Joel Neto's Blog, page 84

October 27, 2012

Terra Chã, 27 de Agosto de 2012

Momentos assim não deviam nunca dispensar-se de uma boa frase. De uma epígrafe. De uma proclamação.


Muito me agradaria, pois, poder dizê-lo agora à maneira de Vergílio: “Para sempre. Aqui estou.”


Não estou. Não para sempre. Não talvez.


Venho por cinco anos, eventualmente seis – exactamente aqueles que a Catarina, com quem me comprometi a regressar a Lisboa, demorar a dar um murro na mesa, farta de mar e de pedra negra e de melros e de mexericos. Ou talvez aqueles que me demorar eu próprio a dar esse murro, quem sabe até para lamento dela.


Passam em Setembro vinte anos sobre esse dia em que embarquei para Lisboa, com a melhor roupa que consegui reunir enfiada num saco camuflado, a caminho da universidade e do futuro. Não valerá a pena, provavelmente, repisar o que aí havia de ilusão, o trabalho que me deu transformar em realidade o mais pequeno pedacinho dela, o fracasso em que, bem vistas as coisas, tais empresas sempre redundam.


Prefiro ater-me aos números. A idade reconciliou-me com os números.


Em vinte anos, morei em nove casas, dispersas por quatro cidades, e casei com duas mulheres. Escrevi nove livros (quase todos pelo menos mauzinhos, a maior parte deles muito maus), tive seis empregos (e depois uma fase em que, não tendo emprego nenhum, me ocupei de dezenas de trabalhos) e viajei para uns quarenta países, uns quantos deles em férias. Ganhei e estraguei bastante dinheiro. Tive uns cinquenta amigos (dos quais três melhores amigos, todos de alguma maneira extraviados), e desses guardo e guardarei, ainda assim, uns dez. Assisti a duas vitórias do Sporting no campeonato, aprendi a jogar golfe, temi varias vezes sofrer de cancro. Chorei muito raramente, e em quase todas ter-me-ia conseguido conter, se houvesse empreendido um mínimo esforço. Fiz mal a várias pessoas, a uma como a nenhuma outra. Engordei trinta e cinco quilos e fumei (cálculo selvagem) uns seis mil maços de cigarros, primeiro Rothmans, depois Camel, depois LM e, finalmente, Davidoff.


Tenho saudades de fumar um Davidoff.


E, agora, volto a casa. Sempre soube que seria assim.


[Parágrafo para ser lido apenas depois da minha morte.]


Tenho 38 anos, tomo todos os dias um comprimido contra o colesterol, antes de me deitar, e fico com os nervos em franja sempre que ouço tocar um telefone. Mas ainda sou capaz de jogar 36 buracos num dia, inclusive ao sol, caminhando com o saco às costas – e, apesar de tudo o que a culpa mudou em mim (ah, sim, a culpa, a culpa há-de ser uma das personagens deste diário), ainda há dias iluminados em que a primeira reacção que devolvo a uma adversidade é um sorriso da mais pura condescendência.


Não me morreu de vez a juventude. Ainda não. E, se calhar, ainda quererei ter um filho.


Portanto, aqui estou. E talvez a resistência a prometer a mim próprio que estarei aqui para sempre seja, na verdade, a última garantia de que de facto assim o será, assim o é: para sempre.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on October 27, 2012 02:47

October 24, 2012

Síndrome de Estocolmo

Diário de Notícias, 22-10-12


Lamento: o chamado “efeito Passos Coelho” não chega para explicar o resultado das eleições para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Naturalmente, a austeridade nacional teve um efeito catalisador na extraordinária votação do Partido Socialista, capaz de reforçar a sua posição no Parlamento após 16 anos de exercício do poder, sob a liderança de um líder bastante menos solar do que o anterior e perante a tendência do eleitorado para, mudando de presidente, mudar de maioria também. Mas nunca, até agora, as eleições Regionais haviam sido utilizadas como voto de protesto para com a situação nacional. E, de resto, uma vitória de tal dimensão, ainda por cima obtida sobre uma adversária tão mobilizadora e válida como Berta Cabral, exige explicações adicionais.


O PS ganhou com tal vantagem, do meu ponto de vista, por três razões diferentes. A terceira mais importante é essa com que toda a gente justificou o resultado: o medo das ameaças vindas de Lisboa e o impulso de criar um escudo local contra elas. A segunda é ao mesmo tempo antiga e surpreendente: o PS/Açores, tendo pouco aparelho, é verdadeiramente uma máquina de ganhar eleições, com expedientes capazes de fazer corar Alberto João Jardim – e essa máquina mobilizou-se como nunca para esta sucessão. E a primeira, mais importante de todas, é aquela que mais de frente será preciso agora encarar: o povo efectivamente quis  reconduzir o regime, por muitos sinais que até aí tivesse dado de que podia vir a inclinar-se para a mudança.


O grande problema para a oposição, no imediato, é perceber até que ponto será capaz de reagrupar-se a tempo das Autárquicas de 2013. O PSD/Açores vem da mais significativa derrota da sua história, o que diz quase tudo; CDS, BE, CDU e PPM mantêm todos representação parlamentar, mas perdem, em conjunto, três deputados. O grande problema para o arquipélago, porém, está muito para lá disso. Porque os açorianos não apenas decidiram reconduzir um modelo de desenvolvimento assustadoramente assistencialista, como inclusive o fizeram por razões assistencialistas também.


O Estado é, de longe, o maior empregador da Região. Não há sector de actividade que sobreviva sem subsídios, subvenções e/ou incentivos. Cerca de vinte mil pessoas beneficiam do Rendimento Social de Inserção (o que, tendo em conta a dimensão média das famílias açorianas, pode atirar a dependência efectiva para mais de um quinto da população). Isto fora subsídios de desemprego, pensões de toda a ordem, aposentações e apoios eventuais da Assistência Social. E foi esse status quo que esta maioria absoluta se esforçou por preservar – foi esse medo e foi esse instinto primário de sobrevivência que, em última análise, desequilibrou as eleições.


Claro: o peso do Estado, numa região dispersa por nove pequenos pedaços de terra espalhados pelo Atlântico Norte, é e tem de ser significativo. Mais do que significativo, tem de ser grande. Mas assentar um modelo de desenvolvimento na Segurança Social é, em qualquer contexto político ou económico, uma loucura. E se a Segurança Social está à beira do precipício, como é o caso, os riscos de convulsão social, até de insegurança – fora todas as demais desregulações, isto é – tornam-se tremendos. Desse ponto de vista, a catástrofe não apenas não desapareceu do horizonte, como inclusive se espreguiçou e pôs de pé.


De resto, os Açores lideram (ou disputam a liderança) em quase todos os indicadores nacionais de subdesenvolvimento humano: o consumo de álcool e o analfabetismo, a violência doméstica e o abuso sexual, a gravidez precoce, a pobreza persistente e o ritmo de crescimento do desemprego. Inverter esses números exige pelo menos uma geração, até porque exige, em primeiro lugar, uma revolução no exercício do poder. E, agora que Vasco Cordeiro acaba de ser eleito para o primeiro daquele que espera serem três mandatos, o maior dos seus desafios é precisamente esse: ter a grandeza de dar o primeiro passo no sentido dessa inversão, independentemente das eventuais penalizações eleitorais daí decorrentes.


Foi o seu partido que criou o monstro. E Vasco só conquistará um lugar na História se presidir aos Açores “apesar” do seu partido e dos respectivos vícios.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on October 24, 2012 14:14

October 12, 2012

Directo ao assunto V

NOTAS SOBRE O FIM DE UM CICLO




1. A MELHOR CANDIDATURA. Os açorianos são soberanos – e, qualquer que seja a sua escolha no domingo, ela não apenas será legítima, como deverá ser aceite com fair play pelos adversários. Há, apesar disso, dois alertas que eu gostava de deixar aos eleitores. A primeira tem a ver com esta nova moda dos votos nulos e/ou brancos, que efectivamente podem constituir um vago protesto individual (embora, ainda assim, um protesto rapidamente absorvido pelos números dos partidos), mas não só não constituem um efectivo cumprimento do serviço cívico, como ainda por cima desperdiçam a oportunidade de influenciar “de facto” o exercício do poder e o rumo do nosso futuro comum. E a segunda tem a ver com a sondagem feita por militantes do Partido Socialista e publicada na semana passada pelo Expresso e pela SIC, e que parte da presunção – errada – de que os açorianos desconhecem a verdadeira natureza das candidaturas de Berta Cabral e Vasco Cordeiro. Felizmente, todos sabemos que uma derrota de Berta Cabral no próximo domingo, ainda por cima se para penalizar uma austeridade nacional com a qual a candidata não tem rigorosamente nada a ver, seria um desperdício de proporções bíblicas. A sua candidatura à presidência do Governo Regional é, de todas, a melhor, a mais experiente e a mais livre. E, tanto quanto me diz respeito, as contradições existentes entre as diversas sondagens, encomendadas pelos órgãos de comunicação social e pelos próprios partidos, só reforçam a minha (e a nossa) responsabilidade de alertar os açorianos para a urgência da mudança. Mãos à obra, pois: até à meia-noite de hoje ainda há muito trabalho a fazer.


 


2. O ESTRANHO VAZIO SOCIALISTA. Confesso, em relação ao Partido Socialista, uma certa perplexidade. Quando vi a directora regional Paula Ramos enviar aos beneficiários do Rendimento Social de Inserção uma carta a responsabilizar Lisboa e o Governo PSD/CDS pela redução de determinadas prestações, bati com a mão na cabeça: “Meu Deus, que esta gente está disposta a tudo!” Afinal, não estava disposta a quase nada. A campanha eleitoral socialista foi, ao longo destas duas semanas e destes dois meses, pouco menos do que uma falta de comparência. Projectos a sério? Um só: demonstrar como Berta Cabral é igualzinha a Passos Coelho. Ao fim de 16 anos de poder, era de esperar uma mensagem mais assertiva. E, ao fim de 25 mil milhões de euros de orçamento, eram de esperar outra responsabilidade e outro respeito para com os açorianos. Ao grau de respeito existente, de resto, pudemos vê-lo bem expresso nessa bandeira do suposto superavit “registado” nos primeiros oito meses do exercício de 2012. Assim mesmo: o Governo Regional dos Açores acumula dívidas à direita e à esquerda e, no entanto, apresenta superavit. Por mim, estou a pensar copiar a ideia. Ficam já avisados, pois, os senhores da electricidade, da água, do gás, do telefone, da televisão por cabo, do supermercado, da companhia de seguros, da bomba de gasolina, da farmácia e da clínica dentária: este mês não pago a ninguém. No fim do mês eu quero gabar-me de ter tido superavit. Que pena já não ir a tempo das eleições…


 


3. A AUSÊNCIA DE UM DEBATE. Queixas do MRPP, eleitoralmente irrelevante, e do PDA, com meia dúzia de votantes em São Miguel, acabaram, para grande alívio de Vasco Cordeiro, por levar ao cancelamento dos debates planeados pela RTP/Açores. O serviço público pode tentar obviar a tudo, mas jamais conseguirá resistir à teimosia de pessoas que, por suprema tragédia, ainda têm o monstro burocrático do seu lado. Portanto, para que os tão divididos eleitores açorianos dispusessem do esclarecimento de que precisam, seria necessário que a SIC e/ou a TVI promovessem livremente pelo menos um debate entre Berta Cabral e Vasco Cordeiro. Como é evidente, a SIC e a TVI estão-se nas tintas para as Regiões Autónomas. E talvez o caso possa ajudar Lisboa a perceber que acabar com os apoios aos canais regionais, para além de um perigo, é pouco menos do que um crime.


Textos políticos, Diário Insular, 12-10-12

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on October 12, 2012 03:43

October 5, 2012

Directo ao assunto IV

NOTAS SOBRE O FIM DE UM CICLO




1. FRAGMENTOS DE UM DISCURSO. Sejamos claros: disputam-se a 14 de Outubro as mais importantes eleições dos Açores em muitos anos. Porque é verdadeiramente de uma nova oportunidade que esta Região precisa.


Sabem que mais? Tal como precisava em 1996. Em 1996, e depois de duas décadas de poder contínuo, também o exercício do poder por parte do PSD cristalizara. E eu, jovem de esquerda – aos vinte anos deve ser-se de esquerda, mau sinal quando aos vinte anos não se é de esquerda – lá vim de Lisboa, metendo férias no jornal, para votar na mudança. Para votar no PS.


Eu acredito na alternância no poder. E acredito que os ciclos de poder devem ter oito anos, no máximo doze.


E, contudo, por muito que o PSD se tivesse cristalizado no poder até 1996, jamais teria conseguido equiparar-se ao verdadeiro desastre em que o Governo PS acabou por resultar para estas ilhas.


Os Açores lideram – sim, aí está o pica-pau – no analfabetismo, no consumo de álcool, na violência doméstica, no abuso sexual, na gravidez precoce, na mortalidade infantil, na pobreza persistente e no ritmo de crescimento do desemprego. E o Governo de Carlos César e Vasco Cordeiro faz o quê? Responde com vias rápidas – e depois manda vir mais dinheiro de Lisboa e paga aos pobres para eles nos desaparecerem da vista, afundando-os numa miséria de que já não conseguirão sair e ainda batendo no peito (batendo no peito, meu Deus!) em defesa daquilo a que chama a sua “obra social”.


Obra social?


Peço desculpa: obra social?


Lamento, mas nenhuma obra social – deixem-me ser bem claro nisto: nenhuma obra social! –  poderia ter deixado a região na cauda de todos os mais importantes indicadores do desenvolvimento humano nacionais.


 



2. IMPRESSÃO DE ESCRITOR. Sim, a austeridade é odiosa. Sim, a reiterada sobrecarga da classe média é revoltante. Mas o que eu anoto aqui no meu caderninho, para usar um dia na literatura, não é a crise, nem a austeridade, nem o desespero ou a iluminação ou os erros do Governo da República. O que eu anoto aqui é como o alargamento das medidas mais agressivas aos trabalhadores do sector privado – para além dos sempre odiados funcionários públicos, isto é – de repente deixou o país todo, mais do que zangado, cheio de ideologia. Tudo o resto é uma tragédia, sim. Mas o que é verdadeiramente literário é isso: que virem-nos ao bolso faça de nós autênticos filósofos.


 



3. AINDA A POLÉMICA. Caro Francisco Simões, sempre nos distingue alguma coisa. E é de facto muito. Não por causa dos mimos que me dedica quando me chama romântico ou esotérico. A partir de certa idade, um homem passa a encarar tais condições como elogios. Separa-nos, porém, uma coisa muito simples. O Francisco quer dignificar a acção do Estado. Eu quero permitir às pessoas dignificarem as suas vidas. Num mundo ideal, as nossas visões coexistiriam. Neste, não. E, sendo assim, eu continuarei a preferir as pessoas. O Estado não passa de uma ferramenta. Para lá disso, não serve para nada.


 


Textos políticos, Diário Insular, 29-9-12

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on October 05, 2012 02:09

É urgente pensar

De todas as grandes tragédias do ciclo político que agora finda, esse mesmo que prendeu Carlos César, Vasco Cordeiro e o PS ao poder durante 16 anos consecutivos, a menor não é, seguramente, o divórcio entre os intelectuais dos Açores e a vida pública açoriana.


Antero dedicou anos da sua vida a fervorosos debates sobre o rumo do país. Do envolvimento de Nemésio e Natália resultou, em parte, a Autonomia que hoje temos. Académicos, historiadores e escritores foram essenciais na consolidação do processo autonómico, ocupando cargos públicos, comunicando com as massas, pensando o regime.


E, entretanto, nada. Com o Partido Socialista, os poucos intelectuais cuja opinião ainda se ouviu começaram por desempenhar cargos executivos, depois passaram a funções legislativas e, finalmente, voltaram para as universidades.


Alguns ainda resistiram escrevendo nos jornais. A maior parte remeteu-se às bolsas académicas. Aqueles que puderam aposentaram-se. E quase nenhum – mas quase nenhum mesmo – tem hoje qualquer tipo de envolvimento na vida pública regional.


Para Carlos César e Vasco Cordeiro, se não para o PS/Açores em geral, comandar os destinos desta Região Autónoma é matéria exclusivamente do domínio da gestão. Do domínio da gestão e, claro, do domínio da aritmética. Da aritmética dos votos. Da aritmética do calendário eleitoral. Da aritmética das manobras à disposição de um governante para a sua própria eternização no poder.


E quem, entretanto, pensa o regime? Quem ajuda a pensá-lo? Ninguém.


Até agora, pensou-o o próprio Carlos César, naturalmente. Pensou-o sozinho. Pensou-o, no limite, na companhia de dois ou três, contanto sentisse que eram menos inteligentes e menos capazes do que ele.


E o resultado é isto: um regime que discute factos sempre que pode discutir ideias. Um regime que discute pessoas sempre que pode discutir factos. E o nível da discussão cada vez mais alinhado por baixo. E os benefícios dessa discussão – quando ainda há discussão – cada vez mais nulos para os açorianos.


É por isso que, da próxima vez que eu tiver a oportunidade de conversar com Carlos César, farei questão de perguntar-lhe: “De que cor foi o seu regime?”


Não, não me responda “Cor-de-rosa”, que lhe ficará mal. Qual foi o rosto do seu regime?


Não, não me responda “O meu próprio rosto”, que ainda se rirão de si. Qual foi a estética do seu regime? O que é que o caracterizou como a nenhum outro antes ou depois dele? Como o recordará a História? Como o recordará a si próprio, Carlos César, a História?


Talvez não tenha ainda resposta para a minha pergunta, Carlos César. Eu tenho. Carlos César ficará na história por… bem, por nada.


Nem tudo foi mal feito ao longo destes 16 anos, sim. Houve, no início deste longuíssimo ciclo, reformas importantes no domínio da propriedade rural. Houve, nos primeiros mandatos, a injecção de sangue novo em várias actividades económicas estagnadas. Houve, do princípio ao fim, obras públicas com fartura.


E, no entanto – não, ainda não é hoje que eu vou desmobilizar – os Açores são a região do país com mais analfabetismo. Os Açores são o lugar de Portugal com maior índice de consumo de álcool. Os Açores são a região portuguesa onde há mais violência doméstica. Em nenhum outro sítio de Portugal há tanto abuso sexual como nos Açores. Os Açores lideram a nível nacional na gravidez precoce. Morrem mais crianças nos Açores do que em qualquer outro lugar do país. Os Açores lideram na pobreza persistente. E em nenhuma outra região de Portugal o desemprego tem crescido ao ritmo a que tem crescido nos Açores.


Pois mais vale a Carlos César, de facto, não ficar na História por nada. Pior seria ficar na História por aquilo por que verdadeiramente merece ficar na História: pela redução dos pobres açorianos a guetos que ficam dentro de guetos, que por sua vez ficam dentro de outros guetos ainda, como se tudo não passasse de um infeliz jogo de matrioskas.


Sejamos claros: foi Carlos César quem, mesmo não o querendo, conservou milhares de açorianos na pobreza. Foi o governo do PS, de Carlos César e de Vasco Cordeiro, que, no afã de construir uma “obra social”, transformou dificuldades financeiras mais ou menos circunstanciais: primeiro numa rotina; depois numa estética; e finalmente numa identidade


Foi o PS que, incapaz de pensar o seu regime, acabou por não dar a milhares de açorianos qualquer hipótese para além da mera sobrevivência.


Assim mesmo: com o PS, milhares de açorianos não tiveram qualquer hipótese de, após caírem na pobreza, recuperarem a sua autonomia, o domínio das suas vidas, a liberdade de caminharem pelo seu pé.


De maneira que, agora que se discute aqui o próximo ciclo político regional, um ciclo político liderado pelo PSD e por Berta Cabral, é ao mesmo tempo apaziguador e excitante perceber que há tantas ideias compiladas. Tantas ideias e tantos projectos e tanto entusiasmo que resultam do trabalho honesto e responsável de tantos homens e mulheres que a si mesmo se obrigaram a envolver-se na vida pública e no futuro da sua terra.


Mas eu gostava que os intelectuais voltassem a ter um papel na vida pública açoriana. Que fossem chamados ao debate. Que fossem chamados a contribuir com a sua cultura, com a sua mundividência, com a sua experiência. Gostava que, a partir de 14 de Outubro, a leitura e a interpretação do caminho percorrido e do caminho que ainda falta percorrer pudesse contar com o contributo de quem dedica a sua vida a pensar.


E gostava, sobretudo, que o regime titulado pelo PSD, a sua natureza, o seu conceito, a sua estética – gostava que a sua cor ficasse desde já bem definida perante os açorianos que confiam nele para mudar. Para mudar processos, para mudar modus operandi, para mudar estratégias, para mudar modelos de gestão e, antes de mais, para mudar conceitos.


Os conceitos que permanecem a montante de tudo. Que tudo enquadram. Que facilitam as correcções de trajectória. Que, um dia, permitirão aos historiadores definir este tempo – e que, sobretudo, mudem de facto as condições de vida dos cidadãos, que as mudem desde já e durante muito tempo, durante quanto tempo for necessário para resolver não apenas o presente, mas o futuro.


E que cor deve ter o regime (em ciência política, na verdade, diz-se “sistema”) no pós-14 de Outubro? Qual deve ser a estética do regime político açoriano com a liderança do PSD e de Berta Cabral? O que deve caracterizá-lo? O que deve distingui-lo dos que vieram antes dele e, inclusive, dos que virão depois? Em suma: por que deve este novo ciclo político e este novo Governo ficar na História?


Pois eu acho que ele deve ficar na História por uma aposta cabal na edução, na cultura e na cidadania.


É preciso recuperar os intelectuais, e as grandes referências regionais e locais, e os homens bons dos Açores para a causa açoriana. Mas é preciso também recuperar os próprios açorianos em geral para essa causa. Para a causa de uma relação saudável com a coisa pública. Para a causa de uma relação briosa com a coisa privada. Para a causa da autodeterminação. Para a causa da responsabilidade individual.


Para a causa de um povo todo ao mesmo nível. E não de um povo cada vez mais estratificado, com uma diferença cada vez mais abissal entre ricos e pobres e com cada vez mais gente lançada em definitivo para as margens da sociedade. Não de um povo condenado a viver das migalhas da Segurança Social e a passar o resto da vida a chinelar pelos botequins. Não de um povo condenado ao analfabetismo, ao consumo de álcool, à violência doméstica, ao abuso sexual, à gravidez precoce, à mortalidade infantil, à pobreza persistente e, inevitavelmente,  ao desemprego.


Isto, sim, deverá caracterizar o próximo ciclo político açoriano. Não dá votos, claro. O que dá votos é aquilo em que Carlos César e Vasco Codeiro há anos vêm apoiando o seu regime: as vias rápidas e a massificação (e eternização) do RSI. Mas isso, sim, deixará o regime do PSD na História. Isso, sim, deixará Berta Cabral na História. Isso, sim, permitir-nos-á a todos, açorianos, escrevermos a nossa própria História.


Textos políticos, Diário Insular, 5-10-12

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on October 05, 2012 02:07

September 23, 2012

O orgulho de ser terceirense


 Exma. Sra. presidente do PSD/Açores, e próxima presidente


do Governo Regional dos Açores, dra. Berta Cabral;


Exmo. Sr. Dr., e distinto ex-presidente do Partido Social Democrata,


Luís Marques Mendes;


Exmos. Srs. representantes dos órgãos nacionais e regionais do PSD;


Exmos. Srs. representantes das comissões políticas de ilha e concelhias;


caros militantes do PSD/Açores;


minhas senhoras e meus senhores;


caros amigos:


 


Estas são as mais importantes eleições dos Açores pelo menos desde 1996. E não é apenas maravilhoso assistir a este momento histórico: é maravilhoso também participar nele. Participar votando no dia 14 de Outubro. E participar espalhando a mensagem da mudança. Divulgando a boa-nova. Celebrando o milagre. Partilhando a alegria do recomeço. A alegria de uma nova oportunidade.


Porque é verdadeiramente de uma nova oportunidade que os Açores precisam. Sabem que mais? Tal como precisavam em 1996. Em 1996, e depois de 20 anos de poder contínuo, também o exercício do poder por parte do Partido Social-Democrata cristalizara. E eu, jovem de esquerda – aos 20 anos deve ser-se de esquerda, mau sinal quando aos vinte anos não se é de esquerda – e eu, dizia, em 1996, aos 20 anos, jovem de esquerda, lá vim de Lisboa, metendo férias no jornal, para votar na mudança. Para, lamento se vos desaponto, votar contra o PSD.


Eu acredito na alternância no poder. E acredito que os ciclos de poder devem ter oito anos, no máximo doze. De resto, quando hoje em dia dizemos que nem tudo foi mal feito nos Açores, por parte do PS – e a dra. Berta Cabral não se tem cansado de repeti-lo –, referimo-nos sobretudo aos primeiros mandatos. Principalmente, aliás, ao primeiro deles.


Contudo, e por muito que o PSD se tivesse cristalizado no poder, jamais teria conseguido – mesmo fazendo um esforço – equiparar-se ao verdadeiro desastre em que o Governo PS, apesar das coisas bem feitas dos primeiros mandatos, acabou por resultar para estas ilhas. Na verdade, e por detrás de um modelo de desenvolvimento que apostou nas grandes obras e na sua própria deificação, escondem-se segredos quase inconfessáveis. Mas eu não me esqueço deles. Não me esqueço deles e – já toda a gente percebeu que a minha estratégia é a do pica-pau – hei-de espernear em torno deles até que, enfim, os açorianos, e os políticos açorianos, e os órgãos de comunicação social açorianos, e os opinion makers açorianos, e a intelligentsia açoriana, e a opinião pública açoriana se dêem conta da sua gravidade e da sua urgência.


Apesar de 16 anos de poder ininterrupto, incluindo (eu vejo este número por todo o lado), 25 mil milhões de euros para gastar – 25 mil milhões de euros, meu Deus –, os Açores continuam na cauda da maior parte dos indicadores de desenvolvimento humano nacionais. Na cauda dos bons e na frente dos maus, isto é.


Os Açores são a região portuguesa com mais analfabetismo.


Os Açores são o lugar de Portugal com maior índice de consumo de álcool.


Os Açores são a região portuguesa onde há mais violência doméstica.


Em nenhum outro sítio de Portugal há tanto abuso sexual como nos Açores.


Os Açores lideram a nível nacional na gravidez precoce.


Morrem mais crianças nos Açores do que em qualquer outro lugar do país.


Os Açores lideram na pobreza persistente.


E em nenhuma outra região de Portugal o desemprego tem crescido ao ritmo a que tem crescido nos Açores.


A isto, minhas senhoras e meus senhores, respondeu o Governo do PS com o quê? Com obras de regime e com Rendimento Social de Inserção.


Os Açores lideram no analfabetismo, no consumo de álcool, na violência doméstica, no abuso sexual, na gravidez precoce, na mortalidade infantil, na pobreza persistente e no ritmo de crescimento do desemprego – e o Governo de Carlos César e Vasco Cordeiro faz o quê? Responde com vias rápidas – e depois manda vir mais dinheiro de Lisboa e paga aos pobres para eles nos desaparecerem da vista, afundando-os numa miséria de que já não conseguirão sair e ainda batendo no peito (batendo no peito, senhores) em defesa daquilo a que chama a sua “obra social”.


Obra social?


Peço desculpa: obra social?!


Obra social é aquela que o PSD se propõe fazer. Obra social é ajudar as pessoas, mas ao mesmo tempo revitalizar a economia de maneira a que elas possam, no mais curto espaço de tempo possível, tornar a agarrar na sua vida com as próprias mãos. Obra social é aquilo que o PSD se propõe fazer e, aliás, aquilo que o PSD já fez no passado, fundando esta autonomia, criando todas as infra-estruturas necessárias ao seu funcionamento e depois montando uma economia de que resultou o desenvolvimento, a felicidade e o orgulho – o orgulho! – de ser açoriano e de viver nos Açores. O brio de tomar conta da própria vida e os orgulho de ser açoriano e de viver nos Açores.


 


*


 


Prezada dra. Berta Cabral, dirijo-me agora a si em particular – com sua licença – para lhe pedir que não se esqueça disto. A economia antes das finanças, sim. Há que revitalizar a economia destas ilhas. Dessa revitalização depende tudo o resto. Dessa revitalização depende o nosso futuro.


Mas, por favor, não se esqueça também dos desafios sociais que os Açores enfrentam, e que tão bem a tenho a visto abordar. E não se esqueça, sobretudo, do que na verdade está, esteve e estará sempre a montante de tudo isso: a educação. A cultura. A cidadania.


Porque os nossos indicadores sociais chegaram a um tal ponto de descontrolo – de desastre! –, que, a par da promoção do desenvolvimento económico, é fundamental começar desde já a trabalhar no sentido de recuperar os açorianos para esta causa. Para a causa de uma relação saudável com a coisa pública. Para a causa de uma relação briosa com a coisa privada. Para a causa da autodeterminação. Para a causa da responsabilidade individual. Para a causa de um povo todo ao mesmo nível. E não de um povo cada vez mais estratificado, com uma diferença cada vez maior entre ricos e pobres, com cada vez mais gente lançada em definitivo para as margens da sociedade (meu Deus, que eu ao pé do PS/Açores pareço um perigoso esquerdista); não de um povo condenado a viver das migalhas da Segurança Social e a passar o resto da vida a chinelar pelos botequins.


Isto, sim, dra. Berta Cabral, poderá deixá-la na História. A si, ao seu Governo e a este ciclo político de que agora nos abeiramos


 


*


 


De resto, prezado António Ventura, meu caro amigo, fiquei muito contente por ouvi-lo centrar a sua última conferência de imprensa nestes indicadores de natureza social. Permita que me dirija agora a si para dizer-lhe isto: fiquei de facto muito satisfeito. É sinal de que não me enganei quando aceitei este papel de mandatário. E é sinal de que não me engano nunca quando penso que todas as grandes transformações dos Açores começam de alguma forma pela Terceira.


A Terceira, como os Açores em geral, resistiu a vulcões, a terramotos, a tempestades, a pragas agrícolas. Mas a Terceira, mais ainda do que as restantes ilhas, rechaçou os mais ferozes inimigos. A Terceira foi declarada por duas vezes capital do reino. A Terceira representou um papel essencial na Revolução Liberal. A Terceira acolheu reis e régulos, prisioneiros, degredados ou em visita de Estado. A Terceira sobreviveu com distinção ao maior sismo da nossa história recente. E de tal maneira com distinção lhe sobreviveu que, três anos depois, Angra do Heroísmo já se havia parcialmente reerguido e feito classificar como Património da Humanidade.


Esta Terceira de que falamos não é a Terceira do Partido Socialista. Esta Terceira de que falamos é a Terceira orgulhosa, com capacidade reivindicativa – é a Terceira galharda.


A Terceira do Partido Socialista, pelo contrário, é a Terceira que se deixou secundarizar em quase todos os aspectos – em quase rigorosamente todos os aspectos – da vida pública, social e económica dos Açores. A Terceira do Partido Socialista é a Terceira que até nos domínios da cultura, desde sempre o seu principal ponto de honra, se deixou contestar por São Miguel. A Terceira do Partido Socialista é, em alguns dos aterradores índices que tão tragicamente os Açores lideram a nível nacional, ainda assim a líder regional.


E eu gostava de pedir-lhe, a si, António Ventura – a si e aos restantes candidatos do PSD/Terceira ao Parlamento Regional – que trabalhe (e que trabalhem) por devolver a esta ilha a sua noção de honra. O seu orgulho. O seu brio. A sua galhardia. A sua capacidade reivindicativa. E o seu poder.


O seu poder.


 


*


 


Caros amigos. Três semanas nos separam desse momento em que imporemos, todos juntos, a mudança. Mas não deixem, por favor, de espalhar a notícia. Não deixem de divulgar a boa-nova. Haveremos de celebrar o milagre. Haveremos de partilhar a alegria do recomeço. Mas, até lá, isto ainda não está ganho.


Ainda não.


Muito obrigado a todos. Viva a mudança. Viva a candidatura da dra. Berta Cabral. Vivam os Açores. E viva a Terceira!


 


Discurso proferido a 22 de Setembro de 2012, no Pavilhão da Santa Casa da Misericórdia, em São Carlos,


durante o jantar-comício de apresentação da candidatura do PSD/Terceira às eleições Regionais

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 23, 2012 07:21

September 21, 2012

Directo ao assunto III

NOTAS SOBRE O FIM DE UM CICLO




1. UMA NOVA CULTURA. Sim, é verdade: do ponto de vista do orçamento da Região, a redução da massa salarial dos políticos açorianos terá incomparavelmente menos peso do que aquele que teria (por exemplo) a contenção de custos na Saúde, sector em que o Governo de Carlos César e Vasco Cordeiro apostou mais no gasto de dinheiro do que na melhoria do serviço. E, no entanto, ela constitui um importante sinal de que é possível diminuir o despesismo da máquina do poder – e, aliás, de que é precisamente isso que acontecerá se for Berta Cabral a próxima presidente do Governo Regional. Propõe a líder do PSD cortar 25% nos vencimentos de gestores públicos e titulares de cargos políticos, a começar pelo dela própria, e ainda reduzir em 40% o número de membros do Executivo e respectivos assessores, em 35% os cargos de nomeação política e seus gabinetes e em 40% as despesas em viagens, hotéis e ajudas de custo. Com ela, leio pelos jornais, as secretarias regionais passarão de doze para sete e os deputados de 57 para 39. É muito corte, tratando-se de uma região geograficamente tão dispersa? É pouco, tendo em conta a urgência do combate aos efeitos da recessão nacional? É, pelo menos, uma manifestação de intenções justa e assertiva, que contrasta cabalmente com a de quem andou anos a gozar hotéis de luxo e a gastar milhares de euros em roaming sempre que a agenda previa uma deslocação ao estrangeiro (hábitos em relação aos quais, aliás, ninguém ainda sequer se envergonhou, quanto mais  pediu desculpa). Chegou o tempo de instaurar uma nova cultura. E já não vamos nada cedo.


 


2. A REALIDADE DOS NÚMEROS. De resto, a dita ausência de uma cultura de racionalidade económica por parte do Partido Socialista torna a estar expressa nos orçamentos de campanha dos diferentes partidos, já tornados públicos. Campeão destacado nos gastos: o PS (claro), com quase um milhão de euros de investimento. Isto só para a campanha eleitoral das Regionais de Outubro, note-se. Como esperar que pudesse vir dali a parcimónia que estes tempos exigem?


 


3. TERMOS DE COMPARAÇÃO. No mais, continuo a ouvir quase todos os dias: “Governamos melhor do que a Madeira e o Continente”, “Os indicadores económicos dos Açores são melhores do que os da Madeira e os do Continente”, “A dívida pública açoriana, per capita, é menor do que a da Madeira e a do Continente”. É verdade. Estou mesmo certo de que, para além da Madeira e do Continente, ainda batemos a Grécia, o Peru, o Burquina Faso e o Afeganistão. Mas eu preferia que nos comparássemos com países e regiões onde ao menos ainda restasse alguma esperança. Importam-se?


 


4. A ESTRATÉGIA DO PICA-PAU. Esta semana não falei no facto de os Açores liderarem os rankings nacionais do analfabetismo, do consumo de álcool, da violência doméstica, do abuso sexual, da gravidez precoce, da mortalidade infantil, da pobreza persistente e do ritmo de crescimento do desemprego. Mas não é por isso que deixaram de liderar


Textos políticos, Diário Insular, 21-9-12

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 21, 2012 04:47

September 14, 2012

Directo ao assunto II

1. O SOUNDBYTE DE LISBOA. No afã de capitalizar as novas medidas de austeridade anunciadas pelo Governo da República, Vasco Cordeiro quase se esqueceu de que a sua adversária para as eleições de Outubro é Berta Cabral, não Passos Coelho. Percebo a excitação, até porque os números das sondagens promovidas pelos diferentes partidos, tanto quanto a reacção do povo anónimo às sempre tímidas investidas de rua do candidato da continuidade, haveriam de estar a desanimá-lo um pouco. Mas o melhor é tornar a focar as intervenções na política interna, até porque a sua relação com Lisboa vai de desastre em desastre. Primeiro, o seu Governo assina com Passos Coelho um resgate verdadeiramente draconiano, definido em termos com que provavelmente nem o Primeiro Ministro sonhara e que devolve ao País, durante os próximos dez anos, uma boa parte da autonomia da Região. Depois, e no próprio dia em que Passos Coelho anuncia o terramoto fiscal e contributivo que vem deixando os portugueses em polvorosa, dá uma entrevista ao jornal “i” em que manifesta compreensão perante a urgência de medidas excepcionais para a redução da dívida pública nacional, entrevista aliás publicada apenas duas páginas antes de outra em que Berta Cabral sublinha a sua total discordância para com o agravamento da austeridade. E, logo a seguir, ainda sai a terreiro para tentar explorar em favor próprio as medidas mais impopulares do Primeiro Ministro, esquecendo-se de que não apenas já as aceitara a elas, como inclusive lhe prestara humilde vassalagem a ele. É tanta a trapalhada que quase chego a acreditar naquilo que tantos vêm defendendo: que Vasco Cordeiro foi empurrado para a liderança do PS/Açores a destempo, contra a sua própria vontade e, aliás, contra a vontade de boa parte do seu partido. Na verdade, nunca o saberemos, porque o líder do PS/Açores não foi eleito pelos militantes do partido: apenas coroado pelo rei cessante, na melhor tradição dinástica. Pessoalmente, quero crer que está sobretudo a aprender, ainda que um pouco em cima da hora. Com toda a franqueza, e por muito que apoie a sua adversária, não acredito que Vasco Cordeiro seja tão fraco como parece a quem acompanhou as suas intervenções dos últimos dias e acompanha as entrevistas que, aqui e ali, concede aos órgãos de comunicação social do continente. Ou, pelo menos, assim o desejo, porque os Açores vão precisar de uma oposição de qualidade.


 


2. UM EXEMPLO: SANTA MARIA. Não, a proposta de nova frequência aérea para Lisboa não é o único (nem sequer o pior) insulto eleitoralista com que o PS/Açores está a tentar recuperar da desvantagem nas intenções de voto na ilha de Santa Maria. O supremo insulto feito aos eleitores de Santa Maria – e é apenas um exemplo, porque em todas as ilhas há um insulto maior do que os outros – foi a pré-negociação dos valores para a expropriação dos terrenos para os quais está projectado o campo de golfe da ilha. Esse campo de golfe nunca vai nascer. Essas expropriações nunca serão feitas. E, no entanto, 50 proprietários (mais as respectivas famílias) estão neste momento todos contentes, alguns deles provavelmente até já a fazer gastos por conta, porque o Governo socialista lhes oferece pelas terras um autêntico balúrdio, provando a sua imensa generosidade. É oficial: vale tudo.


 


3. DEMÓNIOS INTERIORES. Admiro Gustavo Moura há demasiados anos para avaliá-lo apenas por aquilo que vem escrevendo ao longo deste ciclo eleitoral. E, por muito absurdo que me pareça o que agora defende, não consigo deixar de fazer um esforço para lembrar-me de como um dia me ajudou a distinguir o trigo do joio, na política açoriana e não só. Um homem só deixa morrer os seus heróis quando não há mesmo mais alternativa nenhuma.


Textos políticos, Diário Insular, 8-9-12

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 14, 2012 02:34

September 13, 2012

Socialismo de conveniência

Caro Francisco Simões:


Li com toda a atenção o seu artigo de 8 de Setembro, publicado neste mesmo jornal, e tomei boa nota do desafio que me lança. Quer-me parecer que não sairá daqui grande polémica, porque é claramente mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa. A começar, desde logo, pelo desejo de discutir ideias, muito mais do que pessoas (e mais até do que factos). Mas é com gosto que lhe respondo. Sobretudo porque, ao contrário do que vem acontecendo com outros voluntariosos candidatos a um debate a dois, se deu ao trabalho de efectivamente ler o artigo que refuta (“Isto muito claramente”, de 25 de Agosto, também publicado aqui no DI), não se limitando a encaixar-me apressada e demagogicamente na gaveta dos opositores do Rendimento Social de Inserção – coisa que manifestamente não sou –, de imediato partindo pelas ruas a cantar slogans e a contar espingardas.


Note, em primeiro lugar, que a defesa por mim feita, na generalidade, do referido Decreto-Lei 133/2012, de 27 de Junho, que regula a aplicação do Rendimento Social de Inserção (RSI) – e que, recordo para esclarecimento dos leitores, prevê a prestação de serviços à comunidade por parte dos beneficiários que ainda estejam em idade activa, e aliás tenham condições físicas, psicológicas e familiares para prestá-los –, não reflecte a posição do ministro da tutela. Não me é difícil concordar consigo, portanto, quando diz que há motivações falaciosas por detrás da dita lei. Na verdade, e ao limitar as justificações a factores de natureza moral, Pedro Mota Soares defendeu mal a sua própria medida, revelando basta inabilidade, alguma incultura e uma assinalável vertigem populista, tal a ansiedade de piscar o olho ao eleitorado mais conservador do Governo da República (em geral) e do CDS-PP (em particular).


Felizmente, neste como noutros casos raros e iluminados, há méritos que se estendem para além do espírito do legislador. E esta lei, insisto, representa uma excelente oportunidade, não para a sociedade se ressarcir das prestações pagas aos beneficiários do RSI, mas para esses beneficiários retribuírem a ajuda que lhes é prestada pela comunidade. Parece apenas uma nuance de perspectiva, mas não é: é uma leitura radicalmente distinta do que a medida representa. Até porque, pessoalmente, não acredito na responsabilização dos beneficiários. Não acredito nela do ponto de vista ideológico, nem acredito nela do ponto de vista pragmático. Acredito, sim, na responsabilização do Estado. Nesta como em qualquer outra situação. E a suprema responsabilidade do Estado, neste caso em particular, é a de permitir aos cidadãos a dignificação do usufruto do referido rendimento, bem como da respectiva situação pessoal perante o país e/ou a região que os rodeia.


Em suma, o Estado não deve pedir trabalho. Deve, pelo contrário, proporcioná-lo. E é isso que, no fundo, faz nesta circunstância, nomeadamente a partir do momento em que reencaminha os candidatos para IPSS e instituições afins.


Portanto, também eu desconheço o que de facto signifique a expressão “trabalho socialmente útil”. Imagino que se trate de uma tentativa mais ou menos desastrada de enquadrar a moralização perseguida pelo sr. ministro. Mas há, em todo o caso, uma dimensão instrumental importante neste trabalho que, a partir de agora, os beneficiários do Rendimento Social de Inserção prestarão. Na verdade, nem sequer estou a ver nele qualquer outra dimensão relevante para além da instrumental. É decisivo, claro, que os beneficiários sintam que, com os serviços prestados, dão de facto um contributo prático a algum tipo de obra, seja ela social, física ou de outra natureza qualquer. Mas os benefícios dessa actividade devem considerar-se em primeiro lugar destinados ao próprio cidadão que a realiza. O seu fim, em todas as circunstâncias, deve ser a dignificação do seu sujeito. Ou, mais bem dito ainda, a prerrogativa de este sentir-se dignificado.


Há o risco de o trabalho em causa valer mais do que a respectiva prestação? Suponho que sim, em teoria. Mas os argumentos contra o trabalho a baixo custo são os mesmos que desmontarão o rendimento a preço nenhum. De resto, estamos nos domínios do compromisso. Do contrato. Eu sei-o e o Francisco também o sabe. Aliás, ainda bem que estamos. Limitássemo-nos ao campo estrito dos princípios, ignorando o mais alargado (e, em regra, socialmente mais justo) campo dos valores, e não teríamos chegado sequer à concepção do RSI. E é também por isso que a retórica do “trabalho de primeira e trabalho de segunda” me sensibiliza pouco. Tanto quanto sei, e independentemente do que eu possa pensar sobre isso, há de facto trabalho de primeira e trabalho de segunda. É o próprio Estado que o define, ao taxar diferentes actividades de diferentes maneiras (imagino que o seu trabalho enquanto investigador usufrua de benefícios fiscais, tal como acontece com o meu enquanto escritor).


“De cada um segundo as suas possibilidades” – eis como talvez não se devesse ter deixado nunca de dizer. Objectarão alguns: “Mas já ninguém, hoje em dia, se sente mais ou menos válido por trabalhar. Não no século XXI e não nos Açores do século XXI. O trabalho serve apenas para sobreviver. E, se se pode sobreviver de outra maneira, então não serve para nada.” Recuso-me a acreditar nisso. Fosse isso verdade e o problema era do século XXI e dos Açores do século XXI, não do trabalho em si. Mas, de qualquer maneira, não deixa de ser curioso que seja o próprio Partido Socialista, com a sua mui amada miríade de expedientes eleitoralistas travestidos de solidariedade social, a legitimar a degradação do valor intrínseco do trabalho, ao arrepio da doutrina fundamental do seu primeiro inspirador – esse mesmo, Karl Marx.


Houve um tempo em que, e como muito bem diz o Francisco, o trabalho definia quem éramos. Já hoje, quem quer que nos proponha trabalhar, aparentemente, está a punir-nos. A castigar-nos. É mais uma herança dessa “região social” de que falam José Contente, Carlos César e Vasco Cordeiro. Se quer que lhe diga, e posta a situação sob a luz de tão turvos holofotes, surpreende-me pouco que lideremos as estatísticas nacionais – eu hei-de insistir nisto até que, enfim, entre no discurso político – do analfabetismo, do consumo de álcool, da violência doméstica, do abuso sexual, da gravidez precoce, da mortalidade infantil, da pobreza persistente e, inevitavelmente, do ritmo de crescimento do desemprego. Por mim, e posta a gravidade de tais números, deixávamos de fora as metáforas futebolísticas. Não acha melhor?


Textos políticos, Diário Insular, 13-9-12

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 13, 2012 05:15

September 7, 2012

Directo ao assunto I

NOTAS SOBRE O FIM DE UM CICLO




1. O SINGULAR CASO DO CORVO. Esta insistência do Partido Socialista no tema do apoio do PSD à candidatura do PPM pelo círculo do Corvo, supostamente evidenciador das fragilidades adversárias, tem algo de cómico e muito de deprimente. Sejamos claros: a prevalência socialista no Corvo, ilha com 430 habitantes e lógicas eleitorais absolutamente particulares (tenho a certeza de que me perdoam o eufemismo), só significa que o PS se movimenta melhor em ambiente de caciquismo. Infelizmente para o PS, infelizmente para os Açores e, claro, infelizmente para o Corvo. Quem aparentemente manda ali nem sequer precisa de ser  candidato ao que quer que seja. E, perante um cenário de tal grau de irrazoabilidade, só a introdução de algum pragmatismo poderá ajudar a conter danos. No interesse dos açorianos e, sobretudo, no interesse dos próprios corvinos, que assim dispõem de uma belíssima oportunidade para provarem que eu estou completamente errado. Oxalá esteja mesmo.


 


2. UM PLENÁRIO MORNINHO. A ver se eu percebi bem o que, na terça-feira, Sérgio Ávila disse no Parlamento. Os Açores pediram emprestados 135 milhões de euros, mas não porque precisem de dinheiro. Alienaram pelos próximos dez anos uma parte significativa da sua autonomia, mas não porque as contas da Região estejam descontroladas. Vão reduzir funcionários públicos e a respectiva massa salarial, mas não porque seja verdadeiramente necessário. É isso? Então, porquê? Porque pediram os Açores mais um empréstimo, ainda por cima a juros altos e implicando novos e dolorosos compromissos? Porque chegaram à conclusão de que tinham autonomia a mais? Pelo prazer retorcido de instalar o caos em mais uma série de famílias? Porque está na moda? Simplesmente porque podiam? Ou terá sido porque têm uma dívida pública acima dos 2,3 mil milhões de euros, incluindo quase mil milhões na Saúde, sector cujo orçamento para 2012, aliás, se esgotou ainda antes do Verão?


 


3. COMO VAI, SR. CONTENTE? O “exemplo de uma região social”, diz José Contente. Referir-se-á mesmo aos Açores? Ao líder nacional no consumo de álcool, na violência doméstica, no abuso sexual, na gravidez precoce, na mortalidade infantil, no analfabetismo, na pobreza persistente e no ritmo do crescimento do desemprego? É desse exemplo de “região social” que Contente fala sempre que inaugura uma obra? Lamento, mas não: ainda não é desta que eu vou começar a pactuar com a ausência destes indicadores no discurso político. Basta ir ao site do Instituto Nacional de Estatística para confirmá-lo: apesar dos milhares de milhões de euros de que Carlos César e Vasco Cordeiro dispuseram para investimentos ao longo destes 16 anos, os Açores continuam na cauda de quase todos rankings do desenvolvimento humano. Afinal, que obra social é essa que o PS deixa?


Textos políticos, Diário Insular, 7-9-12

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 07, 2012 02:08