Joel Neto's Blog, page 74
January 26, 2013
Terra Chã, 26 de Janeiro de 2013
Deliciosa e surpreendente coisa, a reacção a isto a que chamámos A Gente Sabe, um pequeno projecto online com informações úteis sobre a Terceira, e para já montado apenas no Facebook. Mais de mil subscritores em semana e meia, uma página de reportagem (com chamada de capa) no jornal de ontem e uma verdadeira torrente de emails e mensagens de leitores, com informações para mais verbetes ainda.
Talvez isto possa de facto vir a ser um dos meios da nossa presença aqui. Viver na Terra Chã, mas trabalhar em exclusivo para Lisboa, não deixa de ser uma espécie de alienação. A publicação no “Diário Insular” de excertos deste diário já visava aplacar esse desconcerto.
Para já, muito ainda a aprender. Para a Catarina, tudo. Para mim, o mais importante: os limites.
Dizia Jorge de Sena: “Só o outsider está em condições de pertencer à comunidade dos mortos que estão vivos, e não à dos vivos que estão mortos. Quem está de dentro, como o bicho da fruta, morre com a podridão que provoca.” Mas A Gente Sabe é um projecto jornalístico (sim, essencialmente, é jornalístico), não literário. E, para mais, eu nunca fiz questão de que a minha vida pessoal se confundisse com a literatura.
(Acho que não fiz. Deveria ter feito? Deveria fazer?)
Portanto, há que determinar os contornos ao chamado mainstream. E uma entrevista um pouco malandra com o proprietário de um restaurante do Porto Judeu já me vai ajudando. Muitos palavrões (mitigados), uma preclaridade divertida, um excesso inocente nisso tudo. E delírio entre muitos leitores, mas um vaguíssimo incómodo, apesar de tudo, em alguns que respeito.
São mais apertados aqui, os limites. Já o sabia. Mas ainda não percebera onde estavam. E talvez ainda não o tenha percebido.
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Da série Ouvido na Urbana.
– Credo, aquele rapaz é um cegão...
– O que é "cegão"?
– Está sempre a tecer!
– O que é "tecer"?
– É inticante.
– Ah.
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A localização da bilheteira do Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo é um homicídio. Em dias de frio, e com fila, uma pessoa pode ficar meia hora ao vento. Dois minutos bastam: nos jovens, é constipação certa; nos velhos, pneumonia provável. Urge mudar.
Terra Chã, 25 de Janeiro de 2013
Na verdade, tudo isto que eu digo já alguém, algures, o disse antes. E, no entanto, eu não poderia passar sem dizê-lo. E esse é que é o mistério original.
January 24, 2013
Terra Chã, 24 de Janeiro de 2013
Oito acima do Par, ontem, no CGIT. Com uma ventania dos diabos e um final de ronda de duplo bogey-bogey. Voltei a divertir-me a jogar golfe, o que já não acontecia há demasiado tempo. Mas, sobretudo, estava exausto e, portanto, completamente ali: concentrado, sem mais nada na cabeça senão o deleite daquilo. Estranha psique, esta, que apenas se absolve quando efectivamente o corpo e a mente já ultrapassaram todos os limites do esforço. É o quê, isto – culpa? E custa quanto, afinal – em que idade se morre, numa vida assim?
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Da série Palavras Que Voltam a Entrar No Meu Vocabulário. Vergonhas. No sentido de insultos divertidos: “Eu tracei-lhe a perna e ela virou-se para mim e disse-me vergonhas. Estou apaixonado.”
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O M. está todo contente: três anos depois de casar, vai começar, finalmente, a “fazer a sua casa”. Nunca o perceberei. Com tantas casas livres que esta terra tem, novas e para recuperar, de bom gosto e pelo menos transformáveis, caras e baratas – e cada casal de classe média que junta os trapinhos continua, ainda assim, a ter de fazer mais uma? E isto sem falar do empenho do Governo do Partido Socialista em construir novas casas ainda, desta vez caixotinhos todos iguais, para enfiar o eleitorado nos guetos de que se alimenta? Devia ser proibido. Ou, então, pronto: façam lá os centros comerciais, que é para as pessoas terem, enfim, onde gastar o dinheiro. Aparentemente, ainda há algum.
January 23, 2013
Terra Chã, 23 de Janeiro de 2013
Cinco anos à espera e, afinal, a camélia nem sequer é vermelha.
Ainda há quem proteja a natureza.
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Da série Palavras Que Voltam a Entrar No Meu Vocabulário. Tecer.
Adoro tecer.
January 22, 2013
Terra Chã, 22 de Janeiro de 2013
Jantar ontem à noite no Ambientes Com Sabores, o mais elegante restaurante de Angra à excepção dos dos hotéis. A música que nos recebeu era um tanto parva (Wham e outras tontices dos anos 80), mas bastou pedir que a mudaram de imediato. E a carne também era rija, o que me deixou mais uma vez à míngua de um bom bife na Terceira (em São Miguel, tanto o do Alcides como o do Aliança deixam-se comer bastante bem, apesar de serem fritos).
Mas é de facto, e como eu já percebera ao almoço, um espaço bonito e simpático, com uma cozinha criativa – incluindo entradas saborosas e acompanhamentos surpreendentes –, um atendimento atencioso e, no geral, uma atmosfera urbana de que talvez valha a pena não abdicarmos por completo, até para mantermos termos de comparação.
Havemos de voltar – talvez nos dias de festa. No dia a dia, aborrece-me a cozinha de autor.
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Da série Palavras Que Voltam a Entrar No Meu Vocabulário. Disparate. E como elogio: “Eh, pá, tu és um disparate!”
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Conversa telefónica com o Ruben. Um enorme desalento entre aqueles que, integrando ou não a actual comissão administrativa, vão persistindo em tentar salvar o Sport Clube Lusitânia do encerramento. Começo a acreditar que não o conseguirão. Nesse caso, morrerá um clube desportivo quase centenário, que até ao advento do eleitoralismo cesarista permaneceu o mais importante e vital dos Açores. Mas o que é que interessa à Região? O que é que isso interessa sequer a Angra?
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Demasiado trabalho – e depois mais trabalho ainda. Pouco tempo para isto, menos graça ainda. O Vergílio e o Torga, como quase todos os diaristas que importam e não importam, simplesmente paravam – às vezes durante semanas. Porque é que eu não paro?
January 20, 2013
Terra Chã, 21 de Janeiro de 2013
A Catarina faz anos.
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“E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.”
D.-M. FERREIRA
Terra Chã, 20 de Janeiro de 2013
A felicidade apenas com a rotina da Terra Chã. Sem as visitas diárias ao Farol das Contendas ou sequer os melhoramentos permanentes na casa, como quando estávamos apenas de férias.
A felicidade sem tempo livre, no fundo.
Prova vencida.
E, no entanto, maravilhoso, o sol das Contendas. E por ali fora, até à Praia da Vitória.
O sol da Praia da Vitória é uma bênção.
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Está a florir a nossa primeira camélia. Temos esta casa há dez anos e as camélias plantadas há uma eternidade. Que a primeira venha a florir exactamente no Inverno do nosso regresso não pode ser apenas uma coincidência. Ou serei eu que estou a ficar místico?
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Antigamente, eu distinguia um homem a sério de um homem a brincar com uma pergunta simples: “Tens uma aparafusadora eléctrica?” Hoje, já não chega. Um homem a sério tem de ter pelo menos uma lixadeira eléctrica. Pessoalmente, estou a desenvolver uma relação de amor com a minha.
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Já não me curvo com a mesma facilidade. Atar os sapatos, notei-o recentemente, não é agora tarefa da mesma natureza. Mas, claro, posso sempre culpar a humidade.
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Uma semana no Mindelo, alcoolizado e dançando coladeras. Por estes dias tenho sido assaltado por esse desejo. Qualquer vida decente deveria ser higienicamente interrompida durante uma semana por ano, para beber álcool e dançar coladeras.
January 18, 2013
Terra Chã, 19 de Dezembro de 2013
Terra Chã, 18 de Janeiro de 2013
Saboroso jantar ontem, no Ti Choa, com o Luciano, o Francisco e a turma do Pereira, incluindo o Rogério e o Noval. Adorável a viagem até à Serreta, por entre nevoeiros e breus – e adoráveis, depois, as alcatras e os torresmos, as conversas e a impressão de que se tratou, enfim, do início de alguma coisa.
Agora que penso nisso, foi o meu primeiro Dia de Amigos a sério. Nunca o celebrei na adolescência e, quando o fiz em Lisboa, soube-me sempre a pouco, a saudade e a circunstância. Finalmente posso atestar do que se trata: imagino-os muito dificilmente mais perfeitos do que este.
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Floriu o jasmim e já cheira. Nada conseguirá travar-nos agora. Nem sequer o estupor deste vento.
January 17, 2013
Terra Chã, 17 de Janeiro de 2013
A única coisa que nunca acalmou uma pessoa até hoje foi mandá-la ter calma. Na verdade, nada tem maiores probabilidades de inflamar um tipo já de si enervado do que isso: dizer-lhe “Tem calma” ou – pior ainda – “Eh, pá, calma!”
Para mais, eu já pude fazer o meu diagnóstico diferencial. Fui durante anos o tipo mais tenso do hemisfério Norte, agora comporto-me essencialmente como uma pessoa tranquila – e, mesmo assim, volta e meia ouço essa palavra: “Calma!”
Não é um conselho, não. É uma repreensão, mesmo um castigo. E é o mais cruel de todos, porque não pretende outra coisa senão provocar o crime que se propõe castigar.
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Fui autuado em cinco euros e o fiscal do estacionamento pediu-me quatro vezes desculpa. Fez o seu trabalho, competentemente – eu estava de facto em infracção, aliás há mais de trinta minutos – e depois apertou os lábios.
Pude vê-lo no seu olhar: lamentava genuinamente o que estava a fazer – e a sua tristeza era tanta que, quando me deu o papel, agarrei-o num frenesi, receoso de que a coima fosse como as que pagava em Lisboa (sessenta euros + reboque, quase sempre).
Afinal, não: eram só cinco euros mesmo. E, se eu lhe tivesse dado uma oportunidade minimamente válida, o rapaz ter-me-ia de certeza perdoado, inclusive com o beneplácito do inspector.
Assim até dá gosto pagar multas.


