Cristina Torrão's Blog, page 40

August 26, 2017

O Verão de 2012













«Durante o Verão de 2012, um psiquiatra e o seu paciente
conversam e trocam correspondência acerca do confronto entre a vida e a morte».




É este o mote desta obra (citado da sinopse da editora),
que, penso, terá aspetos biográficos, já que, tal como P., a personagem
principal, que aliás só conhecemos através do narrador, o seu psiquiatra, também
o escritor Paulo Varela Gomes sofria de doença incurável (viria a morrer em
2016).




Paulo Varela Gomes não só divaga sobre a vida e a morte, mas
também sobre a situação do país, nesse ano em que se iniciou a austeridade, com
algumas incursões ao tempo da Revolução de Abril, que o desiludiu, e igualmente
sobre autores setecentistas que escreveram sobre Portugal, com destaque para os
diários de William Beckford.




É sempre enriquecedor ver o nosso país sob o ponto de vista
de um estrangeiro, que, claro, nunca é objetivo, principalmente um inglês
setecentista com complexo de superioridade. Aguça, porém, o espírito crítico. Como
exemplo das reflexões de P., escolhi, no entanto, outros temas, os meus
preferidos, que têm a ver com a condição humana e a sua relação com os bichos e
as plantas. Recordo que o narrador é o psiquiatra, o que implica um
distanciamento do autor em relação à sua própria opinião, um exercício que
achei interessante, pois demonstra a sua consciência de não ser o dono da
verdade, sem deixar, no entanto, de exprimir o que lhe vai no pensamento:




“nessa época em que se iniciava a fase mais mortífera do
massacre das baleias pelos pescadores europeus e norte-americanos em todos os
oceanos da terra, cujos únicos resultados assinaláveis foram a quase extinção
das baleias e a obra-prima de Herman Melville, Moby Dick, um livro publicado em 1851 que, escreveu P., retomando
uma das suas boutades favoritas,
deixou completamente indiferente a grande maioria dos seres vivos, em
particular, as baleias, os outros bichos e as plantas, sempre alheios às
chamadas obras de arte com que os humanos acham sinceramente distinguir-se dos
outros habitantes do planeta” (p. 14).




“Mas, escreveu ele, este facto, o facto de os humanos só
terem progredido naquilo que é a manutenção e o prolongamento da sua vida, só
terem obedecido a um, e um único, dos mandamentos divinos ou dos comandos de
programação com que foram lançados na Terra, a injunção «Crescei e
multiplicai-vos!», esse facto mostra que os humanos cuidam de si com uma
indiferença perante o meio onde vivem que os torna semelhantes aos vírus,
organismos que, para se poderem multiplicar à vontade, liquidam o corpo do qual
se alimentam” (p. 36).




Sobre os portugueses, refere um aspeto que eu aliás abordei
no livro Tu És a Única Pessoa:




“a esmagadora maioria dos portugueses não se deu mal com o
salazarismo; eram como toda a gente, cujo lema de vida, em todas as épocas e em
toda a parte, foi aquele que os cobardes espalharam em Portugal: «A minha
política é o trabalho», quer dizer, é o silêncio, a aquiescência envergonhada,
o medo da própria sombra” (ps. 80/81).




Um livro a ler, portanto.





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Published on August 26, 2017 03:14

August 24, 2017

Lendo e Refletindo



“Não se esqueça, disse-me uma vez, de que o amor pelos
animais não acontece naturalmente aos humanos se não se predispuserem a
prestar-lhes atenção e a aceitar o amor que eles têm por nós. É como o amor de
Deus, inteiro e desinteressado, e por essa razão, tanto mais difícil de
perceber e abraçar, um amor sem negócio, sem contrapartida, sem condições.




Também ele não soubera o que eram os animais até muito tarde
e, tal como sucede a todos os que os descobrem, tratara-se de uma verdadeira
conversão, como aquela que se exprime na parábola de S. Paulo na estrada de
Damasco: de súbito acende-se dentro de nós uma claridade que nunca mais é
possível apagar. Há muita gente que não gosta de animais nem de pessoas, o que
é compreensível; há gente que gosta de animais mas não de pessoas, o que é
lógico; mas não há ninguém que não goste de animais e goste de pessoas, esta
última hipótese não pode verificar-se, porque quem não consegue experimentar o
amor sem causa não pode encontrar em parte alguma causa bastante para o amor”.




In O Verão de 2012,
Paulo Varela Gomes, p. 52 (Tinta-da-china, 2013)





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Published on August 24, 2017 04:11

August 21, 2017

Queremos mais crianças, ou não?








Crónica de minha autoria, publicada no jornal Portugal Post nº 278 - Agosto
2017:






 

Todos conhecemos o problema do envelhecimento da população e estávamos
convencidos de que seria irreversível. Maior foi o meu espanto ao constatar que
a Alemanha enfrentará, em breve, uma falta de professores. Prevê-se um
verdadeiro boom de alunos, nos
próximos quinze anos: em 2025, haverá mais 4%, passando a 8% em 2030. Boa ou má
notícia?




Em Portugal, toda a gente se queixa da falta de crianças e do fechamento
de escolas, em dimensões que se podem considerar dramáticas em certas regiões
do interior. Criam-se agrupamentos escolares cada vez maiores e
descaracterizados e protestam os pais, cujos filhos têm de mudar para uma
instituição de ensino longe de casa. Além disso, clama-se que haverá cada vez
mais reformados, enquanto diminui o número de pessoas no ativo, o drama de uma
Europa envelhecida, onde mal nascem crianças e as despesas com os cuidados aos
mais velhos explodem.




Na Alemanha, os nascimentos têm vindo a aumentar. O boom de alunos não se deve, contudo, apenas ao desejo dos alemães
de constituir família, mas também ao grande número de crianças e jovens entre o
quase milhão e meio de refugiados e migrantes que, desde 2015, entraram neste
país e que, pelos vistos, ajudarão a rejuvenescer a população e a equilibrar o
sistema de reformas. Quem sabe, certa Europa ainda se venha a arrepender por se
ter deixado vencer pelo medo, cercando-se de arame farpado.




Os responsáveis pelo sistema de ensino não parecem, porém, tão
otimistas, alegando que será difícil enfrentar o problema da falta de
professores, aliado à necessidade de construir mais escolas e às obras de renovação
de outras já existentes. As escolas do ensino primário - da 1ª à 4ª classe - vão
ser as primeiras afetadas. Um estudo da Bertelmanns
Stiftung
diz que, em 2025, poderão ser necessários mais 24.000 professores e
quase 2.400 novas escolas. O problema arrastar-se-á para os níveis de ensino
seguintes, onde, até 2030, terão de ser criados mais 27.000 lugares.




Tudo isto vai exigir um
investimento enorme, para o qual o governo alemão e as autarquias não se sentem
preparados. Especialistas dizem inclusive que, além de professores e escolas,
serão necessários mais assistentes sociais e psicólogos. Não se pode entender a
escola como no passado, estamos a viver uma época de grandes mudanças e novos
desafios. Além da integração de crianças e jovens com deficiência nas escolas
“convencionais”, projeto que tem sido levado à prática nos últimos anos, há que
trabalhar para uma boa integração dos alunos oriundos de diversos países e
culturas.




No meio disto tudo, pergunto-me
o que se passará na cabeça de certos políticos, quando aconselham as pessoas a
terem mais filhos, sem explicar como as famílias os poderão sustentar e educar
de maneira satisfatória, para já não falar no investimento que teria de ser
feito no ensino, a fim de inverter a situação, num tempo em que se fecham
escolas.




De qualquer
maneira, considero este boom de
alunos uma boa notícia e espero que se reaja a tempo de colmatar a falta de
professores e de escolas. Seria interessante verificar que a Alemanha (sempre a
Alemanha) estaria, daqui a uns anos, a colher os frutos de uma população mais
jovem, enquanto outros países, que resolveram fechar as suas fronteiras, se
continuariam a queixar do envelhecimento da sua população.







Nota:    os números foram tirados de um artigo do Zeit online:

http://www.zeit.de/politik/deutschland/2017-07/lehrermangel-steigende-schuelerzahlen-bertelsmann-studie-zehntausende-lehrer-fehlen





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Published on August 21, 2017 02:56

August 18, 2017

Ensino de Português no Estrangeiro













Toda a gente acha muito bem que os filhos de portugueses no
estrangeiro frequentem aulas de língua materna. Mas alguém se questiona como
funciona esse ensino, qual a sua eficiência e em que condições os professores
trabalham?




Dei aulas a crianças portuguesas em Hamburgo apenas durante
dois anos letivos e, apesar de ter sido uma experiência interessante, fiquei
revoltada com uma série de coisas. Como, porém, já se passaram quase vinte anos
(foi entre 1998 e 2000), pensei que a situação tivesse melhorado, até porque
participei em reuniões em que muito se discutia o assunto e me deixavam com a
impressão de que se estava perto da viragem. Li, agora, uma entrevista que a
Secretária-Geral do Sindicato dos Professores nas Comunidades Lusíadas, Teresa
Soares, deu ao jornal Portugal Post
e constatei que a situação, afinal, está pior do que nunca!




Os professores do Ensino de Português no Estrangeiro (EPE)
não têm os mesmos direitos dos seus colegas a exercer em Portugal no que, por
exemplo, diz respeito à progressão na carreira. Teresa Soares diz que o ME sacode a água do capote, alegando que, com a passagem do EPE para o
MNE/Instituto Camões em 2010, deixou de ter responsabilidades para com os
docentes no estrangeiro.




Teresa Soares não poupa, aliás, em críticas ao Instituto Camões,
que, segundo ela, recusa o cumprimento das leis de proteção à família e à
maternidade, não podendo as professoras no estrangeiro recuperar férias
suspensas por licença de maternidade nem usufruir das reduções de horários
previstas para cuidar de filhos pequenos. No caso de doença grave, os professores
do EPE, além de poderem ser despedidos se faltarem
mais de sessenta dias, não têm direito à Lei da Mobilidade Especial, que
permite ter um local de trabalho mais próximo da sua residência.




A diminuição constante do número de alunos obriga a turmas cada vez mais mistas,
com quatro e cinco níveis de escolaridade acumulados. Além disso, há
professores que se deslocam a uma localidade diferente em cada dia da semana e
têm a seu cargo alunos do 1º ao 12º ano de escolaridade e com conhecimentos de
Português de níveis diferentes.




Esta questão dos níveis é muito difícil de gerir. Eu, por
acaso, dava aulas sempre no mesmo local e só tinha alunos do 1º e 2º anos. Mas
o nível de conhecimentos de Português variava realmente muito. No 1º ano, eu
tentava ensinar a ler em Português a, pelo menos, três tipos de alunos: os que
tinham bons conhecimentos da nossa língua, porque os pais falavam Português em
casa; os que tinham conhecimentos sofríveis, porque os pais, apesar de serem
portugueses, tinham ido para a Alemanha em crianças, ou até nascido nesse país,
e falavam maioritariamente Alemão em casa; os que não entendiam patavina de
Português, porque eram filhos de casais mistos, ou seja, um dos pais era
português, enquanto o outro era alemão ou até nacional de outro país, como a
Polónia ou a Sérvia, casais que se entendiam em Alemão, pelo nunca se falava Português
em casa deles.




Teresa Soares alega que os professores com maiores
deslocações e que lecionam todos os níveis deviam ter horários reduzidos, pois
a preparação das aulas consome mais tempo e o desgaste, tanto físico como
psíquico, é maior. Nas palavras da Secretária-Geral do Sindicato dos
Professores nas Comunidades Lusíadas, a tutela, porém, «nem quer ouvir falar de
tais coisas» e não parece interessada na qualidade do ensino. Cada grupo de
alunos tem, semanalmente, sessenta ou noventa minutos de aula de Português, o
que Teresa Soares considera insuficiente.




Há também o problema da propina, instituída em 2012 pelo
governo de Passos Coelho, nessa altura, duramente criticada pelo PS, que se
recusa agora a aboli-la, apesar dos protestos dos partidos que sustentam o
governo de minoria. A propina levou à perda de mais de dez mil alunos a nível
mundial.




Uma outra questão, a dos manuais, era talvez o meu maior
problema, na altura em que dei aulas. Usavam-se os mesmos manuais que em
Portugal e não é difícil de calcular que eram perfeitamente desadequados, não
só por as crianças estarem inseridas em sociedades diferentes, como não
ajudavam a gerir os diferentes níveis de conhecimentos da língua na mesma
turma. Hoje em dia, há manuais feitos para o EPE, mas que Teresa Soares
considera igualmente inadequados, já que se baseiam no princípio do ensino de
Português como língua estrangeira, por decisão do Instituto Camões.




Como se vê, é um assunto longe de estar resolvido, o que
surpreende, se pensarmos que o ensino de Português no estrangeiro foi instituído
há várias décadas. Pelos vistos, a tutela não tem aprendido nada com a
experiência. 





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Published on August 18, 2017 02:48

August 15, 2017

Quem lia a Bíblia no século XI?








«No século XVIII, Maria
Antonieta supostamente aconselhou as massas famintas a que, se ficassem sem
pão, comessem bolos. Hoje, os pobres seguem este conselho à letra. Enquanto os
habitantes ricos de Beverly Hills comem salada de alface e tofu cozido a vapor
com quinoa, nos bairros da lata e guetos os pobres engolem bolos industriais,
pacotes de aperitivos salgados, hambúrgueres e pizzas (…) Já não existe fome natural no mundo, há apenas fome de
origem política (…) na maioria dos países, hoje, comer demais tornou-se um
problema muito pior do que a fome (…) Em 2010, a fome e a desnutrição
combinadas mataram cerca de um milhão de pessoas, enquanto a obesidade matou
três milhões».




São palavras do historiador
israelita Yuval Noah Harari, autor do livro Homo
Deus - História Breve do Amanhã
(Elsinore 2017) numa entrevista
ao DN
. Na sinopse da Editora Elsinore, Homo
Deus
é um «ensaio que explora os projetos, sonhos e pesadelos que vão dar
forma ao século XXI, da erradicação da fome ao fim da guerra, passando pela
vida artificial».









A julgar pela entrevista, o
livro vale a pena. Além de analisar o presente, e baseado na História da
espécie humana, Yuval Noah Harari faz um retrato bem fundamentado de um futuro
próximo, em que seremos condicionados pelo algoritmo e em que «existe o perigo
de a humanidade se dividir em castas biológicas».






Na entrevista, Yuval Noah
Harari foca o problema de, pela primeira vez na História, não sabermos o que
ensinar aos jovens, já que tudo acontece muito depressa. Daqui a vinte ou
trinta anos, os nossos filhos não poderão usar aquilo que lhes ensinamos hoje.
«O nosso conhecimento está a aumentar a uma velocidade vertiginosa e,
teoricamente, deveríamos entender o mundo cada vez melhor. Mas está a acontecer
precisamente o contrário». De facto, antigamente, tudo era mais previsível: «Em
1017, os pais ensinaram aos seus filhos como plantar trigo, como tecer lã, ou
como ler a Bíblia e era óbvio que essas capacidades ainda seriam necessárias em
1050. Pelo contrário, a maior parte do que as crianças aprendem hoje na escola
será irrelevante em 2050».




Este pensamento é realmente
interessante. Mas, e apesar de não contrariar a sua lógica, há uma informação
falsa nestas afirmações, um erro, que um historiador não devia dar: «Em 1017,
os pais ensinaram aos seus filhos (…) como ler a Bíblia».




Recuemos a 1017!





mil anos, não era possível ir a uma livraria comprar a Bíblia traduzida na
nossa língua. Não havia livrarias. Só existiam livros nos mosteiros,
escritos e/ou copiados à mão pelos monges, pois faltavam mais de quatro séculos
para a imprensa ser inventada.




Em
1017, 99% das pessoas não sabia ler, nem sequer o que era um livro. As Bíblias
que se guardavam nos mosteiros estavam escritas em hebraico, grego ou latim e,
além dos clérigos instruídos (porque os havia ignorantes), ninguém sabia ler
nelas, nem sequer os membros das casas reais. Na Idade Média, havia uma ordem
considerada divina: a nobreza, que se dedicava à guerra; o clero, que se dedicava
à religião e à cultura (as duas coisas andavam ligadas); o povo, que se
dedicava ao trabalho agrícola. Ou seja: mesmo a nobreza deixava a leitura da
Bíblia a cargo do clero e orientava-se pelas pregações deste. Os camponeses,
que ensinavam os seus filhos a plantar trigo, viviam aterrorizados com o pecado
e o inferno e conheceriam apenas algumas histórias da Bíblia, as que lhes eram
contadas pelos padres.




Tanto quanto sei, a leitura da
Bíblia em família só surgiu na época moderna, ou seja, a partir do século
XVIII, e mais entre os Protestantes, resultado da Reforma Luterana que, aliás,
coincidiu, no tempo, com a invenção da imprensa. As ideias de Lutero nunca
teriam atingido tanta popularidade, se não fossem difundidas pela invenção de
Gutenberg. A Bíblia de Lutero, traduzida em alemão (e a que se seguiriam outras
traduções), deu início a uma verdadeira revolução, pois, pela primeira vez,
qualquer pessoa (que soubesse ler e, no século XVI, já eram mais do que no XI) podia
ter acesso às Escrituras Sagradas e interpretá-las à sua maneira.




Dizer que os pais ensinavam os
filhos a ler na Bíblia, no século XI, é, por isso, uma expressão muito infeliz
deste notável historiador.





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Published on August 15, 2017 02:46

August 11, 2017

Poemas Simples Para Corações Inteiros
















Este livro, que a autora Virgínia do Carmo dedica aos filhos, «raízes da
minha coragem», não podia ter título mais adequado. Os poemas são, porém,
apenas simples na facilidade com que os lemos, pois não deixam de encerrar uma grande
profundidade em si.




Solidão




Penso na
solidão das canoas.


Nas sombras
anónimas. E no ventre


onde se
geram todas as coisas


que não são
de ninguém.





Há versos que nos deixam perplexos, pela sua clareza:




E não sei
porquê, resisto de pé.


À espera de
ser ruína.





In Esperança




Esperança é aliás a ideia subjacente, apesar da melancolia que cruza todo o
livro:




Atravessa-me
um deserto.


Com os
gritos construo uma ponte sobre a areia.





In Deserto




Uma esperança que finalmente se consubstancia naqueles a quem a autora
dedicou a obra:




Dos meus
filhos, o que nasceu primeiro,


tem um
acordar sempre preso nos olhos.


Uma janela
sempre aberta aos pássaros.





In Filho primeiro




Tem lábios discretos
e palavras que nunca diz.


Ama com
cuidado. Sabe coisas que desconhece.





In Filho segundo




E são deste «filho segundo» os encantadores desenhos que ilustram muitos
dos poemas.




Virgínia do Carmo é igualmente editora, com muito espaço para a poesia. Vale,
por isso, a pena ir ver o que se vai passando na Poética Edições.





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Published on August 11, 2017 03:23

August 8, 2017

O Comedor de Preocupações







Foto © Horst Neumann







Escrevo hoje sobre uma iniciativa de que tomei conhecimento, numa escola
primária de uma pequena cidade alemã chamada Lehrte, e que achei que devia
existir em todas as escolas. Trata-se de uma caixa de correio, decorada com uma
espécie de ursinho sorridente e de braços abertos, apelidado de Comedor de Preocupações ou Problemas (em alemão Sorgenfresser). O princípio é simples:
qualquer aluno pode escrever sobre aquilo que o aflige, sejam as notas, sejam
problemas na família, zangas com os colegas, ou qualquer outra coisa que lhes
passe pela cabeça. Depois é só enfiar o papel num sobrescrito, fechá-lo e metê-lo
na tal caixa. Quem quiser, pode escrever o seu nome, solicitar uma resposta ou
até uma conversa com as responsáveis por esta iniciativa. Mas os sobrescritos
também podem ser anónimos, tendo sido a carta escrita com o único propósito de
desabafar.




A iniciativa pertence a uma professora desta escola, em colaboração com uma
assistente social do bispado de Hildesheim, que também está à disposição de
professores e pais. As duas analisam as cartas juntas, atuam conforme as
necessidades das crianças e ainda não deixaram de se espantar com os
pensamentos e as preocupações manifestadas por alunos da primária sobre a
família, a amizade e, por vezes, até sobre o mundo e Deus. As crianças podem
confiar no secretismo das suas confidências, tem de ser mesmo assim, para que
se atrevam a dar esse passo de passar para o papel aquilo que lhes vai na alma.
Escrever é desabafar. E dar a carta ao Comedor
de Preocupações
é livrar-se destas.




Porém, as cartas não contêm apenas problemas. As duas responsáveis
constatam, com agrado, que algumas crianças aproveitam o método para contar
sobre as suas alegrias e até sobre coisas boas que aconteceram a algum amigo ou
amiga. Tanto as tristezas, como as alegrias da vida, devem ser partilhadas.




Penso que iniciativas destas são impagáveis, no bem que fazem às crianças. Além
de lhes dar oportunidade de analisarem os seus problemas, treinam a escrita. Era
tão bom que todas pudessem contar com iniciativas destas…





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Published on August 08, 2017 03:18

August 4, 2017

Juventude preguiçosa e egoísta







Crianças e jovens são, muitas vezes, acusados de serem preguiçosos e
egoístas. Na verdade, foi assim que aprenderam a ser. E que podem fazer os pais
para evitar isso? Muita coisa!







Os tempos do trabalho infantil já lá vão (pelo menos, no nosso país) e ainda
bem. E as crianças têm de brincar, sim. É a brincar que elas testam a sua
força, as suas capacidades, o seu carácter, etc. Isto não implica, no entanto,
que não possam executar certas tarefas. Especialistas e psicólogos asseguram
ser realista e efetivo que as crianças comecem a executar tarefas caseiras, a
partir da idade escolar (seis anos), por exemplo, levantar a mesa, preparar o
chão do seu quarto para ser aspirado (arrumando os objetos espalhados), ou
tratar do lixo (prepará-lo e ir deitá-lo ao contentor ou levá-lo à rua). À
medida que forem crescendo, aumenta naturalmente o número de tarefas que podem
executar: arrumações em casa, trabalhos de jardinagem, fazer recados, ou mesmo,
em idades mais avançadas, tratar de crianças mais novas ou ajudar a tratar e
fazer companhia a idosos.




As crianças e jovens aprendem, assim, não só a trabalhar, como a
desenvolver empatia e a ser úteis a outras pessoas, o que é muito importante
para a sua formação e educação.





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Published on August 04, 2017 03:35

July 31, 2017

Irmãos e ciúmes











Foto © Horst Neumann









Muitos pais surpreendem-se com os ciúmes que os filhos mais velhos criam
pelos mais novos e reagem indignados. Afinal, o mais velho já devia compreender
que o irmão precisa de mais cuidados e evitar dar trabalho extra. Este modo de
pensar, lógico à primeira vista, contém, na verdade, um grande erro de
avaliação, que pode ser muito prejudicial às crianças.






Imaginemos a seguinte situação: um menino, chamemos-lhe Paulo, tem cinco
anos, quando nasce a irmã, chamemos-lhe Paula. É claro que a recém-nascida
precisa de tratamento intensivo. O Paulo, com cinco anos, já devia entender
isso…




Devia? Será que uma criança com cinco anos está mesmo em condições de
avaliar a situação, à semelhança de um adulto? Não estaremos a ser
profundamente injustos com o Paulo? E se ele, em vez de ter cinco anos, tem quatro?
Os pais têm mais compreensão para com os ciúmes dele? Claro que não! Mais velho
é mais velho, tem de entender que a recém-nascida precisa de toda a atenção dos
progenitores! O mesmo aconteceria se o Paulo tivesse apenas três anos. Ou, por
outro lado, já tivesse seis.




Para melhor entendermos o drama do Paulo, imaginemos que ele ficava filho
único! Na idade de cinco anos, em vez de lhe ser exigido que entendesse os
problemas dos adultos, os pais continuariam a dar-lhe toda a atenção e, em
muitos casos, a tratá-lo como um bebé e a escandalizar-se com alguém que
dissesse que ele já era crescidinho para certas coisas. Temos assim a mesma
criança, com a mesma idade, mas uma avaliação completamente diferente dos seus
sentimentos por parte dos mesmos pais.




E quando a Paula tiver cinco anos? Os pais vão exigir dela que compreenda
os problemas dos adultos? Claro que não! Em contrapartida, exigiram-no do
filho! A Paula será eternamente a mais nova e, mesmo quando tiver doze ou
catorze anos, os pais vão exigir ao Paulo que tome conta dela e lhe resolva
problemas. O Paulo terá de fazer, pela Paula de doze anos, coisas que ele com
oito ou nove já resolvia sozinho. Os pais costumam ser cegos a evidências deste
tipo.




Mas afinal, em que idade é que uma criança já tem obrigação de entender a
situação? A resposta é: antes da puberdade, em nenhuma!




As crianças enervam e chamam a atenção porque sabem intuitivamente que não
têm meios de sobreviverem sozinhas. Elas dependem dos pais para tudo.
Observemos o reino animal: uma cria que se ache sozinha muito tempo, começa a
piar, a miar, a ganir, etc. Porquê? Porque sabe que, se os pais (ou a mãe) não
chegam depressa, ela não tem hipóteses de sobreviver. Nós humanos nascemos com o
mesmo instinto. Os bebés berram precisamente para não serem esquecidos. Não é
para enervarem ou por serem egoístas, mas sim o medo da morte, do desconhecido, do desamparo. Os psicólogos chegaram à conclusão de que
ignorar os apelos de um bebé durante muito tempo pode causar-lhe um pavor de morte. Esse
instinto de chamarmos a atenção dos adultos que tomam conta de nós mantém-se até à adolescência, ou seja, até à
idade em que começamos a perceber que ganhamos capacidades (e desejo) de sobrevivermos
sozinhos.




Quando nasce um segundo filho, os pais devem preparar o mais velho para a
situação, até porque se pensa hoje que o amor fraterno não nasce
automaticamente. São os progenitores que têm de criar condições para que se
desenvolva amor entre os irmãos. Perante o bebé, em vez de sentir amor, o mais
velho apenas sente pavor, mesmo pânico, de que os pais se esqueçam dele. É uma
criança angustiada! Por isso, é tão prejudicial ignorar (para já não falar de
ridicularizar ou agir com agressividade) os seus apelos.




No jornal católico alemão KirchenZeitung (nº 29, de 23-07-2017), encontrei
algumas sugestões para minorar os ciúmes da criança mais velha:




- Integrá-la na nova constelação familiar já durante a gravidez da mãe,
seja em sentir o bebé na barriga, seja em colaborar em certos planos, como na
preparação do quarto do irmão.

- Não alimentar falsas esperanças: a criança que aí vem não é um irmãozinho
desde logo apto a brincar com o mais velho.

- Entender os sentimentos do mais velho. Ele sente mais que continua a
fazer parte da família, se puder ajudar em algumas atividades, como a
preparação do biberão.

- Sempre que possível, aproveitar as alturas em que, por exemplo, o bebé
dorme, para se ocupar com o mais velho (brincar e/ou conversar com ele, fazer-lhe
carinhos, ler-lhe histórias, etc.).

- Também a avó, o avô, a tia, o tio, os padrinhos e amigos podem colaborar
ao continuarem a dar muita atenção ao mais velho e, muito importante, fazê-lo
em primeiro lugar, ou seja, antes de virarem as suas atenções para o bebé.





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Published on July 31, 2017 02:37

July 28, 2017

Dama de Espadas
















Este livro é aquilo que, na Alemanha, se intitula de Belletristik e que nós costumamos apelidar de literatura de
entretenimento. Mas, mesmo não aprofundando as suas personagens e não sendo
muito literário, Mário Zambujal é um escritor/jornalista muito experiente, pelo
que estamos perante uma escrita correta, fluida e criativa e um enredo muito
bem engendrado, com lugar para viragens inesperadas, bem ao gosto do leitor que
exige divertimento com nível. O próprio selo a indicar a 3ª edição caracteriza
este romance como «o mais divertido do ano».




Mário Zambujal conta-nos a história do jovem Filipe que, mais por acaso do
que por mérito próprio, se torna jornalista. Há lugar para as suas paixões
adolescentes, a sua primeira experiência sexual e um amor arrebatado que o leva
ao Brasil, apenas para regressar a Lisboa no dia seguinte, ao descobrir que a
sua amada está de casamento marcado. Esta paixão, contudo, acaba por o envolver
numa bizarra história de traficantes de droga, acabando mesmo como suspeito de
um assassínio. A coroar a obra, temos um final inesperado, que não deixa de ser
feliz. Só não entendi o título, mas, enfim, ninguém é perfeito. 



O estilo leve e bem-humorado de Mário Zambujal faz deste livro uma boa
leitura de férias, pois não exige uma concentração especial. Tem aliás um
defeito, na minha opinião: não se consegue libertar totalmente de um
certo machismo que modela as mulheres aos desejos masculinos. O autor contém-se
bastante, em várias cenas, por isso, até estava capaz de fechar os olhos. Há
uma passagem, porém, que não posso “perdoar”. Filipe separa-se da sua
companheira, com quem vive numa união de facto há vários anos, por estar apaixonado
por outra mulher. Deixa a situação arrastar-se bastante, mas, façamos-lhe
justiça: separa-se, antes de entrar em vias de facto com a sua paixão. Até
aqui, tudo bem. Graziela, a companheira, apesar de toda a tristeza e revolta,
aceita a situação com grande dignidade. Nessa manhã, Filipe sai de casa para o
trabalho, dizendo-lhe que, ao serão, regressará apenas para reunir os pertences
necessários que lhe permitam dormir num hotel. E o que encontra, ao chegar a
casa? A malinha feita! Graziela, a mulher digna e independente, dona do seu
nariz, faz-lhe a malinha, como uma mamã dedicada!!! Como que a dizer-lhe: “Filipinho,
filho, só tens de pegar na tua malinha e abalar, vai lá à tua vida, meu maroto!”
O autor que me desculpe, mas este passo prejudica muito este agradável romance.









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Published on July 28, 2017 03:20