Marcelo Rubens Paiva's Blog, page 19
August 14, 2018
Lula da prisão para o ‘New York Times’
A página Op-Ed do jornal The New York Times é talvez o espaço mais nobre e de maior repercussão do jornalismo mundial.
Op de “opinion” (opinião), Ed de editorial.
Numa coluna enviada da prisão, como faz questão de ressaltar o jornal no abre do texto, Lula afirma que, há 16 anos, o Brasil estava em crise, com um futuro incerto.
Nela, o ex-presidente brasileiro e candidato do PT afirma hoje, 14 de agosto, que o Brasil vive um golpe da extrema-direita, fala dos avanços do seu governo e lembra até o desastroso PowerPoint do MP, para apresentá-lo como líder do esquema de corrupção.
Reafirma a sua condição de candidato, e que sua prisão é um meio de impedir que o PT de vença.
“Nossos sonhos de se desenvolver em um dos países mais prósperos e democráticos do mundo pareciam ameaçados. A ideia de que um dia nossos cidadãos poderiam desfrutar dos padrões de vida confortáveis dos nossos colegas da Europa ou de outras democracias ocidentais parecia estar desaparecendo. Menos de duas décadas depois do fim da ditadura, algumas feridas daquele período ainda estavam abertas.”
Lula exalta algumas das suas ações junto com o PT: ofereceu esperança, como o primeiro líder sindical eleito presidente do Brasil. Exalta o seu mandato. Não cita dados do de Dilma.
“Inicialmente, os mercados foram abalados, mas o crescimento econômico que se seguiu os tranquilizou. os governos do PT conseguiram reduzir a pobreza em mais da metade em apenas oito anos. Nos meus dois mandatos, o salário mínimo aumentou 50%. O Bolsa Família, programa que auxiliou famílias pobres ao mesmo tempo em que garantiu que as crianças recebessem educação de qualidade, ganhou renome internacional. Nós provamos que combater a pobreza era uma boa política econômica.”
Lula então afirma que o progresso foi interrompido não pelas urnas, mas que a presidenta sofreu impeachment e foi destituída do cargo por uma ação que até mesmo seus oponentes admitiram não ser um crime.
Conta que foi mandado para a prisão, depois de um “julgamento duvidoso” sobre acusações de corrupção e lavagem de dinheiro. E fala que um golpe impede o PT de ser novamente alçado à Presidência.
“Com todas as pesquisas mostrando que eu venceria facilmente as eleições de outubro, a extrema direita do Brasil está tentando me tirar da disputa. Minha condenação e prisão são baseadas somente no testemunho de uma testemunha cuja própria sentença foi reduzida em troca do que ele disse contra mim. Em outras palavras, era do seu interesse pessoal dizer às autoridades o que elas queriam ouvir.”
Lula acusa o juiz Sérgio Moro e promotores: “Recorreram a gravações e vazamentos de conversas telefônicas particulares que tive com minha família e meu advogado, incluindo uma conversa ilegal. Criaram um PowerPoint ao me prenderem e me acusaram de ser o mentor de um vasto esquema de corrupção.”
Depois de lembrar que não teme a prisão, em que já esteve durante a ditadura, quando “defendia os interesses dos trabalhadores”, finaliza:
“Eu não peço para estar acima da lei, mas sim um julgamento justo e imparcial. Essas forças de direita me condenaram, me prenderam, ignoraram a grande evidência da minha inocência e me negaram o habeas corpus apenas para tentar me impedir de concorrer à Presidência. Eu peço respeito à democracia. Se eles querem me derrotar de verdade, façam nas eleições. Segundo a Constituição brasileira, o poder vem do povo, que elege seus representantes. Então deixe o povo brasileiro decidir. Eu tenho fé que a justiça prevalecerá, mas o tempo está correndo contra a democracia.”
August 10, 2018
50 tons de maluco
O primeiro debate presidencial 2018, transmitido ontem, 9 de agosto, pela Band, parecia papo de maluco.
Cabo Daciolo (Patriota) foi apresentado à Nação. O candidato nanico, que terá oito segundos na propaganda eleitoral, falava como se desse instruções à tropa. Dados do Google Trends indicam que o deputado fluminense foi o participante que mais cresceu nas buscas na internet.
Daciolo lembra aqueles zaps de fake news, com teorias da conspiração apocalípticas.
Pediu ajuda a Jesus para combater o comunismo, confundiu Ciro Gomes como fundador do Fórum de São Paulo, atrapalhou-se quando foi acusado de liderar greves ilegais (dos Bombeiros).
O jornalista Fernando Rodrigues tuitou: “Cabo Daciolo é, de longe, a melhor diversão do #DebateBand. Ele pergunta e acaba o tédio #semnoção.”
O mais paradoxal é que o candidato religioso foi do PSOL e expulso em 2015 não pelo discurso delirante, paranoico, greves e agitações que tumultuaram o Rio de Janeiro, mas por propôr mudar a Constituição de “todo poder emana do povo” para “todo poder emana de Deus”. PSOL é laico.
Álvaro Dias (Podemos) surpreendeu a fazer uma dobradinha com seu concorrente, Jair Bolsonaro, com quem disputa votos no Sul, e ao anunciar que chamará Sérgio Moro para ser ministro da Justiça.
Dias foi sem gravata, vestido como o juiz de Curitiba: camisa preta sob terno preto.
Geraldo Alckmin (PSDB), mais tarimbado, veterano em eleição presidencial, falava pausadamente, com o plural e os pronomes bem colocados, como um professor da Unesp.
Por vezes, parecia palestrar para empresários do mercado: usava termos como “spread” e “player”, desconhecidos pela maioria do eleitor.
Defendia suas propostas de governo, sem se tocar de que é governo há décadas, e a aliança com “Blocão”, costurada por partidos sem identificação ideológica, mas fisiológica.
As propostas de Jair Bolsonaro lembram a redação de um estudante do Ensino Fundamental buscando soluções para os problemas brasileiros.
Para combater a violência, propõe armar a população. Para combater a violência contra mulheres, propõe castração química voluntária. O problema da educação é resolvido com disciplina e escolas militares. A deficitária infraestrutura para logística brasileira será resolvida se acabar a “corrupição” do setor.
Cabo Daciolo e Jair Bolsonaro focaram na “corrupição”. Deve ser um costume militar acrescentar letra onde não tem.
Bolsonaro arrancou aplausos da plateia, quando olhou para a câmera e disse: “Você sabe o nome do ministro da Educação? E da Saúde?”
Defendia a tese da falta de meritocracia nos governos atuais.
Mas, espera lá. Não é ele quem vai chamar apenas militares para o ministério?
Meirelles (MDB) fala como milionário, seu tom de voz é de um milionário, e como um milionário se irritava e reclamava da desinformação dos candidatos.
Não falou como representante do Governo Temer. Ao contrário, fez questão de lembrar que foi ministro de Lula, procurando colar na imagem do ausente líder das pesquisas.
Marina Silva (Rede) colocava-se na posição de vítima e de que não tem nada a ver com o cenário atual. Alguém deveria lembrar-lhe de que defendeu o impeachment.
Falou em lobo mau e fugiu da resposta sobre descriminalização do aborto, ao dizer que faria um plebiscito. Ela é contra, e não declarou seu voto.
O melhor da noite ficou com Boulos (PSOL).
Começou mal, atacando Bolsonaro, que na réplica reclamou que estava ali para falar de propostas de governo.
Mas finalizou com o melhor da noite: “Aqui tem 50 tons de Temer. Até quem está propondo o novo, estava ano passado aprovando tudo do Temer”.
Daciolo continuou delirante. O grande problema da população não é o desemprego, educação, saúde, violência, desigualdade social, falta de moradia e saneamento. “O grande problema da população é falta de amor”, declarou confuso.
O que levou Ciro Gomes a falar das delícias da democracia.
O candidato do PDT foi isolado propositalmente. Poucos o perguntavam.
O @sensacionalista postou: “Ciro fica dois segundos sem falar pela primeira vez na vida.”
Conseguiu irritar Bolsonaro, ao lembrar do polêmico apoio do deputado, que defendia liberar a pílula de combate ao câncer sem aval da Anvisa.
Foi a única demonstração do descontrole do candidato de pavio curto do PSL.
Restou o choro do PT, ausente no debate.
Mas o que pretendia o partido ao lançar um candidato na prisão?
Estará, sim, ausente nos debates, nos programa de televisão, como Roda Viva e as entrevistas da Globo News.
Se bem que pode ter se dado bem ao ficar de fora daquele papo de maluco.
August 8, 2018
Crise até na casa de todas as casas
A boate Love Story, quase balzaca, agregando a boemia dos boêmios, os que perderam o trem, o ultimo degrau da reputação, da fossa, do hedonismo, entra com pedido de recuperação judicial.
Como muitas casas noturnas, hotéis, bares e restaurantes do país, está sufocada por dívidas trabalhistas.
O sobrado da Avenida Ipiranga, diante do Copan, região invadida por milleniuns, que abriram bares e fixaram residência, é referência turística em São Paulo.
Amigos de outros estados e países me perguntavam se era verdade que existia uma casa que abria às 3h, bombava quando o sol amanhecia, para pessoas da noite e garotas de programa se divertirem.
Na cosmopolita maior cidade da América do Sul, sim, existe há 27 anos e tem um nome romântico (inspirado num clássico do cinema-lágrimas de 1970, Love Story).
Que é uma boate com som no talo, homenagens e avisos dados pelo DJ, grandes efeitos de luz, a velha ‘strobo’ e globo espelhado, em que mulheres não pagavam para entrar, com salas vips e canos para pole dance não de profissionais, mas do público, sem distinção de gênero.
Tio João, um dos donos-gerentes, comandava uma tropa de garçons e seguranças para os mais exaltados, que impediam os excessos, tirava da fila da entrada amigos e vips, que entravam pela porta lateral, indicava mesas e dava dicas.
Tio João (João Tiago Freitas) saiu da cena enfartado, deixando o negócio para o filho, Milton Freitas, que a modernizou.
Até Alex Atala foi convocado.
Organizou sua popular Galinhada (galinha cozida com hortelã, pimenta, alho, salsinha, manjericão, coentro, louro, misturada com pirão de mandioca e quiabo) entre mesas e canos.
Segundo o www.braziljournal.com, a dívida total é de R$ 1,7 milhão; R$ 1,38 milhão de processos trabalhistas.
Além disse, o ECAD reclama o não pagamento de direitos autorais.
Na petição inicial, entregue na 2ª Vara de Recuperação Judicial, os advogados Marcelo Hajaj Merlino e Irene Hajaj atribuem os problemas à crise financeira, que afetou fortemente o ‘entretenimento adulto’, informam Mariana Barbosa e Natalia Viri, do Brazil Journal:
“A população jovem tem procurado outros meios de diversão noturna, como por exemplo os grandes eventos chamados de mega festivais como o ‘Lollapalooza’, ‘Glastonburry’, e ‘Coachella’”, defendem os advogados, alegando que a concorrência é, inclusive, internacional. Outras fontes de competição, apresentadas ao juiz: ‘pool parties’, ‘food trucks’ e baladas sertanejas como o ‘Villa Mix’.”
Mais um setor que a recessão e a revolução das quatro telas ataca.
Sim, tem pessoa hoje que prefere ficar em casa, pedir comida, alugar um filme, escutar um som, socializar (redessocializar) e marcar um ‘dating’ por aplicativos.
August 6, 2018
O mesmo de sempre: PT x PSDB
Ficou-se rouco pedindo o novo. Mas o novo deu na velha polarização petistas versus tucanos, com a qual estamos habituados (em seis eleições).
Foram centenas de operações policiais contra a corrupção da elite política brasileira e manifestações de ruas e pelas varandas. Mas a estrutura partidária se manteve intacta.
O Trump brasileiro continua na promessa, a cara nova da política, Emmanuel Macron, está ofuscada pelas velhas alianças, e o movimento “extra-ideológico”, como 5 Estrelas, permanece invisível a olho nu.
A crise da democracia é global. A brasileira continua presa no gogó.
Numa eleição em que tempo de TV e fundo partidário contam muito, a indecisão é a norma, e o líder nas pesquisas está na cadeia (pela Lei da Ficha Limpa, é inelegível), PSDB e PT fazem alianças de causar inveja nos adversários.
Ciro e Marina, como antes, isolam-se na que nunca germina segunda via.
E o MDB repete o PMDB. Como sempre, prioriza o Congresso e se mantém na posição biruta de aeroporto.
O “centrão”, ativo e influente desde a Constituinte de 1988, quer ser chamado de “blocão”.
A esquerda consegue uma união surpreendente em torno do velho líder sindical.
Ao que parece, o medo do novo supera os escândalos causados pelo velho. O brasileiro se chocou, mas prefere manter como está.
Já tivemos PT x PSDB em 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014. O PT ganha por 4 x 2, contando com uma partida interrompida no intervalo do jogo.
Até repetiremos um cenário Lula x Alckmin
Em 1994, FHC levou de Lula (54% a 27%).
Em 1996, FHC é bi contra Lula (53% a 31,7%).
Em 2002, a esperança e o medo entraram em disputa. Deu Lula contra Serra (61% a 38,7%).
Em 2008, Lula se confirmou contra Alckmin (60,8% a 39%).
Em 2010, Lula elege Dilma contra Serra novamente (56% a 46%).
Em 2014, Dilma é reeleita contra Aécio na mais apertada das eleições (51,6 a 48,3%).
A surpresa da eleição, a ascensão da extrema-direita, na figura de Jair Bolsonaro, late, late, mas aparentemente não morde.
Incomoda, gera debate, assusta, tira do controle até jornalistas experientes. Mas com segundos na TV, pouco dinheiro, nenhuma aliança costurada e a estrutura amadora de militância de pijama e redes sociais, aparenta morrer na trincheira.
E o novo, simbolizado no Partido Novo, ninguém quis.
Ouviremos novamente o slogan “ê, ê, Eymael, o democrata cristão…”? A proposta do aerotrem de Levy Fidelix vira aerotanque (apoia Bolsonaro).
Tudo como dantes no quartel de Abrantes.
August 3, 2018
O nó da política e o descaso com o vice
É dada a largada. Este final de semana será decisivo para o futuro do país: o das convenções partidárias.
Nelas, aposta-se na trifeta: costuras de alianças para a eleição das mais incertas, depois de um impeachment traumático (para uns, questionável) e um governo inquestionavelmente impopular.
Ciro Gomes, do PDT, entrou em parafuso com a notícia de que o PSB fechou com o PT.
Chamou de golpe e um “grosseiro equívoco”.
Ontem, num acordão, os partidos rifaram nomes certos para os governos de Pernambuco e Minas.
Hoje, PT e PSB entraram em parafuso com a irreverente decisão de Marília Arraes, candidata do PT ao governo de Pernambuco, e Márcio Lacerda, candidato do PSB ao governo de Minas, de continuarem candidatos.
O motim de bases regionais desafia a liderança dos partidos.
Demonstra fraqueza de comando e rachas internos.
A queda de braços será emocionante. E bélica. Ambos estão indignados. Ao visto, não foram consultados.
Lembra a rebelião regional de Paulo Maluf contra a indicação nacional do seu partido, o PDS (antiga Arena), para a eleição indireta à presidência de 1985. Venceu a regional, que perdeu de Tancredo.
Ciro, sem o PT e o centrão, o “blocão”, isola-se.
Está sem vice.
Há quatro dias, o PSB oferecia o ex-prefeito de Curitiba, Luciano Ducci, para vice da chapa do PDT. Tudo mudou.
A escolha do vice deveria ser mais cuidadosa, debatida e planejada.
Um suicídio em 1954, uma renúncia em 1961, uma morte antes de tomar posse em 1985, e dois impeachments, em 1992 e 2016, provam que a periculosidade do cargo de presidente é grande.
Na Nova República, três vices nos governaram: Sarney, Itamar e Temer.
Média alta de um por década.
Marina Silva conseguiu um vice de respeito, Eduardo Jorge, que agrega forças ambientalistas. Enfim, Rede e PV se uniram.
O vice de Alckmin, ou melhor, a vice, polêmica senadora Ana Amélia, vem do centrão, a colcha de retalhos que sustentou os últimos governos.
Tem um histórico mais conservador e desagregador do que o tucano.
O PT segue sua lógica peculiar: Lula encabeça a chave, com Haddad de vice.
Para Lula ser impedido de concorrer, e Haddad ser o candidato pejorativamente chamado de “poste”.
A estratégia de transferência de votos que é uma aposta no escuro.
Aposta de Lula.
Tem gente do PT que defende um placê com a candidata do PCdoB, a carismática Manoela D’Avila, para vice.
A Reuters diz que sim.
Uma mulher, num universo de maioria de eleitoras mulheres e indecisas. Mas ela quer?
Bolsonaro não se decide entre um general de pijama e uma professora de direito.
O MDB, chamado de “tóxico” por cientistas políticos, como sempre, sai com um candidato fraquíssimo, Henrique Meirelles, para martelar os pregos do moribundo e decepcionante Governo Temer.
Como sempre, o MDB, ex-PMDB, sela o pior cavalo.
Barbada: a única certeza dessa eleição é que não dará MDB, como sempre.
Partido que, com certeza, apoiará o vencedor.
Façam suas apostas.
ATUALIZAÇÃO: A Reuters acaba de afirmar que Manoela será vice e Lula. O centro se digladia. As esquerdas se unem.
ATUALIZAÇÃO DA ATUALIZAÇÃO: Manchete do portal
Com aval de Lula, PT assume risco e adia escolha de vice
July 31, 2018
A paranoia do assédio
Hoje, 22h, o Canal Brasil exibe um dos filmes mais instigantes do cinema brasileiro, apenas três meses depois do lançamento nos cinemas: Aos Teus Olhos.
O filme de Carol Jabor tem um título que fala por si: uma ação, um gesto, pode ser interpretado dependendo do olhar.
Um professor de natação é carinhoso com uma criança que tem dificuldades.
Aos olhos de um, é um professor atencioso e sensível.
Aos de outros, pode significar assédio.
A uns, pegar no colo e beijar uma criança é sinal de afeto. A outros, de pedofilia.
Cada um vê o que quer. Cada um vê o que seu desejo reprimido fantasia?
René Girard, grande filósofo francês, diz que a gente desgosta no outro o defeito que é nosso, carregamos: mimetismo (um organismo que imita outras espécies, para sobreviver).
Baseado na peça espanhola O Príncipe de Arquimedes (Josep Miró), um professor de natação, Rubens (Daniel de Oliveira), adorado pelas crianças, é vítima de um linchamento veloz que ocorre numa tarde, por uma rede social, quando uma mãe (Stella Rebelo) o vê dedicado demais ao filho.
Que a diz que foi beijado por ele.
Para nós, o público, não faz sentido: na primeira cena, Rubens acorda com sua namorada (Luisa Arraes), e desempenham uma tórrida transa.
E foi um beijo de parceria, de afeto.
Para o pai, um homofóbico reprimido (Marco Ricca), a notícia é um pesadelo.
Mas o filme é habilidoso para, com o tempo, jogar sementes de dúvidas em nós mesmos.
Para os que se habituaram a ver o ódio e a paranoia brotar como mato nas redes sociais, é um filme fundamental.
July 30, 2018
Neymar se desculpa. Convence?
Muito bom o texto do Neymar no comercial em que se desculpa.
Os redadores da agência estão de parabéns.
“Não dou entrevistas, não é porque quero ou louros da vitória, mas porque ainda não aprendi a te decepcionar.”
Baita sacada.
Louros da vitória. Bem olímpico, como um livro de futebol das glórias passadas.
Pena que não veio da boca dele, com as palavras dele, numa entrevista coletiva.
Pena que ele usa seu desabafo para vender lâminas de barbear.
Continua a utilizar a idolatria e o carisma para priorizar seu faturamento,
“Ainda sou um menino, e ele irrita às vezes, minha luta é para manter esse menino vivo”.
Menino?
Já é pai.
Duas copas do mundo.
Ganha mais de 700 mil euros por semana.
“Hoje estou aqui, de cara limpa e peito aberto.”
Faltou completar: numa inserção comercial no Fantástico paga pela Gillette, um dos meus patrocinadores.
Neymar tem razão, é o jogador que mais apanha no futebol, viveu alguns dramas de gente grande, uma vértebra fraturada numa quarta de final de Copa do Mundo, um pé fraturado nas vésperas de outra.
Cai, porque apanha e porque exagera.
Mas se ser ser outro homem, um novo homem, poderia começar a conversar de cara limpa, não por uma agência de publicidade, nem pelas redes sociais, mas cara a cara com as pessoas, encarando nos olhos, como todo homem grande e corajoso faz.
July 27, 2018
‘Pi’, o fenômeno teatral
“Esse espetáculo é sobre nós. Criamos um mundo que não nos serve, algo precisa ser feito.”
É como a diretora Bia Lessa apresenta sua peça Pi – Panorâmica Insana, um fenômeno teatral, desses que aparecem a cada década, que lota um teatro em obras em São Paulo, antigo cinema da Vila Mariana, abre sessões extras e vê muita gente aflita voltando.
O que andava raro de se ver.
Uma espécie e catarse rola no final, em que palco e plateia são cobertos por uma lona preta que lembra um cogumelo atômico.
O pessimismo com o nosso futuro, espelhando-se no presente e passado, parece uma unanimidade.
A distopia proposta parece estar sobre todo nós: a Humanidade não deu certo.
O fim de mundo está próximo. Cuidado com a bala perdida! Olha os imigrantes naufragando no Mediterrâneo.
A desigualdade social (pirâmide da riqueza) só aumenta, acirra conflitos.
Guerra, mortes, doenças, loucura, perversão, lixo, desperdício, feminicídio, descrença, e onde está Deus, estão em debate numa dramaturgia fragmentada, de trechos de vários autores colados por Bia, como num patchwork.
Cláudia Abreu chega a interromper o espetáculo e, na pele de uma niilista ateia nietzschiana, indaga a plateia sobre o que é Deus e o que é o amor. Poucos ousam a se abrir.
Deus está morto? Onde ele está?
As estatísticas não negam: o mundo está à beira do colapso.
66 mil mulheres e meninas têm morte violenta por ano. Cinco mil delas, mortas por alguém da família.
¼ da Humanidade vive sem eletricidade. Dois milhões de crianças foram mortas em conflitos armados.
Um bilhão de toneladas de alimento é desperdiçado por ano.
Num cenário que lembra um lixão, Cláudia Abreu, Leandra Leal, Rodrigo Pandolgo e Luiz Henrique Nogueira, numa química incomum, que se conheceram numa novela global e bolaram a parceria, com textos de Júlia Spadaccini (indicada algumas vezes ao Prêmio Shell), Jô Bilac (outro sempre na lista do prêmio) e André Sant’Anna (genial escritor que não é dramaturgo), se somam a de Kafka e Paul Auster (Achei Que Meu Pai Fosse Deus), na peça que estreou maio, ficou dois meses em cartaz, encerra a temporada paulistana domingo dia 29/07, vai ao Rio, viaja e promete voltar ano que vem.
Nascimento e morte, iniciação sexual e degeneração, riqueza e miséria, saúde e doença, guerra e paz, amor e desamor, loucura e lógica… Os temas se sucedem, se atropelam. Negam-se.
É daqueles espetáculos que ficarão para sempre, como símbolos de uma época.
E será sempre referência.
É o teatro sobrevivendo no caos cultural.
Tem que ver.
July 24, 2018
A morte de Tancredo nos cinemas
Sérgio Rezende é o diretor dos filmes de personagens de grandes conflitos, polêmicos e cortes históricos: Barão de Mauá (Mauá – O Imperador e o Rei), Antônio Conselheiro (Guerra de Canudos), Tenório Cavalcanti (O Homem da Caça Preta), Lamarca e Zuzu Angel.
Começou filmando um curta sobre Leila Diniz, Leila Para Sempre Diniz.
Produzido pela mulher, Mariza Leão, é o realizador ideal para retratar um dos momentos históricos mais dramáticos que vivemos e acompanhamos com os olhos grudados na televisão e o coração na boca: a morte de Tancredo Neves em 1985.
Tudo parecia inacreditável.
Depois de 21 anos de ditadura, o civil que recolocaria o Brasil nos trilhos da democracia, resultado de uma mobilização imensa que tomou o país, as Diretas Já, é internado com dores abdominais e operado antes da posse.
Boatos diziam que ele levara um tiro. O vice, José Sarney, toma posse improvisadamente, inesperadamente.
O medo é que os militares retomassem o poder.
O país fica abismado e desconfiado. O impossível está para acontecer. Tancredo, que rodou sem parecer doente o país em comícios, só piora, sofre outras cirurgias. E morre no Dia de Tiradentes.
Seu enterro para a Nação. Seu caixão é acompanhado por uma multidão pelas ruas de São Paulo até o aeroporto.
O Brasil chora.
O filme O Paciente – O Caso Tancredo Neves revive estes dias.
É baseado no livro de Luis Mir, que teve acesso a documentos do Hospital de Base de Brasília e do Instituto do Coração, em São Paulo, onde Tancredo Neves esteve.
O erro precipitado de diagnóstico de apendicite aguda levou a equipe médica de Brasília a realizar, desnecessariamente, uma cirurgia de emergência num homem de mais de 70 anos, cujo estado só agravou, até o óbito por falência múltipla de órgãos.
Com Othon Bastos como Tancredo, o novo filme de Sérgio Rezende estreia no dia 13 de setembro.
Tem seu trailer oficial divulgado hoje.
Seguindo um tom de thriller, revela detalhes que envolveram a misteriosa morte de Tancredo, especialmente o conflito entre seus médicos, vividos por Paulo Betti (Valter Pinotti), Otavio Muller (Dr. Renault Mattos Ribeiro) e Leonardo Medeiros (Dr. Francisco Pinheiro Rocha).
Emilio Dantas faz Antônio Britto, jornalista que se tornou secretário de imprensa e assessor de Tancredo e, no auditório lotado do Centro de Convenção Rebouças, passava os boletins médicos diários do paciente transmitidos ao vivo pela TV.
Até o dramático anúncio do fim.
Talvez a morte de Tancredo tenha até unido mais o país.
Ou talvez tenha deixado a transição democrática inconclusa.
Não era para acontecer.
Só no Brasil, mesmo…
July 23, 2018
Chega a vez do streaming cult
O streaming veio pra ficar. Ou alia-se a ele, ou morre.
O mercado é dominado pelas já gigante$ Netflix, Amazon Prime, HBO GO, Hulu (FOX, ATT com Disney), Crackle (Sony). Por fora, a brasileira Globo Play, da Rede Globo.
Mas a tendência é também a de filmes e público qualificados, como o geek.
Como a plataforma VOD spamflix.com, parceria da CineEuropa, LatAm Cinema, Festival de Filmes Fantásticos de Bruxelas, Festival de Ficção Científica de Triste e outras, com design da brasileira Papanapa.
Que funcionará como uma sala de cinema virtual (paga a que assiste) de uma linha editorial específica: o filme cult.
Mubi e PopcornFlix tendem ao mercado mais indie, de filmes de arte e clássicos.
Vudu, Acorn TV, Sling TV e Viki se fortalecem fazendo parcerias. Curiosity TV é acompanhada por documentários científicos.
Spamflix virá com filmes geeky, nonsense, cult, terror, comédia etc. de vários países do mundo, como Argentina e Brasil, que passaram por diversos festivais.
Em setembro, a plataforma fica online com cerca de 40 títulos, com uma grande estreia pelo menos a cada mês.
Spamflix abre um crowdfunding para ajudar a campanha de lançamento (https://igg.me/at/spamflix).
Nela, vê-se alguns filmes já garantidos:
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