Joel Neto's Blog, page 45
January 15, 2014
Para além disso, o taberneiro fica muito mais espesso viúvo
Hoje matei uma personagem. Não servia, afinal, para nada – e, sobretudo, eu já não podia com a velha. Resta saber se ela não se tornará ainda mais perigosa morta. Os mártires são sempre os piores./Terra Chã, 15.1.14
E vocês, que personagens da literatura mundial gostariam de matar?
No fundo, a ambição tira-nos o prazer das pequenas conquistas
Talvez fosse natural esperar de mim que dissesse o quanto aprendi com Carlos Alberto Alves no fim da adolescência, muito antes de ainda de me tornar jornalista profissional, quando, primeiro com Mário Rodrigues e depois com ele próprio, me iniciei nisso de escrever nos jornais. Sim, posso dizê-lo: aprendi muito. Mas com tudo o que então acontecia à minha volta, como é próprio das crianças, eu apreendia. Na verdade, foi já homem feito que eu vim a receber do Carlos Alberto a maior de todas as lições. Estava em meio de profundas mudanças na minha vida, a caminho do regresso aos Açores e desejoso inclusive de deixar em definitivo de ser jornalista para me dedicar a tempo inteiro à literatura, quando tornei a olhar para o seu trabalho. No passado, Carlos Alberto revelava um faro pela notícia e um gosto pela história em geral que impressionaria qualquer um. Hoje, Carlos Alberto já nem tinha à sua disposição os mesmos canais do passado – e, no entanto, continuava a persegui-las: às notícias e às histórias. Não havia um jornal para onde pudesse escrever diariamente? Escrevia uma vez por semana. Os jornais estavam a morrer? Escrevia em portais, escrevia no Facebook, contava histórias na rádio, ao telefone. Já não havia à sua frente os jogos de futebol que dantes o ocupavam? Escrevia sobre a sua paixão por Roberto Carlos e puxava pela memória para escrever histórias do passado da ilha Terceira e dos Açores: da sua cultura, da sua sociedade civil, dos seus heróis. Creio não exagerar se disser que, em parte, se deve a ele, e ao garbo com que usa essa palavra, “jornalista”, eu ter redespertado para a actividade. Acabei, inclusive, por revalidar a carteira profissional, caducada há anos. E hoje, não é raro eu lembrar-me da sua paixão sempre que tenho uma notícia à minha frente e pouca paciência para dá-la. Acho que nunca fui tomado assim, por um desejo dessa dimensão. Invejo-o. Mas, em todo o caso, guardo o seu ensinamento para a segunda metade da minha vida. Não me será apenas útil: será, até certo ponto, redentora./Terra Chã, 15.1.14
Quais são os vossos mestres, leitores?
January 14, 2014
Ou então, se calhar, sou só que odeio o sacaninha
No fim, nem eram precisas palavras: bastavam aquelas lágrimas e a história que contavam. Da infância pobre ao topo do mundo, da tenacidade individual à aprendizagem do colectivo, das namoradas ao pai que morreu, do Sporting ao Manchester e do Real Madrid à selecção, do talento único na história do futebol português e das mil e uma responsabilidades familiares assumidas aos ressentimentos gerados entre adversários (até entre compatriotas, provavelmente até entre colegas de equipa) ao longo de dez anos ao mais alto nível – tudo isso se concentrava naquelas lágrimas de Cristiano Ronaldo, ao receber a Bola de Ouro para o melhor futebolista do mundo. Ronaldo é um homem, e eu não tenho certezas sobre quantos de nós se poderão reclamar tanto. Quanto ao resto, houvesse justiça no mundo e a eleição não passava de uma formalidade. Foi o que aconteceu: o dito CR7 teve sobre o rival Lionel Messi mais do dobro da vantagem deste sobre Franck Ribéry. Mas vale a pena lembrar, para melhor entender o mundo, que foi precisa uma campanha, e que essa campanha não pôde dispensar-se sequer da chantagem emocional. Talvez Ronaldo tivesse ganho mesmo sem as polémicas da Pepsi e, em particular, de Joseph Blatter. O playoff de acesso ao Mundial, entre Portugal e Suécia, foi tão impressionante quanto isso. Mas o madeirense é, em todo o caso, demasiado talentoso, demasiado bonito, demasiado rico e demasiado bem-sucedido entre as mulheres para não ser odiado pelos outros homens. Não acredito que, sem essas indignaçõezinhas que a Internet transformou em casos de vida ou morte, tivesse ganho por estes números. O que, não dizendo grande coisa sobre o jogador, diz imenso sobre a espécie./Terra Chã, 14.1.14
Vocês não têm inveja do malandro, pois não?
Ou será por ter uma paisagem parecida com a dos Açores?
Recuperei, por estes dias, o prazer de ver televisão, por via de uma série neo-zelandeza que já aí anda há umas semanas e continua a melhorar – mesmo na dimensão autoral, e inclusive se Jane Campion entregou entretanto a direcção ao colaborador Garth Davis. “Nas Margens do Paraíso” não é realista, mas é plausível. Das paisagens de uma Nova Zelândia mística e exuberante emergem monstros-demasiado-monstruosos, só que esses monstros têm rosto de homem e metem de facto medo. Há nela alguma coisa de O “Piano”, o brilhante filme de 1993 que catapultou a cineasta para o topo das preferências da indústria (e a cujas manobras de sedução veio a resistir sempre, já agora) e um pouco também de “Twin Peaks”, de David Lynch (1990), embora apenas no que diz respeito à primeira metade não-espírita. Elizabeth Moss, a actriz principa (e já vencedora nos Globos de Ouro), é um daqueles casos abençoados em que à escassez de beleza corresponde um superávite de sensualidade. E tudo o resto é atmosfera: os silêncios, os segredos, um modo sumptuoso de filmar aquele lago e de sugerir que o mal continua a esconder-se, afinal, entre a beleza. Passa na RTP2 e tem sido uma das melhores novidades da estação fria./Terra Chã, 14.1.14
E os leitores, preferem as séries americanas?
January 13, 2014
A verdade é que todas as gerações julgaram contemplar o fim do mundo
Terra Chã, 13 de Janeiro de 2014
“Hannah Arendt”, ontem, no videoclube – e, de novo, um respeito imenso por aquela honestidade intelectual, por aquela coragem e por aquela capacidade de ver mais longe. Independentemente da tímida tentativa de absolvição de Heidegger, fica a visão de génio sobre o mal, em que aliás Arendt viria depois a trabalhar até ao final: mais perigosa ainda do que a maldade de um homem só, ou de um indivíduo, é a do sistema que permite a esse homem demitir-se de ser uma pessoa. Numa palavra: burocracia. A mim, assustou-me sempre menos a imoralidade do que a amoralidade. A desumanização, sim: a desumanização é o maior de todos os riscos que esta espécie corre. E talvez desse ponto de vista, enfim, possamos dizer que estamos menos em perigo do que há algumas décadas. Talvez.
O que pensais: é este um tempo mais desumanizado do que o século XX?
January 12, 2014
Nem sequer me vomitaram em cima
Terra Chã, 11 de Janeiro de 2014
Copo de circunstância ontem à noite, depois do cinema, no Petiskaky Red, por cima do Angrense. Bons gins, seguindo as modas do momento, mas sobretudo uma belíssima atmosfera. Volta a haver, afinal, um sítio onde tomar uma bebida em Angra. Seja pelo amor de Deus.
January 9, 2014
Ainda ontem era Natal, gaita
Terra Chã, 9 de Janeiro de 2014:
Extraordinário: já começaram os emails com promoções para o Dia dos Namorados. O maior problema do capitalismo não é a promoção da desigualdade social ou da injustiça em geral, que na verdade constituem desvios ao seu programa. O maior problema do capitalismo é que é chato como o diabo, condição que lhe provém directamente do coração.
January 8, 2014
Fazer conservador e diferente ao mesmo tempo – eis o desafio
Terra Chã, 8 de Janeiro de 2014:
Grande texto do Luís Ricardo Duarte, no Jornal de Letras, sobre a obra de Ana Teresa Pereira. A originalidade não pode ser sobrestimada, mas pode ser – e tem sido amiúde – uma obsessão estéril.
Conclusões sábias quando é já talvez tarde de mais
Terra Chã, 8 de Janeiro de 2014:
Quem pergunta mandará no mundo. Perdemos a capacidade de perguntar: apenas nos interessa, hoje, responder. Aquele que for capaz de reaprender o prazer da pergunta deterá um poder inexpugnável.
Aculturação, amesendação e alcatra de feijão
Terra Chã, 8 de Janeiro de 2014:
Sem a maravilhosa crónica de Fernando Alves na TSF, rubrica “Sinais” de ontem, eu nem teria dado pela colecção de cromos de bandas filarmónicas à venda na Terceira. Quer dizer: li a notícia e até ouvi falar um dos promotores na rádio. Mas não registei o quão especial era tudo aquilo, como na verdade tudo aquilo define esta terra de um modo que nenhuma outra poderá ser definida. Será sinal de que estou aculturado, e não é o primeiro: o Paulo Ferreira já me tinha dito que estou a escrever de um modo diferente sobre os Açores. Talvez não seja mau, embora perder a capacidade de maravilhamento de fora para dentro possa, de facto, ser um perigo. Em todo o caso, enviei um e-mail ao Fernando Alves e aprazámos uma alcatra de feijão para o Ti Choa, na mesma Serreta de que ele fala da crónica, para o dia em que voltar a visitar esta ilha. Se é para ser sobretudo terceirense, então que seja terceirense até ao fim.


