Cristina Torrão's Blog, page 43

March 22, 2017

Valorizar a família



«Criar um porco contribui para o PIB, criar uma criança não».*







Ao ler recentemente estas palavras de Friedrich List, um
economista alemão do século XIX, lembrei-me do artigo que escrevi para a edição
de Março do PORTUGAL
POST
, o único
jornal para a comunidade portuguesa na Alemanha. Nesta edição dedicada às
mulheres, o Diretor Mário Santos pediu-me para lhe enviar um pequeno texto
sobre a minha experiência como escritora. Por razões que nem sempre sabemos
nomear, acabei por fugir ao tema, concentrando-me na pouca valorização que a
família tem na nossa sociedade.












Este problema, porém, não é novo, ao contrário do que se possa pensar. Não
me refiro à coesão artificial dos laços familiares que existem por imposição,
tipo dogma, mesmo entre parentes que se odeiam. Refiro-me mais ao pouco valor
dado ao criar e tratar de crianças. A fim de cumprir os seus compromissos
profissionais, os pais deixam, muitas vezes, os filhos pequenos a cargo de
pessoas mal qualificadas. Persiste a crença de que qualquer mulher (pela mera
possibilidade de ser mãe) sabe tratar de crianças e educá-las convenientemente.




Nada mais enganoso! Falamos de uma tarefa de alta responsabilidade. Se
criar uma criança significasse apenas lavá-la, alimentá-la e dar-lhe um teto,
elas bem podiam crescer todas em lares. O problema é que a sociedade parece
considerar qualquer outro trabalho superior a esse, tornando-se
quase um castigo ficar em casa a tratar dos filhos, das limpezas e das
refeições, tarefas consideradas inferiores, degradantes e, talvez, por isso
mesmo, mais próprias de mulheres. No entanto, o trabalho num matadouro, por
exemplo, ou numa fábrica de produção em série, não me parece mais satisfatório,
ou gratificante. Porque se considera superior o facto de se estar numa fábrica
a apertar parafusos todo o dia, em relação a mudar fraldas e dar de comer a um
bebé?




Na Alemanha, onde os ordenados o permitem, é frequente
uma mulher prescindir do seu trabalho remunerado para ficar em casa durante
alguns anos, depois de ter filhos. Apesar de a lei permitir que os homens façam
o mesmo, uma percentagem ínfima de pais decide-se por esta opção. Há ainda
muito preconceito em relação a um casal que decide inverter os papéis. Para que
houvesse realmente uma mudança de mentalidades, as tarefas caseiras deviam ser
valorizadas, ser alvo de consideração social. E talvez também remuneradas. Afinal,
ao proporcionar uma boa infância às suas crianças, o Estado está a investir no
futuro.




Toda a família devia ser valorizada, independentemente
da sua forma, ou modelo. Mais do que fazer a apologia da família tradicional,
proponho um olhar diferente para as pessoas que tratam dos filhos e da casa,
sejam homens ou mulheres. Em vez de piedade, ou condescendência,
reservemos-lhes respeito e consideração!




Também o mercado de trabalho se devia adaptar ao
conceito de família, tomar consciência de que não é indiferente quem trata das crianças
e proporcionar condições para que as pessoas que regressam mais cedo a casa, ou
mesmo se vejam forçadas a cancelarem compromissos, por causa dos filhos, não
sejam olhadas de forma desaprovadora. As crianças precisam dos pais
(biológicos, ou não). Para os homens e mulheres que prescindem temporariamente
da sua atividade profissional, o regresso ao mercado de trabalho devia ser
facilitado, independentemente das suas idades. Os horários laborais deviam
igualmente ser mais flexíveis, de acordo com as necessidades das famílias,
assim como deveria haver mais possibilidades de trabalhar em part-time. As crianças são o espelho da
família. Pais felizes significa filhos felizes; crianças de pais stressados e/ou
descontentes refletem o ambiente que têm em casa e são elas próprias sérias
candidatas a adultos depressivos.




A sociedade subestima a educação das crianças. Costuma-se
dizer: «elas não morrem por não terem os pais perto delas. Lá se criam». Na
minha opinião, porém, nada se compara a uma infância bem estruturada e apoiada,
na companhia de pais que realmente têm tempo para os filhos. Costumo dizer que
a única coisa que pode mudar o mundo são infâncias felizes.







* Citado por
Thomas Sternberg, Presidente do Comité Central dos Católicos Alemães (Zentralkomitee der deutschen Katholiken),
na KirchenZeitung de 5 de Março de
2017.

 Frase no
original: Das Großziehen eines Schweins
trägt zum Bruttosozialprodukt bei, die Erziehung eines Kindes nicht.






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Published on March 22, 2017 03:47

March 19, 2017

Errar é humano...




Estando a ler esta magnífica obra de Saramago, encontrei dois erros históricos que muito me surpreenderam. Que o escritor se engane, pode acontecer. Mesmo sendo um talento fora do comum, ele é humano como qualquer um de nós. O que mais me admira é que ainda nenhum/a editor/a ou revisor/a tenha dado conta destes erros. Afinal, Saramago é publicado por quem sabe da poda (ou devia saber)!



Considero um dos erros particularmente grave, pois tem a ver com literatura ao mais alto nível, nomeadamente, com Shakespeare. Cito da página 266 (3ª edição LeYa BIS, novembro de 2013):



«Se ainda me restasse uma hora de vida, talvez a trocasse agora por um café bem quente, Daria mais do que aquele rei Henrique, que por um cavalo só trocava o reino, Para não perder o reino, mas deixe lá a história dos ingleses e diga-me como vai este mundo dos vivos».



Saramago reporta-se a uma peça de Shakespeare, na qual um determinado rei perde o seu cavalo em plena batalha e clama: "A horse, a horse, my kingdom for a horse"! O problema é que esse rei não se chamava Henrique, mas sim Ricardo! Toda agente se pode enganar num nome, sim. Mas o nome em questão serve de título à própria peça: Richard III, uma das mais famosas obras de Shakespeare! A primeira edição deste livro de Saramago data de 1984. E, desde aí, ainda nenhum editor português deu pelo erro? E as traduções (nomeadamente em inglês) ostentam também o erro? Valha-me Deus!



E já que falamos em Deus, passemos ao segundo lapso. Cito da página 268:



«... desde que os hebreus promoveram Deus ao generalato, chamando-lhe senhor dos exércitos, o mais têm sido meras variantes do tema, É verdade, os árabes invadiram a Europa aos gritos de Deus o quer».



Na verdade, esse era o grito dos cruzados, em latim: "Deus lo vult"! Segundo diz a lenda, o povo assim terá respondido, quando o papa Urbano II, no Concílio de Clermont-Ferrand, em 1095, convocou os cristãos a uma guerra contra os muçulmanos, a fim de reconquistar Jerusalém. Assim se iniciaram-se as cruzadas, a primeira em 1099, seguindo-se muitas outras.




Tratando-se de uma obra de autoria do nosso único Nobel, achei que tais erros não podiam passar, mais uma vez, despercebidos. Espero que se corrijam, em edições posteriores!




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Published on March 19, 2017 05:20

March 8, 2017

O Deus das Moscas














Este é um livro
interessantíssimo, na sua mensagem, mas cujo contexto não deve ser levado
demasiado à letra.




A mensagem é mais
atual do que nunca: tiranias e ditaduras baseiam-se no medo! Quando as pessoas
se sentem fracas e ameaçadas, seguem sem reservas a figura que lhes promete
aniquilar o monstro. Se o monstro existe, ou não, é indiferente; como é
indiferente se, existindo, ele é de facto ameaçador, ou responsável pela
situação difícil que se vive. Importante é que se acredite nele e na força da
figura que garante poder aniquilá-lo. Indiferente é também de que meios essa
figura tirânica se serve. Crimes são cometidos e legitimados em nome da
segurança. Isto é uma perfeita alegoria do que se vive atualmente e serve de
matéria de reflexão.




Com o contexto criado
pelo autor é que me parece que devemos ter muito cuidado, não tirando
conclusões precipitadas, como a que li algures num comentário, já não sei em
que blogue, nem por quem proferido: O Deus das Moscas seria a prova de
que os seres humanos são maus por natureza, contrariando a teoria do bom
selvagem de Rousseau.




Não querendo agora
entrar em discussões filosóficas, lembro que uma obra de ficção não pode provar
coisa nenhuma! William Golding não apresenta os resultados de um estudo, ou de
uma experiência. O enredo por si criado nem sequer é baseado em factos reais.




Seria de facto
interessante ver como um grupo de crianças, ainda não corrompido pela
sociedade, sobreviveria numa ilha deserta. Lamento, porém, que essa experiência
seja impossível. Só recém-nascidos ou bebés muito pequenos não foram ainda demasiado
influenciados pelo mundo à sua volta. E estes não estão em condições de
sobreviver sozinhos, seja onde for.




Qualquer criança, ou
jovem, que seja capaz de sobreviver sem ajuda, já não é puro, ou seja, já foi
educado e influenciado de alguma maneira, possui certos conceitos e uma visão
do mundo que lhe foi transmitida. Mais: uma criança de doze anos pode até
pensar ser o contrário daquilo que verdadeiramente é, ou seja, pode atuar com
crueldade, sendo bom por natureza; pode ser submissa, tendo qualidades de
liderança por natureza; pode ser sossegada, sendo ativa por natureza; pode ter
as ideias bloqueadas, sendo criativa por natureza, etc. Ou o seu contrário.
Tudo depende da educação que levou, das suas vivências e experiências. Um rapaz
que nasça pobre tem, aos doze anos, uma visão do mundo bem diferente da de um
rapaz que nasça rico.




O próprio autor alude
a vivências que tenham definido o comportamento das suas personagens:




«Ainda assim, a
tradição norte-europeia de trabalho, diversão e alimento ao longo do dia todo
possibilitou que eles se adaptassem inteiramente àquele novo ritmo» (p 68).




«Percival tinha cor
de rato e nem a mãe o achara muito atraente» (p 69) - o suficiente para modelar,
na negativa, o carácter de um miúdo desde o nascimento.




«Só Percival começou
a choramingar, com areia num olho, e Maurice bateu em retirada. Na sua outra
vida, Maurice fora, certa vez, castigado por encher de areia a vista de um
miúdo mais novo. Agora, apesar de não estar presente qualquer pai para fazer
tombar sobre ele a mão pesada, Maurice continua a sentir o desconforto de ter
feito uma maldade» (p 69).




Recordemos ainda que
estes jovens e crianças são o fruto da educação autoritária inglesa dos anos
1950. Além disso, o miúdo que se torna tirano tem um historial de liderança,
antes de se ver preso naquela ilha. Ele é o chefe de um coro, um grupo que se rege por normas de modelo militar, farda inclusive. O rapaz está habituado a
que lhe obedeçam cegamente, sem o questionarem, o que, por si só, pode levar a
situações de abuso, seja em que contexto for.




Ou seja: um livro interessante, que dá vários motivos de reflexão, mas que não se pode usar sem reservas como modelo da realidade.





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Published on March 08, 2017 03:32

March 4, 2017

Saudade, Desbundar, Desenrascanço








Não parece, mas estas
palavras têm algo em comum: considera-se que são intraduzíveis. Pelo menos,
assim o diz Tim
Lomas, da Universidade de Londres
.






Que a palavra saudade
não tem tradução literal noutras línguas, já era conhecido - embora eu duvide;
ou melhor, chamo a atenção para o facto de que a dificuldade de tradução não
implica que os naturais de outros países não saibam o que é ter saudades, ou
não conheçam o sentimento ligado à saudade.




Esta dificuldade de
tradução costuma deixar-nos muito orgulhosos, pois a saudade, tendo um conceito
muito poético, torna-se própria de um país de poetas. Mas que dizer de desbundar
e desenrascanço? São muito portuguesas, mas não são poéticas. Enfim, só
prova que temos outras características, o que é muito bom.




Não se pense, porém,
que somos o único povo do mundo a ter palavras intraduzíveis (uma outra
característica nossa é pensarmos constantemente que somos os únicos ou os
melhores do mundo nisto ou naquilo; é pena não haver uma palavra que defina isso
mesmo). O estudo de Tim Lomas encontrou palavras dessas em muitas línguas. É o
caso do termo filipino Kilig, ou da palavra holandesa Uitwaaien, ou ainda do termo do dialeto africano Bantu Mbuki-mvuki . Para ficarem a saber os seus significados,
cliquem nelas!




Este estudo encontrou também uma palavra alemã difícil de
traduzir: Sehnsucht ,
um termo que considero aliás muito próximo da nossa saudade. 





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Published on March 04, 2017 05:25

March 1, 2017

Ainda a influência do Estado Novo



Neste
interessante artigo
, mais uma vez se confirma que os mitos históricos
criados e/ou alimentados pelo Estado Novo continuam a dominar o nosso
imaginário coletivo. Nas palavras da historiadora Ana Maria Rodrigues: «Ainda
estamos muito influenciados pela história do Estado Novo, pois os reis e
rainhas de que mais se gosta ainda são os mesmos que se elogiavam na instrução
primária há 50 anos».







Pergunto-me se os programas escolares continuam a ser responsáveis
por esta situação. As historiadoras Ana Maria Rodrigues, Manuela Santos Silva e
Ana Leal de Faria, que também são professoras, culpam mais os autores de
romances históricos, o que me entristece, pois um dos meus objetivos, ao
escrever ficção histórica, é precisamente acabar com esses mitos, baseando-me
nos mais recentes estudos.




Preocupadas com a verdade histórica, estas três historiadoras
coordenam a série Casamentos
da Família Real Portuguesa
, publicada pelo Círculo
de Leitores
e que vai no seu segundo volume. O primeiro ocupa-se
da época medieval até aos finais do século XVI; o segundo abrange os séculos
XVII, XVIII e XIX.















É uma obra que me interessa, até porque as autoras «consideram
que a história necessita de reinterpretações e é preciso acompanhar as novas
correntes. Como a da recente que se preocupa com os afetos». Não posso, porém,
deixar de me perguntar se estas novas correntes não são influenciadas pela
ficção histórica. Se assim é, o romance histórico tem, pelo menos, as virtudes de
contribuir para que o estudo da História se reinvente e se empenhe em acabar com certos mitos.





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Published on March 01, 2017 03:21

February 25, 2017

Bruxas e Caretos








Tenho pena que o
Carnaval tradicional português, também conhecido por Entrudo, com
características específicas de cada região, se esteja a perder em nome da
importação brasileira. Não critico que existam escolas de samba em Portugal, o
samba é uma dança belíssima, além de ótimo exercício físico, mas festejar um Carnaval abrasileirado, com dançarinas a tiritar de frio, parece-me fora de
contexto.









 






Em certas zonas,
porém, continua a manter-se a tradição, como no nordeste transmontano, nomeadamente
no concelho de Macedo de Cavaleiros, com os Caretos de Podence. São figuras
curiosas, que me abrem o apetite para um livro publicado recentemente sob a
chancela da Poética Edições e
de autoria de Luís Filipe Costa.















Não sei até que ponto
o autor explica a origem dos Caretos, mas gostaria muito de saber se há alguma
ligação com as bruxas Allersberger
Flecklashexen
, figuras do Carnaval bávaro, que surpreendentemente me fazem
lembrar as do nordeste transmontano. Desde as máscaras, à vestimenta e aos guizos
que tilintam com os movimentos, em tudo são semelhantes aos “nossos” Caretos
(que utilizam aliás chocalhos).















Penso que seria
interessante ir ao fundo da questão, averiguar se realmente há uma origem
comum, quiçá celta, mas nem sei se tal pesquisa será possível. Quem sabe, algum
dia arranjo tempo…




Deixo-vos com imagens de um espetáculo carnavalesco da Baviera, bem diferente daquilo que consideramos Carnaval, mas, pelo menos, genuíno:
















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Published on February 25, 2017 08:17

February 21, 2017

Novos Contos da Montanha
















Se olharmos para a
vida com atenção, descobrimos que ela não é assim tão normal, ou inofensiva,
como pensamos. Um escritor possui esse olhar especial e transmite para o papel
aquilo que os outros nem se dão ao trabalho de observar.




Miguel Torga
apresenta-nos a realidade nua e crua. É a tal literatura que não precisa de
temas bombásticos, ou de grandes tragédias, para ser grande. Basta aquilo que
acontece todos os dias, na casa dos vizinhos, ou na nossa própria casa.




Não tenho muito mais
a dizer sobre estes fantásticos contos. Eles falam por si. Põem-nos a pensar na
verdade escondida atrás das palavras e dos atos. Nas nossas mãos permanece a
decisão sobre o que fazer dos frutos desta reflexão: ignorá-la, continuando a
aceitar o mundo tal como ele é; ou usá-la, a fim de entendermos melhor os
outros e a nós próprios, o primeiro passo para realmente tentarmos mudar o
mundo.





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Published on February 21, 2017 03:17

February 17, 2017

As Audrey Hepburns das nossas vidas

Como Presidente da República, Cavaco Silva não agradou a toda a gente. Talvez até nem tenha agradado à maioria, apesar de ter sido eleito por uma. Em democracia, porém, acontece que eleitores se desiludam com o desempenho dos por si eleitos.



Os que não apreciaram a atuação de Cavaco Silva podem e devem criticá-lo. Por atitudes que tomou, ou não tomou; por palavras que disse, ou não disse; pela sua alegada falta de cultura literária ou outra. Mas criticá-lo, ou mesmo ridicularizá-lo, por palavras elogiosas e ternurentas usadas em relação à mulher com quem está casado há mais de cinquenta anos? Numa altura em que a violência (não só) doméstica e a falta de respeito pelo seu semelhante está na ordem do dia? Há aqui algo que me escapa.



Maria Cavaco Silva teve vinte anos, como todos nós. E, com vinte anos, todas as mulheres são bonitas. E que, aos olhos de familiares e/ou amigos, Maria Cavaco Silva fosse parecida com Audrey Hepburn, é porque ela o era realmente! Porque estas coisas são mesmo assim! Pensem, meus senhores, nas vossas mulheres, quanto tinham vinte anos; em alguma namorada que tiveram, nas vossas mães, irmãs, filhas, netas! E pensem em vós próprias, minhas senhoras, pois certamente muitas de vós foram comparadas a estrelas de cinema ou outras figuras públicas conhecidas pela sua beleza! Quão cinzentas seriam as nossas vidas sem as nossas próprias Audrey Hepburns, Brigitte Bardots, ou Marilyn Monroes!



Ridicularizar Cavaco Silva por usar palavras elogiosas ao definir a mulher com quem está casado há mais de cinquenta anos não revela apenas mau-gosto e falta de educação, revela, acima de tudo, um grande, enorme, gigantesco preconceito!




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Published on February 17, 2017 04:02

February 15, 2017

Leituras Obrigatórias








Tendo eu dado há dias
a minha opinião
sobre um livro
que faz parte do Plano Nacional de Leitura, aproveito, agora
que os ânimos se acalmaram, para pegar num assunto que gerou muita discussão,
há pouco tempo. Refiro-me à obra O Nosso Reino, de Valter Hugo Mãe, que,
por um suposto
erro informático
(e aqui a confirmação de que se tratou de um erro) estava aconselhado a alunos do 7º ao 9º ano. Os
professores da Escola Pedro Nunes decidiram incluí-lo nos seus programas, o que
despoletou o protesto de muitos pais, que exigiam a retirada do livro como
leitura obrigatória no 8º ano, pois utiliza, num certo passo, linguagem obscena
(diga-se de passagem que não é a primeira vez que este autor está em foco por
causa de linguagem obscena; houve igualmente um caso com o livro A
Desumanização
, chegando-se à conclusão de que o problema era a frase fora
do contexto; pois eu, no único
livro que li de Valter Hugo Mãe
, também deparei com uma passagem que sinceramente
me enojou).




Muita gente se
indignou, ressuscitando o fantasma da censura. Ora, a censura não consiste em
evitar que determinados livros sejam lidos por uma determinada faixa etária.
Falar de censura, num caso destes, é desrespeitar a verdadeira censura e todas
as pessoas que sofreram à custa dela. Não misturemos alhos com bugalhos, nem
façamos uma tempestade num copo de água! Foi pena o autor ter mordido o isco e adotado o papel de vítima...




Um argumento usado
pelos defensores do livro era que os pais, pelos vistos, ignoravam a
linguagem obscena usada por muitas crianças e jovens entre os 12/14 anos,
incluindo os próprios filhos (até se aludia que seriam todos os miúdos que o
faziam, mas vou fechar os olhos a isso). Na minha opinião, este é um argumento
inválido. As crianças que usam linguagem dessa, fazem-no como contestação
própria da idade, pelo prazer de fugir às regras. Uma coisa completamente
diferente é depararem com tal linguagem numa aula, onde supostamente se devem
cultivar em todos os sentidos.



É verdade que a linguagem brejeira é usada nas obras de muitos autores laureados
ao mais alto nível, como Saramago. Deve-se, porém, confiá-la a leitores que possuam maturidade suficiente para perceber que só se deve ser brejeiro, depois de se saber o
que é ser bem-educado. Por isso, sempre achei que, neste caso, se devia aumentar a faixa etária. E foi realmente o que aconteceu: O
Nosso Reino
passou a ser aconselhado para o Secundário. Enfim, até me apetece dizer:
ainda bem que os tais pais contestaram o livro, de outra maneira, o Ministério
não corrigiria o alegado
erro informático
.






Uma nota a
propósito da crítica
a uma professora que terá recomendado a leitura de um livro que ela própria não
leu
. À primeira vista, é algo que realmente indigna. Mas não culpemos os
professores de ânimo leve! Eles com certeza confiam plenamente no Plano
Nacional de Leitura. Se, por exemplo, uma professora que seja admiradora de
Valter Hugo Mãe, ao descobrir um livro dele recomendado para uma determinada
faixa etária, resolva incluí-lo nas suas aulas, mesmo antes de o ter lido,
cometerá uma falha assim tão grande? Também se pode dar o caso de a Direção de
uma escola escolher incluir esse livro e haver, entre os docentes, quem ainda não o tenha
lido.





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Published on February 15, 2017 02:54

February 11, 2017

Aventuras de João Sem Medo
















Este “panfleto mágico
em forma de romance”, ao estilo de Alice no País das Maravilhas, é um
registo raro na literatura portuguesa e, por isso, digno de nota. João, um
rapaz de cerca de doze anos, cansado das lamúrias da sua aldeia Chora-Que-Logo-Bebes,
decide saltar o Muro construído em redor da Floresta Branca, «onde os homens,
perdidos dos enigmas da infância, haviam instalado uma espécie de Parque de
Reserva de Entes Fantásticos».




João entra assim num
mundo de fantasia, vivendo as aventuras mais estranhas. É de louvar a
imaginação de José Gomes Ferreira na criação de mundos e personagens absurdas,
com os quais João aprende muito sobre a vida, os dilemas humanos e a sociedade
em geral, que, muitas vezes, se revelam precisamente absurdos.




Porém, fazendo este
livro parte do Plano Nacional de Leitura, para o 3º ciclo, não posso deixar de fazer duas críticas desfavoráveis.




O objetivo principal
desta narrativa é mostrar a jovens que se deve viver sem medo. Em
grande parte do livro, isso é conseguido, João supera de maneira destemida os
testes mais perigosos e absurdos. Chega, porém, a um capítulo em que encontra o
seu contrário: João Medroso. Esta parte não me parece aconselhável, do ponto de
vista pedagógico. João Sem Medo trata com bastante rudeza o rapaz medroso, com
ordens de «cala-te» e apelidando-o de «medricas» e outros nomes menos
simpáticos. É certo que João Medroso exagera, tem mesmo medo e desconfia de
tudo, mas não me parece que a agressividade seja a melhor maneira de lidar com alguém medroso. Não se lhe consegue tirar o medo, apenas se lhe ensina a
desprezar-se a si próprio. O próprio João Sem Medo diz: «jurei esconder o medo
de mim mesmo, para não me desprezar». Esta é a terapia errada, pois, a melhor
solução para ganhar coragem é aprender a valorizar-se a si mesmo, o que implica
aceitar os seus medos. Isso sim, é corajoso!




Os dois Joões
encontram um gigante. O Sem Medo tenta fazer-lhe frente, o Medroso encolhe-se,
claro. E o que lhe acontece? O gigante divide-o em centenas de bichos-de-conta
que amassa numa grande bola, envolve na pele de um sapo, que depois esborracha
com um murro e acaba por desfazê-lo em ar. Foi esse o castigo por ele ser
medroso! Sinceramente, acho que isto só aumenta o medo de quem já é medroso.




A outra grande
crítica que tenho a fazer a este livro é que parece tratar apenas das aventuras
e dos medos dos rapazes. As raparigas, quando surgem, ou são personagens
graciosas, mas fracas, a necessitarem de ajuda, ou são (como haveria de ser de
outra maneira?) seres traiçoeiros, que só servem para enganar os rapazes e
metê-los em apuros. Em defesa do autor, diga-se que a primeira versão destas
aventuras foram publicadas num jornal de 1933. Estão, porém, desadequadas ao
nosso tempo, pelo que me parece que os jovens até aos 14 anos não o devam ler sem acompanhamento.
Se servir de leitura obrigatória numa escola, espero que a/o
professor/a possua pedagogia suficiente, a fim de dar a volta a estas situações.





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Published on February 11, 2017 10:27