Cristina Torrão's Blog, page 93

July 18, 2014

Como as pessoas nos surpreendem

Em janeiro de 1991, votei em Basílio Horta, nas Eleições Presidenciais. Sempre tive problemas em dizer isto. Em primeiro lugar, porque nunca fui do CDS; em segundo lugar, porque Basílio Horta não era um político que atraía simpatias e não esteve nada bem num debate contra o seu adversário Mário Soares.



Acontece que também nunca fui comunista (se descontarmos o Verão Quente; mas eu, aí, tinha dez anos). E Basílio Horta foi o único não-comunista que teve a coragem de fazer frente a Mário Soares. Mesmo Cavaco Silva, à altura, Primeiro-Ministro, vendo que Soares dificilmente perderia, desistiu de apresentar um candidato do seu partido.



Ainda pensei em não ir votar, ou votar em branco, ou mesmo anular o boletim com um garatujo qualquer. Mas o meu objetivo principal era mostrar que preferia um outro Presidente, que não Mário Soares. Votando em branco, pertenceria à grande massa que apenas protesta. Eu não queria apenas protestar, eu queria uma alternativa.



Mesmo os meus pais (que nunca foram de esquerda), reprovaram a minha atitude, na altura. E votaram realmente no Mário Soares!









Hoje, ao saber disto, fiquei contente por ter votado em Basílio Horta! Ainda há pessoas que nos conseguem surpreender. Pela positiva!



Via Vespinha




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Published on July 18, 2014 11:33

Prólogo

«Todo o passado é prólogo. Ninguém pode fugir à sua essência, escapar ao ontem».*



Palavras de Dennis Lehane e ideia subjacente a todos os seus romances. Lehane é o autor de Mystic River , adaptado ao cinema por Clint Eastwood.



* Traduzido do alemão, a partir de uma entrevista a Dennis Lehane




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Published on July 18, 2014 10:31

July 16, 2014

July 15, 2014

Nada como ler os clássicos... (5)

- Ninguém devera casar sem muito ler e sem aplaudir aqueles preceitos do casamento, escritos pelo eminentíssimo Plutarco.

- Não conheço - disse a dama... - Li Le mariage de Balzac.

- Não sei quem é: deve ser francês.

- Pois não leu?

- Eu não leio francês. Não me chega o meu tempo para tirar águas sujas de poços infectos. Plutarco é oráculo nesta matéria. Um pensamento lhe li que me chegou à medula, e que ainda agora em Lisboa me saiu explicado. Diz ele algures: «Não podem as mulheres convencer-se de que Pasifaé, bem que esposa dum rei, se enamorasse apaixonadamente de um touro; ao passo que estão vendo, sem espanto, mulheres que menosprezam maridos beneméritos e honrados, e se dedicam a homens bestificados pela libertinagem.»



In A Queda dum Anjo, Camilo Castelo Branco




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Published on July 15, 2014 02:46

July 14, 2014

A Citação da Semana (17)

«Não desejamos apenas ser felizes, também mais felizes do que os outros. É dificílimo, já que pensamos que os outros são mais felizes do que o que realmente são».



Charles de Montesquieu




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Published on July 14, 2014 03:34

July 12, 2014

Excertos # 13



Jacinta conhecera várias formas de crueldade. Mas também a Emília, que
vivera ao abrigo da família, conhecera crueldades, outro tipo de crueldades,
aquelas com que se modelavam as moças, como se elas fossem pedaços de barro nas
mãos de um oleiro. Não lhes davam voz. Quiçá nem sequer lhes dotassem o rosto
de uma boca.



In "Os Segredos de Jacinta" 




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Published on July 12, 2014 05:39

July 11, 2014

Da nossa responsabilidade

«O
nosso estilo de vida é responsável pela fome no mundo. Quando comemos
carne demais, estamos a contribuir para que na América do Sul aumente a
cultura de soja, ocupando terrenos que os pobres poderiam usar para
agricultura de consumo próprio. Quando compramos café, chocolate e cacau
a preços baixos, não só estamos a contribuir para que as pessoas não
possam viver do seu trabalho, como mostramos a importância que essas
matérias-primas têm para nós».



«Todos somos responsáveis pela Natureza».



Citado de um artigo de opinião na KirchenZeitung, jornal católico do bispado de Hildesheim




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Published on July 11, 2014 01:45

July 8, 2014

Excertos # 12








- Peca-se, quando se escolhe o caminho do
mal. Mas como é, quando não se tem escolha?



- Que dizes?



- Supõe que vamos por uma estrada fora, que,
num certo ponto, se divide em duas. Dizem-nos que a da direita leva a anos de
sacrifício, mas, no fim, à salvação. A da esquerda leva-nos a anos de folia e
prazeres, mas, no fim, à condenação. Sabemos que pecamos se nos deixarmos levar
pela folia. Mas… E se não nos dão escolha? Se nos encaminham para uma estrada
que nunca se bifurca e somos obrigados a percorrê-la até ao fim, seja ela qual
for? Pecamos, mesmo que escolhêssemos outra, tendo essa oportunidade?



Zaida olhava-a, agora, igualmente séria.
Jacinta acrescentou:



- Nem a D. Mafalda, uma donzela tão nobre, se
permite escolher o rumo da sua vida. Temos de nos sujeitar àquilo que decidem
por nós… Ou àquilo que nos fazem…



Apesar de os olhos da moura não poderem ser
mais negros, Jacinta viu uma sombra de tristeza e sofrimento perpassá-los. Por
fim, Zaida murmurou:



- Estamos todos nas mãos de Deus… Não podemos
cair mais fundo do que isso…




















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Published on July 08, 2014 03:43

July 7, 2014

A Citação da Semana (16)

Quem te disse que a vida te ultrapassa em corrida e que tens de te apressar para a apanhar?

Talvez ela esteja atrás de ti e precises apenas de parar.



Ben Meir




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Published on July 07, 2014 03:03

July 6, 2014

Opinião de Manuel Cardoso

Reproduzo a opinião de Manuel Cardoso sobre Os Segredos de Jacinta, publicada no Dos Meus Livros:








Tal como nas suas obras anteriores, também neste livro,
Cristina Torrão leva-nos pela mão a um passeio pelo Portugal Medieval com todos
os seus encantos e terrores. Mais do que a conturbada situação política e militar
da época, está em cena o enquadramento mental, social e moral desse período,
salpicado por descrições objetivas e agradáveis dos usos e costumes da época.

Não se pense, no entanto, que este é um livro apenas sobre o
século XII; o que está em causa é muito mais que a formação de Portugal; é a
formação da mentalidade portuguesa, com todos os vícios e qualidades com que
hoje nos identificamos: a bondade natural do nosso povo, uma certa ingenuidade
que tanto conduz à solidariedade como à fácil assunção de comportamentos e
atitudes ditadas pela pressão social dos grupos privilegiados; em suma, é a
construção do nosso quadro mental que está em jogo neste livro.

Os usos e costumes da época são precisamente apresentados
como testemunho deste quadro mental. Por exemplo, as festas populares são momentos
de profunda religiosidade, de humilde submissão aos ditames da santa madre igreja,
ao mesmo tempo que são ocasião para as mais profanas diversões, onde tudo
funciona como uma catarse social face ao rígido quadro de valores imposto pela
moral cristã que mais não é que uma forma de submissão do povo aos ditames do
poder. A festa religiosa tal como nos é descrita neste livro assume portanto um
caráter ambivalente onde a religiosidade tem o seu contraponto na extroversão
de atitudes mentais reprimidas.

Ao contrário do que acontece nos livros anteriores da autora,
o acento tónico é colocado no povo, enquadrado numa sociedade de ordens
fortemente estratificada. No topo da pirâmide, o alto clero, que rodeia o poder
político e o condiciona. Ao lado desta elite eclesiástica, os fidalgos, a
nobreza terratenente que nasceu da elite guerreira constituída pelos líderes
dos exércitos cristãos, compensados, também eles, pelo poder político pela
doação de terras. Por outro lado, o povo é constituído por uma maioria de
pobres vivendo do trabalho agrícola nas terras dos “filhos de algo”, os nobres,
e por uma minoria de pequenos proprietários como Ataúlfo, o pai de Jacinta.

A rigidez desta sociedade, bem como o conservadorismo
extremo que a sua manutenção implicava, conduz a maioria da população a um
estado de miséria social e, por outro lado, à manutenção de um quadro mental
fundado sobre a ignorância e o preconceito. Portanto, a vida conturbada de
Jacinta, o esmagamento da sua personalidade enquanto mulher e ser humano tem
muito menos a ver com as precárias condições de vida do que com esse quadro
mental de obscurantismo e preconceito, funcionando como verdadeiros alicerces
de um quadro social que se pretende cimentar.

Um dos temas fundamentais do livro é constituído pela
abordagem da condição feminina, num mundo em que o masculino é preponderante a
vários níveis. Mas o papel da mulher na sociedade medieval não é apenas
secundário; ela é frequentemente associada às forças demoníacas, por via do pecado
de Eva que constitui um estigma para toda a condição feminina. O próprio aborto
provocado é de certa forma justificado porque o pecado mortal estava já
cometido e o inferno era o destino incontornável. Dessa forma o aborto apenas
confirmava o triunfo de Lúcifer. Esta associação de ideias entre a mulher e o
diabo justifica também uma outra prática cujo papel é fulcral no mundo medieval
– a bruxaria. O papel da bruxa é ambivalente: por um lado ela é o protótipo da
mulher pecadora, condenada e amaldiçoada. Por outro ela é a salvadora; aquela
que tem poder para expulsar o próprio demónio. 


No entanto, há estratégias de superação deste bloqueio
mental; e Jacinta procurar-as desesperadamente. Segundo a bruxa, as únicas
mulheres que conseguem escapar a esta pressão social eram as monjas e as próprias
bruxas, precisamente aquelas que optavam de forma voluntária pela solidão. A
solidão voluntária é uma via de libertação.

Na verdade, o tema da bruxaria é um dos mais complexos na
historiografia medieval – se, por um lado, é reconhecido à bruxa o poder de
afastar o próprio diabo, por outro, elas próprias são associadas ao demónio,
sendo perseguidas e condenadas por isso.

A autoexclusão social é, portanto, uma forma de escapar a
todas aquelas constrições sociais. O mosteiro surge aqui como um espaço de
liberdade mas também de tolerância; só aí Jacinta encontra a paz interior
porque só aí lhe é permitida uma identidade, uma autonomia enquanto ser humano
livre e pensante. A própria oração é encarada por Jacinta como um momento de
escape e de reencontro consigo própria; como se o verdadeiro Deus existisse
dentro dela, no seu espírito e não como um ente superior e castigador.

É genial a forma como a autora estabelece um paralelismo
entre Joana, a irmã monja de Jacinta e a soldadeira moura Zaida: duas
personagens só aparentemente opostas, uma freira e uma prostituta, duas
mulheres livres que conseguiram levar a paz ao coração de Jacinta.

Mas o preço da independência pessoal é sempre elevado:
Joana, Zaida e a bruxa conseguiram essa rara autonomia, essa paz interior, mas
tiveram de prescindir de algo: Joana prescindira dos sentimentos; a bruxa da
sua identidade social e Zaida prescindira do próprio corpo. Para ser livre é
preciso abdicar de algo. Na verdade, se o mundo humano, com as suas
contradições e injustiças é uma ameaça permanente à paz de espírito, o amor não
o é menos, apresentando-se como uma fonte de tormentos e de conflitos
interiores. Mesmo que disfarçado de idílio e sonho, o Amor é uma vigorosa e
trágica fonte de sofrimento e de dependência.

O talento literário de Cristina Torrão radica no seu estilo
objetivo, cinematográfico, como já o adjetivei a propósito de obras anteriores,
mas não é só isso. Há nas suas obras um humanismo notável, uma sensibilidade
apurada mas também uma dimensão de análise psicológica profunda, uma capacidade
de entrar na mente das personagens, a fazer lembrar grandes mestres neste
domínio como Dostoievski ou James Joyce.




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Published on July 06, 2014 05:40