vídeo, dos cultos satânicos, dos suicídios e dessa nova mania dos adolescentes para se filmarem a fazer sexo e porem-no na Internet. Estes gaiatos não estão a caminho da lado nenhum. Simplesmente isso: não estão a caminho de lado nenhum./Terra Chã, 27.1.14

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Published on January 27, 2014 01:23

January 26, 2014

Já não há pachorra para a comoçãozinha do dia

As praxes já eram uma imbecilidade asquerosa e gutural antes da tragédia do Meco. Nelas, como em tantas outras coisas importantes, continuaremos a pensar quando acontecer um acidente (na melhor das hipóteses) ou quando as televisões recuperarem um acidente acontecido há mês e meio (na pior). Antes e depois disso, há outros posts para ir pondo no Facebook, apesar da forte indignação com as praxes que continua a roer-nos por dentro. Sabeis uma coisa, amiguinhos? Para mim foi penálti. E, quanto ao resto, pois... "bate forte o tambor, eu quero é tchi-ki-tchi-ki-tchi-ki-tchi-ki-tchi-ki-tá"! Alegria, alegria, b'a noite e amén.


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Published on January 26, 2014 04:16