Izzy Nobre's Blog, page 22
October 14, 2015
O que as fotos do passado nos dizem sobre o presente
Eu mantenho contato, através do WhatsApp, com um grupo de amigos dos tempos de Brasil. Discutimos política nacional, nova séries do Netflix, videogames, ex-namoradas, esse tipo de coisa. Hoje um dos broders me surpreendeu mandando essa foto pro grupo:
O cara que mandou a foto (Antônio, que hoje é um respeitado profissional de sua área mas na época era o moleque da rua de cima que vivia me enchendo o saco pra eu emprestar-lhe meu CD de Delta Force) é o rapaz de vermelho no centro da imagem. Aliás, repare que o Antônio tem um monte de carta de Magic na mão, e estava possivelmente montando um deck/analisando opções de troca com algum dos outros nerds na foto.
Magic era a cola social que unia nosso grupo; grandes amizades nasceram por causa da apreciação mútua do jogo (aliás, todos os caras do tal grupo de WhatsApp que mencionei no começo eram jogadores de Magic). Por isso, mesmo que hoje em dia meu contato com este esporte seja limitado por falta de tempo, tenho um apego emocional forte com esse que é o card game primordial.
Mas então, o Antônio me mandou essa foto, e eu não lembro de forma alguma de que dia isso rolou. Não sei nem de quem exatamente era essa casa, mas certamente devia ser de algum amigo próximo porque senão eu não teria desperdiçado meus talentos musicais a toa; teria cobrado pela apresentação.
E essa foto me fez pensar, novamente, em quão mais distante e difícil de lembrar o passado da galera nascida nos anos 80 (ou seja, minha tribo) é. Aliás, eu diria que minha geração é a última que tem uma lembrança meio turva do próprio passado de acordo com essas fotos velhas tiradas com máquinas analógicas. O pessoal que nasceu dos anos 90 pra frente, em sua maior parte, viveu num mundo de fotos digitais.
Antes das câmeras digitais, tínhamos um relacionamento bem diferente com fotografias. Em primeiro lugar, era bem mais caro tirar fotos — você precisava comprar filme, que era algo que ninguém fazia com tanta frequência assim (e olha que meu pai literalmente trabalhava pra Kodak e tinha mais acesso a filme fotográfico do que qualquer outra pessoa que eu conheço).
Tu comprava lá teu filme de 36 “poses”. Era curioso isso; não eram 36 fotos, eram 36 POSES. De forma bem subliminar, essa terminologia revelava outra coisas sobre as fotografias daquela época. Eram, quase sempre, ensaiadas e previsíveis. Eram uma pose, não a sua condição real.
Eram, quase sempre, de um grande evento (festas de aniversário, por exemplo). Por isso, estávamos quase sempre bem vestidos, com o cabelo arrumadinho, e deliberadamente posando para a câmera. Frequentemente, rodeado de pessoas que não são nossa família imediata, que era natural no contexto de uma celebração sendo fotografada. Sempre sorrindo.
Por causa disso, as fotografias dessa época contam uma versão muito fragmentada da história da nossa vida. Vemos só os momentos mais significantes, eventos maiores, reuniões com a família, esse tipo de coisa. Fotos como a que você vê acima (um bando de moleques fazendo algo totalmente trivial) eram relativamente raras.
E mesmo quando elas existiam, a nossa falta de habilidade fotográfica ajudava pra embaçar um pouco o passado — literalmente. Fotos mal tiradas, com péssimo enquadramento, borradas, eram lugar comum. Não tínhamos como ver como a foto ia ficar, e a falta de prática com as câmeras garantia que pelo menos umas 2 daquelas 36 “poses” era COMPLETAMENTE esculhambada, com o dedo na frente do flash ou da própria lente, ou clicada sem querer quando a câmera sequer estava apontado pra nada em particular.
Isso me faz pensar sobre a geração atual, a proliferação de smartphones com câmeras, e a nova cultura fotográfica que temos. Agora, nada é trivial o bastante para NÃO ser fotografado. Fotografamos até pratos de comida!
Como sempre acontece quando a sociedade vai lentamente mudando de atitude em relação a isso ou aquilo, evidentemente algumas pessoas criticam pra caramba essa nova Igreja Quadrangular do Reino do Instagram; dizem que é exagero, que é muito egomaníaco, ou que é muita auto-exposição. Tem gente até que escreve textos reclamando das formas como as pessoas escolhem de se comunicar através de fotografias.
Eu diria que essa crítica é imediatista e míope. Em tempos em que a maior rede social do mundo fuça suas conversas privadas pra te oferecer publicidade baseada no que você está falando (isso pra citar só UM exemplo da vigilância orwelliana em que vivemos atualmente), privacidade já morreu já muito tempo — quer você tire fotos do seu almoço ou não.
Então, o negócio é aproveitar o que dá. “Eles” podem saber bastante sobre mim, mas pelo menos no processo, nós saberemos muito mais sobre nosso próprio passado, graças a uma mudança na cultura fotográfica que captura uma versão bem menos fragmentada da nossa existência coletiva.

October 12, 2015
[ Diário de um (quase) paramédico ] Resgate na Floresta, o capítulo final
No último capítulo desta saga Dragonballzística, eu havia chegado ao paciente acidentado no meio da roça, e durante minha examinação do sujeito percebi que havia algo de errado com o quadril dele.
Pois bem. Lembra que o nome do paciente era J? Aposto que tu esqueceu, porque eu demorei 50 anos pra concluir a porra dessa história. Mas aí está, o nome do cara era J.
Fui apalpando o corpo do J, não por prazer sexual e sim porque faz parte do processo de examinação. Somos treinados a reconhecer, através do toque cuidadoso, três circunstâncias que podem indicar traumatismo — Tenderness, Instability, e Crepitus. Durante o treinamento, nos referimos a esses três como “TIC”
Do que se trata o TIC? É assim:
TENDERNESS: o paciente protesta quando você pega naquela parte, sentindo dor. Forte indicador de que houve uma fratura ou deslocamento.
INSTABILITY: uma parte do corpo que deveria ser firme como uma garra de adamantium se move de forma não-natural, como se estivesse “solta” no corpo.
CREPITUS: quando as texturas porosas e irregulares de ossos quebrados sendo apalpados raspam uma contra a outra, provocando uma leve vibração que dedos bem treinados podem detectar. Não deve ser extremamente boa a sensação, mas por outro lado, se você não queria seu fêmur quebrado sendo esmirilhado dessa forma, você não deveria ter se acidentado.
Então. Notei que a perna direita do J estava meio encurtada, e levemente rotacionada pra fora. Assim:
Isso é um indicador visual importante: uma perna encurtada e rotacionada externamente pode significar fratura do quadril. O motivo pelo qual isso acontece é que seus músculos estão exercendo tração constante contra seus ossos; se eles quebram, os músculos “puxam” os dois pedaços de osso um contra o outro.
Aliás, eu sempre achei, burro que sou, que QUADRIL e CINTURA eram sinônimos. E não quero culpar inteiramente a Shakira pela minha confusão mas ela não contribuiu de forma positiva.
Aliás, revendo esse clipe eu percebo que ela era infinitamente mais gostosa do que eu a dava crédito. Mas prosseguindo…
Suspeitando que o problema maior estava de fato ali no quadril, dei a apalpada de leve pra medir o limiar de dor que aquele ponto estava causando no cara. O J protestou imediatamente, violentamente, tal qual um cara que descobre que os Correios entraram em greve no dia seguinte após a compra de um videogame na internet.
E deu pra sentir uma protuberância, também. Mesmo sem visão de raio X, pude concluir com um certo grau de segurança que o quadril do sujeito havia sido fraturado ou deslocado.
Me volto pros meus dois parceiros. Ofereci a conclusão de que o paciente estava relativamente estável, com um nível de dor “gerenciável” (ou seja, que podíamos da conta com o que tínhamos no equipamento), contanto que a perna dele fosse imobilizada completamente.
Ordenei que os dois começassem o processo de SMR, ou “spinal motion restriction”. O instrutor, que ainda estava segurando a cabeça do paciente, deu aquela pigarreada que significa “não tá esquecendo de nada, não, seu filho da puta?“. Meneio positivamente com a cabeça e peço que um dos policiais troque de lugar com meu instrutor, pra que ele então comece o SMR.
Tirando o berro que o J deu quando apalpei seu quadril, ele estava bastante calmo — talvez, calmo demais pra alguém que está no meio do mato com uma possível fratura. A tranquilidade exibida pelo acidentado rivalizava aquela do sujeito que descobriu que a menstruação da namorada finalmente desceu após 5 dias de pleno terror. E aí as engrenagens começaram a girar na cachola — estaria o J sob efeito de algum psicotrópico…? Teria sido ISSO a causa do acidente?
Embora pareça que não, essas zonas rurais enfrentam um problema grave com drogas. Não sei exatamente QUAL a causa disso (e suspeito que não haja uma única causa), mas certamente o fato de que nessas cidadezinhas não tem NADA pra se fazer não contribui de forma positiva com a situação.
Existem basicamente dois tipo de drogas que são comumente (ab)usadas naquela região: narcóticos como oxycontin ou vicodin, ou benzodiazepinos como os da família “pam” — lorazepam, clonazepam, diazepam. O motivo pra isso é que, ao contrário de metanfetamina (que requer um certo nível de know-how químico pra produzir, Heisenberg que o diga) ou cocaína (que é importada, logo, escassa e cara), benzos e narcóticos existem em forma farmacêutica. Maconha é bem mais fácil de produzir, mas é “leve” demais pra galera que busca aquilo que na indústria médica nós especialistas chamamos de “uma lombra muito loka”
Então, como há um acesso farmacêutico (relativamente fácil) aos benzodiazepinos, isso reduz o nível de envolvimento de elementos mal encarados te vendendo a droga num estacionamento escuro às 2 da manhã com uma pistola na cintura e um semblante de tensa paranóia (ou talvez sob os efeitos da própria mercadoria). Basta conhecer um amigo com dor crônica e/ou problema de ansiedade pra descolar um monte dessas pílulas.
E eu estava começando a suspeitar que este meu novo amigo, o Sr J, meteu umas pírula no goela antes de sair por aí de quadriciclo. Como parte do meu “interrogatório” — e não uso a palavra de forma hiperbólica; às vezes tu tem que interrogar o cara mesmo, porque detalhes cruciais (como envolvimento com drogas) são frequentemente omitidos por receio de consequências legais.
O J poderia mentir o quanto quisesse. Sabe quem nunca mentirá? O Superman. Ele não mente nunca. Mas além dele, os efeitos fisiológicos causados por certas drogas também não mentem.
Um dos efeitos que esse tipo de droga causa é a constrição das pupilas. Entender por que isso acontece é mais simples quando você entende primeiro o que as drogas “inversas” fazem com o seu corpo.
Basicamente, existem dois tipos de drogas — as que aceleram seu corpo, que chamamos de simpaticomiméticas, as que… bem… percebo agora que não existe um termo em português equivalente ao verbo “slow”, então cunho aqui o neologismo DEVAGARIZAR™.
Como eu ia dizendo, as drogas que devagarizam™ seu sistema nervoso são chamadas “simpaticolíticas”.
As simpaticomiméticas — como cocaína, anfetamina e em menor efeito, a cafeína — fazem tudo no seu corpo disparar, mudando os settings do seu organismo pro tal “lutar ou fugir”. Coração bate mais rápido, pra suprir o aumento antecipado na demanda de oxigênio; brônquios se dilatam para acomodar o volume aumentado de ar nos pulmões, o sangue que estava trabalhando nas tripas é redirecionado para os músculos, para que você possa dar poderosos socos e voadoras com os dois pés.
E as simpaticolíticas são o inverso disso: em vez de preparar seu corpo pra um quebra-pau, elas retornam seu organismo à condição natural. Pessoas com problemas de ansiedade crônica, por exemplo, tem dificuldade de reestabelecer esse equilíbrio; o corpo delas está FREQUENTEMENTE nesse estado de quebra pau, achando erroneamente que há algo terrível na esquina e que você precisa se preparar urgentemente.
E é aí que entra os benditos simpaticolíticos.
Eu adoraria poder dizer que manjo disso aí tudo porque sou um estudante muito dedicado mas na real eu tive que sofrer bem mais pra aprender essas porras.
O resumo disso é o seguinte: se essa calma toda do indivíduo acidentado (e, de fato, a causa do acidente) estivesse relacionada ao uso de simpaticolíticos, há uma forma bem simples de confirmar isso parcialmente — as pupilas.
Simpaticomiméticos, seguindo aquele script de “vamo preparar esse cidadão pra cair na porrada!”, dilatam as pupilas — porque isso permite que mais luz entre no olho, tornando a imagem mais clara e te permitindo enxergar melhor em condições de baixa luminosidade. Afinal de contas, como você acertará aquela voadora com os dois pés se não conseguir enxergar a cabeça do adversário?
Aliás, vamos aqui concordar que o sistema operacional do corpo humano é foda pra caralho. Os do meu PC, do meu celular e até o do videogame requerem chatíssimos updates frequentes que volta e outra quebram funcionalidades, enquanto o da minha cabeça tá aí desde 1984 funcionando super de bo…

…ah, é.
E as simpaticolíticas, tal qual um pai preocupado com a conta de luz seguindo os filhos pela casa apagando as luzes que estes acenderam, vai “desativando” esses efeitos. Ou seja, pega a pupila que estava dilatada, e a leva de volta ao normal.
E se a pupila do sujeito já estava normal (ou seja, se ele tomou um rivotril só pra curtir), ela então se contrai.
Puxei a minha lanterninha do cinto e liguei na cara do paciente, dizendo “dá uma olhadinha aqui rapidinho” estilo Men In Black. Nada. As pupilas estavam perfeitinhas, 4 milímetros.
A “investigação” estava basicamente terminada. O sujeito bateu numa pedra, capotou, tem aparentemente um quadril direito fraturado. Autolocomoção impossível. Nada de errado com as pupilas, nem com o nível de glicose no sangue, nenhuma dor no pescoço (mas não podíamos vacilar com isso, então vai com colar cervical por via das dúvidas). Nenhuma outra fratura, pelo menos de acordo com o que podemos verificar sem acesso a um raio X. Nada muito significativo além do quadril possivelmente fraturado.
Pedi que meus instrutores trouxessem o scoop stretcher, que até então eu NUNCA tinha usado numa pessoa de carne e osso. Isso aqui:
Normalmente, a gente usa uma prancha que parece com isso:
Na maioria das situações, a gente coloca isso do lado do paciente, o “rola” pra um lado, empurra a prancha embaixo do cara, e o deita novamente. Aqui há um bom exemplo do movimento (que, como todos os outros vídeos instrucionais, tem o benefício de estar acontecendo num ambiente controlado, perfeitamente plano, com um “paciente” que não tem múltiplas fraturas e que não sofre de sangramento arterial volumoso)
Acontece que esse movimento de rolagem não é indicado quando o paciente fraturou ambas pernas, OU quando há suspeita de fratura no quadril. Virei pra um instrutor e pedi o kit de intravenosa (havia acabado de perceber que o paciente ia certamente precisar de medicamento intravenoso ao chegar no hospital); virei pro outro e pedi que medisse o scoop stretcher (que é ajustável) pra coincidir com a altura do paciente
Os anos furando pacientes no hospital me tornaram um exíminio iniciador de IVs, o que foi durante todo o meu estágio uma pequena fonte de orgulho. Eu errava diagnósticos, tomava decisões questionáveis, ficava sem fôlego correndo com o Lifepak na mão, me atrapalhava com a maca, escrevia relatórios incompletos, até lavar mal a ambulância eu consegui. Diz-se que estagiário é o único ser que pode cometer erros com impunidade porque esse é justamente o momento de fazer cagada; eu abusei mais dessa “imunidade diplomática” mais do que aquele vilão de Máquina Mortífera 2

Com a diferença de que eu fui impune MESMO, ao contrário dele. Aliás, spoiler de Máquina Mortífera 2 no parágrafo anterior, não leia.
Então, como estudante estagiário burro sem experiência eu cometi todos os erros do mundo, PORÉM na hora de meter uma intravenosa num paciente eu era mais habilidoso que os correios me dando desculpas pra explicar por que minhas muambas chinesas ainda não chegaram. O que era um curioso contraste, porque meus instrutores (embora extremamente capazes em todos os outros aspectos) eram quase hilariamente ruins em iniciar intravenosas.
Meti uma IV no maluco e começamos o “translado”. Pra colocar a scoop stretcher no sujeito (que continuava muito plácido pra alguém com uma possível fratura), tínhamos que primeiro “amarrar” sua pelvis com um cobertor, pra limitar ao máximo o movimento da fratura, e afixar esse cobertor em vários pontos com hemostats. Descobri no twitter que o nome delas em português é “grampo hemostático”, e percebendo que pro público leigo o nome em inglês e o em português provavelmente significam a mesma coisa (nada), eis uma figurinha:
Nessa hora, como é preciso apertar o quadril do coitado com bastante força, o J começou a berrar de novo. Estalei os dedos pedindo o cilindro de entonox.
Me senti extremamente cool. Imaginem-me voltando a cabeça pro parceiro atrás de mim e dizendo “I NEED ENTONOX, STAT”, o que provavelmente teria sido uma cena mais legal se eu não fosse gordo e estivesse suando pra caralho com a correria até esse ponto, a camisa saltando pra fora da calça devido à pressão exercida pela pança e tal. Agora que paro pra pensar não teve nada de cool nessa cena, esqueça ela.
O J tomou uns tragos do entonox e ficou mais tranquilo. Amarramos a pélvis do maluco, transferimos-no pra scoop stretcher, e aí veio a indecisão:
Como exatamente vamos carregar uma maca nesse terreno íngreme e enlamaçado por uns quatro quilômetros…? A parada demoraria absurdamente, o que atrasaria demais o resgate do pobre coitado. A mata ali era muito espessa; o mais próximo que o helicoptero do STARS poderia pousar era bem do lado de onde paramos a ambulância. Não apenas isso, mas alguns pontos da passagem eram tão íngremes e escorregadios que não era mais nem uma questão de “vai demorar muito”, era mais “a chance de nós obtermos um paciente a mais nessa travessia são altas”.
A idéia veio do próprio acidentado — e se usássemos o quadriciclo dele pra fazer o transporte? Colocariamos o stretcher em que ele estava preso em cima do quad, e alguém montava no bicho e ia guiando devagarinho. Os outros membros da equipe, aos lados do veículo, iam segurando a prancha firmemente.
Era uma solução extremamente não-ortodoxa, já que o quad não oferece nenhum suporte especial para o scoop stretcher. Mas a situação era essa: ou bolávamos uma forma de converter o quadriciclo numa carroça improvisada, ou o transporte do cara tinha chance considerável de dar merda.
Olhamos pro G, que era o líder do time. O líder “de verdade”, digo; enquanto a situação era boring e relativamente sob controle, eu era o líder “de mentirinha”, tomando decisões, dando ordens (ou “ordens”, na real). Quando surgia um pepino mais sério, rolava um implícito “ok moleque senta aí, deixa os adultos resolverem isso aqui”.
O G coçou a cabeça suada (estávamos todos bem suados, a bem da verdade), pesou os pros e cons da solução MacGyverística e, tendo em mente que apelar pra essas soluções mais “fora da caixa” carregam consequências sérias caso algo dê errado, ele concluiu que aquela era a única forma de executar o resgate com segurança.
E isso me deixou muito pensativo. Como estudante, eu pelo menos tinha o benefício de estar protegido sob um monte de legislações/protocolos que isentam o aprendiz de culpa quando algo dá errado, especialmente quando a decisão que rendeu o infortúnio não foi tomada por ele (na verdade, mesmo que seja — porque como os instrutores presumivelmente aprovam todas as decisões que você tomam, uma parcela de culpa de qualquer coisa é deles).
Mas no final das contas, a REAL responsabilidade de tudo ali era do G, e ele tinha que fazer uma decisão quando tanto a opção A quanto a opção B eram uma merda. Foi a primeira vez que eu entendi DE FATO que entrar nesse ramo é uma responsabilidade tremenda.
Vi-o soltar um “aaah, fuuuuck” baixinho, resignado, claramente impaciente, e disse:
“Vamos lá, coloquem ele no quadriciclo.”
Usando aquelas cordas elásticas de motoqueiros (que o próprio paciente tinha no seu quad), amarramos o stretcher como pudemos. Eu e um dos paramédicos de um lado, os dois policiais do outro, todos segurando a prancha com firmeza, e o G pilotando o bicho a 3 quilômetros por hora, com toda a cautela de um cego raspando o saco após ouvir um alerta de terremoto.
E assim, conseguimos resgatar o cara. Tendo tomado conhecimento das dificuldades que enfrentamos, tinha outro time esperando a gente no topo da colina, caso a porca chiasse. O gato fosse pro brejo? Esqueci qual era a metonímia. Aliás, o nome disso não é metonímia. Esqueça essa frase inteira.
E um dos outros paramédicos achou a situação tão cômica (um bando de socorristas subindo uma colina com um paciente amarrado a um quad) que tirou essa foto:
Por motivos óbvios eu tive que remover da foto qualquer coisa que identificasse qualquer pessoa na situação exceto eu mesmo, então aí está a pior foto que já postei neste site.
Eu espero que o J seja mais cuidadoso dali em diante.
Nunca determinamos exatamente o que o tornava tão calminho, apesar da situação grave em que ele se encontrava. É possível que ele fosse de fato meio maluco das idéias, tal qual O Médico Maluquinho que eu iria conhecer dali alguns dias.
Mas isso é uma história pra outra ocasião. Aguarde o próximo capítulo da saga Diário de Um (Quase) Paramédico!

October 6, 2015
Como o metal mudou minha vida
Houve uma época em que eu odiava música indie. Não sei explicar exatamente o que era; provavelmente, o som meio leve não atendia as minhas necessidades de adolescente revoltado com o mundo. Algo como o Two Door Cinema Club, ou o Capital Cities, que são duas de minhas bandas favoritas atualmente, era o tipo de coisa que me causava urticária tamanho era meu desgosto por aquele estilo.
Aliás, nem era só indie que eu odiava — qualquer música mais “calma” me causava, paradoxalmente, profunda irritação. Instant Crush do Daft Punk com o Julian Casablancas, uma das canções que mais ouço hoje em dia, é o tipo de música que me faria arrancar a própria piroca e jogar pela janela, tamanha era minha insatisfação com esse tipo de música.
Meu negócio era METAL. Todo tipo de metal. Nu metal, black metal, death metal, speed metal, metal melódico, eu só ouvia isso. Se não tivesse guitarra distorcida, bateria com pedal duplo e alguém gritando (geralmente sobre dragões e feiticeitos, como era o caso do metal melódico), eu não queria nem saber do que se tratava.
Aliás, essa temática meio Terramédia do metal melódico era curiosa. Fonte de galhofa pra alguns e motivo de orgulho pra outros, a inspiração claramente tolkeniana tornava as capas dos discos virtualmente indistinguíveis de livros de RPG ou cartas de Magic. Por exemplo, abaixo coloquei várias imagens. Qual deles você acha que é uma capa de um álbum do Rhapsody, e qual é um livro do jogador de Dungeons and Dragons?
Se você respondeu que alguma dessas é a capa de um livro de RPG, você errou. Todas são ilustrações de discos do Rhapsody.
Então, hoje eu estava tentando re-experimentar um pouco do meu antigo apreço pelo metalzão de outrora. E explorando o catálogo metálico do Apple Music (com quem fiz as pazes, finalmente encerrando os perrengues centenários que tenho com o iTunes e a sincronização meio bugada com meu celular), percebi um fato que nunca contemplei antes: se eu não fosse metaleiro, eu não teria conhecido minha esposa.
Eu e a Bebbinha nos conhecemos em 2004, na festinha de um amigo em comum chamado Chris. Este é o Chris:

Duas coisas dignas de nota: não, ele não é maconheiro; e na PRIMEIRA foto que catei dele no FB, ele tá com uma camiseta temática ao post. Sensacional.
Conheci o Chris totalmente por acaso — meu pai estava consertando o computador de uma senhora do nosso bairro pra tirar uma grana extra, notou uma revista de metaleiros na mesa de centro (que pertencia ao filho dela), e falou “olha, meu filho toca guitarra também, e tá em casa sem fazer porra nenhuma, posso chamar ele aqui pra conhecer o seu filho?“. Mais ou menos um mês depois, eu e o Chris tocávamos numa banda junto. E foi tocando nessa banda que eu conheci a Bebba — que era amiga dele de escola, e igualmente metaleira.
Aliás, olha uma foto aí de quando ela tinha míseros 16 aninhos:

Mudou quase nada
E foi aí que eu percebi que, não fosse o gosto mútuo por Linkin Park, Metallica e Dragonforce, eu provavelmente não teria conhecido o Chris. E, consequentemente, não teria começado uma banda com ele, e assim não teria conhecido a Bebbinha.
A vida é curiosa desse jeito. As circunstâncias que me levaram a conhecer minha esposa foram extremamente tênues — um delicadíssimo balanço de acontecimentos se fez necessário, e se qualquer daquelas variáveis não estivesse milimetricamente posicionada, minha vida hoje seria dramaticamente diferente.
Se você é daqueles que acredita em destino, você provavelmente dirá “mas se não fosse através do Chris, e se não fosse por causa daquela revista, você teria conhecido ela de alguma outra forma”. Os mais céticos, como é o meu caso, vêem o universo de outra forma. Não acho que existam “inevitabilidades”; não creio que eu estava de alguma forma destinado a um futuro específico, que aconteceria a despeito de qualquer circunstância.
Se o Chris tivesse trazido a revista pro seu quarto naquele dia, em vez de deixado-a na mesa, eu não teria conhecido minha esposa. Um gesto tão absolutamente trivial que mudou fundamentalmente a vida de duas pessoas (na verdade, até mais — um casamento une duas famílias, afeta incontáveis vidas), pra sempre.
Isso me faz pensar em todas as coisas que NÃO me aconteceram por fatores microscópicos. Será que comer num certo restaurante em vez de outro teria resultado numa morte prematura, sendo atropelado a sair de lá? Ou perder o trem me levaria a conhecer alguém com quem eu iniciaria um negócio, me tornando rico…? As possibilidades são literalmente infinitas. Tragédias devem ter sido evitadas por circusntâncias trivial.
Tenho um exemplo bem recente disso, aliás: há algumas semanas, ao sair do trabalho, percebi que a fome não me permitiria chegar em casa. Passando por um posto de gasolina, senti água na boca imaginando um sorvetinho gelado. Sei que eu sabia que deveria evitar tais quitutes, mas a gula falou mais alto. Entrei no posto e comprei um Cornetto de chocolate.
Aliás, foda-se. Pra que mentir? Comprei três.

Só deus pode me julgar
Pois bem. O processo todo demorou apenas uns 2, 3 minutos.
Saí do posto e, ao chegar na 16th Ave, uma das maiores avenidas da cidade, percebi uma comoção em um dos semáforos. Um carro branco, com janelas quebradas, cercado de transeuntes. Um grupo de pessoas tentava agitadamente tirar do carro uma garota que parecia estar desmaiada. Não havia ainda polícia nem ambulância no local — e eles costumam chegar na cena MUITO rápido aqui na América do Norte –, o que indicava que o acidente deveria ter acabado de acontecer. Foi disso que eu imaginei que a cena se tratava: um acidente, possivelmente causado por embriaguez, e a galera tava tirando a menina do carro pra evitar que ela fugisse.
Até pensei em tirar uma foto pra comentar ocorrido no Twitter, mas repensei por causa da imprudência que é tuitar digirindo.
Então. Eu estava trafegando na faixa da direita, porque teria que entrar à direita dali alguns quarteirões, mas tinha uma massa imensa de pessoas bloqueando a pista. Fui pra faixa da direita, onde passei devagarinho tanto pra evitar a multidão, quanto pra dar uma olhada na cena. A galera tava colocando uma garota negra desacordada no chão ao lado do carro, e berrando pra alguém “chamar a polícia”.
“Nossa, essaí bebeu todas pelo jeito“, pensei, e segui meu caminho.
Na manhã seguinte, descobri o que havia acontecido. Alguém havia parado o carro do lado esquerdo do carro da menina (que estava na faixa do meio), e eu… pera, vô precisar de uma imagem pra explicar isso.
Carro A está na faixa e que eu geralmente transito, já que saio da avenida à direita, dali alguns quarteirões. Carro B é onde o carro da garota estava. Carro C é pode onde precisei passar, porque a galera tava amontoada nas outras duas faixas. Entendeu?
Pois bem. O que rolou é que alguém passando na faixa do Carro C FUZILOU o carro da garota — matando a menina, ferindo o passageiro dela (que era o real alvo), e enchendo a parede do banco, que fica do lado oposto (ali no lado esquerdo da foto), de balas.
Agora vem a parada tensa. O assassinato rolou quase exatamente 3 minutos antes do momento em que eu passei por lá. Eu estava na faixa onde o se encontra o Carro A na foto acima, ou seja — se eu não tivesse parado pra comprar sorvete, EU PODERIA TER PEGADO TIRO NA CARA TAMBÉM. Estaria na linha de fogo.

Você não faz idéia do choque que foi ver isso na manhã seguinte nos jornais, e perceber que você passou PERTÍSSIMO de morrer a toa.
Isso me faz perceber que a nossa vida é muito menos “fixa” do que gostamos de imaginar. No ponto de vista micro, sua vida é igual todo dia — acorda, levanta, escova os dentes, vai pro trabalho, volta pra casa, joga videogame… previsível. Imutável. Every day is exactly the same, diria o Trent Reznor.
Mas quando olhamos de forma macro, dando um “zoom out”, estão acontecendo todo dia MILHÕES de interações aleatórias, cada uma delas com o potencial invisível de mudar sua vida COMPLETAMENTE. A vida não é uma caminhada tranquila por terreno tranquilamente familiar. Em vez disso, estamos em cima de uma corda bamba, constantemente.
O que eu estou querendo dizer aqui é, compre sorvete sempre que sentir vontade, e deixe revistas de metal espalhadas pela casa. Pra mim sempre rendeu bons resultados.

September 26, 2015
[ Hora da Justiça ] Cody, o defensor dos cegos
O HdJ de hoje é igual um GIF pornô — é curtinho mas é sensacional.
O cenário é uma escola americana. No pátio da tal escola, um embate mortal entre o Ceguinho e o Desgraçadinho — a ser uma cena a ser interrompida dali poucos segundos. Acompanhe o VT:
Então. O curta-metragem começa com um garoto cego sendo socado por um rapaz que, além de ter a vantagem da visão, é notavelmente maior que o garoto deficiente. Ele manda um “get the fuck out of here“, traduzido livremente como “sai saindo, cupade!“, pontuado por mais um murro na orelha.
Vejamos que até o momento não sabemos o contexto da treta — ou seja, o de sempre nesses vídeos –, mas já podemos declarar com alto nível de certeza que o Desgraçadinho é um filho da puta duplamente qualificado. Bater num rapaz menor já é algo revoltante, o cara ainda me faz o favor de bater num CEGO. Se eu tivesse que adivinhar sua agenda baseando-me apenas nesse vídeo, diria que é mais ou menos isso aqui:

“Se der tempo, espancar um garoto cego na escola. Se não, deixa pra amanhã”
Pois bem. O Desgraçadinho dá o segundo soco no Ceguinho,que seria o seu último. O privilégio da visão não pode o ajudar no momento em seguida, porque um avatar da Justiça chegou possuído pelo espírito de Hamurabi, o sexto rei da Babilônia, que escreveu o Código de Leis que leva seu nome.
Este é o Justiceiro — que de acordo com o diálogo no vídeo se chama “Cody”, e percebemos que a maior injustiça aqui é seus pais não terem lhe dado um nome que faça juz à sua estatura moral. Então vou chama-lo de Justiceiro mesmo.
O Justiceiro chega chegando, com o braço em riste, enfiando o punho cara do Desgraçadinho — que até então aparentemente sabia lutar muito bem, mas que no momento jaz no chão, despido da “coragem” de outrora.

O que estava na cabeça dele, além do concreto quente do pátio da escola? “Fiz merda”
O Justiceiro, tendo despachado o bully com um único soco bem dado, volta-se para o Ceguinho pra averiguar-se de que ele está de boas. O ceguinho diz “é nois, mano”.
E aí a galera do Falso “Deixa Disso” aparece — amiguinhos do bully, dizendo “ôrra mano que é isso tá loco deixa o cara aí mano”; curiosamente, segundos atrás eles não pareciam se importar tanto assim com alguém apanhando na sua frente.
O Justiceiro rosna pros amiguinhos do bully, dizendo “rapá, teu broder aí tava batendo num garoto cego, ces tão perdendo a noção do perigo, porra?!”, e os coleguinhas botam a viola no saco e saem mudos e cabisbaixo. Acredito que a piroca de um deles tenha se desconectado da virilha e caído no chão ali mesmo, tamanha foi a desmoralização.
Achando que o recente traumatismo craniano talvez tenha zoado suas idéias, confundido o Desgraçadinho sobre o contexto do que acabou de acontecer e que lição de vida ele deveria ter concluído da experiência, o Justiceiro vem e reforça a mensagem: “SE VOCÊ TOCAR NESSE MOLEQUE DE NOVO EU VOU TE MOER NO BRAÇO SEU FILHO DE UMA PUTA. VÃO TER QUE TRAZER ALGUM TIPO DE ESPECIALISTA CIRURGICO DA SUÉCIA OU ALGO ASSIM PRA TE MONTAR DE VOLTA”.
Escala Capitão América de Justiça: terei que dar um 10/10 perfeito. O rapaz interviu para impedir uma covardia, salvando seu amigo; exibiu a honrosa parcimônia, ou seja, nocauteou o bully e parou ali mesmo com a intervenção de sua mão na cara do outro moleque. E pra garantir que o ato não se repetiria, rugiu como um leão na savana para alertar a todos que o próximo que mexer com o ceguinho vai ganhar inteiramente grátis uma reorganização dentária súbita.
10 de 10 no ECA, algo inédito na Hora da Justiça. E foi merecidíssimo.

September 19, 2015
[ Além do Vídeo ] Preso por causa de um relógio?!
A essa altura tu já tá a par da situação da situação: Ahmed Mohamed, de 14 anos, foi preso no Texas por causa de um “relógio caseiro” que ele montou em casa.
(Repare que a matéria diz que o garoto “criou” um relógio — porque essa era a narrativa, de acordo com o garoto e os propagadores da história. Neste vídeo ele se refere ao relógio como sua “invenção”. Ou seja, a narrativa é “Um genial Tony Stark infantil — sim, o chamaram de gênio, não é hipérbole minha — sendo punido, em vez de celebrado, pura e exclusivamente por sua etnia”. Lembre-se dessa alegação de invenção, será relevante mais tarde.)
Eis o meu vídeo a respeito.
E esse vídeo foi mais mal interpretado do que de costume, a julgar pelo tipo de coisa que eu li no Twitter como resultado. Tive um feedback muito positivo, mas algumas pessoas perderam tão imensamente o ponto que eu tentei passar que achei que seria uma boa oportunidade de tirar a poeira do Além do Vídeo, e usá-lo pra responder alguns argumentos sobre a história.
Primeiro, e talvez o mais importante argumento, é apontar que a polícia não evacuou a escola, ou chamou o esquadrão anti-bombas. O ponto, presumivelmente, é que a polícia “sabia que não era uma bomba, estavam só querendo sacanear o rapaz!”
E veja bem: eu não chamaria de burro alguém que chega a essa conclusão. É uma conclusão burra, sim — mas é simplesmente o resultado de analisar uma situação sem ter conhecimento de alguns detalhes. Qualquer pessoa inteligente está sujeita a isso. Eu posso dizer que uma conclusão (ou seja, uma idéia) é burra, sem dizer que o seu autor é burro. Ok?
De fato, a polícia sabia, assim que deu uma olhada rápida no dispositivo, que não era uma bomba. Sabemos disso porque o chefe de polícia da cidade falou de forma explícita e clara. Por que então prender o garoto se eles já sabiam que não era uma bomba?
O motivo é simples.
No Estado do Texas, uma “hoax bomb” (definido como “qualquer objeto que pareça com uma bomba” na legislação) é um crime. E sabe o que “parece uma bomba” pros americanos?
Literalmente qualquer coisa. Pesquise “suspicious package” no Google e você achará, só nesse ano, centenas de incidentes em que alguém deixou uma caixa, ou uma mala, ou um pacote, ou qualquer coisa que a primeira vista um brasileiro como eu e você nem SONHARIA que poderia se tratar de uma bomba — mas que foi interpretado pelas autoridades como uma bomba.

“Alguém deixou cair um sorvete no chão, ou esses TERRORISTAS estão cada vez melhores em disfarçar suas bombas?! Melhor não arriscar, traz o robô!” — método das autoridades americanas de determinar o risco de um objeto
As intenções da pessoa portando um objeto que “pareça com uma bomba”, de acordo com a lei texana, não é um fator. Tá andando com uma porra dessa, você tá automaticamente cometendo um crime. E faz sentido — se alguém tava andando com um troço desse por aí pra soltar em algum lugar e incitar pânico, e o negócio é descoberto pela polícia antes, OBVIAMENTE 10 entre 10 acusados diriam que não tinham nenhuma intenção nefasta, que é só um mal entendido, etc. Melhor isso do que ir passar férias em Guantanamo.
Bater o pé no chão e argumentar que o relógio do Ahmed “não parecia uma bomba” (como vi TANTOS fazendo) é de uma futilidade incrível, não pelo motivo óbvio de que você nunca viu uma bomba na sua vida e não tem o menor treinamento pra fazer essa distinção vendo uma única foto na internet, mas porque a aparência da parada não importa. Aqui na América do Norte, costumam chamam o esquadrão anti-bombas quando alguém acidentalmente esquece uma porra de uma mochila numa parada de ônibus. Eu cito esse exemplo em particular porque aconteceu aqui em Calgary, perto do meu trabalho.
Aliás, o search “suspicious package Calgary” demonstra que os canadenses pegaram um pouco da paranoia americana.
Mas voltando ao assunto: uma mochila por acaso parece MAIS com uma bomba do que o relógio do Ahmed?

Não. Porque a aparência não importa. O modus operandi é suspeitar de qualquer coisa
Então, a próxima pergunta é: por que então prenderam o garoto? Eu já expliquei: Porque ter algo parecido com uma bomba é um crime por si só, porque quando algo assim é encontrado a suspeita é que o dono da parada intencione usar o dispositivo pra causar algum tipo de alarme — ou seja, ia deixar por aí como uma hoax bomb.
É uma suspeita razoável? Como argumentei no meu vídeo, não: é fruto de paranóia. Mas esse nível de alarme definitivamente não é fora do usual pra América depois do 11 de Setembro. E numa nação em hipervigilância, um aparelho que pode ser razoavelmente confundido com uma bomba, MESMO QUE NÃO SEJA, é algo que levantará sobrancelhas.
E esse é o xis da questão no que diz respeito à detenção, a despeito dos policiais verificarem rapidamente que o aparelho não era uma bomba. É por isso que não evacuaram a escola. A questão não era CORRAM PODE SER UMA BOMBA; era “…peraí, por que esse moleque trouxe, do nada, pra uma ESCOLA, um negócio que é basicamente o que fomos treinados por Hollywood a reconhecer como uma bomba…?”
Eu não grifei o “escola” por nada. O ambiente escolar americano vem sofrendo o clima de tolerância zero até antes dos ataques do Onze de Setembro. O infame ímpeto americano de processar por tudo e qualquer coisa, somado ao terror que é a idéia de um garoto chegar armado na escola e fuzilar os amiguinhos, fez com que mesmo as maiores bobagens fossem tratadas pela administração da escola como coisa gravíssima. E vou citar alguns exemplos:
Em 2012, uma garota de 12 foi presa por BORRIFAR PERFUME EM SI MESMA. A garota é branca, caso você esteja se perguntando sem motivo algum — o cerne da questão aqui, já falei e repito, é a paranóia fora de controle e o clima de tolerância zero, e não ficar especulando a quantidade de melanina dos envolvidos.
No Novo México, onde o meth azul transborda — pertinho do Texas, aliás –, um garoto de 13 anos foi preso por arrotar na sala. O garoto nunca foi identificado, então não posso afirmar com certeza que ele é branco, mas eu seria capaz de apostar que sim, sabe por que? Porque se não fosse você teria visto a matéria ALUNO NEGRO/HISPÂNICO/ÁRABE PRESO APENAS POR ARROTAR NA SALA!!!!! linkada nos 5 textões sobre o assunto que você teria lido no Facebook.
Esta garota teve seu braço quebrado por um segurança porque deixou restos de bolo no chão.
Essa aí, de 12 anos, foi presa por rabiscar a carteira.
Essa garota trouxe acidentalmente uma faca pra escola (confundiu a lancheira com a do pai, que carrega uma faquinha dessas de cortar fatias de maçã). Foi presa. Branca.
Essa aí pelo menos trouxe uma faca de metal. Teve um moleque de 11 anos que foi preso por estar “portando” uma faquinha de plásticos, dessas de passar manteiga no pãozinho que te dão no avião.
Ahmed foi apenas algemado, uma sorte que essa garota da mesma idade que tomou um taser na VIRILHA não teve.
Teve aquela vez que prenderam um moleque de 5 anos. Eu repito: CINCO ANOS. E o motivo? Teria agredido um policial na escola. Prenderam um garoto de CINCO ANOS por isso.
Teve este rapaz (cujo corte de cabelo lembra o Justin Bieber no começo da fama) que foi preso, e suspenso, por escrever uma redação sobre matar o dinossauro de estimação do vizinho. A redação continha a palavra ARMA. Foi o suficiente pra ir pra delegacia algemado. Não é muçulmano, não tem pele escura e não se chama Mohamed, então é por isso que você nunca tinha ouvido falar dessa história.
Uma vez na Flórida duas crianças se beijaram e a polícia foi acionada por suspeita de “abuso sexual”. As duas crianças tinham a mesma idade: 7 anos.
Teve aquela ocasião em que um moleque foi preso porque, durante uma brincadeira de pega-pega, esbarrou a mão na coxa da amiguinha. O garoto tinha 6 anos de idade.
Este aqui não é especificamente na escola, mas dá uma boa idéia da paranóia americana no geral — uma mulher (branca, americana nativa) recebeu uma visita do FBI após procurar “PANELA DE PRESSÃO” no Google. Por que? Por causa do atentado na maratona de Boston, em que os irmãos Tsarnaev esconderam bombas caseiras fabricadas com panelas de pressão dentro de mochilas.
Mas “mochila não parece bomba”, então deve ser plenamente inofensivo, né?
Eu podia citar mais exemplos mas estou com preguiça de continuar googleando. Faça você o resto da pesquisa, “child arrested school”. Se tiver preguiça de ler, “kids arrested at school” no YouTube rende vários resultados também.
Agora eu te pergunto: tendo em consideração todo esse contexto que eu acabei de explicar, você realmente que o fator definitivo da prisão do Ahmed é seu nome/etnia/religião? Nos EUA prendem crianças de 11 anos por portar uma faquinha de plástico.
Que não é crime. Andar por aí com algo que pareça uma bomba, por outro lado, é crime.
Então. Agora que você sabe as maluquices sem sentido que causaram prisões de crianças em escolas nos EUA, é razoável dizer que qualquer criança andando pela escola com isso aqui…

O troço ainda começou a apitar no meio de uma aula.
…sofreria uma punição?
E que a REAL culpa disso é a política de tolerância zero nas escolas americanas?
Um detalhe relevante na situação é que o garoto não tinha sequer um bom motivo pra ter trazido aquele negócio pra escola, o que aumenta a suspeita de algum tipo de mequetrefezagem. Sabe porque essa distinção (“haver um bom motivo pra trazer o troço pra escola”) é importante?
Porque sites inescrupulosos como o horrível Gawker ignoram (ou fingem deliberadamente que a distinção não existe), quando publica uma matéria como ““.
Uma olhada rápida nos casos citados revela a tal distinção que é inconveniente para a narrativa e que impossibilita a comparação — todos os sete casos citados envolviam um projeto de aula, ou feira de ciências.
Ou seja: a invenção da criança era algo esperado pelos professores — não apenas esperado, era parte de uma atividade que valia nota. O que os paranóicos mais detestam é imprevisibilidade, quando algo inesperado acontece. Um garoto trazer pra feira de ciências dois copinhos cheio de água com um buraco e marcações pra contar a passagem do tempo não é a mesma coisa que um moleque aparecer na escola (sem motivo algum) com um dispositivo que é basicamente o que Hollywood nos convenceu que é a aparência de uma bomba.
E sim, minha menção de copinhos com água não é hipérbole: dois dos relógios citados na matéria do Gawker eram nada senão clepsidras, algo que consegue ser mais tecnologiamente rudimentar que duas latinhas e um barbante — tem, afinal, um componente a menos.
E assim, retornamos ao ponto central do meu vídeo.
Meta uma coisa na sua cabeça: Ahmed não foi preso porque era muçulmano, ele foi preso porque o garoto trouxe pra uma escola NOS ESTADOS UNIDOS algo que poderia ter sido facilmente confundido com uma bomba.
Não era, felizmente, mas andar por aí com algo que pode ser confundido com uma bomba é crime no Texas de qualquer jeito. E é por isso que os policiais o levaram pra delegacia pra tentar estabelecer se o garoto tinha de fato intenções inofensivas, ou se talvez estava planejando alguma brincadeira de mau gosto.
Repare nos comentários do Gawker. Você vê que a discussão está completamente centrada na guerra racial entre ocidentais e muçulmanos, com todo mundo se espevitando uns contra os outros, direcionando a raiva pra todas as direções exceto na joselitice paranóica das autoridades americanas…?
Se isso assemelha-se muito com a tática de dividir para conquistar, talvez não seja é coincidência. Pode não haver uma cabala governamental secreta orquestrando esse tipo de evento pra nos manter apontando as armas ideológicas uns pros outros e não contra os líderes — e eu duvido muitíssimo que exista –, mas o resultado é o mesmo. A paranóia das autoridades americanas acaba não sendo vista pelo consenso popular como a causa do problema.
E é por causa disso que essa porra vai continuar acontecendo. Observar a histeria generalizada gerada por esse caso é como ver uma casa com uma goteira no teto, com seus os moradores da casa eternamente discutindo se a goteira é mais ativa quando o João está embaixo dela, ou se é quando a Maria está embaixo dela. João e Maria discutem fervorosamente o assunto, citam estatísticas de quem está se molhando com mais frequência, chamam amigos pra reforçar seus pontos de vista, escrevem editoriais sobre qual deles é mais provável de estar sendo mais acertado pela goteira… e enquanto isso o buraco no teto continua lá.
Como gosto de argumentar com fatos, então deixo de fora pontos levantados por outros internautas: o fato de que o pai do garoto, Mohamed Elhassan Mohamed, é coincidentemente um ativista contra islamafobia com aspirações políticas (ó um debate com ele aí), ou também a parte mal explicada de que o relógio teria tocado na sala — ele precisaria estar plugado na tomada pra isso acontecer, e é de se questionar por que o garoto resolveu pluga-lo na tomada durante a aula quando a professora a quem ele mostrou o aparelho já tinha recomendado que não era boa idéia brincar com esse negócio na escola.
Como esses detalhes entram no campo especulativo, e não lido com especulações, resolvi não basear meu argumento nelas.
E pra finalizar: apesar de se referir ao relógio como sua invenção em diversas entrevistas, Ahmed não “inventou” coisa alguma, ele desmontou um relógio e remontou dentro de uma maletinha. Teria literalmente dado mais trabalho reproduzir sua “invenção” usando lego.
Não entendo qual é exatamente o grande skill necessário pra tirar a carcaça de um eletrônico simples como um relógio e coloca-lo em outra de forma mais precária, mas nem esse mérito todo de pequeno Tony Stark ele tem. Se eu removo a carcaça do meu notebook e coloco os componentes dentro de uma caixa de sapatos, eu não “criei” um computador.
A história fica menos interessante quando esse detalhe é revelado, né? Talvez um pouco broxante até. De repente você até se sente meio… enganado.
Por que será que os meios de comunicação aumentaram os feitos e a proficiência do moleque…? Seria talvez pra reforçar a narrativa de beatificação do moleque…? Certamente serviu os propósitos do pai ativista, né…? Novamente, entramos no campo da especulação. Mas é difícil ignorar esse detalhe.
Meu ponto final nesse caso é o seguinte: quando todo o contexto aponta que raça/orientação sexual/ideologia/religião/gênero teriam sido irrelevante no saldo geral da situação (se você ainda insiste que um garoto branco NÃO teria sido interrogado se estivesse mesma situação, você deve ter pulado uma parte imensa do meu texto), ignore raça/orientação sexual/ideologia/religião/gênero.
Não brigue contra a Maria, não brigue contra o João.
Conserte a goteira. Ela é o real problema.

September 17, 2015
Meu pai achou várias filmagens da nossa família nos anos 90!
Quem me ouve no 99Vidas deve lembrar de uma história que já mencionei lá diversas vezes — uma viagem de um mês que fiz aos EUA em 1999 com minha família.
E eu mencionei a viagem no meu podcast sobre games porque ela foi particularmente significativa na minha “formação gamer”, e por vários motivos: primeiro, ela marcou a primeira vez na minha vida que eu tive contato com um console next gen pouco tempo após seu lançamento.
No Brasil dos anos 90, e mais especificamente no CEARÁ nos anos 90, era difícil ver (que dirá então jogar!) num console de nova geração. A gente ouvia da molecada da locadora sobre algum suposto novo console; aí via numa revista de videogame as resenhas dos games (com imagens do tamanho de um ícone de smartphone, em resolução de tela de calculadora).
Alguns anos depois quando o brilho de “console next gen” já havia basicamente passado, o videogame finalmente aparecia na sua locadora local, custando 5 reais a hora pra jogar, contra 1 real a hora dos consoles mais velhos (e o dono da locadora achava que isso era um bom negócio. O 3DO da locadora do meu bairro ficava largado às baratas).
Eu demorei ANOS pra finalmente ver um Nintendo 64 de perto, que dirá então jogar — e olha a coincidência? Foi justamente nessa viagem que eu peguei num controle de N64 pela primeira vez na vida.

Eu e meu irmãos brincando na cama do hotel
Mas voltando ao começo da história: naquela viagem tive a oportunidade de experimentar o Dreamcast numa Toys R Us qualque em Nova Iorque. O privilégio de anos morando fora do Brasil me deixaram completamente desensitivizado à maravilha que é, pela primeira vez, ter contato com uma tecnologia inacessível (já que pra mim, não existe mais “tecnologia inacessível”). Foi uma experiência tão trivial jogar Sonic Adventures no display da Toys R Us, mas foi um momento bem significativo pra mim.
Além disso, eu pude pela primeira vez jogar em algo que foi um sonho de consumo por muitos anos: um Game Boy. Ficamos na casa de amigos cujo um dos filhos ganhou um Game Boy Color de presente de natal, e com o cartucho de Pokemon Blue. Pude pela primeira vez ver em ação, e no console original, um jogo que eu só conhecia dos emuladores.

O garoto e o Game Boy em questão. Hoje, tenho um modelo idêntico, guardado naquela vitrine que você vê nos meus vídeos.
Aliás, meu pai capturou até o momento exato em que o garoto ganhou o videogame:

Com aquela feature cafona CLÁSSICA das filmadoras dos anos 90 — exibir uma mensagem por cima da filmagem.
FALANDO EM CAFONICE eu preciso usar essa oportunidade pra dar um esporro no meu pai. Quando ele digitalizou essas fitas, lá nos idos de 2004 ou 2005, meu pai estava pela primeira vez experimentando com essa tal de “edição de vídeo”, um conceito com o qual ele sempre paquerou, mas que só no meio dos anos 2000 se tornou acessível para o público comum.
Ele deu seu início nesssa indústria vital ripando as fitas
Voltando ao assunto, contabilizando a experiência trancendental gamer que foi essa viagem, teve também o supracitado Nintendo 64 — que eu conhecia só de ouvir os amigos do Brasil falando que era foda, e pude jogar pela primeira vez na casa desse mesmo moleque do Game Boy.
Joguei muito Turok, Goldeneye, Starfox 64, e assisti vários playthroughs de Ocarina of Time com aqueles moleques. Passei uma semana lá, se lembro bem, e vi aqueles moleques zerando Zelda fazendo revezamento do controle umas três vezes.
Mas o post não é sobre videogame, especificamente. É sobre memórias de família.
Meu pai sempre foi early adopter de tecnologia, uma característica que herdei dele. Por causa disso, tivemos a oportunidade de registrar uma viagem como essa em diversas fitas VHS, que meu pai anos mais tarde encontraria embaixo de uma montanha de poeira, e digitalizaria.

Em Denver, no Colorado
A parte injustificável é que ele cagou em cima desse exercício de preservação história de lembranças familiares colocando por cima do vídeo uma trilha sonora injustificável de Bon Jovi, Shania Twain, Xitãozinho e Xororó (?!?!?!) e outros absurdos. Nem o George Lucas esculhambou tanto um trabalho prévio de sua própria filmagem com adições desnecessárias quanto o meu pai.
E como as fitas já se perderam nas areias do tempo, e meu pai em seu amadorismo de edição não guardou uma versão na íntegra da parada, o único registro que tenho de minha viagem pelos EUA é embalada ao som de That Don’t Impress Me Much, o que eu não tenho nem palavras pra descrever. Tem trecho que não dá pra ouvir o que eu estou dizendo pra minha mãe, mas o “Okay, so you’re Brad Pitt/That don’t impress me much” da muié tá alto e claro.
Mesmo com essa cagada imperdoável do meu pai, é muito interessante rever essas filmagens. Eu adoro relembrar o passado, e esses vídeos dão um insight foda sobre a vida naquela época.

Menos de dois anos da filmagem desse vídeo, por exemplo, o mundo mudaria irreversivelmente
E isso me faz pensar em como a geração atual verá o próprio passado. Nós que já passamos dos 30 temos apenas pequenos vislumbres da vida do passado — uma foto que na época já tinha saído fora de foco e agora desbotou com os anos e ficou ainda menos nítida. Uma filmagem breve, em baixa qualidade, tremida (não tínhamos prática com as câmeras ou tecnologia de estabilização); esse tipo de coisa.
Por fruto dessa escassez de registros da época, eu penso que a nossa geração lembrará um pouco menos do passado do que a turminha que está aí completando seus vinte anos, com até mesmo as maiores trivialidades registradas num Instagram da vida. Sabe, fala-se muito da egolatria que o pessoal mais novo cultiva nas redes sociais, das selfies, dos vlogs feitos com a “presunção” de que alguém se interessa com o registro da vida do sujeito… mas eu invejo esse pessoal, na real.
Daqui dez anos, eles terão uma visão muito melhor do próprio passado do que nós temos, e eu penso que com isso virá um compreendimento melhor da sua própria história pessoal. Sempre que vejo essas filmagens, eu lamento meu pai não ter mais dinheiro, pra comprar mais fitas VHS, e então filmar o que talvez na época passasse por algo completamente bobo e trivial (digamos, eu e meu irmão brincando no quintal de casa), mas que hoje me valeria ouro.

Brincando num troço qualquer no Universal Studios em Orlando
Por isso eu digo: mande esses auto-eleitos críticos das prática sociais contemporâneas às favas. Auto-exposição em demasia? Na real, foda-se. Tire fotos, faça vídeos, registre os momentos (importantes ou não) da sua família. Ter um acesso a esse material é muito mais precioso, eu acho, do que algum aleatório da internet te encher o saco porque você “tira selfies demais”.
E pra quem diz “mas Izzy, e a privacidade?!” é pra isso que servem serviços privados, ora. Esses vídeos que meu pai colocou no YouTube estão com links “unlisted”, ou seja, só vê quem tem a URL. Colocar as coisas na nuvem dessa forma é uma boa forma de garantir que memórias de famílias não serão perdidas num crash de HD. Jogou num dropbox da vida, no YouTube, de forma geral pode confiar que os serviços já provaram que estão aí pra ficar.
Afinal, tem vídeo meu que pus no YouTube há quase DEZ ANOS…

September 15, 2015
O lado pornográfico do YouTube — E porque o site o permite
O texto tem PORNOGRÁFICO no nome, então, fica o aviso: não leia no trabalho, porque eu não me responsabilizarei pela sua demissão. Caso não tenha ficado claro o bastante: vai ter pirocas, bundas, peitos… tá avisado!
Não é difícil encontrar putaria na internet. Aliás, é tão fácil que você frequentemente esbarra nela sem querer — é por isso que tags como #NSFW (Not Safe For Work) ou #CPNT (Cuidado, Piroca Na Timeline) existem.
A putaria é tão onipresente que de fato existe toda uma indústria pra BLOQUEAR que seu computador a acesse essas coisas acidentalmente — ou talvez não tão acidentalmente como é o caso de pais com filhos que acessam a internet.
De fato, ela é TÃO onipresente que se encontra até mesmo em um lugar que você não espera. O YouTube.
Não me refiro aos vídeos relativamente inocentes de garotas dançando de calcinha ou coisa do tipo. E tem muito vídeo assim. Muito mesmo. Aliás, nessa minha pesquisa puramente científica eu esbarrei com a sigla JOI, que parece estar sempre associada a vídeos de roleplay em que uma garota descobre que um homem a estava espiando. Algum fetiche maluco.
Mas a putaria a que me refiro é outra. Existe nos confins do YouTube toda sorte de vídeo basicamente pornográfico, permitido pelo serviço (que ostensivamente se opõe a material adulto). Por exemplo, tem este vídeo:

Me desculpem.
Acabo de dar fim a um recorde de 13 anos sem jamais postar uma foto de uma piroca no meu site.
Neste “tutorial”, um rapaz anônimo (“Arros Hokta”?) explica como colocar uma camisinha no pênis — já que colocar na orelha ou no pé é simples o bastante, dispensando instruções.
Acontece que eu sou um cara muito cínico. A julgar pela clássica rejeição masculina de usar camisinha, eu nutro uma leve suspeita de que o tal Arros está menos preocupado com sexo seguro e mais interessado em usar o YouTube como vitrine para sua estrovenga.
Mas o Arros não é o único.

Me desculpem
Este aí é meu quase xará, um tal de “Izzi Larry”. Neste outro tutorial, uma mina coloca a cabeça perigosamente perto de uma vergalha pra ensinar como colocar uma camisinha.
Tem esse outro, dum sujeito mostrando como funciona uma “penis pump”, cujo nome em português desconheço mas pode ser traduzido livremente como UM NEGÓCIO PRA AUMENTAR O TAMANHO DA PIROCA.
Tem este outro vídeo, ensinando o método de como colocar um pênis em uma vagina “facilmente”.

Ahhh, então é ASSIM?
É curioso imaginar que existe um método “fácil” pra transar que ainda não nos foi ensinado. Se atingimos 7 bilhões de habitantes nesse planeta usando a técnica “difícil”, talvez seja melhor nem nos ensinar o cheat.
Em “18+ Ejaculate in the vagina” o freguês vê exatamente isso — um casal trepando, com direito a uma tomada de DENTRO da vagina, com a cabeça da trosoba esporrando em direção ao que eu acredito ser a GoPro mais erótica do mundo.
Se o seu negócio é mais a forma feminina sem tentar pirocas por perto, há diversas opções também.

Hmmm.
E o título deste último revela o macete — a palavra chave é “EDUCATIONAL”. O YouTube é curiosamente bastante permissivo com contéudo sexualmente revelador se é feito sob auspícios de material educativo.
O valor educativo de uma mina arraganhado a vagina pra uma câmera pra ser depilada permanece em debate.

Esse aí é direto ao ponto
Pra alguns deve ser chocante ver uma imagem em alta definição de uma vagina no YouTube. Eu, que me acostumei a essas coisas durante a pesquisa pra esse artigo, me surpreendo mais é que essa vagina, ao contrário das outras examinadas no site, está pristina e não penetrad…

Ahhhh, taí.
Nem no PornHub eu vejo um colo cervical com tanto detalhe.
E tudo em nome da educação. Que beleza!

September 9, 2015
[ Vergonha Alheia da Semana ] MC Melody e sua amiga diva no falsete
Pra ser completamente sincero, eu não tenho a mesma ojeriza do funk que a maioria da galera que eu conheço tem. Existe uma rejeição quase unânime de reconhecer o funk como “cultura” — isso acontece porque, por algum motivo, no Brasil, “cultura” é sinônimo de “sofisticação” ou “educação formal”. Vai saber por que.
Cultura é, na realidade, uma manifestação popular que reflete seus valores, morais, arte, costumes, e experiência de vida. Mesmo que uma letra de funk seja vulgar e ilustrando níveis de semi-analfabetização, isso ainda é cultura pelo simples fato de que é um reflexo do “way of life” dos caras. A marginalização que os habitantes dessas comunidades vivem, a baixa escolaridade, a inversão de valores (traficante é mocinho, polícia é bandido), a visão mais casual em relação a sexo… tudo isso nos dá altos insight sobre a vida dos malucos.
Posso não gostar de funk (é, junto com sertanejo, o único estilo que eu não consigo curtir de forma alguma), mas dizer que ele não é cultura porque é “musicalmente rudimentar” seria como ver pinturas rupestres pre-históricas e criticar o traço e a colorização dos desenhos, dizendo que “não é arte de verdade”.

“PFFF COMO ASSIM ESSAS PINTURAS SÃO A ‘CULTURA’ DOS HOMENS DAS CAVERNAS? SÓ TEM UMA COR, AS PROPORÇÕES SÃO TODAS ERRADAS, QUE LIIIIIIIIIXO, ISSO NÃO É ARTE DE VERDADE. ARTE DE VERDADE É A MONALISA”
Só que tem dias em que eu consigo entender melhor a aversão que a maioria dos meus broders tem por funk. Dias como hoje, em que eu descubro o tal do “falsete da amiga da MC Melody”, que talvez seja aliás uma diva.
Eu vivo uma estranha dicotomia — às vezes, sou elogiado por “estar tão bem informado sobre o que ocorre no Brasil mesmo morando no exterior”; em outras ocasiões, estar desconectado dos meios brasileiros de comunicação em massa, eu fico COMPLETAMENTE ignorante sobre certas coisas. Demorou HORRORES pra eu sacar que o tal Neymar era um jogador de futebol, por exemplo. Nunca sei qual a nova novela das 8, os nomes de artistas famosos mais recentes (cujo estrelato ocorreu depois que saí do Brasil) nunca me são familiares, esse tipo de coisa.
Por que estou mencionando isso? Porque nas minhas últimas lives do Twitch, um número grande de pessoas pedisse que eu fizesse o “falsete da Melody”. E eu não tinha a menor idéia do que porra seria aquilo.
Hoje eu descobri o que era, e preferia ter continuado sem saber.
Neste vídeo a MC Melody (cuja interminável polêmica eu deveria abordar em outro texto) apresenta sua amiga Débora, que é supostamente “top no falsete”. Débora se propõe a “mostrar cultura pra esse povo”, e então segue a… dar o grito de um gato fanho sendo serrado ao meio em cima de um telhado de Brasilite. Tudo isso enquanto manipula um theremin invisível.
Como ex-metaleiro (não me entendam mal, eu ainda ouço metal diariamente — só não sou mais “metaleiro”), chego a me ofender com essas duas chamando essa arranhada de giz na lousa de “falsete”. Se essa muié dá esse gritinho no meio de uma música eu teria pensado que um juiz está marcando uma falta nos arredores.
Como se nossos tímpanos não tivesse sido castigados o bastante, a “diva” sugere que a própria Melody ensaie um falsete.
A pequena MC atende o pedido, emitindo o que eu creio ser o som que os condenados ouvem ao chegar no inferno. Na última nota eu tenho a impressão que meu óculos trincou.
Assim é difícil defender o funk.

September 4, 2015
Trago uma nova religião — o Melhorismo
Encaremos a realidade: Somos uma raça completamente desgraçada.
Sim, às vezes nos unimos e fazemos algo incrível, como um vôo à lua, a cura da poliomelite, ou tirar finalmente o Star Wars da mão do George Lucas. Entretanto, não se engane: essas instâncias aí, embora sejam as nossas mais brilhantes, estão completamente cercados de momentos asquerosos que definem muito mais nosso caráter como seres humanos.
E pra provar esse ponto não precisamos nem ir aos extremos da ruindade humana, não: se mantermos nosso olhar no micro em vez do macro, nas nossas pequenas atitudes do dia a dia — em vez de, sei lá, o genocídio de um ditador, perceba como somos mesquinhos. Ou egoístas. Como somos imediatistas, preferindo quase sempre a recompensa imediata em vez do trabalho duro que gera bonança lá na frente. Passamos muito tempo com coisas que não constroem nada. Procuramos a melhor forma de machucar uns aos outros. Procrastinamos o que é importante em prol do fútil. Passamos uma vida adulta inteira semi-ignorando nossos pais, apenas pra lamentar sua partida.
Eu poderia continuar. Dá pra escrever um TCC inteiro sobre o que acredito ser a condição humana — o fato de que somos, por default, de fábrica, escrotos. Míopes. Negativos e destrutivos.
Religiões foram uma forma de consertar isso — teoricamente. O problema é que religiões eram complicadas, passíveis de muita interpretação (o que acabava permitindo todo tipo de excessos e absurdos), e exercem influência desmedida nos adeptos. Isso tudo se soma pra trazer à tona novamente, e ironicamente, todos os problemas que as religiões visavam justamente resolver.
A mesma coisa com ideologia. Esse era o propósito implícitos delas, não? Guiar, e assim sendo melhorar, o comportamento e a índole humana. E se você tem uma conta no Facebook você deve estar ciente do fracasso absoluto que isso foi.
Ideologias, assim como religiões, apenas realçam tudo que há de mais desagradável em nós — e (assim como religião), a ideologia frequentemente passa em cima das nossas atitudes deploráveis um verniz de superioridade moral insuportável. Não bastava fazer escrotice; o militante frequentemente faz escrotice com o total convencimento de que está moralmente certo. “Será que eu estou fazendo merda?” é, a julgar pelo mundo a nossa volta, algo que passa muito infrequentemente pela cabeça humana.
Não é à toa que eu não consigo me identificar com nenhum movimento, nenhuma política, nenhuma ideologia, nenhum grupo, porra nenhuma. Vejo populando ambos os lados pessoas erguendo carteirinha de um clube cuja camisa não quero vestir. Defendo o ponto X, aí olho quem está o defendendo também, e me desanimo. Flerto com o ponto Y, aí noto quem é a galera erguendo as faixas de VIVA O Y e mudo de idéia imediatamente.
E sim, eu vou acentuar “idéia” até o dia de minha morte, acostumem-se.
ENTÃO, CARALHO, NÃO HÁ SOLUÇÃO PARA NÓS? Estamos fadados a nascer escrotamente, viver escrotamente, e morrer escrotamente?

Tu bota no Google “HUMAN CONDITION” e olha o tipo de imagem que aparece. Isso ilustra excelentemente meu ponto.
Talvez não. Eu estive pensando numa alternativa à tudo isso.
E estive pensando nisso faz tempo. Quando anunciei a minha idéia de uma nova religião (o que é obviamente uma semi-brincadeira), o nome “Melhorismo” fez muita gente achar que eu estaria parodiando o tal “Deboísmo” que surgiu esses dias. O timing é uma merda, mas eu te garanto que a parada tá fermentando na minha cabeça há muito tempo. , pra você ver.
E hoje eu quero estabelecer melhor os parâmetros do que eu acredito ser um meio melhor de viver a vida.
Imagine que existe uma versão Melhor de você em algum lugar. Não posso falar por ninguém além de mim mesmo, então posso listar um monte de características que a versão Melhor de mim teria.
Um Izzy Nobre melhor seria mais paciente. Menos impulsivo. Mais tolerante, mais generoso, menos orgulhoso. Um Izzy Nobre melhor priorizaria seu sono em vez de ficar perdendo tempo com internet, ou com videogame; se esforçaria mais no trabalho, compareceria em compromissos pontualmente. Tomaria seus remédios direitinho, sem pensar “ah, nem preciso mais disso” dia sim, dia não. Responderia os emails com mais prestatividade. Gastaria menos dinheiro com frivolidades. Leria como adulto o quanto lia quando criança — ler realmente é o hábito que mais lamento ter perdido.
Essa versão melhor de nós mesmos, a versão que realmente queríamos ser — quase uma versão idealizada — é algo que consideramos tão distante, tão inalcançável, que o exercício de imagina-la mora firmemente no domínio da ficção. Dá quase pra visualizar o Melhor Você, não dá?
E o Melhorismo consiste justamente em atentar que o Melhor Você não está num universo paralelo em que você tomou todas as decisões de corretas de vida. O Melhor Você é mais próximo do Real Você do que tu pensa — e pra chegar lá, basta fazer uma pergunta a si mesmo.
O que o Melhor Eu faria nesta situação?
Essa pergunta simples tem aplicações praticamente infinitas. Visualize aí por um instante o Melhor Você. Imagine onde ele estaria se tivesse tomado a MELHOR DECISÃO POSSÍVEL NUMA SITUAÇÃO, a que você inerentemente sabe ser a coisa certa a se fazer — isso é aliás única evidência de que nossa bússola moral interna não é COMPLETAMENTE ausente –, em vez dos impulsos animalísticos iniciais do nosso id?
O Melhor Eu estaria procrastinando em 50 abas no Chrome em vez de terminar esse texto? Não, ele não estaria. O Melhor Eu estaria parando no McDonalds pra comer porcaria pela milésima vez neste mês (que mal começou) quando há comida saudável em casa? Não, ele não estaria. O Melhor Eu estaria jogando videogame em vez de estudar para uma prova importante daqui dois meses? Não, ele não estaria. Estaria dando aquela resposta atravessada a alguém que provavelmente não a mereceu?
E ainda que tivesse “merecido” — o Melhor Eu se ocuparia realmente com uma atividade tão… inútil? Ou ele exerceria auto-controle? Seria a pessoa maior, com magnanimidade, ou seria escroto? Consideraria os pontos alheios mantendo em mente que ELE pode estar errado, ou fincaria o pé em suas posições SEMPRE, como se a idééééééééia de estar errado fosse um total disparate?
A parte mais importante do Melhorismo é que como filosofia, ele não se limita às relações interpessoais. Sim, a Regra Dourada (“trate os outros como gostaria de ser tratado” trademark Confúcio, com um remix de Jesus alguns anos mais tarde) é em teoria excelente, mas ela só serve pra guiar a forma como você trata os outros. Como guia moral de decisões que não envolvem terceiros, a Regra Dourada não te ajuda em nada.
E o pior é que se nossa história serve como prova de alguma coisa, é que a nossa raça é completamente refém de comportamentos auto-destrutivos; a fonte do problema é que nós não sabemos tratar bem a nós mesmos. Não é à toa que dois mil anos depois ainda temos dificuldade de tratar OS OUTROS bem. Não sabemos tratar bem a nós mesmos. Por que outro motivo um conselho tão simples, e inegavelmente bom, seria ignorado constantemente?
Se eu vou dormir à meia noite, completamente entretido com internet/videogame, sabendo que estarei fodendo a mim mesmo quando precisar acordar 4 horas mais tarde pra um plantão no hospital… COMO PODEREI TRATAR ALGUÉM BEM?
Em outras palavras: como tratamos a nós mesmos mal, invariavelmente trataremos os outros mal também. Até quando temos a melhor das intenções.
Porra, a gente magoa até quem amamos. Tomamos constantemente decisões que nos foderão a médio e longo prazo. Eu não consigo fazer nem o que está em meus melhores interesses. Como então eu poderei tratar bem um desconhecido?!
A Regra Dourada está portanto incompleta, porque ela se baseia num conceito falho. Não sabemos tratar bem nem a nós mesmos, e esse é o problema; não é que não conseguimos resolver a equação, é o enunciado da questão que está errado. Ele pede que façamos algo quase impossível.
Proponho um add-on a ela.
É isso que proponho através do Melhorismo. Em toda e qualquer situação, pare, ignore momentaneamente os ímpetos te puxando pra lá e pra cá, e pense — o que o Melhor Eu faria nessa situação? O cara/garota que eu gostaria realmente de ser provavelmente não faria aquilo que eu estou tentado a fazer agora, não é? Eu SEI que ele não faria isso.
E eu bolei um logotipo que, penso, ilustra perfeitamente o que o Melhorismo significa.
Um triângulo partido ao meio. Um lado, pixelizado e borrado; o outro, nítido. Perfeito. Melhor.
Essa é a nossa dualidade. Do lado esquerdo, o nosso Atual Eu. Impulsivo. Rancoroso. Orgulhoso. Convencido de si mesmo. O cara que se atrasa pra tudo, que faz o trabalho com má vontade, que dá em cima da garota com namorado, que mente para os amigos, que se atrasa pra tudo ou trapaceia ou mente ou xinga no eterno pensamento de “ah, dá nada isso aí” — sem saber que são todas essas atitudes que produzem essas pequenas arestas que torna nosso convívio mútuo tão difícil.
Do lado direito, o seu Melhor Eu. Perceba que uma das maiores diferenças entre os dois lados é exatamente aquilo que você precisa pra ouvir a voz do Melhor Você — foco.
E ambos estão lado a lado, 50/50, pra melhor ilustrar que você tem chances iguais de ser um ou o outro.
Basta começar a tentar ser Melhor. Encorajemos uns aos outros a sermos Melhores.
Sejamos Sempre Melhores.
Grave essa frase em sua mente. Aquele Melhor Você, tão ideal que poderia muito bem ser a versão de um universo paralelo, depende simplesmente de quão firmemente você aderir ao sentimento de que você PODE ser Melhor.

August 31, 2015
[ Joguinho Viciante da Semana ] GTA: Chinatown Wars
O Nintendo DS, como basicamente todo console da Nintendo pós-Super Nintendo, sofreu por anos o estigma de ser um “console para crianças”. Uma biblioteca lotada de jogos mais coloridinhos, mais cartunescos, com teor mais infantojuvenil, fez com que muitos vissem o DS como mais um console para o priminho de 9 anos.
E aí em 2009 saiu Grand Theft Auto: Chinatown Wars.
Grand Theft Auto: Chinatown Wars (que eu abreviarei para GTA:CW porque porra, nome longo do caralho) é um bem vindo retorno às raízes do GTA — a boa e velha Liberty City em (Semi)2D, com camera vista de cima. Digo “semi” porque o jogo tecnicamente tem sim elementos em 3 dimensões, mas o gameplay de forma geral se aproxima bastante do primeiro Grand Theft Auto de 1997, do qual eu era fanbooy absoluto. Tinha uma versão demo que permitia fazer TUDO em Liberty City, mas com time de 6 minutos ou algo assim. Joguei aquilo obsessivamente na sétima série.
Em GTA:CW você vive na pele de Huang Lee, um playboy rico e mimado filho de um líder de uma gangue asiática em Nova IorDIGO, Liberty City. Seu pai morreu, você veio pra cidade entregar para seu tio uma espada que era uma relíquia de família. No meio do caminho da entrega o rapaz é atacado, raptado, e a espada é roubada. E aí começa a vida do moleque trabalhando como capanga no negócio criminoso da família.
O jogo é a típica aventura GTAzística — um antiherói relutante, que se vê meio que obrigado a entrar no mundo criminoso (a Rockstar fez mais de uma dúzia de jogos com esse arquétipo mas ainda assim as histórias conseguem ser interessantes; e olha que eu cansei do Dan Brown após 4 livros iguais). Toda a violência, o humor negro, as referências adultas estão lá, tornando o jogo um pouco atípico entre outros títulos da biblioteca do DS.

Screenshot da versão de PSP.
Uma das principais diferença em gameplay, no entanto, é que você pode se livrar da perseguição policial destruindo carros de polícia. Se você tem 1 estrela, detone um carro policial (batendo nele, o forçando contra outros carros na contra mão, essas coisas bem Burnout Takedown mesmo), e isso reduz a zero. Se tem dois carros, detone os dois, e o seu Wanted Level desce pra um, e assim você precisa detonar mais um carro.
Isso dá todo um outro aspecto às fugas da polícia — enquanto nos outros GTAs o negócio era simplesmente correr e se esconder, em GTA:CW você pode partir pro ataque e lutar de volta com um objetivo claro: detonar os meganhas. Em basicamente TODOS os outros GTAs, lutar contra a polícia era como tentar limpar merda de uma mão esfregando com a outra: só piora a situação.
Não que fugir da polícia se torne muito mais fácil por causa dessa mecânica. As perseguições continuam alucinantes, alilmentadas principalmente por outra mecânica de GTA:CW que é possivelmente a melhor de toda a série: o narcotráfico.
Espalhados por Liberty City você encontra diversos traficantes, vendendo 6 drogas diferentes — dentre elas heroína, cocaína e maconha. O esquema é como um mercado de ações do crime: você compra nos bairros onde vendem mais barato, e vende nos bairros onde a droga é mais valorizada. E no seu smartphone você recebe constantemente dicas de que bairros estão vendendo ou comprando a droga por melhor preço.
Não apenas essa mecânica combina excelentemente num jogo como GTA, ela é um familiar remanescente do clássico de PC “Dope Wars”, que eu joguei INTENSAMENTE (e escondido dos meus pais) quando tinha meus 14-15 anos.

É meio que um Elifoot do narcotráfico, saca? E era ironicamente tão viciante quanto as drogas virtuais que eu vendia nele.
Acredite se puder, o screenshot acima é um jogo. Eu joguei MUITO esse negócio. Mas muito MESMO. E GTA:CW trouxe de volta esse gameplay, de uma forma mais dinâmica: você realmente viaja de um pouco pro outro da cidade, tentando não atrair atenção da polícia, e às vezes sendo flagrado no ato mesmo assim.
E isso torna as perseguições com a polícia 10 vezes mais arriscadas. Em sempre senti que em todos os GTAs não há uma punição muito firme quando você é pego pelos tiras; é mais um incômodo do que qualquer coisa.
Em GTA:CW sãoo outros 500. Por exemplo: digamos que você foi até o ooooooutro lado da cidade porque recebeu um email dizendo que um maluco tá se livrando de cocaína a preço de banana, sabendo que tem um outro maluco lááááá na puta que pariu que paga muito bem pelo pó. Você já lá, compra TODA a droga do cara, ficando sem um tostão no bolso (mas uns 30 mil dólares em cocaína no carro).

Screenshot da versão para Android
Se havia uma câmera de segurança (que você pode destruir, se perceber antes) na área da venda e a polícia aparece, ser preso significa perder do nada TODA A SUA GRANA, além das armas que você tem. É nessa hora que bate a adrenalina: você sabe que ser preso vai foder seu jogo de uma forma quase sádica, e a perseguição se torna mais furiosa do que qualquer coisa que eu já vi nos outros GTAs — muito mais está em jogo.
Eu poderia resumir e dizer que as notas de Chinatown Wars são altíssimas em TODOS os sites de resenhas: a versão de DS, ambiciosa como nenhum outro jogo no portátil, é considerada pelo GameRankings e o GameSpot como o MELHOR jogo do console (considerando a imensa e excelente biblioteca do DS, isso é bem impressionante). A versão do iOS está entre os dez melhores jogos da plataforma com um cadinho acima de 95% de aprovação. Os ports mobile para iPhone, iPad e Android se beneficiam das plataformas mais robustas (embora percam os controles tácteis), com gráficos muito mais bonitos que os da versão original.
A versão de GTA:CW com nota unanimemente mais baixa (a do PSP; a maior destavagem citada é que os minigames que no DS dependiam da tela de toque não se traduziram bem pra uma plataforma sem esse método de input), ainda levou 9.3 de 10 no IGN.
Para e pensa nisso. A “pior” versão do jogo tem uma nota maior que, sei lá, Destiny. Ah, e ele é o segundo melhor jogo da plataforma de acordo com o Metacritic, perdendo pro God of War: Chain of Olympus por um pontinho só.
A Rockstar sempre manda bem pra caralho, e GTA:CW é simplesmente uma continuidade do que já esperamos da desenvolvedora. Disponível pra tudo que é plataforma portátil, e com um preço mais em conta do que na época do lançamento, é fácil recomendar esta que é possivelmente a mais divertida versão do jogo.
É bizarro que esse jogo tenha passado tão batido por mim, um fã absurdo da série desde sua concepção. Estou corrigindo esse erro agora, porque meu interesse pela biblioteca do PSP foi renovado graças à aquisição de um PSP Go.

Sim, eu já tenho um PSP desde 2005 ou 2006. E sim, eu sei que o PSP Go tem alguns probleminhas. Mas por 50 conto, um PSP Go novinho não é algo a qual eu consigo resistir!
Vou resenha-lo em breve no meu canal, aliás. Fique ligado.
Enquanto isso, vá jogar GTA: Chinatown Wars porque você não vai ter do que reclamar.

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