Joel Neto's Blog, page 78
December 19, 2012
Lisboa, 18 de Dezembro de 2012
Diz-me a Laura, pelo Facebook, que a chuva levou quase tudo o que restava da horta. Três dias dela, sem parar um minuto – e acabou-se.
Nem fui pedir pormenores ao meu pai. Agradeci a informação e esforcei-me por esquecê-la. Faz de conta que não ouvi nada – pelo menos até regressar a casa.
Para mim, a piada resume-se a isto: num dia ergo a enxada, todo comovido, "Estou a repetir o gesto dos meus antepassados"; no dia a seguir vêm os coelhos e repetem o gesto dos antepassados deles.
O resto já não é piada: é historicismo. Ajuda-me a perceber melhor as dificuldades que, ao longo dos séculos, se impuseram ao meu povo.
É historicismo e é crueldade também.
***
Seja como for, vai-se cumprindo em pleno o objectivo da horta deste Outono. Apesar dos avisos para as dificuldades de uma tal empresa nesta altura do ano, eu queria aprender o essencial para me preparar para a horta da próxima Primavera, essa, sim, para valer. Lidar com a pior meteorologia dos últimos anos tem sido uma aprendizagem importante. Até porque reforça a acuidade da decisão tomada logo às primeiras contrariedades: a de que não vou desistir.
December 17, 2012
Lisboa, 17 de Dezembro de 2012
Da série Coisas Que Fazem Uma Falta dos Diabos na Terceira: pastéis de nata (minimamente decentes, isto é).
December 16, 2012
Lisboa, 16 de Dezembro de 2012
Toda a gente nos diz que estamos com óptimo aspecto. Não creio: passámos o Outono em mudanças e, apesar das caminhadas e do ar marítimo e da comunhão com a terra autêntica, ainda não começámos a tirar tanto partido da vida açoriana quanto isso.
Mas também não me parece que o elogio seja simples cortesia. No fundo, as pessoas vêem o que querem ver. Acham que estamos com óptimo aspecto porque querem acreditar nisso. Porque precisam de acreditar que existe, apesar de tudo, uma saída airosa para isto.
E o nosso dever não é outro senão agradecer com graciosidade. Assim como assim, em Fevereiro estaremos de volta – e, então, talvez não tenhamos de estar todos a mentir-nos a nós próprios.
December 15, 2012
Lisboa, 15 de Dezembro de 2012
Por outro lado, não é difícil perceber porque me esfrangalhou esta cidade os nervos. Hoje, às 9.20, a fila para entrar na Loja do Cidadão dos Restauradores ultrapassava a porta do Palácio Foz. Minha querida Loja RIAC. E a de Santa Bárbara, onde a funcionária tem sacos de cebolas postos a um canto e só desperta às três da tarde, quando o filho sai da escola e se vai sentar ao seu lado, a fazer desenhos.
December 14, 2012
Lisboa, 14 de Dezembro de 2012
Passeio pela Baixa, às compras de Natal com a Catarina (nem mais: como os provincianos). Dois terços das minhas lojas predilectas em promoções até cinquenta por cento ainda antes da Consoada. Todos os estabelecimentos híbridos às moscas ou já encerrados.
Só os “conceitos” cabais, talvez mesmo maniqueístas, sobrevivem agora. E os conceitos passam de moda.
De resto, as empregadas da Fnac já andam atrás de nós: “Posso ajudar em alguma coisa?” E basta um tipo fazer um olhar perguntador, que se põem logo ao leme da pesquisa informática, todas solícitas. Há empresas às quais, de facto, a crise faz muito bem.
É hoje uma cidade triste e cansada, Lisboa. A certa altura choveu, primeiro moderadamente e depois a potes. E, porém, manteve-se a calma. Poucos apitos. Raros atravancamentos. Como se a cidade não tivesse já forças sequer para praticar a neurose.
Mas bastou-me entrar no novo espaço da Éric Kayser para ter a certeza. Ou na Loja da Burel. Ou na Empadaria do Chef. Em qualquer um desses novos focos de resistência contra a depressão colectiva ou mesmo nos restantes lugares onde, com ou sem crise económica, Lisboa cheira a Europa do Norte, estética e humana.
Não, eu não quero tirá-la da equação. Quero voltar frequentemente. Vou voltar frequentemente, como já decidira mas ainda não desejara.
Sinto-me definitivamente íntimo desta cidade. E, de uma vez por todas, não voltarei a usar a palavra “desenraizamento”. Eu tenho é raízes a mais, agora.
***
Viver para fazê-lo. Sentir que se está a fazê-lo. Atravessar a vida. Fazendo-o. Escrevendo. Contra a loucura.
December 13, 2012
Lisboa, 13 de Dezembro de 2012
Aterrei em Lisboa, atravessei-a furiosamente e logo fui assaltado por uma vaga mas irrefutável nostalgia, como se no fundo reencontrasse algo de meu. Talvez a minha reconciliação com este lugar seja inevitável e, inclusive, favorecida por esta nova distância.
December 12, 2012
Terra Chã, 12 de Dezembro de 2012
Últimas diligências pela horta antes da partida. Tenho de deixar a monda para Janeiro, por falta de tempo, mas há que sachar tudo assim que chegar. Entretanto, será preciso fazer mais protecções para os canteiros. E também está decidida a construção de uma cerca a toda a volta, com tapa-ventos e costaneiras, para proteger as culturas dos dois piores inimigos manifestados até ao instante: o malfadado vento e, claro, os (cá em casa já começámos a preceder o seu nome maldito do justíssimo qualificativo “cabrões dos”) coelhos.
O balanço, e por muito que esta estação fosse sobretudo de aprendizagem, não é famoso. Depois das nabiças, os nabos bola-de-neve também já foram todos comidos. O mesmo aconteceu com os plantios de malagueta e de couve lombarda. Os restantes canteiros estagnaram com o frio. Os alhos-porros agonizam com o vento. E as cebolas também estão um pouco quebradas, embora eu ainda tenha muita esperança nelas.
Só os alhos comuns se têm aguentado exemplarmente. E, como boa notícia, temos o nascimento das batatas, que conseguiram, apesar da muita chuva, furar a crosta terrestre. Agora só lhes falta sobreviverem a 23 temporais, 34 nevoeiros, 107 ataques de coelhos destravados e pelo menos uma dúzia de ataques de fúria da minha parte para efectivamente darem batatas.
Estão no bom caminho.
Entretanto, o meu pai plantou mais setenta pés de couve-todo-o-ano, a ver se desta vez temos sorte. Depois, erguemos os dois à volta da horta, e caiámos diligentemente, quase trinta toros de madeira, na intenção de assustar os (meu Deus, como eu já detesto esta palavra) coelhos.
Os toros estavam húmidos e receberam mal a cal. Mas tentar secar alguma coisa nesta terra é uma quimera. Teve de ser assim mesmo. A Providência, naturalmente, não gostou do descaramento e logo fez chover ainda mais um pouco. Ao menos tem sentido de humor.
Acabámos no cerrado dos Biscoitos, com a calibre 12 em punho, a ver se abatíamos um ou dois inimigos. Nada. Tão-pouco se vêem os seus trilhos – a terra foi lavrada e a erva está baixíssima –, pelo que armar laços é inútil. Mas já temos uma série de teorias sobre os lugares onde dormem.
De resto, ainda não vingou um pé de erva nos Biscoitos, apesar da sementeira com tractor e tudo. Cada um daqueles sacaninhas come como uma cabra.
Hoje ainda tenho de tornar a caiar os toros, certificar-me de que os olhinhos das couves estão todos desimpedidos, como me explicou o meu pai, meter na terra meia dúzia de coisas que deixei numa pana com água (essencialmente salsa e funcho, ou seja o que os – argh! – coelhos comeram) e sulfatar as batatas, antecipando-me à chuva. Aconselhou-mo o Luciano, que logo se disponibilizou para emprestar-me a máquina com um resto de sulfato que o ti Vieira ainda lá deixou.
É impossível um homem não se encantar com isto.
***
De resto, tenho uma mala aberta e a roupa espalhada pela casa, numa balbúrdia. Deprime-me tanto fazer a mala como me encanta viajar. É assim desde sempre, inclusive se a viagem é aventureira, almejada há muito, mítica. De alguma maneira, parece concentrar-se aqui, neste momento de fazer a mala, toda a solidão, todo o desenraizamento que uma deriva impõe, mesmo a um homem de raízes.
Ou isso ou sou apenas aquilo a que os britânicos chamam um “control freak”, para o qual a simples ideia de deixar alguma coisa atrás é demasiado penosa.
De qualquer maneira, tenho saudades de algumas coisas em Lisboa. Das pessoas, em primeiro lugar. De vaguear sem destino pela cidade, ao sábado de manhã. E, lá bem em cima na lista (o que não deixa de ter o seu mistério), de jogar golfe na Aroeira, sem chuva nem vento, ao lado dos velhos companheiros de devastação: o Rui Jorge e o José Abad, os dois irmãos Barreira, o Vítor e o Maurício e os outros todos.
Ainda não decidi se levo os tacos. Mas levo ao menos um par de spikes.
Estarei a arfar pelo regresso ao fim de três dias apenas, como sempre acontece aos açorianos em viagem?
December 11, 2012
Terra Chã, 11 de Dezembro de 2012
– Não gosto.
– Ok. Mas o que achas?
– Já te disse que não gosto.
– Certo, isso já percebi. Mas qual é a tua opinião?
– Não gosto, pá!
– (Engolindo em seco) Pronto, pronto. Portanto, não contamos com o teu apoio.
– Não. Não gosto do tipo.
– Mas tu nem o conheces...
– Eh, pá, mas não gosto de nada do que venha dessa gente, acabou.
A discussão média lusitana é assim: coloca invariavelmente os temas no domínio das emoções. Basicamente, gosta-se ou não se gosta. Racionalização, nada. Ter uma ideia, nem pensar. Gostar ou não gostar são argumentos suficientes e, ademais, irrefutáveis. É extenuante.
Terra Chã, 10 de Dezembro de 2012
– Não gosto.
– Ok. Mas o que achas?
– Já te disse que não gosto.
– Certo, isso já percebi. Mas qual é a tua opinião?
– Não gosto, pá!
– (Engolindo em seco) Pronto, pronto. Portanto, não contamos com o teu apoio.
– Não. Não gosto do tipo.
– Mas tu nem o conheces...
– Eh, pá, mas não gosto de nada do que venha dessa gente, acabou.
A discussão média lusitana é assim: coloca invariavelmente os temas no domínio das emoções. Basicamente, gosta-se ou não se gosta. Racionalização, nada. Ter uma ideia, nem pensar. Gostar ou não gostar são argumentos suficientes e, ademais, irrefutáveis. É extenuante.


