Joel Neto's Blog, page 48
December 16, 2013
Terra Chã, 16 de Dezembro de 2013
A praxes são uma boçalidade e uma violência, mas os estudantes universitários juntam-se e embebedam-se e vão para a praia à noite e no Inverno a qualquer pretexto. Nós próprios fizemos todas as tolices que nos ocorreram, com e sem praxes. Querem culpar as praxes pela tragédia do Meco? Força. Daí a cultivarem este ressentimento surdo para com o rapaz que sobreviveu, num afã de responsabilizá-lo por não ter morrido com os outros seis, vai todo o flanco negro do género humano. Ao menos esperem que alguém reúna provas antes de destruírem um miúdo que, tanto quanto se sabe até agora, se limitou a ser tão parvo como nós.
December 15, 2013
Terra Chã, 15 de Dezembro de 2013
Todos os dias há pelo menos uma magnífica razão para não escrevermos. Estamos exaustos e precisamos de descansar. Há um amigo que faz anos. Encomendaram-nos um trabalho especial. É preciso levar o gaiato ao médico, ou o cão ao veterinário, ou a miúda à natação. Há tourada na freguesia. As compras de Natal estão atrasadas. Joga o Sporting. Há um avião para apanhar. Encomendaram-nos outro trabalho especial, ou há uma reunião de um júri de que fazemos parte, ou o primeiro-ministro dá uma entrevista à televisão, ou há filme do Cine-Clube, ou dói-nos um dente, ou estão cá na ilha conhecidos de Lisboa, ou um casal amigo já nos convidou três vezes para jantar e desta tem mesmo de ser. Ou é só hoje porque é um dia especial e amanhã logo escreves. Há sempre uma excelente, uma magnífica, uma incontornável razão para não se ficar à secretária a escrever. Escrever é o que se faz apesar disso tudo. Com custos familiares e sociais, com sentimento de culpa e até com uma certa raiva. E, porém, continua-se escrevendo. Não se pode viver de outra maneira.
December 11, 2013
Terra Chã, 11 de Dezembro de 2013
Talvez se devesse celebrar, neste momento, a vitória dos Açores na luta pela sobrevivência da sua estação pública de rádio e televisão. A vitória também é dos Açores, mas é sobretudo de Portugal. E verifica-se tanto nas declarações de Poiares Maduro, durante a passagem pelo arquipélago, como no relatório recentemente elaborado pelo Conselho de Opinião sobre a necessidade e as urgências da estrutura. Diz o ministro da Presidência que o futuro da estação “está assegurado” e que se trata agora de encontrar os modelos ideais de tutela e orgânica, até para que a estação possa candidatar-se a fundos comunitários destinados ao meio audiovisual. É um bom caminho. Os Açores não apenas são uma região ultraperiférica, com todos os desafios daí resultantes, como as suas ilhas enfrentam a cada instante o risco de se tornarem ultraperiféricas umas em relação às outras. O que está em causa – insisto – é a coesão do arquipélago, e portanto da região autónoma, e portanto do país também. A Europa deve contribuir. E as pistas lançadas pelo relatório do Conselho de Opinião, órgão nem sempre dado a comprovar a sua importância com esta veemência, são de facto relevantes. A RTP/Açores tem de existir e não pode existir como existe agora. Precisa de meios técnicos, precisa uma redistribuição (pelo menos) dos meios humanos e precisa de investimento operacional. Incluindo, provavelmente, um regresso à separação entre as redacções da rádio e da televisão, de modo a garantir alguma pluralidade na informação e, consequentemente, uma maior protecção dos valores da democracia e dos interesses da sociedade civil em geral. Sei-o porque sou açoriano. Celebro-o porque sou português.
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Parafraseando Ricky Gervais, não é o Natal que é uma merda: é a tua vida. Pessoalmente, estou ansioso por que chegue o fim-de-semana: tenho aqui um disco com canções de Natal e quero pô-lo a rodar com a salamandra acesa.
Terra Chã, 10 de Dezembro de 2013
Domingo precisava de ter descansado e acabei por passar boa parte do dia a trabalhar. Entre uma série de outras coisas, tive de colar uma tela de alcatrão sobre a casota do Melville. Com a chegada da chuva, a resistência dele em ir à rua e a sua crescente energia tornam esta casa numa espécie de manicómio para casos em último grau, não me deixando trabalhar em paz (nem à Catarina, aliás). Portanto, resolveu-se o problema da casota. Hoje fui dar com o bicho em cima do muro do caminho, com talvez uns cinco metros de altura do lado de fora – e lá passei mais um bocado da tarde a comprar redes, tubos galvanizados, serrilhas e uma data de outros instrumentos para fazer mais uma vedação ainda. Aparentemente, esta casa só pára quando tiver virado um bunker. E, mesmo assim, há-de surgir outra brecha de segurança qualquer a seguir.
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O que eu me preocupo com um cão é qualquer coisa de impensável. Às vezes pergunto-me como é que as pessoas conseguem ter filhos sem enlouquecerem.
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Em nome de todos os açorianos em cujo cocuruto chove o que neste momento chove na Terceira, faço ao mundo um pequeno apelo: por favor, contem a nossa história!
Terra Chã, 9 de Dezembro de 2013
O texto é excelente, como se sabe, mas os actores reforçaram-no bem, as soluções cénicas mostraram-se bastante engenhosas e, ainda por cima, quatro quintos do público tinha menos de trinta anos. Bela soirée, ontem noite, para assistir a “Quase”, a versão do Alpendre da peça “Closer”, de Patrick Marber. Trouxe-me esperança.
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O meu lema é simples: festejar sempre antes, que é para o caso de não se poder festejar depois. O Sporting é desde ontem líder isolado do campeonato – e, de repente, o mundo parece mais belo.
Terra Chã, 8 de Dezembro de 2013
Enviei há pouco o meu vídeo para o evento Portugal é Agora. Escrevi um texto, como quase sempre. Não sou um homem da expressão oral.
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«Por esta altura, eu já não faço a mínima ideia do que é que o país precisa. Talvez nunca tenha feito, mas houve um tempo em que estive convencido de que podia contribuir com pistas.
Hoje, não tenho nada a propor. Aquilo de que o país precisa é tão indecifrável para mim como irrelevante para uma boa parte dos nossos servidores públicos.
Por outro lado, a atenção tem-me permitido identificar algumas coisas de que o país não precisa. E uma das coisas de que o país não precisa é da má qualidade do debate actualmente em curso, e para cuja degradação nós, aqueles que intervêm no espaço público, tanto temos contribuído.
Dizem-me: “Mas, Joel, este não é tempo para se ser razoável.” E eu respondo: “Precisamente porque não é tempo para se ser razoável é que a razoabilidade é tão urgente. Precisamente porque não é tempo para se ser razoável é que é tão urgente nós, os cronistas e os escritores, os jornalistas, os intelectuais e os artistas em geral, sermos razoáveis.”
Pelo contrário, o que eu vejo entre os nossos intelectuais públicos, nomeadamente os da minha geração, é raiva. Raiva pelo ataque a que os direitos da classe média e dos pensionistas – sobretudo esses – têm sido sujeitos. Raiva pelo desrespeito àqueles que trabalham, raiva pelo desespero daqueles que já trabalharam e raiva pela desesperança daqueles que querem trabalhar. Raiva pelo país, raiva pelos vizinhos e familiares, raiva por eles – por nós – próprios.
Raiva inteiramente justa e totalmente estéril.
E, se não é raiva, é pior: é pessimismo, tantas vezes um pessimismo puramente cerebral, alimentado e mantido e reforçado de acordo com as necessidades da personagem que se construiu e em que se tem sustentado a intervenção pública.
Deixem-me dizer-vos uma coisa, com toda a singeleza a que sou capaz de recorrer e com todo o moralismo de que nunca sou capaz de livrar-me: foi sempre mais fácil parecer-se inteligente sendo pessimista, mas entretanto tornou-se demasiado fácil. O pessimismo já não convence ninguém da nossa superioridade intelectual.
O pessimismo já nem sequer é bom negócio!
E, portanto, mais vale experimentar o optimismo. Ser-se optimista e, apesar disso, parecer-se inteligente – isso, sim, é um desafio para gente desta craveira intelectual. E vem mesmo a calhar, porque isso, sim, é algo de que Portugal precisa.
De um pouco de optimismo. E de muita razoabilidade.
Di-lo – notem bem – alguém que viveu durante anos da manipulação jocosa da razoabilidade. Portugal precisa que nós sejamos razoáveis. E nós devíamos exigir de nós mesmos essa razoabilidade, em especial nos casos em que os nossos sistemas de vida, os nossos rendimentos e as nossas esperanças, estando ameaçados, não foram ainda totalmente destruídos.
Acreditem: temos muito tempo ainda para perder a cabeça. E nós perdermos a cabeça, num momento em que ainda podíamos não perdê-la, é o melhor contributo que podemos dar ao ruído, ao frenesi, à confusão e a tudo o mais que dificulta o escrutínio da acção dos nossos servidores públicos, da acção dos chamados “mercados” sobre o nosso destino comum e da nossa própria acção sobre a redefinição da ordem europeia em curso.
Há agora um ano e meio, eu decidi voltar para os Açores e escrever a partir daqui, da ilha Terceira. Ligado em exclusivo a indústrias falidas, quis reduzir necessidades, quis resguardar-me um pouco da tensão e quis também começar a investir na segunda metade da minha vida, que espero conseguir tornar mais serena e inteligente do que a primeira. Não interessa muito: o que interessa é que fi-lo porque podia. Porque sou daqui, porque tenho aqui condições e também porque não tenho filhos nem demasiadas obrigações.
Portanto, eu sou, em muitos aspectos (embora não em todos), um privilegiado e até um sortudo.
Mas, se uma coisa a distância em relação aos centros de decisão e debate me tem demonstrado, é a brutal quantidade de energias que nós desperdiçamos em causas e em controvérsias absurdas, marginais e fundamentalmente inúteis. Como se, mais ou menos polidos, com mais ou menos estilo, com maior ou menor sustentação teórica e melhores ou piores intenções, também nós entendêssemos o país – como, infelizmente, tantos dos nossos leitores entendem o país – como uma página de Facebook.
Aquilo que os portugueses precisam que lhes digamos, antes de tudo o mais, é: o mundo vai continuar depois desta crise e você pode continuar com ele. Eu não vejo nenhum de nós a dizer que o mundo vai continuar, e isso não é apenas irresponsável: é desesperante.»
Terra Chã, 7 de Dezembro de 2013
Copos ontem à noite com o Zink, o Costa Santos e o Vieira. Tive o prazer de conhecer o João Didelet, com quem nunca me tinha cruzado, e entretanto o Pereira veio também ter connosco. Bebemos um copo na Marina, e foi divertido. Depois levei-os ao Porto de Pipas, e foi a ideia mais infeliz que tive em muito tempo.
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Juntamo-nos para o júri do LabJovem, uma excelente iniciativa da Associação Cultural Burra de Milho que, no caso particular da Literatura, merecia melhores projectos. A arte nasce quando o objecto é capaz de metamorfosear-se a si próprio, de assumir diferentes significados em diferentes leituras (ou audições, ou contemplações…). Sem isso – sem as leituras múltiplas – não existe arte: existe entretenimento e, na escrita, existe provavelmente ficção, mas não literatura. Tenho a impressão de que, no afã de seguir as modas e os fluxos de mercado, andamos esquecidos disso. Ou nem teremos chegado a sabê-lo?
Terra Chã, 6 de Dezembro de 2013
Faz hoje 41 anos que os meus pais se casaram. Ainda são o casal mais íntimo e cúmplice que conheço. Como é que as outras pessoas conseguem sobreviver sem o exemplo deles é que me intriga.
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Quando foi que começámos a torrar pão fresco? E a comer sandes – e mesmo arrufadas – mistas com manteiga? E quando foi que deixámos de comer pão à refeição?
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Conservar a culpa. Abraçá-la. Trazê-la connosco. Isso nos distingue dos animais.
December 6, 2013
Terra Chã, 5 de Dezembro de 2013
Não, não é a verosimilhança. "Paixões Proibidas", com Naomi Watts e Robin Wright, é totalmente inverosímil e brilhante ao mesmo tempo. Corro a ler o romance de Doris Lessing, que imagino mais perverso ainda do que o argumento de Christopher Hampton (nado açoriano, já agora).
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Hoje veio cá a Jorgina ensinar-nos uns truques pavlovianos. O Melville ainda vai marchar e fazer continência.
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Morreu Nelson Mandela e o país foi à televisão pronunciar-se. Fernando Rosas disse isto na TVI24: "Do ponto de vista social, houve uma estagnação. Os problemas sociais da África do Sul, hoje, são exactamente os mesmos que existiam quando Mandela chegou ao poder." De repente, senti saudades do Portugal do Facebook e daqueles que andam há seis meses a brincar aos “RIP Mandela”. Ao menos não fazem mal a ninguém senão a si próprios. Vou desligar o televisor e ver se durmo até segunda ou terça-feira.


