Cristina Torrão's Blog, page 90
September 8, 2014
A Citação da Semana (25)
«Não percas o teu tempo à procura de um obstáculo, talvez nem haja nenhum».
Franz Kafka
Franz Kafka
Published on September 08, 2014 02:21
September 4, 2014
Os Azares de Valdemar Sorte Grande
A personagem principal deste romance, natural da Figueira da Foz, nasceu a 25 de abril de 1874, uma escolha interessante por parte do autor, já que pretende retratar o tempo da passagem da Monarquia à República. Sorte Grande, como a própria personagem explica, não é alcunha, o pai chama-se Rodolfo Marques Grande e a mãe Ana Roda da Sorte. Sendo filho de pescador, Valdemar não tem praticamente hipóteses de subir na vida. Mas põe-se com ideias. Primeiro, porque lhe elogiam a inteligência na escola, aprende muito bem a ler e a escrever e descobre gosto pelos livros. Segundo, porque a sua mãe e, mais tarde, a sua irmã, trabalham no palacete Vila-Real, propriedade do barão local. Tanto o barão, como a esposa, gostam do seu jeito e da sua esperteza (e também a filha de ambos, que se torna na grande paixão do rapaz). O convívio naquela alta roda abre-lhe o apetite, Valdemar decide ser alguém na vida
Irá, porém, encontrar muitos obstáculos. O primeiro é livrar-se do seminário. Com o seu jeito para os estudos, tanto os pais, como os barões de Vila-Real, assim como o pároco local, são de opinião de que ele deve ser padre. Valdemar devia ter aprendido logo a lição: os ricos podem achar-lhe piada, mas não o admitem no seu meio, ao seu nível. Ser padre é o destino mais indicado para um filho de pescador com algum cérebro, um destino que consideram mais do que privilegiado. Ao recusar tal benesse, Valdemar compromete toda a sua vida. Ele possui, porém, força de vontade. A seguir a cada derrota, torna a levantar a cabeça e é isso que o torna simpático, aos olhos do leitor. À medida que o enredo avança, contudo, vai-se tornando cada vez mais oportunista, perdendo os escrúpulos. Mas não vou revelar mais pormenores.
O romance, no seu estilo irónico, um pouco cínico, prendeu-me do princípio ao fim. Penso que fazem
falta livros destes em Portugal, livros que sabem entreter, sem menosprezar a
qualidade. António Breda Carvalho constrói muito bem o evoluir do carácter da sua personagem. Valdemar embrenha-se na política, os tempos a partir de 1910 são propícios a quem procura a sua oportunidade. Mas é claro que a ideologia partidária passa para um plano secundário, bem atrás dos interesses pessoais dos seus protagonistas.
Além das peripécias de Valdemar, o leitor é presenteado com um bom retrato da
Figueira da Foz daquela época e, no fundo, de todo o país. António Tavares, vereador do Pelouro da Cultura da Câmara da Figueira da Foz e finalista do último Prémio LeYa, escreve, no prefácio: «Mais do que um figueirense, Valdemar é um homem de um certo Portugal, num período que vai do fim da Regeneração à I República. Pobre e rude como o país, usa a sua esperteza de "comediante" para sobreviver aos maus momentos».
Publiquei dois excertos aqui.
Nota: Este romance teve Menção Honrosa do Prémio Literário João Gaspar Simões 2013. Publiquei igualmente uma opinião sobre o romance O Fotógrafo da Madeira, do mesmo autor, vencedor da edição de 2010 do mesmo Prémio Literário.
Published on September 04, 2014 04:24
September 3, 2014
Relevos
É já no próximo domingo, dia 7 de setembro, que é lançado Relevos, o livro de poesia de Virgínia do Carmo, que, além de poeta, é livreira em Macedo de Cavaleiros e minha editora. A apresentação da obra será feita por Hercília Agarez.
Estão agendadas mais duas apresentações:
- 13 de setembro, na Pó dos Livros, em Lisboa, pelas 16h00
- 19 de setembro, na Feira do Livro do Porto, pelas 21h00
Estão agendadas mais duas apresentações:
- 13 de setembro, na Pó dos Livros, em Lisboa, pelas 16h00
- 19 de setembro, na Feira do Livro do Porto, pelas 21h00
Published on September 03, 2014 03:29
September 2, 2014
Nada como ler os clássicos (12)
E, desanuviado, sentindo as imagens e os dizeres surgirem como bolhas de uma água represa que rebenta, atacou esse lance do capítulo I em que o velho Tructesindo Ramires, na sala de armas de Santa Ireneia, conversava com seu filho Lourenço e seu primo D. Garcia Viegas, "o Sabedor", de aprestos de guerra... Guerra! Porquê? Acaso pelos cerros arraianos corriam, ligeiros entre o arvoredo, almogávares mouros? Não! Mas desgraçadamente, "naquela terra já remida e cristã, em breve se cruzariam, umas contra outras, nobres lanças portuguesas!..."
Louvado Deus! A pena desemperrara! E, atento às págimas marcadas num tomo da História de Herculano, esboçou com segurança a época da sua novela - que abria entre as discórdias de Afonso II e de seus irmãos por causa do testamento de el-rei seu pai, D. Sancho I.
In "A Ilustre Casa de Ramires", Eça de Queirós
Louvado Deus! A pena desemperrara! E, atento às págimas marcadas num tomo da História de Herculano, esboçou com segurança a época da sua novela - que abria entre as discórdias de Afonso II e de seus irmãos por causa do testamento de el-rei seu pai, D. Sancho I.
In "A Ilustre Casa de Ramires", Eça de Queirós
Published on September 02, 2014 02:46
September 1, 2014
A Citação da Semana (24)
Published on September 01, 2014 02:18
August 29, 2014
Excerto
«Ganhou o caciquismo. Fez-se uma lista de cidadãos republicanos influentes para agir neste sentido, que contemplava um conjunto bem definido de ações: promessas de emprego, abertura de caminhos vicinais, contratos de negócios, etc. e tal.
Outro republicano, não menos ilustre, propôs subornar o presidente da comissão eleitoral para não registar no caderno elelitoral alguns cidadãos reconhecidamente votantes no partido inimigo. Alguém respondeu que esta proposta já tinha barbas e que só dava bronca nas mesas eleitorais e má imagem ao partido.
Outro, também ilustre, achava uma rica ideia canalizar determinada verba para a compra de votos aos eleitores perfilados nos outros partidos, tal como faziam os pretos (regeneradores) e os brancos (progressistas). Esta ideia era tão velha como o mar, mas foi a que mais adorei; e rezei para que alguém, preto ou branco, se lembrasse de comprar o meu voto. Em tempo de crise todos os reais são poucos, e eu poderia comprar mais um fato».
In "Os Azares de Valdemar Sorte Grande", António Breda Carvalho
Nota: esta cena passa-se pouco depois da implantação da República em Portugal, quando se preparam eleições.
Published on August 29, 2014 02:27
August 27, 2014
«Quem se lembra hoje do extermínio dos Arménios?» perguntou Hitler
Este ano, assinala-se o 100º aniversário do início da Primeira Guerra Mundial, a guerra das malfadadas trincheiras. Mas a guerra de 1914/18 não foi só feita nas trincheiras, nem causou miséria e mortandade apenas na Europa. Foi igualmente palco de um genocídio perpetrado pelo Império Otomano sobre os Arménios, de que mal se fala nas nossas longitudes, e que provocou a morte de cerca de dois milhões de pessoas.
Durante os primeiros dois anos a seguir à sua entrada na guerra, a 29 de outubro de 1914, a Turquia praticou o extermínio sistemático da minoria arménia, que se alargou a cristãos de outras etnias. O ponto de partida foi a ofensiva falhada no Cáucaso, em fins de 1914 e início do ano seguinte. Os Arménios de determinada província apoiaram os russos neste conflito e, embora a maioria dos restantes se mantivesse do lado dos turcos, foi determinado o seu extermínio. Normalmente, as populações arménias eram sujeitas a marchas forçadas de centenas de quilómetros, ou transportadas em carruagens de gado, e deixadas a morrer à fome e à sede em regiões inóspitas. Muitos deles, porém, foram sumariamente assassinados antes de serem deportados e muitas mulheres e crianças forçadas à conversão ao Islão.
Nem todos os turcos pactuaram, mas sofreram as consequências. Os governadores de Ankara, Kastamonu e Yozgat, que demostraram resistência a estas práticas, foram demitidos, os de Basra e de Muntefakt chegaram a ser executados.
Apesar da derrota do Império Otomano, aliado da Alemanha e da Áustria, os responsáveis pelo genocídio não sofreram qualquer tipo de consequências. Isto terá inspirado o próprio Hitler que, cerca de 25 anos mais tarde, instado por alguns dos seus colaboradores sobre o possível impacto dos seus planos, terá replicado: «Quem se lembra hoje do extermínio dos Arménios»?
Nota: informações tiradas da KirchenZeitung
Durante os primeiros dois anos a seguir à sua entrada na guerra, a 29 de outubro de 1914, a Turquia praticou o extermínio sistemático da minoria arménia, que se alargou a cristãos de outras etnias. O ponto de partida foi a ofensiva falhada no Cáucaso, em fins de 1914 e início do ano seguinte. Os Arménios de determinada província apoiaram os russos neste conflito e, embora a maioria dos restantes se mantivesse do lado dos turcos, foi determinado o seu extermínio. Normalmente, as populações arménias eram sujeitas a marchas forçadas de centenas de quilómetros, ou transportadas em carruagens de gado, e deixadas a morrer à fome e à sede em regiões inóspitas. Muitos deles, porém, foram sumariamente assassinados antes de serem deportados e muitas mulheres e crianças forçadas à conversão ao Islão.
Nem todos os turcos pactuaram, mas sofreram as consequências. Os governadores de Ankara, Kastamonu e Yozgat, que demostraram resistência a estas práticas, foram demitidos, os de Basra e de Muntefakt chegaram a ser executados.
Apesar da derrota do Império Otomano, aliado da Alemanha e da Áustria, os responsáveis pelo genocídio não sofreram qualquer tipo de consequências. Isto terá inspirado o próprio Hitler que, cerca de 25 anos mais tarde, instado por alguns dos seus colaboradores sobre o possível impacto dos seus planos, terá replicado: «Quem se lembra hoje do extermínio dos Arménios»?
Nota: informações tiradas da KirchenZeitung
Published on August 27, 2014 06:03
August 26, 2014
Nada como ler os clássicos (11)
Despido, soprada a vela, depois de um rápido sinal da cruz, o Fidalgo da Torre adormeceu. Mas no quarto, que se povoou de sombras, começou para ele uma noite revolta e pavorosa. André Cavaleiro e João Gouveia romperam pela parede, revestidos de cotas de malha, montados em horrendas tainhas assadas! E lentamente, piscando o olho mau, arremessavam contra o seu pobre estômago pontoadas de lança, que o faziam gemer e estorcer sobre o leito de pau-preto. Depois era, na Calçadinha de Vila-Clara, o medonho Ramires morto, com a ossada a ranger dentro da armadura, e el-rei D. Afonso II, arreganhando afiados dentes de lobo, que o arrastavam furiosamente para a batalha das Navas. Ele resistia, fincado nas lajes, gritando pela Rosa, por Gracinha, pelo «Titó»! Mas D. Afonso tão rijo murro lhe despendia aos rins, com o guante de ferro, que o arremessava desde a hospedaria do Gago até à Serra Morena, ao campo da lide, luzente e fremente de pendões e de armas.
In "A Ilustre Casa de Ramires", Eça de Queirós
In "A Ilustre Casa de Ramires", Eça de Queirós
Published on August 26, 2014 03:38
August 25, 2014
A Citação da Semana (23)
Published on August 25, 2014 02:15
August 22, 2014
Da maldade
«A maldade tem que nascer connosco, ser intrínseca aos humanos como o é aos animais selvagens, que a mascaram com instintos. A uns foi-lhes dada a capacidade de a combater, aos (des)humanos estou em crer que não.»
Não concordo de todo com esta afirmação. Na minha opinião, a maldade não nasce connosco. Nascem sim características que, mal entendidas, mal orientadas, desleixadas ou provocadas podem levar a atos de maldade. Essas características são a agressividade, o ciúme, ou a inveja, por exemplo. Em doses aceitáveis e controláveis, podem ser úteis. Porém, abusadas,
transformadas em complexos de inferioridade, podem levar a verdadeiras
catástrofes. As emoções negativas estão sempre ligadas ao sofrimento,
os seres mais
odiosos são os mais tristes. A tentativa de preencher o buraco dentro
deles é que os leva a cometer atrocidades.
A criança que estraga o brinquedo do irmão por maldade não nasceu
assim, é já o resultado de uma manipulação (se os pais não conseguirem
gerir os ciúmes que sente pelo irmão, por exemplo; são os pais que criam
as rivalidades doentias entre irmãos, ao preferirem um em detrimento do
outro, mesmo que inconscientemente). A maldade é o resultado de um perigoso cocktail de circunstâncias, abusos e características inatas. Não nasce connosco, é construída e pode ser aperfeiçoada ao cúmulo. Também pode ser aprendida por imitação, convivendo, desde tenra idade, com alguém que a tenha aperfeiçoado.
Por isso, a maldade não nasce igualmente com os animais (selvagens, ou não). O que é válido para nós, também o é para eles: bons exemplos, carinho, apoio e dedicação apaziguam e amansam os animais. Claro que há outros que, pelo seu tamanho e força, são sempre perigosos, pelo que não é aconselhável tentá-los domesticar ou controlar com "falinhas mansas", exceto por quem os entenda e consiga fazer-se entender por eles. Os animais não mascaram a maldade com instintos, porque eles não precisam de mascarar nada. Limitam-se a seguir as regras da natureza, que dita a sua sobrevivência, o que, na nossa escala de valores, pode assumir contornos cruéis. Mas não tem a ver com maldade.
Nós não nos distiguimos entre aqueles a quem foi dada a capacidade de combater a maldade e aqueles a quem não foi. Esta seria uma explicação demasiado simplista, que convida à acomodação de quem acredita que, para quem nasceu de determinada maneira, nada há a fazer. Se não se criaram condições para que a maldade fosse construída, não há nada a combater; caso contrário, a pessoa tem de ser ensinada a combatê-la. Tarefa nada fácil. Mas não se espere que alguém nasça com essa capacidade.
Não concordo de todo com esta afirmação. Na minha opinião, a maldade não nasce connosco. Nascem sim características que, mal entendidas, mal orientadas, desleixadas ou provocadas podem levar a atos de maldade. Essas características são a agressividade, o ciúme, ou a inveja, por exemplo. Em doses aceitáveis e controláveis, podem ser úteis. Porém, abusadas,
transformadas em complexos de inferioridade, podem levar a verdadeiras
catástrofes. As emoções negativas estão sempre ligadas ao sofrimento,
os seres mais
odiosos são os mais tristes. A tentativa de preencher o buraco dentro
deles é que os leva a cometer atrocidades.
A criança que estraga o brinquedo do irmão por maldade não nasceu
assim, é já o resultado de uma manipulação (se os pais não conseguirem
gerir os ciúmes que sente pelo irmão, por exemplo; são os pais que criam
as rivalidades doentias entre irmãos, ao preferirem um em detrimento do
outro, mesmo que inconscientemente). A maldade é o resultado de um perigoso cocktail de circunstâncias, abusos e características inatas. Não nasce connosco, é construída e pode ser aperfeiçoada ao cúmulo. Também pode ser aprendida por imitação, convivendo, desde tenra idade, com alguém que a tenha aperfeiçoado.
Por isso, a maldade não nasce igualmente com os animais (selvagens, ou não). O que é válido para nós, também o é para eles: bons exemplos, carinho, apoio e dedicação apaziguam e amansam os animais. Claro que há outros que, pelo seu tamanho e força, são sempre perigosos, pelo que não é aconselhável tentá-los domesticar ou controlar com "falinhas mansas", exceto por quem os entenda e consiga fazer-se entender por eles. Os animais não mascaram a maldade com instintos, porque eles não precisam de mascarar nada. Limitam-se a seguir as regras da natureza, que dita a sua sobrevivência, o que, na nossa escala de valores, pode assumir contornos cruéis. Mas não tem a ver com maldade.
Nós não nos distiguimos entre aqueles a quem foi dada a capacidade de combater a maldade e aqueles a quem não foi. Esta seria uma explicação demasiado simplista, que convida à acomodação de quem acredita que, para quem nasceu de determinada maneira, nada há a fazer. Se não se criaram condições para que a maldade fosse construída, não há nada a combater; caso contrário, a pessoa tem de ser ensinada a combatê-la. Tarefa nada fácil. Mas não se espere que alguém nasça com essa capacidade.
Published on August 22, 2014 03:18


