Cristina Torrão's Blog, page 41
July 24, 2017
Somos maus por natureza?
Livros como O
Deus das Moscas, de William Golding, em que um grupo de crianças e jovens
vai parar a uma ilha deserta e se cometem crueldades sem fim, ou como Os
Cachorros / Os Chefes, de Mario Vargas Llosa, que nos dá a conhecer o mundo
violento dos jovens dos anos 1950 e 60 na América do Sul, levam muita gente (a
maioria) a concluir que nós humanos, somos, no fundo, maus, cruéis, egoístas,
prepotentes, enfim, não passamos de um poço de violência que só à custa de
muita educação se controla.
Eu discordo. Ou, pelo menos, tenho muitas dúvidas.
A crença de que nascemos violentos e egoístas e de que precisamos de mão
pesada a controlar-nos desde o início é a que tem vigorado através dos tempos. Convenhamos que os resultados não têm sido os melhores! Talvez por isso, há psicólogos e outros estudiosos da mente
humana que, nos últimos anos, começaram a duvidar desta versão, já que somos animais sociais, ou
seja, o ser humano nunca teria sobrevivido, se não soubesse viver em
comunidade.
Tem-se observado que nos tornamos mais felizes, quando as nossas relações
com os outros funcionam. Bem-estar e sucesso são importantes, mas o ser humano
só é verdadeiramente feliz se o casamento é harmonioso, se a relação com os
filhos corre bem, se os contactos com os parentes, vizinhos, amigos e colegas
se mantêm intactos. Todos nós, mesmo todos, temos um desejo enorme de sermos
aceites pelos outros. Há, por isso, quem diga que, já no infantário e na escola,
o transmitir de conhecimentos não devia estar em primeiro plano, mas sim o
aprender a criar e gerir as relações.
Tudo isto me leva a concluir que, se nascemos com aptidão para a harmonia,
ensinar as crianças a serem boas e empáticas não será tão difícil quanto isso.
Os bebés procuram permanentemente o contacto com a mãe, ou com algum adulto que
sintam próximo deles. Subtrair-lhes a proximidade de que precisam (com o
absurdo medo de que fiquem mal habituados) é, na minha opinião, o primeiro
grande erro. A partir daí, a educação continua agressiva e proibitiva, a que se
acrescenta o carácter muitas vezes complicado dos pais, eles próprios egoístas,
ambiciosos, mentirosos, carentes. E o pior de tudo: conflitos são tratados com
agressividade, seja em discussões aos berros, seja passando mesmo à violência
física. As crianças aprendem a ser assim.
A proteção exagerada também é muito prejudicial, deixa as crianças, ou convencidas
de que são o centro do mundo, ou incapazes de lidar com problemas e desilusões,
o que, na pior das hipóteses, as torna adultos imprevisíveis. O ideal será o meio-termo,
em que a criança é acompanhada e apoiada, ao mesmo tempo que se lhe dá lugar à criatividade,
à própria iniciativa e ao seu desejo inato de estabelecer contacto e ser aceite
pelos outros. Além disso, é importante orientá-la para a empatia e a reflexão
interior. Se, por exemplo, o filho chega a casa aborrecido e triste porque o
amigo não quis brincar com ele, em vez de lhe dizer: “deixa lá, não lhe tornes
a ligar”, ou mesmo incitá-lo a reagir com insultos: “da próxima vez, chama-lhe
estúpido”, a mãe ou o pai deviam dizer: “oh, que pena! Mas diz lá, porque achas
que ele não quer? Será que fizeste algo que ele não gostou? Passou-se alguma coisa?”
Encorajada a falar, a criança começa a analisar o seu próprio comportamento e o
do outro, o passo mais importante para a resolução de conflitos de uma forma
pacífica.
Em suma: em vez de dar ênfase às qualidades inatas negativas, a educação
devia realçar as positivas. E é importante que a criança se sinta levada a
sério e aprenda a falar sobre aquilo que a aflige.
As crianças e os jovens que Golding e Llosa nos apresentam já não são naturais.
Já estão completamente contaminados por uma educação agressiva e
desrespeitadora das suas necessidades e dos seus problemas.
Published on July 24, 2017 02:42
July 20, 2017
O Ovo ou a Galinha?
Foto © Horst Neumann
Diz-se que ninguém sabe se foi o ovo ou a galinha que nasceu primeiro. Já que o
pai nasceu antes do filho parece-me não oferecer dúvidas. O pai já cá estava, já era adulto e capaz de
sobreviver pelos próprios meios, quando pôs no mundo um ser totalmente
indefeso. Atendamos, por isso, às palavras da psicóloga alemã Stephanie Stahl:
«As crianças podem ser enervantes e cansativas, mas isso nada muda no seu
valor. É da responsabilidade dos pais, antes de se tornarem pais, perguntarem-se
se serão capazes de lidar com o stress
que a paternidade implica.
Aliás, as crianças devem enervar, pois, na verdade, são impotentes e têm
necessidade de alertar os adultos para as suas necessidades. O seu programa
consiste em: Sobreviver! Tornar-se adulto! Aprender tudo!
Caso os pais se sintam incapazes de lidar com a educação dos seus filhos,
devem procurar ajuda profissional. Os filhos nada podem fazer para ajudar.
A criança tem direito a que as suas necessidades físicas e psíquicas sejam
satisfeitas. A responsabilidade é dos pais.
Sentimentos e necessidades são normais e corretos, mesmo se a criança tem
de aprender que nem todo o sentimento ou necessidade deve ser exprimido em
qualquer altura.
É dever dos pais compreender os sentimentos e as necessidades das crianças.
Não é da responsabilidade das crianças entender e satisfazer os sentimentos e as
necessidades dos pais.
É dever dos pais amar o seu filho e fazê-lo sentir-se bem-vindo neste
mundo; não é dever do filho comportar-se de maneira a que os seus pais o amem».
E algo que considero especialmente interessante:
«Muito daquilo que consideramos cansativo nas crianças - interesses
diversos, perseverança, espontaneidade, etc. - consideramos qualidades nos adultos. É, por
isso, dever dos pais suportar estas características, ao mesmo tempo que as vão
guiando na direção certa. Quem simplesmente as aniquila, revela muita pobreza
de espírito».
Nota: Afirmações contidas no livro Das
Kind in dir muss Heimat finden (Kailash Verlag 2015). Tradução de minha autoria.
Published on July 20, 2017 02:42
July 17, 2017
Ainda os embriões
Uma pequeníssima caixa, na revista Visão
nº 1229, de 22 de Setembro de 2016, rezava assim (destaque meu):
Que fazer aos embriões?
Os últimos dados disponíveis revelam que existem quase 21 mil embriões criopreservados em Portugal, a maioria resultado
dos tratamentos contra a infertilidade. Desses, 44 doaram-se a outros casais e
331 foram descongelados ou eliminados. Nenhum embrião se destinou à
investigação. A lei diz que os beneficiários devem comprometer-se a utilizá-los
no prazo máximo de três anos. E depois?
Quando é que a Igreja e os movimentos Pela
Vida se deixam de hipocrisias e vão começar a tratar deste problema, em vez
de se limitarem a perseguir e a atacar mulheres que fazem abortos?
E, já agora, porque perseguem apenas as mulheres?
Nota: acerca deste assunto, ver também o meu post Pela Vida?
Published on July 17, 2017 03:34
July 14, 2017
Os Cachorros / Os Chefes
Este foi o primeiro livro que li de Mario Vargas Llosa e confesso que me
custou a entrar na sua escrita. Talvez por os dois primeiros contos (dos sete
que compõem esta obra) terem sido escritos durante a juventude do escritor nascido
em 1936 e que viria a ganhar o Prémio Nobel em 2010. Os Chefes, de 1959, que aqui, curiosamente, surge em segundo lugar,
foi a primeira obra publicada pelo escritor peruano; Os Cachorros, o primeiro conto desta série, data de 1967. Tanto num,
como no outro, nota-se, a meu ver, a falta de amadurecimento do autor.
Em Os Chefes, achei a escrita
arrogante, na medida em que o autor nos introduz num mundo que não conhecemos,
sem o explicar, como se todos tivéssemos a obrigação de saber do que se trata. Deu-me
a impressão de que Llosa escreve, acima de tudo, para si mesmo, o que entendo
como um erro de principiante. Quando entrei no cenário - a revolta dos estudantes
num colégio - comecei a apreciar o estilo, mas a escrita, de tão económica,
mantém-se pouco clara até ao fim. Além disso, há imagens difíceis, ou mesmo
impossíveis, de visualizar, como: «Tinha muito abertos os seus enormes olhos
verdes e sorria» (p. 73).
Em Os Cachorros, Llosa adota o
estilo que corre ao ritmo do pensamento, quase sem pontuação, a não ser as
vírgulas, parecido com Saramago. É uma experiência interessante, mas penso que o
autor não se sente muito à vontade para soltar o seu talento. A prova é que, nos
outros contos, que se pautam pela pontuação tradicional, sobressaem as
verdadeiras capacidades de Llosa. Também as “fraquezas” que apontei para Os Chefes desaparecem nos outros cinco
contos. A escrita torna-se muito mais clara e concisa, o leitor pode
concentrar-se mais no conteúdo, o que aumenta consideravelmente o prazer da
leitura.
Todos os contos nos mostram uma sociedade violenta e machista, a sociedade
sul-americana na qual o autor cresceu. É mesmo impressionante a violência que
impera entre crianças e jovens do sexo masculino, um sistema pautado, desde
cedo, pela concorrência e pela lei do mais forte, sem lugar para o sentimento,
mesmo quando se está apaixonado. Todos os conflitos são resolvidos com agressividade
e o correr de sangue, mesmo entre os estudantes mais novos. Como em O Deus das Moscas , somos levados a
acreditar que é esta a prova de que os humanos são essencialmente cruéis, tese
que eu contradigo, pois estas crianças e jovens já não são naturais,
contaminados, desde o berço, por uma educação agressiva e desrespeitadora das
suas necessidades e dos seus problemas. Sobre isso, porém, escreverei ainda
noutro post.
Apesar de alguma desilusão nos dois primeiros contos, esta minha primeira
leitura de Llosa acabou por me abrir o apetite para outras obras do autor.
Gosto do estilo económico e conciso, mesmo que pressinta que estará marcado
pela educação machista, que incluiu o internato num colégio militar. Não digo
que Llosa não terá, mais tarde, alargado os seus horizontes, mas a base, penso,
estará sempre lá.
Published on July 14, 2017 03:08
July 4, 2017
Amor nunca é violência
© Horst Neumann
Amar é respeitar, aceitar o outro tal como ele é, gostar de o ver feliz,
dar-lhe espaço, respeitar os seus gostos e não querer impor-lhe os próprios. A
posse, os ciúmes, etc. são sempre reflexo de carências, de insegurança, de obsessões,
criadas normalmente na infância. É trágico, não há dúvida, mas quem «ama
demais» está a pensar nele próprio e não no outro. É uma atitude de egoísmo,
como o são todas as doenças psicológicas, mesmo aquelas que se exprimem numa
dedicação exagerada a terceiros - a pessoa quer ser amada através desse seu
altruísmo. O ideal seria que pessoas com carências e défices exagerados procurassem
psicoterapia antes que prejudicassem alguém.
AMOR NUNCA É VIOLÊNCIA!
Published on July 04, 2017 03:10
July 1, 2017
São os medíocres merecedores de dignidade?
A maior parte dos escritores laureados e outros pertencentes à elite
literária julgam-se as pessoas mais tolerantes, apreciadoras do povo genuíno,
pobre, humilde e ignorante. Pregam a igualdade, a fraternidade, etc. e tal.
Até que...
Até que alguém pobre, humilde e ignorante resolve lutar por riqueza?
Não!
Resolve tentar a sua vida como músico?
Não!
Resolve passar para o papel aquilo que lhe vai na cabeça, quem sabe, dê
para um livro...
Sacrilégio!
Acabam-se a tolerância, a igualdade, a fraternidade. Passam a existir dois
mundos: o dos eleitos e o dos medíocres. E cada qual no seu lugar, faz favor!
Lembram-se do filme Amadeus?
«Medíocres em toda parte, eu os absolvo. Sou o campeão dos medíocres».
Published on July 01, 2017 03:04
June 28, 2017
As pessoas são mais compreendidas na alegria ou na tristeza que declaram sentir?
© Horst Neumann
Esta pergunta não é minha, reporto-me a uma publicação
da Alice Alfazema há quase um ano. Como a achei pertinente (aliás, o
blogue da Alice está cheio destes casos, por isso é que gosto tanto de lá ir),
guardei-a, a fim de falar sobre ela numa qualquer altura. Como tantas vezes
acontece, porém, guardamos tanta coisa, que acabamos por perder muitas de
vista. Felizmente, dei novamente com esta, ao consultar apontamentos antigos.
No meu comentário a essa publicação, dizia que se tratava de uma resposta difícil, pois o
assunto dava pano para mangas. A Alice, numa síntese brilhante, respondeu-me
que a entristecia o facto de, muitas vezes, a alegria partilhada ser uma
utopia.
Infelizmente, a alegria gera inveja. E esta é muito difícil de disfarçar,
pelo que, à primeira vista, diria que as pessoas são mais compreendidas na
tristeza. Porém, só aparentemente. A maior parte daqueles que dizem compreender
a tristeza de alguém, no fundo, alegram-se com ela, uma alegria baseada em muita falta de autoestima, pois a pessoa pensa que vale menos do que
as outras. Então, rejubila ao constatar que os outros também têm problemas tão
grandes ou maiores do que os dela.
Sim, as palmadinhas nas costas e o tentar animar são frequentemente
fingidos. De desconfiar são as tentativas exageradas de animação. Quem
realmente gosta de nós está mais interessado nos motivos da nossa tristeza, do
que em tentar animar-nos à força. E não nos devemos esquecer de que também tem
de haver espaço para a tristeza.
Como a inveja é mais difícil de disfarçar, é mais custoso fingir perante a
alegria de alguém. A alegria alheia atira com a alma de uma pessoa com baixa
autoestima para a sarjeta. Mas vejamos isto pelos dois lados: se verificarmos
essa sensação em nós próprios, é sinal de que nos julgamos inferiores aos
outros e que, em vez de nos enchermos de inveja, devemos procurar meios que nos
convençam do contrário, ou seja, estarmos atentos aos nossos talentos, porque todos nós os temos. Muitas vezes, estão tão apagados, que temos de fazer esforço para os descobrir.
Se, por outro lado, tivermos necessidade de testar se uma pessoa gosta de
nós, é contar-lhe um sucesso ou uma alegria nossa. A máscara cai imediatamente.
Os mais educados limitam-se à indiferença, a um «parabéns» dito de fugida e uma
mudança rápida de assunto. Quem não tiver
estômago para tanto, faz uma careta de grande contrariedade, que aliás só vê
quem quer. É incrível a quantidade de coisas a que nos tornamos cegos, a fim de
preservar as nossas ilusões!
Uma pessoa honesta, que gosta sinceramente de nós, tanto nos compreende na
alegria como na tristeza. Mas pessoas dessas são tesouros raros, mesmo na
própria família.
Published on June 28, 2017 02:50
June 25, 2017
Lassie
Este é o romance original que iniciou o fenómeno à volta da personagem
canina, publicado pela E-Primatur,
por ocasião do seu 75º aniversário, com as ilustrações originais de Marguerite Kirmse. O criador de Lassie, Eric
Knight, escreveu unicamente este livro, dando origem ao primeiro filme,
cujas filmagens ele acompanhou. Infelizmente, viria a morrer com apenas
45 anos num desastre de aviação, pelo que todos os livros e filmes que se
seguiram, apesar de inspirados na personagem Lassie, são da responsabilidade de outros autores.
Eric Knight e Pal, o cão que interpretou o papel da Lassie, no primeiro filme
.
Eric Knight e a sua segunda mulher Jere Brylawski eram criadores de collies e este livro, apesar de se
tratar de ficção, está longe de ser uma “história da carochinha”. O enredo é
perfeitamente verosímil e nota-se que foi escrito por alguém que percebia muito
de comportamento canino. Trata-se, acima de tudo, de uma história de amor e
lealdade, passando por valores como sentido do dever e honestidade. Além disso,
é um interessante retrato da vida no Yorkshire, terra-natal do autor, nos anos
1930, marcados pela crise económica.
Lassie é uma collie admirada por todos os habitantes
da aldeia e amada pela sua família de humanos. O seu dono, porém, vê-se
obrigada a vendê-la ao Duque de Rudling, depois de ficar desempregado, causando
grande sofrimento ao seu filho. A cadela ia esperar o rapaz à escola,
todos os dias, estivesse sol ou chuva, fizesse frio ou calor.
Primeiramente, Lassie fica no
canil do Duque perto da aldeia onde mora a família e, independentemente da
altura e da qualidade das grades que a cercam, ela arranja maneira de fugir, a
fim de estar pontualmente à espera do miúdo de doze anos, quando este sai da
escola. E, de todas as vezes, o pai do rapaz a devolve ao Duque, apesar dos
protestos e da angústia do filho.
Um dia, o problema parece estar resolvido: o Duque de Rudling parte para a
sua herdade no norte da Escócia, situada a mais de seiscentos quilómetros da
aldeia do Yorkshire, e leva a Lassie
consigo. Mas nada consegue abalar a lealdade e o sentido do dever da cadela
que, assim que tem oportunidade, se escapa e inicia uma verdadeira odisseia de
regresso a casa (no original, o livro intitula-se Lassie Come-Home ).
A cadela faz uma viagem de meses, andando cerca do triplo da distância, já
que, como o autor escreve (p. 193):
«Mas isso [quatrocentas milhas -
cerca de seiscentos e cinquenta km] seria para um homem que viajasse
directamente pela estrada ou de comboio. Para um animal, que distância seria -
para um animal que tem de contornar e procurar soluções para obstáculos, de
perambular e errar, de retroceder e desviar-se até encontrar um caminho?
Seriam, talvez, mil milhas [cerca de
mil e seiscentos km] - mil milhas através de terreno desconhecido, que
nunca tinha atravessado, sem nada, além do instinto, que lhe indicasse o
caminho».
Lassie perante um enorme lago, uivando de angústia e impotência. Na sua procura por um lugar onde o possa atravessar, acaba por conseguir contorná-lo, o que significou fazer algumas centenas de km extra.
Lassie vive muitas
aventuras, algumas divertidas, outras tão perigosas que quase a matam. E encontra
muita gente, da mais variada: pessoas que a acossam, dado o seu estado, muitas
vezes, lastimoso, ou mesmo que lhe querem fazer mal; pessoas que a tratam com
amor e carinho, que lhe chegam a salvar a vida. O livro vale também por isso,
por nos mostrar as diferentes maneiras de os humanos reagirem, perante um cão
em sofrimento.
É um livro que recomendo a toda a gente. Quem gosta de cães, delicia-se;
quem não gosta, ou nada sabe sobre eles, aprende a entender estes animais que,
com o tratamento adequado, nos são tão fiéis e nos dão lições valiosas. Considero-o
mesmo um livro imprescindível para as crianças a partir dos oito anos, se bem
que recomendo leitura acompanhada dos oito aos doze, pois há cenas que podem
chocar as mais sensíveis.
Nota: as imagens das ilustrações originais do livro foram por mim fotografadas.
Published on June 25, 2017 02:37
June 20, 2017
Abuso Sexual na Infância
As famílias são consideradas espaços privados, onde ninguém se deve meter, por
isso, há problemas que se ignoram. Alguns desses problemas são muito graves. É
o caso da violência doméstica, por exemplo, calado durante tantos anos, mas que
hoje, felizmente, já é discutido, tentando-se assim contribuir para a sua
diminuição.
Um outro problema ainda ignorado pela sociedade é o abuso sexual de
crianças. Considera-se ser esse um fenómeno raro, que só acontece esporadicamente,
ou com crianças raptadas por pedófilos e/ou psicopatas. Contudo, uma comissão
criada na Alemanha pela Ministra da Família, Katarina Barley, a fim de
estudar o assunto, tem chegado a conclusões chocantes: o abuso sexual de
crianças é um fenómeno de massas! A comissão calcula que, em cada turma de
estudantes (incluindo o ensino básico), há uma ou duas crianças vítimas de
abuso sexual!
A esmagadora maioria destes lamentáveis casos dá-se no seio familiar. Os
prevaricadores são os próprios pais, avôs, padrastos, irmãos mais velhos e, em casos
raros, as próprias mães.
Os parentes que têm conhecimento dos abusos, normalmente as mães, calam-se,
tornando-se assim cúmplices do crime. Muitas delas estão emocional e economicamente
dependentes dos prevaricadores; outras não sabem a quem se dirigirem, a fim de
denunciar a situação. Por isso, a comissão diz ser necessário criar mecanismos
de ajuda, para que essas mães considerem o bem-estar da sua criança mais
importante do que o desmembramento da família. Na verdade, a consciência de que
a mãe, ou um outro parente, sabe do sucedido e nada faz para que termine, causa
um sofrimento gigantesco na vítima. É importantíssimo, considera a comissão,
quebrar este silêncio.
Os efeitos psicológicos destes abusos prolongam-se pela vida fora e
exprimem-se, entre outras formas, na escolaridade interrompida, no abandono
constante do emprego, em novos abusos (a vítima transforma-se em abusador) e em
tentativas de suicídio. A comissão tem entrevistado centenas de adultos que
foram vítimas deste tipo de abuso na infância e na juventude e quase todos
vivem na pobreza, desempregados.
Trata-se, por isso, de um grande problema social que urge denunciar. É
minha convicção que um estudo deste género em Portugal não deveria chegar a
conclusões muito diferentes.
Published on June 20, 2017 11:06
June 10, 2017
Três Mares
O amor tem
múltiplas cores.
A vida inúmeros
arco-íris.
O mar,
apenas a cor do nosso olhar.
(In Mares)
Neste livro do poeta José Luís Outono, encantou-me a alternância entre os
hinos ao amor («e o amor é um diamante raro», in Tempos Afogados), a reflexão filosófica e a crítica social e
política, esta, por vezes, muito dura, como em Estragos:
Tentei não
obedecer ao bloqueio da razão.
Subi acima
das nuvens secretas,
e olhei o
contorno simétrico da ética.
E vi.
O dislate
humano da insensatez.
O vácuo dos
ideais ditos inovadores.
O riso
estridente da arrogância.
O sonambulismo
parvo da complexidade.
O desvio
credenciado do engano.
O diploma
vingador do incómodo.
E li.
As notícias
prefabricadas de vendas e saldos combinados.
Os ensaios
plagiados de instintos inflamados.
Os relatórios
pérfidos da poupança promotora.
As contas
subtis do despesismo titular.
A listagem
mórbida do emagrecimento sociocultural.
E pensei.
Gostava
tanto que fosse engano.
Algo que igualmente muito me agradou foram as alusões à Revolução de Abril,
que surgem aqui e ali, como em Saudades:
Conheci-te,
numa madrugada de Abril. Os teus olhos
eram um
poema de liberdade, num mar de cravos esperança.
Tinhas o
mais bonito nome de mulher verdade - Democracia.
Hoje, quarenta
anos decorridos, beijo ainda alguns momentos
da tua
beleza, que sabem a pouco, neste dizer ladino,
de homem
apaixonado.
Especialmente comovente é o poema Escrito
na Tarde do Dia 25 de Abril de 1974 (José Luís Outono cumpria serviço
militar na Guiné), do qual transcrevo alguns excertos:
Bem longe,
desse Continente de confusões,
entendo
agora, meu pai, as tuas palavras.
Quando me
avisavas dos gritos de dor da António Maria Cardoso
(…)
Quando
esboçavas um pestanejar,
ao ver-me com
uma farda obrigatória,
e dizias em
gozo certeiro - Mocidade?
(…)
Quando me
viste partir para este inferno colonial,
e com um
abraço disseste - Não te esqueças de regressar.
Como se vê, um livro lindíssimo, que contém ilustrações do próprio autor e
que nos surpreende a cada esquina:
ainda bem
que o reino animal
é insensível
às promoções de conveniência
e continuam
a soletrar atitudes tocantes
que os
humanos ignoram por vaidade superior
(In Gritos Nascentes)
Desculpa,
meu amor, mas hoje mergulhei em águas sofredoras e estou muito pensativo.
Lembras-te? As mesmas águas onde já mergulhámos felizes, são hoje cemitérios ou
corredores de sofrimento.
Impossível!
(In Olhares Nublosos)
por vezes
apetece inverter as cores
num
esperançar de ver receios abraçar coragens
(In Por vezes)
Para quem gosta de poesia e não só…
Published on June 10, 2017 02:23


