Vital Moreira's Blog, page 11

March 7, 2025

História constitucional (11): Nos 50 anos da Assembleia Constituinte de 1975-76


Eis o mais recente número da revista História JN, que insere, com destaque na capa,  a 1ª parte de mais um artigo de história política e constitucional da minha coautoria com o meu colega José Domingues da Universidade Lusíada / Porto, desta vez dedicado a recordar a história das nossas quatro assembleias constituintes desde a inauguração da era constitucional moderna, com a revolução liberal de 1820, estudo que se destina a assinalar os 50 anos da Assembleia Constituinte, eleita em 25 de abril de 1975.

O texto agora publicado versa sobre as duas constituintes da monarquia constitucional, ou seja, as Cortes Constituintes "vintistas", de 1821-22, que aprovaram a nossa primeira Constituição, e as Cortes Constituintes "setembristas", de 1836-38, que aprovaram a terceira Constituição. No próximo número da revista, a 2ª parte do artigo ocupa-se das duas constituintes republicanas, a de 1911, que aprovou a primeira Constituição republicana, e a de 1975-76, que aprovou a Constituição democrática vigente.

Utilizando a mesma "grelha" temática para analisar as quatro constituintes (origem, eleição, composição política, competência, procedimento constituinte, traços da respetiva Constituição), a fim de permitir uma visão comparada, o estudo regista também para a História os nomes de todos os deputados constituintes (e os círculos por que foram eleitos) nestes dois séculos de vida constitucional em Portugal.

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Published on March 07, 2025 12:37

March 6, 2025

O caso Montenegro (6): Uma provocação política

1. Ecoando a posição defendida por Montenegro, há quem entenda que o Governo precisa da confiança do Parlamento para poder continuar a governar e a executar o seu programa. 

Mas há aqui um óbvio equívoco político: no nosso sistema constitucional, os governos não precisam da confiança parlamentar para governar; só precisam de não ter a sua desconfiança (e se manifestada por maioria aboluta), o que obviamente não é mesma coisa. É esse regime de não-desconfiança - que foi uma opção constitucional deliberada (eu estive lá!) -, que permite os governos minoritários.

De resto, este Governo "passou" na AR sem nenhum voto de confiança ou de aprovação; e se tal voto tivesse existido, não teria passado. Na apresentação do Governo à AR, o líder do PS declarou então que não votava a rejeição do programa de governo (proposta por vários partidos) e que, portanto, não inviabilizava o Governo, mas advertiu enfaticamente que não votaria qualquer moção de confiança que o Governo viesse a solicitar à AR. Foi na base desse compromissso explícito que o Governo "passou", apesar de ser o mais minoritário que tivemos. E foi o mesmo espírito de compromisso do PS com a estabilidade que permitiu ao Governo passar o teste do orçamento em dezembro e, por estes dias, passar incólume as moções de censura de que foi alvo, sempre mercê da abstenção do PS.

Montenegro deve, portanto, o lugar de PM e a subsistência do Governo a esse compromisso com o PS, que este perseverou em respeitar. 

2. Mas é justamente esse compromisso que, menos de um ano depois, ele e o PSD agora deitam ao lixo, deslealmente, ao apresentarem uma moção de confiança e ao exigirem ao líder do PS que cruze a sua "linha vermelha" e declare, através do voto, a sua confiança no Governo. 

Montenegro não pode ignorar que o único Governo minoritário da nossa história democrática que avançou para uma moção de confiança (o I Governo de Mário Soares, em 1977), perdeu-a e viu-se demitido, pelo que não foi seguramente por acaso que nenhum dos vários governos minoritários posteriores (do PS e do PSD) repetiu a ousadia. O atual PM vai manifestamente contra a lógica e contra a história, ao desafiar a oposição a dar-lhe a confiança política, de que, aliás, não precisa (como mostrei acima), e com uma agravante em relação a 1977: Soares não apostava em eleições nem sabia antecipadamente o resultado da votação e tinha a esperança de que o PCP se abstivesse (o que não veio a acontecer), enquanto agora Montenegro posta diretamente nas eleicoes, porque sabe antecipadamente que a sua moção não vai passar. 

Ora, continuando Montenegro a denegar o esclarecimento cabal, que o PS reclama (e bem!), sobre a sua ligação efetiva à empresa "familiar" que ele criou para continuar a exercer a anterior sua atividade profissional, este pedido de confiança, que é especialmente dirigido contra o PS, a quem ele deve a investidura parlamentar, tem de ser designado como o que é: uma provocação política qualificada.

Se houvesse dúvidas, esta conduta politicamente pouco digna mostra que ele não merece mesmo a confiança que pede à oposição.

AdendaDe uma leitora atenta recebi o seguinte comentário: «A moção de confiança do PSD, para ir para eleições, é uma declaração de guerra ao PS e ao País, mas penso que o PS não tem de travar a guerra no campo que ele quer e na hora que eles desejam, sacrificando o País, mas sim no campo e no tempo mais favorável ao PS. Por isso, penso que a melhor solução não é votar contra a moção, mas sim a abstenção, que continua a não dar a confiança pedida e poupa o país a eleições, que ninguém quer. A seguir, avançar a todo o vapor para o inquérito (...) e, no final, avançar, se for caso disso, com uma moção de censura». Como já deixei entendido em nota anterior, subscrevo este argumento. O melhor modo de evitar que o PM fuja do apuramento das graves suspeitas que sobre ele impendem - que é o seu grande objetivo - é manter a AR e o Governo em funções, aliás com chumbo na asa. No fundo, votar contra a moção, indo para a dissolução parlamentar e para eleições, pode parecer politicamente mais coerente, mas é dar a Montenegro o que ele quer.
Adenda 2Um leitor acha que Montenegro está «aterrorizado com o inquérito parlamentar às suas ligações com a sua empresa familiar», e que, por isso, mesmo que a moção de confiança não seja rejeitada, por abstenção do PS, ele irá demitir-se na mesma, para forçar a dissolução da AR. Não é de excluir tal hipótese, mas, se tal suceder, fica claro que o seu interesse não era obter a confiança política da AR, como proclamou, mas sim, mesmo, cancelar o escrutínio sobre ele. Além disso, se perdesse a moção de confiança, sendo demitido pela AR, ele sempre tenderia a imputar a responsabilidade pela crise política à oposição, e em especial ao PS, por ter recusado a confiança pedida, enquanto que se for ele próprio demitir-se para fazer dissolver o parlamento, a responsabilidade pela crise política fica inequivocamente com ele. Não é a mesma coisa, para a opinião pública e para os eleitores.http://rpc.twingly.com/
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Published on March 06, 2025 16:00

O caso Montenegro (5): Uma provocação política

1. Ecoando a posição defendida por Montenegro, há quem entenda que o Governo precisa da confiança do Parlamento para poder continuar a governar e a executar o seu programa. 

Mas há aqui um óbvio equívoco político: no nosso sistema constitucional, os governos não precisam da confiança parlamentar para governar; só precisam de não ter a sua desconfiança (e se manifestada por maioria aboluta), o que obviamente não é mesma coisa. É esse regime de não-desconfiança - que foi uma opção constitucional deliberada (eu estive lá!) -, que permite os governos minoritários.

De resto, este Governo "passou" na AR sem nenhum voto de confiança ou de aprovação; e se tal voto tivesse existido, não teria passado. Na apresentação do Governo à AR, o líder do PS declarou então que não votava a rejeição do programa de governo (proposta por vários partidos) e que, portanto, não inviabilizava o Governo, mas advertiu enfaticamente que não votaria qualquer moção de confiança que o Governo viesse a solicitar à AR. Foi na base desse compromissso explícito que o Governo "passou", apesar de ser o mais minoritário que tivemos. E foi o mesmo espírito de compromisso do PS com a estabilidade que permitiu ao Governo passar o teste do orçamento em dezembro e, por estes dias, passar incólume as moções de censura de que foi alvo, sempre mercê da abstenção do PS.

Montenegro deve, portanto, o lugar de PM e a subsistência do Governo a esse compromisso com o PS, que este perseverou em respeitar. 

2. Mas é justamente esse compromisso que, menos de um ano depois, ele e o PSD agora deitam ao lixo, deslealmente, ao apresentarem uma moção de confiança e ao exigirem ao líder do PS que cruze a sua "linha vermelha" e declare, através do voto, a sua confiança no Governo. 

Montenegro não pode ignorar que o único Governo minoritário da nossa história democrática que avançou para uma moção de confiança (o I Governo de Mário Soares, em 1977), perdeu-a e viu-se demitido, pelo que não foi seguramente por acaso que nenhum dos vários governos minoritários posteriores (do PS e do PSD) repetiu a ousadia. O atual PM vai manifestamente contra a lógica e contra a história, ao desafiar a oposição a dar-lhe a confiança política, de que, aliás, não precisa (como mostrei acima), e com uma agravante em relação a 1977: Soares não apostava em eleições nem sabia antecipadamente o resultado da votação e tinha a esperança de que o PCP se abstivesse (o que não veio a acontecer), enquanto agora Montenegro posta diretamente nas eleicoes, porque sabe antecipadamente que a sua moção não vai passar. 

Ora, continuando Montenegro a denegar o esclarecimento cabal, que o PS reclama (e bem!), sobre a sua ligação efetiva à empresa "familiar" que ele criou para continuar a exercer a anterior sua atividade profissional, este pedido de confiança, que é especialmente dirigido contra o PS, a quem ele deve a investidura parlamentar, tem de ser designado como o que é: uma provocação política qualificada.

Se houvesse dúvidas, esta conduta politicamente pouco digna mostra que ele não merece mesmo a confiança que pede à oposição.

AdendaDe uma leitora atenta recebi o seguinte comentário: «A moção de confiança do PSD, para ir para eleições, é uma declaração de guerra ao PS e ao País, mas penso que o PS não tem de travar a guerra no campo que ele quer e na hora que eles desejam, sacrificando o País, mas sim no campo e no tempo mais favorável ao PS. Por isso, penso que a melhor solução não é votar contra a moção, mas sim a abstenção, que continua a não dar a confiança pedida e poupa o país a eleições, que ninguém quer. A seguir, avançar a todo o vapor para o inquérito (...) e, no final, avançar, se for caso disso, com uma moção de censura». Como já deixei entendido em nota anterior, subscrevo este argumento. O melhor modo de evitar que o PM fuja do apuramento das graves suspeitas que sobre ele impendem - que é o seu grande objetivo - é manter a AR e o Governo em funções, aliás com chumbo na asa. No fundo, votar contra a moção, indo para a dissolução parlamentar e para eleições, pode parecer politicamente mais coerente, mas é dar a Montenegro o que ele quer.
Adenda 2Um leitor acha que Montenegro está «aterrorizado com o inquérito parlamentar às suas ligações com a sua empresa familiar», e que, por isso, mesmo que a moção de confiança não seja rejeitada, por abstenção do PS, ele irá demitir-se na mesma, para forçar a dissolução da AR. Não é de excluir tal hipótese, mas, se tal suceder, fica claro que o seu interesse não era obter a confiança política da AR, como proclamou, mas sim, mesmo, cancelar o escrutínio sobre ele. Além disso, se perdesse a moção de confiança, sendo demitido pela AR, ele sempre tenderia a imputar a responsabilidade pela crise política à oposição, e em especial ao PS, por ter recusado a confiança pedida, enquanto que se for ele próprio demitir-se para fazer dissolver o parlamento, a responsabilidade pela crise política fica inequivocamente com ele. Não é a mesma coisa, para a opinião pública e para os eleitores.http://rpc.twingly.com/
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Published on March 06, 2025 16:00

O caso Montenegro (4): Uma provocação política

1. Ecoando a posição defendida por Montenegro, há quem entenda que o Governo precisa da confiança do Parlamento para poder continuar a governar e a executar o seu programa. 

Mas há aqui um óbvio equívoco político: no nosso sistema constitucional, os governos não precisam da confiança parlamentar para governar; só precisam de não ter a sua desconfiança (e se manifestada por maioria aboluta), o que obviamente não é mesma coisa. É esse regime de não-desconfiança - que foi uma opção constitucional deliberada (eu estive lá!) -, que permite os governos minoritários.

De resto, este Governo "passou" na AR sem nenhum voto de confiança ou de aprovação; e se tal voto tivesse existido, não teria passado. Na apresentação do Governo à AR, o líder do PS declarou então que não votava a rejeição do programa de governo (proposta por vários partidos) e que, portanto, não inviabilizava o Governo, mas advertiu enfaticamente que não votaria qualquer moção de confiança que o Governo viesse a solicitar à AR. Foi na base desse compromissso explícito que o Governo "passou", apesar de ser o mais minoritário que tivemos. E foi o mesmo espírito de compromisso que permitiu ao Governo passar o teste do orçamento em dezembro e, por estes dias, passar incólume as moções de censura de que foi alvo, sempre mercê da abstenção do PS.

Montenegro deve, portanto, o lugar de PM e a subsistência do Governo a esse compromisso com o PS, que este perseverou em respeitar. 

2. Mas é justamente esse compromisso que, menos de um ano depois, ele e o PSD agora deitam ao lixo, deslealmente, ao apresentarem uma moção de confiança e ao exigirem ao líder do PS que cruze a sua "linha vermelha" e declare, através do voto, a sua confiança no Governo. 

Montenegro não pode ignorar que o único Governo minoritário da nossa história democrática que avançou para uma moção de confiança (o I Governo de Mário Soares, em 1977), perdeu-a e viu-se demitido, pelo que não foi seguramente por acaso que nenhum dos vários governos minoritários posteriores (do PS e do PSD) repetiu a ousadia. O atual PM vai manifestamente contra a lógica e contra a história, ao desafiar a oposição a dar-lhe a confiança política, de que, aliás, não precisa (como mostrei acima), e com uma agravante em relação a 1977: Soares não sabia antecipadamente o resultado da votação e tinha a esperança de que o PCP se abstivesse (o que não veio a acontecer), enquanto agora Montenegro sabe antecipadamente que a sua moção não vai passar. 

Ora, continuando Montenegro a denegar o esclarecimento cabal, que o PS reclama (e bem!), sobre a sua ligação efetiva à empresa "familiar" que ele criou para continuar a exercer a anterior sua atividade profissional, este pedido de confiança, que é especialmente dirigido contra o PS, a quem ele deve a investidura parlamentar, tem de ser designado como o que é: uma provocação política qualificada.

Se houvesse dúvidas, esta conduta politicamente pouco digna mostra que ele não merece mesmo a confiança que pede à oposição.

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Published on March 06, 2025 16:00

O caso Montenegro (5): Os custos da crise política

1. A crise política levianamente precipitada por Luís Montenegro, para fugir ao inquérito parlamentar sobre a sua ligação à Spinumviva e para fazer "plebiscitar" o seu Governo, menos de um ano depois de tomar posse, em condições que julga favoráveis, não vai apenas levar à realização de novas eleições parlamentares e ao subsequente processo de formação de novo Governo, sabe-se lá qual, daqui a uns meses (como assinalei em post anterior).

Por um lado, em consequência da sua demissão e do encerramento do parlamento, o Governo vai entrar em "modo de gestão" - ficando limitado, como diz a Constituição, aos «atos estritamente necessários à gestão dos negócios públicos» (ou seja, os que sejam de todo inadiáveis), tando mais que o Governo fica obrigado a respeitar o princípio da imparcialidade eleitoral -, o que vai provocar o atraso de numerosos dossiês governativos de relevo, como assinala esta peça do Expresso.

Deixar de ter um Governo em plenitude de funções no atual contexto interno e externo, não é decididamente uma opção prudente.

2. Por outro lado, como é fácil imaginar, além dos custos diretos das eleições, no valor de várias dezenas de milhões de euros, há que contar com o impacto económico negativo que vai resultar, não somente do adiamento dessas medidas públicas, mas também da incerteza política sobre os consumidores e as empresas, adiando decisões e "esfriando" o ambiente económico, com reflexos no emprego e nos rendimentos. Por isso, o Fórum para a Competividade, embora ressalvando que os contornos da crise política «não são ainda claros», antecipa, porém, que esta «deverá arrefecer a economia, sobretudo pelo adiamento de decisões de investimento, mas provavelmente também no cumprimento das metas e marcos do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]».

Não levar em conta estes fatores negativos antes de avançar, por capricho pessoal, para uma decisão desta gravidade, que, aliás, pode não alterar nada quanto às condições de governo, tem um nome -, aventureirismo político.[Alterada a rubrica do post]
AdendaO candidato presidencial Marques Mendes, que tem o apoio explícito do PSD, veio declarar, com toda a razão e oportunidade, em declarações à Lusa hoje, que o «país está incrédulo com a ideia de ter eleições antecipadas, não as deseja, nem compreende a sua utilidade», salientando que ele próprio partilha dessa apreensão, pelo que apela ao Presidente da República para «fazer uma última tentativa, um último esforço, para evitar eleições, para garantir a estabilidade». O antigo líder e governante do PSD tem toda a razão quanto à insanidade da crise política, mas é de recear que a direção do seu partido tenha ensandecido politicamente e seja surda, quer à sensatez do seu alerta, quer a uma eventual intercessão de Belém.
Adenda 2Um leitor argumenta que Montenegro não vai recuar, porque desde o princípio quis provocar eleições, aproveitanto a boa condição económica e financeira que o Governo herdou, antes que ela mude, para tentar reforçar a sua posição eleitoral, e que «só não concretizou essa intenção até agora porque o PS não lhe deu pretexto suficiente», como sucedeu na votação do orçamento. Sim, mas tomar como pretexto agora a exigência do PS de esclarecimetos que ele tem a obrigação de prestar, e não presta, é de uma enorme hipocrisia política.
Adenda 3Um leitor pergunta se «a melhor resposta, do lado do PS não seria a abstenção - com isso bloqueando a demissão do Governo, mas sem representar qualquer legitimação pela positiva - e depois, em função do apurado na CPI (e há muito por apurar…), agir - eventualmente, via moção de censura». Se eu fosse líder do PS, consideraria seriamente essa solução, mas penso que, tendo PNS proclamado, na apresentação do Governo à AR - que o PS viabilizou, não votando a rejeição do program de governo - que Montenegro não pensasse em avançar com uma moção de confiança, pode não ter agora a flexibilidade suficiente para ignorar essa "linha vermelha". É pena, porque penso que, face à reação pública negativa da hipótese de novas eleições, essa solução permitia ao PS "sair por cima", não respondendo à provocação de Montenegro e mantendo-o sob pressão do inquérito parlamentar.
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Published on March 06, 2025 11:12

Eleições parlamentares 2025 (1): Os custos da crise política

1. A crise política levianamente precipitada por Luís Montenegro, para fugir ao inquérito parlamentar sobre a sua ligação à Spinumviva e para fazer "plebiscitar" o seu Governo, menos de um ano depois de tomar posse, em condições que julga favoráveis, não vai apenas levar à realização de novas eleições parlamentares e ao subsequente processo de formação de novo Governo, sabe-se lá qual, daqui a uns meses (como assinalei em post anterior).

Por um lado, em consequência da sua demissão e do encerramento do parlamento, o Governo vai entrar em "modo de gestão" - ficando limitado, como diz a Constituição, aos «atos estritamente necessários à gestão dos negócios públicos» (ou seja, os que sejam de todo inadiáveis), tando mais que o Governo fica obrigado a respeitar o princípio da imparcialidade eleitoral -, o que vai provocar o atraso de numerosos dossiês governativos de relevo, como assinala esta peça do Expresso.

Deixar de ter um Governo em plenitude de funções no atual contexto interno e externo, não é decididamente uma opção prudente.

2. Por outro lado, como é fácil imaginar, além dos custos diretos das eleições, no valor de várias dezenas de milhões de euros, há que contar com o impacto económico negativo que vai resultar, não somente do adiamento dessas medidas públicas, mas também da incerteza política sobre os consumidores e as empresas, adiando decisões e "esfriando" o ambiente económico, com reflexos no emprego e nos rendimentos. Por isso, o Fórum para a Competividade, embora ressalvando que os contornos da crise política «não são ainda claros», antecipa, porém, que esta «deverá arrefecer a economia, sobretudo pelo adiamento de decisões de investimento, mas provavelmente também no cumprimento das metas e marcos do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]».

Não levar em conta estes fatores negativos antes de avançar, por capricho pessoal, para uma decisão desta gravidade, que, aliás, pode não alterar nada quanto às condições de governo, tem um nome -, aventureirismo político.

AdendaO candidato presidencial Marques Mendes, que tem o apoio explícito do PSD, veio declarar, com toda a razão e oportunidade, em declarações à Lusa hoje, que o «país está incrédulo com a ideia de ter eleições antecipadas, não as deseja, nem compreende a sua utilidade», salientando que ele próprio partilha dessa apreensão, pelo que apela ao Presidente da República para «fazer uma última tentativa, um último esforço, para evitar eleições, para garantir a estabilidade». O antigo líder e governante do PSD tem toda a razão quanto à insanidade da crise política, mas é de recear que a direção do seu partido tenha ensandecido politicamente e seja surda, quer à sensatez do seu alerta, quer a uma eventual intercessão de Belém.
Adenda 2Um leitor argumenta que Montenegro não vai recuar, porque desde o princípio quis provocar eleições, aproveitanto a boa condição económica e financeira que o Governo herdou, antes que ela mude, para tentar reforçar a sua posição eleitoral, e que «só não concretizou essa intenção até agora porque o PS não lhe deu pretexto suficiente», como sucedeu na votação do orçamento. Sim, mas tomar como pretexto agora a exigência do PS de esclarecimetos que ele tem a obrigação de prestar, e não presta, é de uma enorme hipocrisia política.
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Published on March 06, 2025 11:12

March 5, 2025

Guerra na Ucrânia (62): O "amigo" americano

1. Apesar de os Estados Unidos terem sido o principal instigador da provocação ucraniana à segurança da Rússia  - o abandono do seu estatuto de neutralidade e a candidatura à adesão à Nato, que estão na origem da guerra -, Trump decidiu agora, não somente abandonar o apoio militar e político a Kiev, mas também exigir-lhe o acesso às "terras raras" ucranianas, em pagamento da assistência prestada por Washington ao longo deste três anos. Afinal, tratava-se de um empréstimo, que Washington quer ver pago imediatamente e em espécie...

É caso para dizer que com "amigos" destes, a Ucrânia não precisa de inimigos.

2. Privada desse apoio vital, que não vai poder ser compensado pela Europa ocidental (UE + Reino Unido), a Ucrânia não vai poder aguentar a guerra durante muito mais tempo, arriscando-se a perder ainda mais território e a sofrer mais detruição, pelo que Kiev vai ter de aceitar rapidamente o que até agora recusara - aliás, com o apoio, se não o incentivo, dos seus aliados de aquém e de além-Atlântico -, ou seja, uma solução negociada do conflito, onde não tem nenhuma perspetiva de recuperar todos os territórios perdidos, tendo de focar-se na luta pelas garantias plurilaterais de segurança, a que naturalmente tem direito, e a que os seus aliados da Nato, que instigaram e alimentaram a guerra, não podem recusar-se a associar-se.

Depois de terem provocado, com a sua instigação à "deriva ucraniana", o abandono do compromisso pacífico com a Rússia pós-soviética, que durava há três décadas, as potências ocidentais não podem deixar de assegurar as condições para o retorno da paz ao velho continente, incluindo a garantia da confiança mútua de Kiev e Moscovo na sua segurança recíproca.

3. A União Europeia também vai sair bastante mal-ferida desta aventura ucraniana, subitamente interrompida pela "traição" de Washigton.

Tendo também apoiado o inglório esforço de guerra ucraniano de forma maciça, em termos políticos, financeiros e militares, ainda mais do que os Estados Unidos, a União incorreu também na enorme despesa com a sustentação dos milhões de refugiados e sofreu o impacto muito negativo das sanções à Rússia e das contrassanções desta, que causaram a estagnação da economia europeia, e em especial da economia alemã, ao longo deste anos, sobretudo pelo aumento dos custos das importações energéticas e da perda do mercado de exportação e de investimento russo. E ainda vai sobrar para os contribuintes europeus o custo gigantesco da reconstrução da Ucrânia.

Não menos penoso do que isso foi a rutura da convivência frutífera com a Rússia, em termos políticos e económicos, estabelecida nas últimas décadas, e ver a fuga de Moscovo para os braços de Pequim. Além da súbita perda traumática do "amigo americano", por decisão de Trump, que pode ser transitória, a "perda" da Rússia, que a Nato incentivou com a invenção da "ameaça russa", pode ser o dano direto mais importante e mais duradouro deste malfadado conflito para a União Europeia.

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Published on March 05, 2025 16:30

O caso Montenegro (4): Sacrificar o País

1. Entre ter de prestar esclarecimentos cabais sobre a sua empresa "doméstica" no inquérito parlamentar aberto pelo PS, que poderia confirmar as acusações de que foi alvo por estes dias (nomeadamente a violação da regra da exclusividade), e uma fuga explícita para eleições (o que exclui à partida a hipótese de novo Governo do PSD com outro PM, sem eleições), Luís Montenegro optou irresponsavelmente pela segunda via, sacrificando os interesses do País aos seus interesses pessoais.

Além dos elevados custos financeiros e económicos de um processo eleitoral e da suspensão da governação durante vários meses, que pode afetar a execução do PRR, a repetição de eleições, com um ano de intervalo - o mais curto desde 1982 -, a que se seguirão as eleições locais no outono e as eleições presidenciais no início do ano que vem, é suscetível de gerar a fadiga e, mesmo, a desmotivação, em muitos cidadãos, aumentando a abstenção. 

Infelizmente, quando o sistema político entra em panne e os governantes fogem às suas responsabilidades, quem beneficia é a direita populista. Ventura deve estar a esfregar as mãos de satisfação, pela nova oportunidade que lhe é dada.

2. O recurso a eleições parlamentares antecipadas é justificada por Montenegro em nome da «clarificação da situação política», a que se acrescenta seguramente a ambição de reforçar a posição política do PSD, contando com a situação económica, social e financeira favorável (que herdou dos governos do PS...). 

Todavia, tanto quanto é possível antecipar, não é expectável que, avançando para as eleições com o seu líder gravemente ferido na sua credibilidade e com o mistério da Spinumviva longe de encerrado, o PSD possa ganhá-las com grande vantagem, ainda menos com maioria absoluta. Sendo de excluir o mesmo para o PS - onde PNS ainda não foi capaz de projetar a sua liderança para o exterior -, o mais provável, depois das eleições, é ficarmos confrontados com a velha opção entre uma solução de governo minoritário do partido que as ganhar (parlamentarmente viabilizada como?) ou uma solução de coligação governamental (entre que partidos?).

A pior situação pós-eleitoral seria um possível impasse político quanto à solução governativa, que se arraste por semanas ou meses, eventualmente complicada pela contestação da liderança do partido derrotado, e que acabe em nova repetição de eleições pouco tempo depois, pondo em causa a credibilidade do sistema político...

Não é fácil ser otimista nestas circunstâncias.

Adenda Uma leitora comenta que, «se em 2023 Marcelo [Rebelo de Sousa] tivesse aceitado a proposta de A. Costa, depois da sua demissão, de nomeação de um novo Governo do PS chefiado por Mário Centeno, em vez de optar pela dissolução parlamentar, não estávamos a passar por isto e tínhamos mantido uma governação tranquila até 2026, sem passar por duas dissoluções parlamentares e duas eleições desnecessárias». Tem toda a razão. Em vez de garante de estabilidade política, como devia ser, o atual PR converteu-se num fator de instabilidade política, sem precedentes há décadas.
Adenda 2Numa notícia de claro enviesamento político, o Observador diz que, havendo demissão do Governo, por efeito da rejeição da moção de confiança, «PS e Chega recusam qualquer cenário que não seja o de eleições». Ora, quem excluiu à partida qualquer outro cenário foi próprio Primeiro-Ministro, ao anunciar a moção de confiança, justamente para provocar a «clarificação política» através de eleições, com ele próprio a liderar o PSD, transformando-as numa espécie de plebiscito a si próprio e afastanto, portanto, liminarmente a hipótese de novo Governo do PSD no atual quadro parlamentar. Depois disto, a opinião dos outros partidos é irrelevante. O seu a seu dono.
Adenda 3O anúncio de eleições parlamentares antecipadas vai colocá-las imediatamente no centro da agenda política e mediática, descartando a pré-campanha das eleições presidenciais, que já estava em curso e que vai ficar de remissa até ao verão. Todavia, o excesso de conflitualidade política e a degradação da governabilidade do regime, que mais este episódio revela, alimentam claramente a ideia de que é preciso um PR independente e com autoridade para "chamar os partidos à ordem". Por isso, embora sem nenhum papel seu, Gouveia e Melo é um dos ganhadores do vertiginoso dia político de hoje.http://rpc.twingly.com/
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Published on March 05, 2025 12:50

March 4, 2025

O caso Montenegro (3): A desconsideração do PR

1. Tenho por evidente que, ao não informar previamente o PR da sua intenção de desafiar publicamente as oposições a apresentarem uma moção de censura, sob pena de ser ele a avançar com uma moção de confiança - com o risco óbvio de abrir uma crise política, que iria estalar nas mãos de Belém - Montenegro violou, não somente uma obrigação de cortesia institucional, mas também uma obrigação constitucional de informação ao PR

Com efeito, não tenho dúvida em sustentar que, além da obrigação constitucional explícita de «informar o PR acerca da condução da política interna e externa do país», a responsabilidade (inominada) do PM perante o PR, prevista no art. 190º da Constituição, embora não revista manifestamente a natureza de responsabilidade política - que só existe perante a AR -, compreende implicitamente outras dimensões em matéria de informação, como a de comunicar previamente qualquer iniciativa governamental suscetível de pôr em causa a estabilidadade política, como foi o caso. 

Embora esta grave desfeita do PM não seja suscetível de nenhuma sanção hard, ela devia, porém, ter merecido, não o "amuo" do Presidente  - recusando-se a atender uma chamada telefónica de Montenegro depois da comunicação pública deste -, mas sim uma reprimenda em forma e a imputação das consequências da precipitação de uma crise política, saindo por cima neste lamentável episódio. Embora, o PM não seja politicamente responsável perante o PR, não pode ficar sem a devida sanção o deliberado incumprimento da suas obrigações institucionais para com ele.

2. Em contrapartida, entendo que, depois desse desafio público do PM à oposição, quanto à confiança política no Governo, MRS faz bem em não se pronunciar publicamente sobre o assunto, muito menos e título de "garante do regular funcionamento das instituições", como alguns comentadores e algumas forças políticas levianamente reivindicaram.

Por um lado, estando a questão política da responsabilidade de Montenegro, pela sua suposta empresa familiar, na sua sede própria, sob moção de censura no parlamento, compreende-se e justifica-se o silêncio presidencial sobre a matéria, sob pena da pertinente acusação de ingerência nas competências da AR; por outro lado, considero de todo descabida a invocação da questão do "regular funcionamento das instituições", como base para uma demissão direta do Governo pelo PR, quando é evidente que elas estão a funcionar em pleno, com o Governo a ser chamado a responder politicamente perante o parlamento, como deve ser.

Não se pode solicitar ao PR que use uma "arma de destruição maciça", como essa, até agora nunca utilizada, para se susbtituir à AR na cobrança da responsabilidade política do Governo.

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Published on March 04, 2025 16:00

O caso Montenegro (2): Desvio de atenções

Numa operação de desvio de atenções, o Observador de hoje dedica uma longa peça à questão de saber se a Spinumviva incorreu no crime de "procuradoria ilícita", por ter alegadamente prestado serviços que são exclusivos dos advogados. 

Ora, além de essa questão me parecer irrelevante - visto que a consultoria deixou de ser (e bem!) reserva de advogado com o novo estatuto legal da OA -, ela tenta obnubilar as duas questões que importam desde o início, e em cujo esclarecimento tenho insistido (AQUI): (i) se, ao manter a SUA empresa pessoal (embora travestida de "sociedade familiar"), os SEUS clientes e as SUAS "avenças", Montenegro não infringiu a crucial regra da exclusividade do cargo governativo (que, em relação a outros titulares de cargos públicos, levaria à destituição por via judicial); e (ii), no caso de tais "avenças" serem essencialmente fictícias, sem correspondência em serviços efetivos, sendo, portanto, pagamentos de favor, ou no caso de imputação à empresa de despesas pessoais ou domésticas, se Montenegro não incorreu no crime de "recebimento indevido de vantagem", ao beneficiar, direta ou indiretamente, das generosas transferências de milhares de euros mensais ou da exoneração das referidas despesas.
Espero que o inquérito parlamentar promovido pelo PS se foque essencialmente no esclarecimento dessas questões, sem desvios para temas irrelevantes ou secundários, desde logo para pôr fim a especulações: se apurada qualquer dessas infrações, Montenegro tem os dias contados.[revisto]
AdendaUm leitor entende que há outra questão importante, que é de saber se Montenegro declarou «todo o seu património, sem excluir as contas bancárias à ordem, desde que de valor superior a 50 SMN no seu conjunto», como impõe a lei. Sim, essa questão foi suscitada pela notícia de um jornal, segundo a qual, Montenegro terá utilizado várias contas à ordem de valor inferior àquele montante no pagamento de um apartamento em Lisboa, na suposição de que estariam isentas de declaração -, o que não é verdade. Seguramente que essa questão também pode vir a ser apurada no inquérito parlamentar. Entretanto, sobre este assunto, o presidente da AR, Aguiar-Branco, é citado como tendo dito que Montenegro «declarou tudo o que tinha a declarar», o que é um estranho comentário, pois, se ele pode eventualmente conhecer o que está na declaração, como é que sabe, salvo por uma questão de fé, que lá está tudo o que tinha de estar, e que nada foi omitido? Como pode o Presidente da AR, que não é qualquer pessoa, ser tão precipitado, por razões de solidariedade política e pessoal?http://rpc.twingly.com/
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Published on March 04, 2025 05:43

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Vital Moreira
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