Vital Moreira's Blog, page 13
February 24, 2025
Alma mater (5): "Regressar a casa"
Quando, no final das minhas várias "comissões de serviço" na atividade política e afim, me perguntavam: «o que vais fazer agora?», a minha resposta era sempre a mesma: «regresso a casa!». A porta dessa minha "casa" de regresso, sempre acolhedora, como se tivesse saído na véspera, é a que está na imagem desse cartaz de um filme sobre a FDUC. Mesmo jubilado, continua ser a minha casa de referência, académica e profissional, onde me apraz regressar sempre que se proporciona. http://rpc.twingly.com/
Outras causas (12): Um curso de direitos humanos diferente
1. Desde a II Guerra Mundial e a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (DUDH), de 1948, as liberdades e os direitos pessoais deixaram de ser protegidos somente pelas constituições e leis nacionais, como até aí (com as terríveis exceções dos Estados autoritários), passando a gozar também do seu reconhecimento em numerosas convenções internacionais, tanto de nível regional (caso do Conselho da Europa) como global (ao nível das Nações Unidas), através das quais os Estados se vinculam reciprocamente perante outros, e perante aquelas orgnizações internacionais, a garantir tais direitos no seu território em relação aos seus residentes.
Além dos meios políticos internacionais e do escrutínio das ONG a isso dedicadas, essa proteção transnacional dos direitos humanos passa, em certos casos, por tribunais internacionais especializados (como o TEDH) ou por "comités de peritos" independentes, que muitas daquelas convenções preveem.
2. Ora, segundo a nossa Constituição, as convenções internacionais de direitos humanos - e Portugal ratificou todas - valem diretamente na ordem jurídica interna, pelo que podem ser invocadas perante os tribunais nacionais por quem se considere lesado, e devem ser aplicadas pelos tribunais, até porque: (i) elas prevalecem sobre a legislação nacional que eventualmente as desrespeite e (ii) Portugal pode vir a ser condenado nas referidas instâncias jurisdicionais ou parajurisdicionais internacionais, se os nossos tribunais não as fizerem valer devidamente.
Ou seja, os tribunais nacionais são hoje os primeiros garantes do direito internacional dos direitos humanos e podem fazer desencader a responsabilidade internacional do País. Por isso, é muito importante o conhecimento dessas convenções, incluindo a jurisprudência dos respetivos tribunais internacionais (TEDH, TPI) e dos referidos "comités de peritos", quando à sua interpretação e aplicação. Daí a importância de um curso como este, de propósitos práticos, especialmente direcionado para os juízes e demais operadores judiciários.
http://rpc.twingly.com/February 23, 2025
O que outros pensam (9): A questão da "democracia iliberal"
1. Não acompanho esta tese de J. Pacheco Pereira, nesta coluna no Público, segundo a qual a noção de "democracia iliberal" não faz sentido, porque, no seu entender, as democracias, ou são liberais ou não são democracias.
Ora, desde há muito que a filosofia e a teoria políticas usam dois critérios diferentes para a classificação dos regimes políticos: (i) o critério de titularidade do poder, distinguindo entre democracia e autocracia e (ii) o critério dos limites do poder, levando à distinção entre liberalismo e autoritarismo.
Os primeiros pensadores liberais modernos, como Locke, não eram democratas, pelo contrário, por entenderem que a democracia envolvia o risco de uma "ditadura da maioria", com inerente ameaça para as liberdades individuais. Inversamente, o pai da doutrina democrática moderna, Rousseau, não era liberal, por entender que a "vontade geral" da coletividade deveria prevalecer sobre os interesses individuais.
Embora, na prática, as associações mais prováveis sejam entre democracia e liberalismo e entre autocracia e autoritarismo, a história mostra exemplos de democracias não liberais (como era o caso da democracia clássica de Atenas, onde não havia limites ao poder) e de autocracias liberais (como foi o caso das monarquias constitucionais dualistas do séc. XIX, que não eram nada democráticas, mas eram assaz liberais).
2. A noção de "democracia liberal" é uma síntese entre democracia e liberalismo, mas não uma simples adição de ambas. Na verdade, a democracia liberal é uma democracia limitada pelo liberalismo e um liberalismo limitado pela democracia.
Com efeito, na democracia liberal, o poder do povo, expresso por eleições, não é absoluto, sendo constitucionalmente limitado pelas liberdades individuais, pela separação de poderes e pelo Estado de direito (princípio da legalidade, judicial review, etc.). E, por sua vez, o liberalismo pode ser limitado para assegurar a democracia, como é o caso da proibição de associações armadas, ou de ideologia fascista ou racistas, ou da proibição do discurso do ódio racial ou contra minorias.
Como sabemos, as mais antigas democracias liberais (Estados Unidos, Reino Unido, países da Europa ocidental) começaram por ser liberais muito antes de se tornarem democracias, não sem passarem alguns delas por dramáticas experiências de monocracias ditatoriais (como a Alemanha nazi ou a Itália fascista, ou os dois países ibéricos entre os anos 30 e 70 do século passado).
3. Acresce que a oposição entre democracia e autocracia e a contraposição entre liberalismo e autoritarismo não são dicotomias ou/ou, mas sim escalas gradativas entre dois "tipos ideais" (no sentido de Max Weber). Entre as democracias plenas (se é que existem...) e as autocracias absolutas, há democracias imperfeitas, semidemocracias, semiautocracias; entre os regimes liberais e os autoritários há outros mais ou menos liberais ou autoritários, desde o extremo do ideal anarquista ao do oligarquia despótica.
Existem várias instituições académicas e políticas que classificam regularmente os regimes políticos e que não se limitam à dicotomia democracia-autocracia, apostando sempre em "grelhas" de quatro ou mais posições. E nem sempre são convergentes. Por exemplo, numa delas, Portugal figura como "democracia liberal com falhas", enquanto noutras consta como democracia liberal plena.
4. Em conclusão, a noção "democracia iliberal" ou mesmo de "democracia autoritária" pode fazer todo o sentido, para designar aqueles regimes em que a dimensão democrática existe, nomeadamente a democracia eleitoral, mas em que a dimensão liberal é substancialmente subvertida pelo défice de limites ao poder político.
Tal como na Antiga Grécia, também hoje o voto popular pode favorecer, em certas circunstâncias, regimes políticos mais ou menos autoritários, dispostos a limitar liberdades individuais (incluindo a liberdade de expressão), a separação de poderes (a favor do poder executivo), a independência dos tribunais e os poderes de controlo judicial.
Lamentavelmente, nos Estados Unidos, o Presidente Trumnp e a maioria republicana no Congresso, enquanto promovem uma agenda anarcoliberal no campo da política económica, desmantelando o "Estado regulador" (como mostrei AQUI), parecem apostados, ao invés, em implantar um regime político com claros traços autoritários, tanto pela eliminação de checks ao poder executivo e ao poder federal em geral, como pela restrição das liberdades dos cidadãos e da sociedade civil.
Eis a maior supresa dos tempos que correm - ver a mais antiga democracia liberal do mundo em vias de se converter em democracia iliberal.
http://rpc.twingly.com/Unten den Linden (3): Do mal, o menos
1. Insólitos tempos políticos estes, em que uma pessoa de esquerda social-democrata, como eu, tem de saudar a vitória da direita conservadora da CDU/CSU nas eleições alemãs de hoje, apesar do miserável resultado do SPD (~ 17%), só porque se trata de uma vitória da direita democrática e não da extrema-direita populista, como sucedeu recentemente nos vizinhos Países Baixos e na Áustria, e pode vir a suceder em breve na França.
Mas, além da enorme derrota do SPD, não deixa de ser preocupante o crescimento das forças políticas radicais, antieuropeístas, tanto à direita (AfD, > 20%, duplicação do resultado das eleições anteriores) como à esquerda (Linke+BSW, ~14%, quase o triplo). Ou seja, 1 em cada 3 alemães votou em partidos hostis à democracia liberal e à UE.
2. Mesmo não sendo fácil a equação governativa que daqui resulta - pois, desta vez, somente uma complexa aliança CDU/CSU+PSD+Verdes garante uma maioria parlamentar, não bastando a já experimentada "grande coligação" entre os dois primeiros -, ainda é possível uma solução de compromisso governamental entre partidos europeístas no quadro da democracia liberal, e bastante menos à direita do que o programa eleitoral do novo Chanceler.
Do mal, o menos!
AdendaOutro facto inquietante é a persistente clivagem eleitoral entre as duas antigas Alemanhas, passadas mais de três décadas sobre a reunificação, com vitória da CDU em quase toda a antiga RFA e vitória da AfD em quase toda a antiga RDA, como mostra a figura junta.
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February 21, 2025
Stars & Stripes (19): O fim de uma grande invenção americana?
1. Em mais uma das suas "executive orders" ilegais, por contrárias a leis do Congresso, o Presidente Trump determinou a sujeição ao seu controlo das "agências reguladoras independentes", as quais, portanto vão deixar de o ser, passando a "agências executivas".
Nascidas nos Estados Unidos há quase um século, nos anos 30 do século passado (na imagem o selo da SEC, criada em 1934), elas constituíram a resposta à crise subsequente ao grande crash da bolsa de Nova York, de 1929, que revelou a falta da regulação pública das "falhas de mercado", desde logo no mercado de valores mobiliários (ações e obrigações) e na banca. Posteriormente, foram criadas agências reguladoras para outras atividades económicas, como as telecomunicações, as relações laborais, a energia, os seguros, a segurança dos produtos de consumo, a defesa da concorrência, entre outras.
A invenção das agências reguladoras independentes nos Estados Unidos inaugurou o moderno modelo de "Estado regulador", pondo fim ao "Estado abstencionista", de separação absoluta entre a economia e o Estado.
2. As razões para apostar na regulação independente dos mercados, afastando essa tarefa da esfera da administração executiva, sob controlo presidencial, foram essencialmente duas: (i) não sendo possível evitar a regulação pública, manter ao menos a separação entre a regulação económica, por um lado, e o governo e a política, por outro lado; e (ii) assegurar aos agentes económicos estabilidade e previsibilidade da atividade regulatória, visto que a independência das agências lhes garantia continuidade em caso de mudança de governo.
Apesar de não terem cobertura na Constituição e constituírem uma derrogação da unidade da administração federal sob direção do Presidente, as agências de regulação independentes foram validadas pelo Supremo Tribunal federal logo em 1936 e nunca foram postas em causa desde então, nem pelos Democratas, que as criaram, nem pelos Republicanos.
Resta saber se esta ofensiva de Trump, manifestamente ilegal, vai prevalecer no Congresso (onde há uma maioria Republicana em ambas as câmaras), ou se aquele não vai tentar fazer reverter o "precedente judicial" de 1936 no Supremo Tribunal (onde há uma confortável maioria republicana), declarando as agências reguladoras independentes como inconstitucionais. Aí, sim, estaria cosumada a contrarrevolução regulatória de Trump, que é parte da ofensiva "anarco-liberal" dos seus ideólogos contra o "Estado administrativo".
3. Essa reversão da regulação independente na sua pátria de origem é tanto mais surpreendente quanto é certo que as agências reguladoras independentes foram um dos principais artigos de exportação norte-americana no último meio século, após o esgotamento do modelo de "Estado intervencionista" que prevaleceu na Europa desde a I Guerra Mundial.
O triunfo quase universal da ecoomoia de mercado e do Estado regulador no último quartel do século passado determinou a importação do modelo das agências reguladoras independentes. Hoje em dia, serão poucos os países de economia de mercado onde não exista uma autoridade da concorrência e agências de regulação dos serviços financeiros (banca, seguros, valores mobiliários) e das utilities (energia, telecomunicações, transportes, etc.). Não deixa de constituir uma ironia o facto de os Estados Unidos se desfazerem de uma das suas mais virtuosas, e mais copiadas, invenções institucionais.
Decididamente, Trump está em processo de depredação do património institucional e cultural dos Estados Unidos. Esperemos que os governos trumpistas que vão aparecendo noutros países não lhe sigam as pisadas...
http://rpc.twingly.com/Lisbon first (30): O Governo de Lisboa
1. É espetacular! Poucas semanas depois de sabermos que a terceira travessia do Tejo em Lisboa não é somente ferroviária, como inicialmente se pensava, mas também rodoviária, eis que surge agora a notícia (na imagem) de um tunel rodoviário sob o rio, entre Algés e a Trafaria. Em suma, a capital ficará com quatro ligações rodoviárias e duas ligações ferroviárias para a outra margem.
Como é fácil imaginar, o custo de tais obras, mais os respetivos acessos, vão montar a muitos milhares de milhões de euros, que só muitas décadas depois as portagens cobrirão. Mas, pelos vistos, no grandioso projeto governamental de fazer de Lisboa uma megametrópole, incorporando a margem sul e o novo aeroporto, não há limites nem constrangimentos financeiros. A regra é: em benefício de Lisboa, vale tudo, que o País paga!
2. No entanto, sob a perspetiva do resto do País, que padece da falta de infraestruturas elementares e de obras públicas essenciais ao seu desenvolvimento, estes megainvestimentos públicos "cheiram" a privilégios chocantes, reforçando a macrocefalia lisboeta e discriminação territorial.
Referindo o caso de Coimbra, por exemplo, por ser a minha cidade, basta mencionar as seguintes situações: a inacabada AE 13 (Tomar-Coimbra), que termina abruptamente na margem esquerda do Mondego, a montante da cidade, sem a prometida ligação com Souselas, a norte da cidade; a continuação da miséria rodoviária, congestionada e perigosa, que é o IP 3 entre Coimbra e Viseu, únicas capitais de distrito no litoral do país sem autoestrada; a degradação do IC2 a norte de Coimbra, por dentro de povoações e com numerosos cruzamentos de nível e rotundas; a permanência da enorme penitenciária dentro da cidade, ocupando uma área central no espaço urbano, ao contrário do que já foi feito em Lisboa.
Dá raiva pensar que estes e outros investimentos em falta por esse País fora vão continuar a esperar, para financiar as megaobras na capital e arredores. Decididamente, o suposto "Governo da República" é cada vez mais o Governo privativo de Lisboa.
http://rpc.twingly.com/February 20, 2025
Eleições presidenciais 2026 (11): Confusão de papéis
1. Procurando, comprensivelmente, preencher o longo período de tempo que vai até às eleições, em janeiro do próximo ano, o primeiro candidato a anunciar oficialmente a sua candidatura presidencial, Luís Marques Mendes, com o apoio do PSD (de que chegou a ser líder), anunciou a realização de uma iniciativa pública, para debater as suas "causas do Presidente" (iniciativa a que o Público chamou indevidamente "Estados gerais", uma noção que, desde há três décadas, pertence ao património político do PS) .
Tendo o candidato deixado o seu espaço dominical de comentário televisivo - o que é de louvar -, esta iniciativa é uma boa ideia, permitindo-lhe ocupar o espaço político e ganhar visibilidade como candidato, enquanto outros possíveis candidatos adiam o momento de "entrar em cena", designadamente o(s) candidato(s) da área socialista e o almirante Gouveia e Melo, que até agora tem os melhores índices nos inquéritos à opinião pública, apesar do (ou devido ao?) seu absoluto silêncio sobre o assunto.
Compreende-se, por isso, a preocupação de Marques Mendes, em ocupar o terreno, enquanto este está vago e não há concorrentes à vista.
2. Mais problemático é o tema da iniciativa, a saber, debater as "causas da Presidência", nada menos de doze, que o anúncio da iniciativa discrimina, desde a pobreza à ambição económica, o que em tudo faz lembrar um programa eleitoral partidário de candidatura à chefia do Governo.
Ora, no nosso sistema político-constitucional, os candidatos presidenciais não são candidatos partidários, nem candidatos a governar (ao contrário do que sucede nas eleições parlamentares), pelo que não tem nenhum cabimento apresentarem um programa de governo ou algo de parecido. Da Constituição resultam, sem margem para dúvidas, duas coisas: (i) quem governa é o Governo, saído das eleições parlamentares, e não o Presidente; (ii) o Governo é responsável politicamente perante a AR, e não perante o PR.
Por isso, é o Governo, e não o PR, que define as políticas públicas em todas as áreas e o modo de as realizar.
3. Daí decorre que, no nosso sistema constitucional, o PR não integra o "poder executivo" da clássica separação tripartida dos poderes e de órgãos do Estado, sendo um "quarto poder", o qual, ao contrário dos poderes legislativo e executivo - que são poderes de origem e expressão partidária -, só pode ser um "poder neutro" (B. Constant), que está acima da dialética Governo-oposição, vocacionado para «assegurar o regular funciomento das instituições democráticas» (como diz a Constituição), desde logo o respeito pelas regras do jogo por parte dos atores políticos (AR, Governo, partidos). Nessa função de tipo arbitral, não cabe ao PR defender causas políticas, em concorrência, e portanto em potencial conflito, com quem é suposto tê-las, ou seja, justamente o Governo e as oposições.
Neste quadro, não se vê que sentido faz o lançamento, por parte de um candidato presidencial, de um debate sobre políticas públicas que ele não tem poder para implementar, sob pena de conflitos com quem tem o poder de o fazer, ou seja, o Governo.
4. Sem dúvida, no exercício do seu mandato constitucional o PR tem obrigações explícitas, que pode abraçar como "causas".
Tais são, em primeira linha, as que resultam das suas competências constitucionais - que são sempre poderes-deveres -, tal como enunciadas no art. 120º da Constituição, a saber: representar a República, garantir a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições e assumir o cargo de comandante supremo das Forças Armadas. Mas a estas tarefas devemos acrescentar o de «defender (...) e fazer cumprir a Constituição», como consta do seu juramento ao iniciar funções (art. 127º, nº 3), o que lhe permite promover, por meio dos poderes que tem, os demais valores constitucionais, desde o Estado de direito ao Estado social, desde a integração europeia à solidariedade lusófona, etc. etc.
São essas "causas cosntitucionais" que justificam a generalidade dos poderes do PR, tanto os poderes próprios, como os poderes em relação aos outros dois órgãos políticos, a AR e o Governo, e que se traduzem em derrogações da autonomia destes, como a dissolução parlamentar, o veto legislativo, a recusa de nomeação de cargos públicos propostos pelo Governo, etc. Ora, é fácil verificar que quase nenhuma das doze propostas colocadas por Marques Mendes na agenda das suas "causas presidenciais" tem algo a ver diretamente com as referidas causas constitucionais.
5. É certo que, embora o PR não tenha funções governantes, há uma obrigação constitucional do PM de o informar sobre a condução da atividade governativa, pelo que, mesmo sem norma expressa, há um consenso doutrinal de que ele pode aconselhar o Governo, e, na minha opinião, o Primeiro-Ministro tem mesmo o dever de o consultar sobre a condução da política externa e da política de defesa, devido às sua incumbências constitucionais de representação externa da República e de comandante supremo das Forças Armadas.
Todavia, tratando-se sempre de interferência, embora soft, no mandato governativo, essa função consultiva do PR deve ser exercida de modo discreto, nos encontros regulares com o PM, e não em público, o que configuraria uma ingerência óbvia na esfera governativa, suscetível de gerar conflitos entre os dois poderes, pondo em risco a estabilidade política e governativa. Afinal, mesmo quando tomados sob consulta do PR, a responsabilidade dos atos do Governo recai sempre exclusivamente sobre ele, até porque aquele não é politicamente responsável no exercício do seu mandato.
Por conseguinte, não se consegue vislumbrar qual é a lógica de os candidatos submeterem a debate público prévio as suas supostas "causas presidenciais" e de se vincularem publicamente a elas, para efeitos de uma atividade consultiva, que, além de não ter expressão pública, pode não ter qualquer consequência.
http://rpc.twingly.com/February 19, 2025
Gostava de ter escrito isto (37): Decência parlamentar
«[Na AR] o Chega insulta mulheres por serem mulheres. O Chega insulta pessoas com deficiência. Qual é a sua reação? O povo tem de repensar o seu voto daqui a três anos. Isto é um absurdo. E se eles continuarem a achincalhar outros deputados por mais três anos? E se começarem à pancada? Antes de ser um desrespeito pela república, isto até dá um péssimo exemplo cá para fora, para a rua, para as escolas. Como é que numa sala de aula um professor pode agora educar um bully se v. exa é incapaz de o fazer no centro do poder?»
[Henrique Raposo, «Dr Aguiar Branco, não é o povo quem mais ordena», no Expresso.]http://rpc.twingly.com/
February 18, 2025
Direito à habitação (6): Insistir no erro
Não acompanho o líder do PS nesta reivindicação de que «o Estado tem que assumir também a sua responsabilidade de construir para a classe média».
Três razões para a minha discordância:
- primeiro, entendo que, por razões de justiça social, a prioridade na realização do direito à habitação, antes da classe média, deve ser das pessoas de mais baixos rendimentos;
- segundo, penso que, numa economia de mercado, é mais eficiente estimular a construção e a oferta privada, dinamizando o mercado habitacional, seja para habitação própria, seja para arrendamento, do que recorrer à oferta pública de habitação, mais morosa e financeiramente mais onerosa;
- terceiro, julgo que, de acordo com os princípios constitucionais da descentralização e da subsidiariedade territorial, a oferta pública de habitação é uma tarefa própria dos municípios, e não do Governo central.
Decididamente, não consigo ser convencido por esta conceção estatista e centralista na realização do direito à habitação.
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February 15, 2025
Eleições presidenciais 2026 (11): O PR como "poder moderador"
«No regime político português o Presidente da República desempenha um papel que ultrapassa o do Chefe de Estado que simboliza a comunidade e unidade nacionais. O seu “poder moderador”, como cunhou Benjamin Constant, é ponto fulcral de equilíbrio no sistema. Equilíbrio entre os poderes independentes - executivo, legislativo e judicial; entre Governo e Oposição; entre os que actuam dentro das instituições e os que se sentem marginalizados, e, dentre estes, os motivados a “destruir o sistema”.(...)
O Presidente não governa, não legisla, não julga; não funda partidos, nem lidera partes para tentar governar o todo; não “refunda”, nem destrói o “sistema”.»
1. Poderia subscrever sem reservas este excerto do texto do atual ministro da Presidência, A. Leitão Amaro, no Expresso de sexta-feira, sobre o perfil do PR no sistema político nacional, que corresponde ao que eu mesmo tenho vindo a defender há muitos anos: um "quarto poder", sobreposto aos três poderes clássicos do Estado (legislativo, executivo e judicial), que exerce um "poder moderador", no sentido que lhe deu Constant há dois séculos, nomeadamente de garantia das "regras do jogo", mas que, embora dispondo das faculdades de veto e afins que a Constituição lhe confere, não põe em causa a independência dos demais poderes nem se intromete no seu exercício, sendo, por definição, um "poder neutro" na dialética entre o governo e a oposição.
Sendo certo que nem sempre esta perceção prevalece no discurso político entre nós - a começar pelo atual titular do cargo presidencial -, apraz sempre encontrar num responsável político este entendimento correto do nosso sistema político.
2. Como tenho defendido, este "poder moderador" presidencial, embora não sendo usual nos países de sistema de governo parlamentar, não é incompatível, muito menos contraditório, com ele, pois não conflitua com nenhum dos seus dois postulados: (i) a origem e a legitimidade parlamentar do Governo e (ii) a exclusiva responsabilidade política deste perante o parlamento.
Uma vez que entre nós, como diz o autor, o PR não governa (nem cogoverna), pois tal é do foro exclusivo do Governo, sob escrutínio político da AR, não faz sentido invocar a noção de "semipresidencialismo", pois ela só se justifica no caso de um poder executivo "dualista", em que o PR compartilha de algum modo do poder governamental, tendo no mínimo um poder de tutela sobre o Governo, por efeito de responsabilidade política deste perante o aquele -, o que não sucede em Portugal desde a revisão constitucional de 1982.
Não é por acaso que essa equívoca noção - aliás, ausente, como era de esperar, do texto acima transcrito -, esteja em processo de tendencial desuso no discurso político e no "comentariado". Não faz falta nenhuma!
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