Joel Neto's Blog, page 39

March 26, 2014

O inferno somos nós

A ler "O Enredo Conjugal", de Jeffrey Eugenides. A seguir, garantidamente, "Middlesex" – e depois talvez "Virgens Suicidas". Tornei a encontrar autor para me acompanhar durante uns meses.


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Published on March 26, 2014 02:52

Vou comprar um dicionário que só tenha nomes feios

Hoje era dia de jogar golfe, portanto está a chover. O “portanto” parece abuso, mas num clima destes o solipsismo é um mínimo de sanidade.

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Published on March 26, 2014 02:30

March 24, 2014

Um dia inteiro a olhar para o tecto – e, de repente...

E depois há a necessidade de perder tempo. A capacidade de perdê-lo e a urgência de encontrá-lo para o poder perder. Os longos silêncios, os pequenos compassos de espera, os solavancos – até que, enfim, desabroche o instante. Os americanos da psicologia aplicada chamam-lhe “to get in the zone”. Nós chamamos-lhe talvez inspiração. Creio ser a isso que o chamamos. Não há maratonas, nisto – há uma sucessão de piques, como as súbitas acelerações dos automóveis nas voltas de aquecimento, e a certa altura um fugaz momento a que chamaríamos velocidade de cruzeiro se ele não tivesse passado já.


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Published on March 24, 2014 16:28

Subsídios para uma definição de literatura

Por outro lado, há o não-dito. A preparação da narrativa para esse milagroso momento em que o silêncio não é apenas eloquência, mas revelação. Aí se encontra, talvez, o busílis.


Juntá-lo-ia às diferentes camadas de um mesmo texto – à capacidade deste para adquirir diferentes significados em diferentes leituras, de diferentes leitores ou mesmo de um apenas em diferentes momentos (ainda que consecutivos) –, entre os subsídios para uma definição de literatura.



Mas o não-dito é, para alguém que vem do jornalismo, o maior de todos os desafios.

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Published on March 24, 2014 16:08

March 21, 2014

March 20, 2014

Começamos a estabelecer padrões

Março é de facto o pior mês do ano nos Açores. Cansados do Inverno e entusiasmados com a notícia de que a Primavera chegou a outras paragens – desde logo, ao continente –, excitamo-nos com cada pequeno sinal de calor e cheiro a flores. E é então, precisamente então, que o clima das ilhas executa o seu mais retorcido plano de vingança, derramando-nos por cima um último mês de chuva e de frio e de nevoeiros que, de repente, parece a história de um ano inteiro. Não me admiraria se, estatisticamente, este fosse o tempo dos divórcios e dos suicídios. E este ano, ainda por cima, o Benfica lidera o campeonato.


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Published on March 20, 2014 05:15

March 19, 2014

Da série DIA DO PAI


(...)



O pai. Julgo que não me engano se disser que a idade adulta começa no momento em que um homem é pela primeira vez capaz de admirar o seu pai. O meu pai. Tenho a certeza de que, por muito que me tivesse esforçado, e ainda que o houvesse mesmo feito, eu jamais teria conseguido ser durante cinco minutos metade daquilo que ele foi ao longo de toda a vida, sem uma hesitação, sem uma ressalva, sem outra intenção que não apenas sê-lo. E que ainda é, aliás. Muitos escritores fizeram questão, algures ao longo da vida, de homenagear o pai. Fizeram-no muitas vezes a título póstumo, outras tantas quando ele se encontrava no leito de morte. Fizeram-no como forma de estender o braço, de recuperar o tempo perdido, de vencer a distância. Toda a literatura é isso, provavelmente: o impulso de vencer a distância, a irredutibilidade desse impulso. A mim, o momento de fazê-lo sobreveio-me talvez mais cedo do que a outros (embora mais tarde do que a muitos também). Chegou quase como uma epifania, sem se anunciar, quando eu sabia já que queria falar por uma última vez de futebol, mas ainda não porquê. E chegou avassalador: tomou o texto nas mãos e foi por aí fora, instrumentalizando-nos a todos, as pessoas, os lugares, os objectos, a rotinas, os cheiros – todos reduzidos a não mais do que ferramentas, como se a nós próprios não nos restasse senão abrir buracos sem razão aparente, talvez apenas para que pudéssemos fechá-los mais tarde, ainda que de novo por nenhum motivo que não o de manusear buracos.

Ao livro que resulta desse exercício decidi chamar-lhe “Os Sítios Sem Resposta”. A vida, se alguma vez puder ser reduzida a um sentido só, não passará provavelmente disso: de uma deriva pelos espaços que nada têm para dizer-nos de volta, da procura de um lugar a que possamos chamar nosso, do desorientado mas furioso caminho de regresso a casa. Mas, sobretudo, foi ao lado do meu pai que eu li pela primeira vez esse verso, esse maravilhoso poema de Tolentino de Mendonça que eu nem imaginava ainda roubar. “Regressamos a uma terra misteriosa/ trazemos uma ferida/ e o corpo ferido/ imprevistamente nos volta/ para margens mais remotas// (…) para além do jogo das nossas defesas/ qualquer coisa interior/ a intensa solidão das tempestades/ os campos alagados,/os sítios sem resposta// o teu silêncio, ó Deus, altera por completo os espaços.” Era sábado, eu estava à beira da mais importante e dramática decisão da minha vida (um momento puramente revolucionário, talvez, mas isso é matéria de outro texto) e tinha por acaso o meu pai a meu lado, em Lisboa. Por acaso, não. De maneira nenhuma por acaso: alguma coisa nos dissera que devíamos estar juntos naquele dia, naquele tempo – alguma coisa dentro de nós nos encaminhara para ali. Passámos a tarde juntos, em silêncio, deambulando pela casa. Foi aí que eu o li. “Silêncio.” E então, sim, entrámos no meu Smart. Abrimos o tejadilho. Pusemos um disco de funk – e dirigimo-nos para Norte.

O Sporting, naturalmente, perdeu. Se ganhasse, conquistaria também o campeonato, pondo fim a novos quatro anos sem títulos de importância alguma. Durante mais de uma hora, o Sporting em cima deles. Ataques pela esquerda, ataques pela direita, determinação defensiva, resiliência. O Sporting comovente, como tantas vezes é o Sporting, sobretudo se a caminho de mais uma bela derrota. Pelo menos, eu recordo-o assim: abnegado e comovente. Até que, aos oitenta e quatro minutos, um pontapé longo do guarda-redes adversário. Para além do jogo das nossas defesas, qualquer coisa interior. O corpo ferido. Dois toques, uma triangulação – e nós reconhecendo já aquilo, aquele ritmo, aquela melodia. O silêncio. A intensa solidão das tempestades, os campos alagados, os sítios sem resposta. Um remate – e, pronto: golo do FC Porto. O teu silêncio, ó Deus – o teu silêncio altera por completo os espaços. Golo do FC Porto e, de novo, o fracasso. Mas, de novo também, não apenas meu. Não apenas dele. Nosso. O estádio atónito, insultos trocando-se entre adversários, murros digladiando-se entre amigos. E nós ali. Um ao lado do outro. No silêncio de sempre – voltando à cozinha fria dos Açores, ouvindo outra vez suspender-se o canto dos melros e, enfim, dispersando, ele para o escopro com que abriria buracos pelo quintal, eu ao quarto da infância, onde poria uma almofada sobre a cabeça, para reprimir as lágrimas, e tentaria dormir até ao fim-de-semana seguinte.

(...)

TUDO O QUE EU DEVO AO FUTEBOL
"Correntes d'Escritas" nº 12
Póvoa de Varzim, 2013

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Published on March 19, 2014 05:54

March 18, 2014

Autópsia de dois anos a pensar em José Artur

Por mais que te digas que és um operário da escrita, vais sempre escrever de um modo febril. Vais estar cinco horas em cima de uma página em branco, sentindo que perdes tempo, questionando-te sobre se esse livro vale a pena o tempo perdido, duvidando de que tu próprio valhas a pena esse tempo – e depois vais vomitar um capítulo inteiro em pouco mais do que minutos. Vais escrever surdo ao mundo durante semanas e a seguir, numa quinta-feira de manhã, querer simplesmente ir jogar golfe, porque não tens mais nada para dizer. Vais acordar de manhã e lamentar teres de voltar ao livro e deitar-te à noite com pena de já não encontrares forças físicas para continuar a trabalhar nele. Vais voltar aos apontamentos e perguntar-te como é possível teres achado que estava ali um caminho e depois vais tornar a lê-los e perguntar-te como é possível teres achado que não estava, perdendo com isso semanas de trabalho. No fim, terão passado seis meses, um ano, três anos. Uma só circunstância te pode servir de garantia: teres conseguido pôr lá tudo aquilo que alguma vez te comoveu. Nesse caso, será talvez um nadinha menos doloroso ninguém gostar dele.

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Published on March 18, 2014 03:21

March 17, 2014

Até aqui nos ajudou o Pai

Já cheira a flores um pouco por todo o lado. Creio que está aí a Primavera e que agora não volta para trás. Foi um pouco menos duro, este Inverno: choveu menos e, por outro lado, já tínhamos climatizado a casa devidamente. Mas também foi menos novidade e, por isso, não tão romântico quanto talvez esperássemos. Vai fazer-nos bem o calor. Ufa.


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Published on March 17, 2014 14:25