Tainá Piccolo > Recent Status Updates

Naquele momento,
não servia de nada ter lido Simone de Beauvoir, apenas
confirmava a infelicidade de ter um útero.

Sequer podiam desconfiar que os rapazes ao lado delas
nas aulas estivessem assustados com o próprio corpo.
Quando eles respondiam monossílabos às perguntas mais
inocentes que elas faziam, não era por desprezo, mas por
medo das complicações que poderiam aparecer no baixo
ventre.

Diante deste futuro formatado, a vontade que tínhamos era de permanecer jovens por mais tempo.

Pela primeira vez, dava para ouvir música em qualquer lugar, na areia da praia com o som colado na cabeça ou andando na rua. A alegria despertada pelo rádio era totalmente inédita, com ele podíamos estar a sós sem estar e dispor à vontade do barulho e da diversidade do mundo.

tudo isso está gravado na memória
das outras, cada aluna da turma tem uma amostra da
personalidade das outras vinte e cinco.
no total, são vinte e seis visões carregadas de julgamentos e de sentimentos que circulam constantemente pela classe.

Os sinais
das transformações coletivas não são perceptíveis na
particularidade das vidas, a não ser, talvez, no tédio e
cansaço que levam milhares de pessoas a secretamente
pensarem ao mesmo tempo, “nada disso vai mudar nunca”.

Nosso maior sonho
eram as pílulas contraceptivas que, diziam, eram vendidas
na Alemanha. Aos sábados, havia vários casamentos de
moças de véu e grinalda que, seis meses depois, davam à
luz bebês robustos e supostamente prematuros. Entre a
liberdade de Brigitte Bardot, a zombaria dos caras dizendo
que ser virgem fazia mal para a saúde, as imposições dos
pais e da Igreja, ficávamos sem nenhuma escolha.

Por cima das palavras que, logo depois de
ouvidas, queríamos esquecer, pega meu pau me chupa, era
preciso colocar as palavras de uma canção de amor, c’était
hier ce matin-là c’était hier et c’est loin déjà, embelezar a
memória, construir a ficção da “primeira vez” no modo
sentimental, cercar de melancolia a lembrança de uma
virgindade perdida.

E por causa dessa
sensação desvairada, dançaríamos uma música lenta e logo
em seguida iríamos parar em uma cama de armar ou em
uma praia, com o sexo de um homem — nunca visto de
verdade, só em foto —, com o sexo e esperma na boca,
depois da nossa recusa em abrir as pernas por lembrarmos
demais da tabelinha.

existir é beber sem estar
com sede

Seremos esquecidos. É a vida, nada podemos fazer. Aquilo que hoje parece importante, grave, cheio de consequências, um dia será esquecido, deixará de ter relevância. E o curioso é que não podemos saber hoje o que será um dia considerado grande e importante ou medíocre e ridículo.

Temos apenas a nossa história e ela não é nossa.

qualquer homem é estrangeiro, comparado a outro homem que nunca viu sua terra.

estremecerei de susto até dormir.
e no entanto é tudo tão pequeno.
para o desejo do meu coração
o mar é uma gota.

saberemos viver uma vida melhor que esta, quando mesmo chorando é tão bom estarmos juntos?
sofrer não é em língua nenhuma.
sofri e sofro em minas gerais e na beira do oceano.
estarreço de estar viva.

tudo manha, truque, engenho:
é descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.

a vida e a morte são uma coisa só.

e demarcava mais fácil os contornos da vida: aqui é dor, aqui é amor, aqui é amor e dor, onde um homem projeta o seu perfil e pergunta atônito:
em que direção se vai?

não quero faca nem queijo.
quero a fome.

No mesmo prato
o menino, o cachorro e o gato.
Come a infância do mundo.

Fica num modo tristonho de certos
entardeceres,
quando o que um corpo deseja é outro corpo
pra escavar.
Uma ideia de exílio e túnel.

sobre o meu, pairam estas flores
e sou mais forte que o tempo.

amar o mesmo de si no outro às vezes acorrenta

de qualqeur forma, poderia tê-lo amado muito. e amar muito, quando é permitido, deveria modificar uma vida.

e depois delas, passaram-se anos. aqueles, em que se perderam, sem terem chegado a se encontrar.

e pensa que pensa ou deveria pensar ou é como se pensasse qualquer coisa assim: porque é desse jeito mesmo que as pessoas se comportam quando não decifram nos olhos do outro nenhuma promessa ou convite.

lembra realmente só que voltou atrás, em busca de um café, um bar, um cigarro, talvez um conhaque para ajudar a compreender o que acontecia. mas nada acontecia.

sem medo da morte, porque esta quase história pertence àquele tempo em que amor não matava.

e em tudo que me contas pensando, suponho, que é teu jeito de dar-se a mim, percebo farpado que te escondes ainda mais, como se te contando a mim negasses quase deliberado a possibilidade de te descobrir atrás e além de tudo que me dizes, é por isso que me escondo dessas tuas histórias que me enredam cada vez mai no que não és tu, mas o que foste

teu rosto mais nu que semrpe, à beira-mar, com esse vento a bater e a revolver teus cabelos e pensamentos, e eu sem saber o que me envolve agora quando teu olho outra vez escorrega para fora e longe do meu