Joel Neto's Blog, page 80

December 2, 2012

Terra Chã, 20 de Novembro de 2012

A situação "foi identificada". O Governo Regional dos Açores tem uma dívida na área da Saúde no valor de mil milhões de euros, o que já levou à falência de uma série de fornecedores – e, agora que as farmácias fecharam a torneira ao hospital de Angra, o Executivo "identificou" finalmente a situação. De resto, diz a nota do Gabinete de Apoio à Comunicação Social: “O Secretário Regional da Saúde, num sinal de abertura e diálogo, vai agendar para o mais breve possível uma reunião com os fornecedores." Num sinal de abertura e diálogo? Caramba: brinquem com as palavras, mas não com as pessoas. Será que vamos ter de começar já a temer pela sanidade dos quatro anos que agora começam?


 


***


 



Esta tarde veio cá o Luciano com a sua motocultivadora para, sob a sempre assertiva inspecção do Tio Vieira – que já me avisou que quer plantios para Janeiro, no que até pode ter sido o momento mais concretizado do dia –, semear oito reguinhos de batatas, entre batata da terra, batata roxa e batata branca de olho vermelho. Se será mesmo a terra a salvar-nos, então eu vou tentar cumprir a minha parte. Não chegarão a nascer, as batatas, como é tão comum no Inverno? Paciência. O temporal da semana passada também me deu cabo de um cento de couves, entre bróculos, couves-flor, repolhos e couves-todo-o-ano e nem por isso eu morri. Por outro lado, os alhos-porros parece terem-se aguentado, a cebola já começou a despontar, os nabos crescem a olhos vistos (tanto as nabiças como as bolas-de-neve, isto é), os alhos e a batatas doces não dão sinais de terem desistido e todas as seguintes espécies nascem com aparente vigor: alface, cenoura, rúcula, pimento, malagueta, coentros, couve lombarda e espinafre. Como ontem me dizia o Paulo, agricultor profissional mas recente, "para a frente é que é caminho". Desanimar é proibido. E eu, que sou um ignorante mas tento não virar a cara a um ensinamento, sigo em frente.


 


***


 


De resto, foi uma festa. Toda a gente botou sentenças, o ti Vieira manteve aquele seu sorrisinho, deliciosamente desconfiado da acuidade disto tudo, e no fim ainda voltaram cá o Luciano e a Lídia, para beber uma cerveja e celebrar a etapa. É cada vez mais garantido que hei-de recordar este tempo como o melhor da minha vida.

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Published on December 02, 2012 04:52

Terra Chã, 19 de Novembro de 2012


Pergunta o Francisco: “Por que raio os peões agradecem aos automobilistas quando estes se dignam a parar numa passadeira?” Talvez por bonomia, mas provavelmente por uma razão muito mais profunda. Os carros, em Portugal (e nos Açores em particular) são mais importantes do que as pessoas. Basta tentar mobilizar os vizinhos, por exemplo, para uma petição conjunta para a colocação de bandas sonoras numa zona residencial com trânsito perigoso. Resposta: "O quê, lombas? Para me dar cabo dos amortecedores?" O carro, em Portugal, é um elemento da família. Não é uma ferramenta, como devia ser: é um amor. Lembro-me da questão central de "A.I.", de Steven Spielberg: "A pergunta não é se as máquinas podem amar-nos, mas se nós algumas vez conseguiremos amá-las de volta"? Na Terceira, como nos Açores, como em Portugal, está mais do que respondida – e há décadas. Nós amamos os nossos carrinhos. E isso contamina tudo o resto.

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Published on December 02, 2012 04:52

Terra Chã, 18 de Novembro de 2012

Da série Problemas No Paraíso. O sacana do temporal já me levou pelo menos dois terços das couves. Isto não fica assim.


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Published on December 02, 2012 04:51

Terra Chã, 17 de Novembro de 2012

É sábado. Fazemos as nossas voltas na cidade, improvisamos um piquenique sobre o Porto das Cinco, a olhar para São Jorge, e depois passamos a tarde aqui por casa, a tratar de pequenas arrumações e a ouvir canções de Natal: “I’m Dreaming of a White Christmas”, “Jingle Bells”, “It's Beginning to Look a Lot Like Christmas” – os clássicos todos, 45 deles, seguidos e em loop, com Bing Crosby e Judy Garland e Willie Nelson e Nat King Cole ecoando pelos quatro cantos da casa. É altura de encarar a possibilidade de, em vez de simples exaltação romanesca, haver por aí algum problemazito com a caixa dos parafusos.


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Published on December 02, 2012 04:50

Terra Chã, 16 de Novembro de 2012

Eu já tinha tentado explicar a mais importante de todas as razões por que o PS ganhou as eleições nos Açores com maioria absoluta. Os números estão na imprensa de hoje: 530 mil euros para 60 armadores, um milhão de euros para 350 agricultores, 4,5 milhões de euros para uma série de instituições culturais e recreativas, 250 mil euros para sociedades filarmónicas. Isto no último mês de mandato. Em um mês apenas – e exactamente o último antes da eleições. Faltam contabilizar, naturalmente, os apoios eventuais dos assistentes sociais. Os duodécimos antecipados em quase todas as áreas da governação, com particular incidência na Saúde. E, claro, os “gestos de simpatia” da própria máquina partidária, incluindo a oferta de electrodomésticos, os passeios para velhotes e até as ajudinhas para as contas domésticas em atraso, quinze euros para aqui, vinte e sete para ali e trinta e cinco para acolá. Não vale a pena escamoteá-lo: Vasco Cordeiro chega ao poder nos Açores como resultado da jardinização do regime. Desjardinizá-lo e torná-lo respeitável de novo – eis o seu grande desafio. Só isso, repito, fará dele um estadista.

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Published on December 02, 2012 04:50

Terra Chã, 15 de Novembro de 2012

Se a horta resistir a este temporal, torno-me devoto do primeiro santinho que conseguir provar ser responsável.

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Published on December 02, 2012 04:49

November 24, 2012

Terra Chã, 13 de Novembro de 2012

Às voltas com o novo romance, o destino agora muito claro na minha cabeça e, porém, o trajecto ideal cada vez mais nebuloso. Uma tremenda tentação de recorrer ao narrador intradiegético, que resolveria uma série de problemas (e facilitava todo o processo, faculdade não propriamente negligenciável), mas ao mesmo tempo uma espécie de obrigação de corresponder ao desafio original: não a polifonia, mas uma narração na terceira pessoa que, porém, vai circulando entre diferentes centros de consciência, fazendo avançar a intriga através dos contributos dispersos de diferentes personagens. É talvez o narrador mais difícil de dominar, o que em parte apazigua o sentimento de culpa. Em todo o caso, uma forte sensação de que o trabalho de domingo foi um desperdício. Um capítulo inteiro para o lixo, mais do que provavelmente. Não deixa de doer.

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Published on November 24, 2012 13:21

Terra Chã, 12 de Novembro de 2012

[Entrada para ser lida apenas depois da minha morte.]

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Published on November 24, 2012 13:20

Terra Chã, 11 de Novembro de 2012

A cozinha ficou bonita. Rústica e “de revista”, como se diria em Lisboa. É um bom carpinteiro, o José Domingos.

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Published on November 24, 2012 13:20

Terra Chã, 10 de Novembro de 2012

Conta Salman Rushdie que Kurt Vonegut o presenteou uma vez, em Long Island, com a descrição mais dura que alguma vez poderá fazer-se da vida de escritor. "Está mesmo decidido a levar avante esse projecto de ser escritor? Então saiba que virá um dia em que você não vai ter nenhum romance para escrever e, mesmo assim, vai ter de escrever um romance", explicou. Pois Philip Roth, que já era o grande romancista da sua geração, o grande clássico americano depois de Mark Twain e JD Salinger, acaba de demonstrar que também esse destino é possível fintar. Sorte a sua: esse momento em que não há mais nenhum romance para escrever aparece-lhe aos 79 anos, com uma carreira mais do que imensa atrás. Um génio do nosso tempo. Obrigado por tudo.

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Published on November 24, 2012 13:19