Cristina Torrão's Blog, page 46

November 18, 2016

Morte de Dona Constança

- Que se passa?

Isabel respondeu num sussurro:

- Tive um sonho…

- Um pesadelo?

- Não sei… Uma mensagem… Ou uma premonição…

Mais
uma? Dinis fez esforço por vencer o enfado, pois haveria uma razão
forte que a trouxera ali, numa noite tão fria. Acabou por dizer:

- Sentai-vos e contai-me o que vos atormenta!

Isabel assim fez. Depois de pousar a vela sobre a mesinha ao lado da cama, iniciou o seu relato:

-
Há cerca de uma semana, andando para os lados da Azambuja, deparei com
um eremita à beira da estrada. Parecia muito perturbado e eu desmontei
da minha mula e perguntei-lhe se havia mister do meu auxílio. Ele não
respondeu, limitou-se a fixar-me numa tristeza infinita. Já tratei de
muitos enfermos e assisti a muitas aflições, mas nunca vira olhos tão
tristes. Insisti na minha pergunta. Depois de me fixar durante mais
alguns momentos, ele abanou a cabeça e afastou-se de mim sem uma
palavra.

Isabel baixou a cabeça e prosseguiu:

-
Não mais olvidei aquele olhar. Passado uns dias, tornei ao local, a fim
de o procurar. Mas não o encontrei. Perguntei por ele nas aldeias da
região, descrevendo-o o melhor que podia. Ninguém parecia conhecê-lo.
Indicaram-me alguns eremitas que por ali viviam e fui ter com eles. Mas
nenhum era o que eu havia visto. O homem parecia ter-se esfumado, ou
sido engolido pela terra… Tentei olvidá-lo. Mas hoje…

Começou a tremer mais violentamente:

- Sonhei com ele…

- Ora, ficastes impressionada com a sua figura…

- No sonho, ele falou comigo. E disse-me… - Olhou-o, muito trágica: - Que Constança havia morrido!



A
18 de Novembro de 1313 morreu a rainha Dona Constança de Castela,
antiga infanta portuguesa, filha de Dom Dinis e Dona Isabel, com apenas
23 anos.




Constança 1.jpg
Para mais informações sobre Dona Constança ver o texto publicado a propósito do seu nascimento.



Nota: não
encontrei nenhuma representação de Dona Constança. Deparei, nas minhas
pesquisas, com esta imagem de Sansa Stark, uma personagem d'As Crónicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin. Decidi usá-la porque se aproxima muito da Constança que descrevo no meu romance.

 




Dom Dinis Papel (1).JPG


O meu romance sobre Dom Dinis está à venda sob a forma de ebook, por exemplo, na LeYa Online , na Wook , na Kobo e na Amazon (pagamento em euros); Amazon (pagamento em dólares).



No Brasil, está disponível na Livraria Saraiva e na Livraria Cultura .


Para adquirir a versão em papel, contacte-me através do email andancas@t-online.de.


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Published on November 18, 2016 03:50

November 15, 2016

O Dia Em Que O Sol Se Apagou













Um livro que se lê bem, de aventuras,
seguindo Pêro da Covilhã pela África e pelas Índias, à procura do reino do
Preste João. Tem igualmente uma forte componente de fantasia, já que, a 26 de
Março de 1487, o sol apaga-se subitamente no reino de Portugal. É isso mesmo! O
nosso país, tão conhecido pelo sol, fica sem ele. E D. João II envia dois
espiões em demanda da solução que restitua a luz ao país.




Paralelamente, temos a história de
Salvador, um embalsamador albino com um estranho passado, que procura também
uma luz, ou melhor, procura olhos que possam devolver a luz ao seu irmão
Mil-Sóis.




O cruzamento de fantasia com rigor
histórico levanta, contudo, alguns problemas. Há certas coisas que me soaram
anacrónicas, coisas que acho que não se podem relegar para o plano do
fantástico. Temos, por exemplo, o nascimento de Mil-Sóis com uns olhos tão brilhantes,
que cegam quem os vê. Apelidam-no de “criança com olhos de diamante”. Ora, Mil-Sóis
nasce no seio de uma comunidade de gente ignorante isolada nas montanhas.
Saberia gente dessa, no final da Idade Média, o que eram diamantes? Duvido
muito. Embora na Índia os diamantes já fossem conhecidos há dois ou três mil
anos, eles eram raríssimos e, na Europa, só se tornam mais frequentes a partir
do século XVIII. Imperadores, reis e nobres já conheciam os diamantes na Idade
Média, mas duvido que o povo comum alguma vez tivesse ouvido falar de tal, ou,
nesse caso, fizesse ideia do que se tratava.




Cito agora uma passagem da página 181,
referente à Índia:

«À sua passagem, as castas inferiores
inclinavam-se respeitosamente ou, então, atiravam bosta de vaca sagrada para
debaixo dos pés desses homens superiores. Nas Índias, pavimentava-se com merda
os caminhos que os reis ou os nobres percorriam para assim homenagear o seu
poder. As vacas eram, em boa verdade, mais bem tratadas e alimentadas que os
sem-dita que pertenciam às castas menores. Além de maltratada e desprezada, a
ralé não tinha qualquer esperança de fugir à sua triste condição, estando a sua
linhagem condenada a permanecer naquela ignomínia».




Ora bem, que Pêro da Covilhã se admire
de que nas Índias se pavimentasse «com merda os caminhos que os reis ou os
nobres percorriam», tudo bem. Já o seu julgamento em relação às castas me
parece mais de homem do século XX ou XXI. A Europa cristã de Pêro da Covilhã era
um mundo em que certa gente (na verdade, a esmagadora maioria da população) era
«maltratada e desprezada», sem «qualquer esperança de fugir à sua triste
condição». Também não devia ser motivo de espanto para ele que (certos) animais
fossem mais bem tratados e alimentados do que os homens e mulheres pertencentes
à arraia-miúda. Além disso, na Cristandade (leia-se Europa) da altura, duvidava-se
que os pretos tivessem alma (algo aliás referido no romance), por isso, era
justificável que se tratassem esses seres como animais, ou pior ainda. Este
anacronismo não se pode com certeza arrumar para o reino da fantasia…




Também não compreendi, nem achei
necessidade de, que a história de Pêro da Covilhã fosse contada na primeira
pessoa e a de Salvador na terceira. Dá a impressão de que Pêro da Covilhã seria
o contador de tudo o que se passa neste livro, mas ele não tinha hipótese de
conhecer a história de Salvador.




Dir-me-ão que são pormenores sem
importância para a maioria dos leitores. Pode ser. Mas este romance foi
finalista do Prémio LeYa em 2014, razão suficiente para sermos exigentes.
Reitero, contudo, que a leitura é agradável. E a descrição dos países visitados
por Pêro da Covilhã, assim como as suas aventuras, estão bem conseguidas.





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Published on November 15, 2016 03:28

November 12, 2016

Estudo Geral das Ciências de Lisboa

A 12 de Novembro de 1288 foi redigida, em Montemor-o-Novo, a carta ao
papa Nicolau IV, pedindo autorização para a criação do Estudo Geral das
Ciências em Lisboa (percursor da Universidade). Além de Dom Dinis,
assinaram a carta o abade do mosteiro de Alcobaça, os priores de Santa
Cruz de Coimbra e de São Vicente de Lisboa e os superiores de vinte e
quatro igrejas e conventos do reino. Suplicaram a aprovação e
«confirmação de uma obra tão pia e louvável», já que o Estudo Geral
devia albergar estudantes sem posses, impedidos de irem para
universidades estrangeiras.

O Estudo Geral das Ciências de Lisboa é aprovado pelo papa em Agosto de 1290.



Terá
sido igualmente nesta altura que Dom Dinis resolveu usar o Português
nos documentos oficiais da chancelaria, normalmente redigidos em latim
ou em galaico-português, a língua que se falava no início da fundação do
reino, que era ainda igualmente usada na poesia trovadoresca.




Dom Dinis Papel (1).JPG


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Published on November 12, 2016 04:36

November 9, 2016

Ontem e hoje

Penso que este excerto do romance medieval em que atualmente trabalho combina com o dia de hoje. A política sempre foi um negócio sujo.



«Debatíamos num remoinho de intrigas e desaguisados, havendo precisão uns dos outros e querendo, ao mesmo tempo, aniquilarmo-nos mutuamente. Até eu cheguei a pactuar com o execrável bispo, Deus me perdoe, permitindo que ele cresse ter-me na sua mão. Imagino o quão esperto ele se sentia, pensando que nos manipulava às duas, provando a fraqueza e a instabilidade próprias das donas e, no convencimento da sua soberba, nem se apercebia de que Urraca e eu agíamos tal e qual. Nunca maior teia de ardis, mentiras, hipocrisias e traições se terá visto, que Cristo se amerceie de nós! Sorríamo-nos, mantendo o punhal atrás das costas, aguardando a primeira oportunidade de o espetar no parceiro de ocasião».












© Cristina Torrão









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Published on November 09, 2016 11:02

November 4, 2016

Sobre refugiados e terroristas

«O que é negativo tem muitas vezes mais impacto. As pessoas não consideram aqueles que passaram horrores, que estão traumatizados e que moraram durante meses num ginásio escolar lado a lado com centenas de desconhecidos, sem perder o juízo. Consideram apenas um ou outro que o perde - e generalizam».



Palavras de Rüdiger Linhof, baixista dos Sportfreunde Stiller, banda alemã.







Imagem daqui






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Published on November 04, 2016 05:31

November 2, 2016

Dom Pedro III de Aragão


Pedro III de Aragão
Por Manuel Aguirre Y Monsalbe, 1854

Imagem Wikipedia



A 2 de Novembro de 1285 morreu o rei Dom Pedro III de Aragão, denominado o Grande,
pelas suas conquistas militares, com apenas quarenta e seis anos. Dom
Pedro III era o pai da rainha Santa Isabel. Não sabemos qual o efeito
que o acontecimento teria causado em sua filha, que já estava em
Portugal há dois anos e meio. Segundo a tradição, Dona Isabel era muito
chegada ao pai, palavras que tudo e nada dizem. No entanto, considerando
que Dona Isabel estava ainda a dois meses de completar quinze anos e
seria dona de um carácter sensível, eu criei esta cena no meu romance:



De repente, os alões deitados em frente à lareira levantaram-se, a ladrar como doidos. Dinis bradou:

- Mas que vem a ser isto?

- Virá por aí alguém? - sugeriu Pêro Anes Coelho.

- A esta hora? Num tempo destes?

Dinis
virou-se para Isabel e assustou-se: a cor sumira das suas faces, a
rainha apresentava uma palidez cadavérica, uma das mãos agarrava o
vestido à altura do peito. O monarca inquiriu:

- Que tendes? Não vos sentis bem?

Isabel apontou-lhe olhos aterrorizados:

- Uma desgraça sucedeu!

- Que dizeis?

- As más novas não tardarão!

Apesar
de assustado, Dinis não queria conceber a ideia de que o momento doce e
mágico terminara. Aquela noite pertencia-lhes, não lhes podia fugir!
Pegou-lhe nas mãos, invulgarmente gélidas, e acrescentou:

- Enganais-vos! Quem viria a esta hora dar-nos más notícias? Os cães ficaram nervosos com o uivar dos lobos, é só.

Isabel
fixava-o angustiada. E, de repente, irromperam na sala dois cavaleiros
com os seus capotes cobertos de neve. Isabel começou a tremer, mas Dinis
teve de a largar para ir ajudar Pêro Anes Coelho e João Anes Redondo a
segurar os alões, que ameaçavam despedaçar as vestes dos recém-chegados.

- Quem sois? - bradou o rei. - Que fazeis aqui? Porque vos deixaram entrar?

- Vimos de Aragão, Alteza!

- Meu Deus! - gritou Isabel.

Levantou-se, foi ao encontro deles e os cães acalmaram-se como por encanto. Dirigiu-se mortificada aos cavaleiros:

- Trata-se de meu pai, não é verdade? Que lhe sucedeu? Dizei! Dizei!

- Lamentamos ter de vos informar que el-rei Dom Pedro III se finou no passado dia 2 deste mês de Novembro.

Gerou-se
um silêncio sepulcral. Até que se ouviram mais uivos. Isabel desfaleceu
de encontro a Dinis, que guisou de a segurar nos braços. Aquele corpo,
leve como uma pena, que ainda há momentos emanava calor, envolvido num
vago perfume a rosas, estava agora inanimado e frio. Como se ela própria
houvesse morrido…

Carregando-a
nos braços, Dinis desceu a escada exterior da torre de menagem e
caminhou pela neve que lhe chegava às canelas. Pêro Anes Coelho, que os
seguira, bateu à porta da casa da rainha, arrancando as damas e as
camareiras do seu sono, que mais sobressaltadas ficaram, ao dar com
Isabel desfalecida nos braços do rei.




Dom Dinis Série (1).JPG


O meu romance sobre Dom Dinis está à venda sob a forma de ebook, por exemplo, na LeYa Online , na Wook , na Kobo e na Amazon (pagamento em euros); Amazon (pagamento em dólares).



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Published on November 02, 2016 04:11

October 31, 2016

Tu és a única Pessoa (11)

Da sinopse:



Helena vê-se empurrada para um casamento desastroso. Entre um marido vigarista e negligente, um pai que finge que ela morreu, uma mãe incapaz de enfrentar adversidades e um irmão que se habituou a ignorar um membro familiar incómodo, Helena perde o controlo sobre a sua vida.











Nas lojas FNAC e em algumas livrarias independentes, como Pó dos Livros (Lisboa), UNICEPE e Lello (Porto), 100ª Página (Braga).




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Published on October 31, 2016 04:23

October 28, 2016

Cão Como Nós
















Todos os amantes de animais gostarão de
ler este pequeno grande livro de Manuel Alegre. Mas também o aconselho a
pessoas que nada têm a ver com animais, principalmente, a quem não entende como
se pode considerar um animal um membro da família. A escrita poética e
assertiva do autor torna evidente, em poucas palavras, o facto de também os cães
terem sentimentos e conseguirem comunicar de forma incrível com os humanos.




«- Fiteiro, disse eu numa dessas
ocasiões.

 
- Como tu, retorquiu Joana, minha filha. Tu também fazes fitas, pai, às
vezes amuas para chamar a atenção ou para que a gente te dê mimos, o cão
percebe isso tudo. E os manos fazem a mesma coisa. Até a mãe. O cão imita-nos a
todos, tudo o que ele faz é para que se repare nele e se lhe dê mais carinho.
Não é por ser cão que ele não tem sentimentos». (p. 49)




O cão de que fala este livro já morreu e
Manuel Alegre, que, no início, não o queria conceber como membro da família,
acaba por lhe prestar esta homenagem, dando-nos pequenos episódios marcantes de
um animal que, segundo ele, «queria ser gente», «cão como nós».




«Quando envelheceu, passou a ter mais relutância
em meter-se dentro de água. Se a minha mulher se afastava um pouco mais, ele
abocanhava a toalha, atirava-a ao ar e começava a ladrar. Se ela nadava a favor
da corrente, ele vinha pela margem fora de toalha na boca. Era uma cena que se
repetia e começava a juntar pessoas que vinham ver aquele cão que trazia na
boca a toalha da dona como forma de lhe dizer que o seu lugar era em terra.
Então eu tinha ternura pelo cão. A agitação dele era uma forma de amor. Um amor
atento, aflito e vigilante. Estou a vê-lo na praia, de toalha nos dentes. Cão
bonito, apetece-me dizer». (p.65)




O Kurika foi um cão que conquistou o seu
lugar dentro de casa, junto da sua família. E Manuel Alegre dá-nos momentos
magistrais:




«Creio que ele também gostava da música
da poesia, da alquimia do verso, da litania e da celebração mágica que todo o
poema é. Algo que os bichos talvez entendam melhor do que os especialistas de
literatura.

Às vezes, eu dizia-lhe aquele fabuloso
verso de Camilo Pessanha:

«Só incessante um som de flauta chora.»

E ele arrebitava as orelhas. Tenho a
certeza de que estava a ouvir a flauta». (p. 104)




Um livrinho que se lê em duas horas, que
faz as delícias dos amantes dos cães e que ensina muito a todos os outros.





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Published on October 28, 2016 03:05

October 24, 2016

Tu és a única Pessoa (10)

O escritor Paulo M. Morais
teve a gentileza de me enviar esta fotografia, tirada na FNAC de Santa
Catarina, Porto, há alguns dias. Agradeço muito este gesto, pois,
vivendo na Alemanha, tenho de prescindir destas imagens ao vivo.


Agradeço igualmente ao Mario GM Dos Santos e à Oxalá Editora por terem acreditado no meu projeto.










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Published on October 24, 2016 02:37

October 22, 2016

Rio do Esquecimento







«Há coisas que, ainda que contadas de
modos diversos, desfiguradas ou até inventadas, são verdade, verdade absoluta.
Procure cada um nos seus conhecimentos, nas suas lembranças, e veja se não é
assim. Então, para quê contá-las, para quê escrevê-las, perguntar-se-á. Para
quê? Para que se preste ao fictício a atenção que não se prestou ao real.
Factos há que, de tantas vezes que se repetem, se tornam trivialidades: ninguém
os sente, ninguém os avalia, ninguém os comenta. Afazemo-nos a eles como um
organismo se afaz a certas drogas que, no entanto, tomadas a primeira vez,
produziram uma reação extraordinária. Os venenos da alma parecem-se com os
venenos do corpo. Se não vos conseguir convencer destas e de outras coisas,
alguém um dia vos convencerá».




p. 149






O que mais me agradou neste livro de
Isabel Rio Novo foi o olhar para a crueldade, o absurdo e o inacreditável na
vida quotidiana. As tais coisas a que nos acostumamos e a que já não damos
importância. Também os segredos que cada um esconde, por vezes, graves, as
frustrações e o sofrimento acumulado transformados nas tais crueldades, ou em
atitudes inexplicáveis, me cativam. Porque tem de haver sempre uma válvula de
escape. Acrescente-se as vidas adiadas, as oportunidades perdidas, por medo, ou
por acomodação, e temos uma leitora rendida (pelo menos, no meu caso).




Nesse aspeto, a autora fez-me lembrar
Alice Monroe, de quem muitas vezes se diz que escreve sobre coisas banais. Mas
é só preciso estar com atenção, ou possuir sensibilidade suficiente, para descobrir
o turbilhão por baixo da superfície calma.




Outra vantagem deste livro é dar-nos um
bom retrato da sociedade portuense do século XIX, embora não o achasse
camiliano (como já li), apenas a época descrita é a mesma. Isabel Rio Novo tem
um estilo muito diferente e ainda bem, pois tem o seu próprio estilo, sem
precisar de imitar ninguém. Uma nota negativa para certas frases muito longas, de orações encaixotadas umas nas outras (como se diz em alemão) que, por vezes, nos fazem esquecer qual o início da oração principal. Trata-se de uma marca de estilo que pode resultar, mas, neste caso, talvez seja aconselhável aperfeiçoar.




Sem dúvida (e apesar de não ser o de
melhor qualidade literária; aí, continuo a apostar em Que Importa a Fúria do Mar ), esta foi a obra finalista do Prémio
LeYa que mais me agradou ler.







Nota: comprei o livro na Feira do Livro do
Porto, em dia de sessão de autógrafos da autora, e não resisto a publicar a
fotografia da praxe, agradecendo a simpatia de Isabel Rio Novo.














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Published on October 22, 2016 02:49