Vital Moreira's Blog, page 12

March 4, 2025

+ União (87): Mais armamento ou mais crescimento?


1. Neste ranking das maiores economias e do seu crescimento nos últimos dez anos (publicado AQUI) - onde a UE não aparece como economia integrada, como devia -, as principais economias nacionais da União (Alemanha, França, Itália) são as que menos cresceram, não somente muito abaixo dos "tigres asiáticos" (Índia, China e Indonésia), mas também menos do que os Estados Unidos e a própria Rússia, apesar de esta estar há três anos em guerra e das enormes sanções ocidentais contra ela.
Além de pior do que o previsto, é um resultado comprometedor...
2. Nesta situação, não se vê que lógica há em a UE e os seus Estados-membros encetarem uma dispendiosa corrida ao armamento, aliás de contestável necessidade (como argumentei AQUI), que só fará crescer as ações da indústria do setor, em vez de avançar  no processo de correção acelerada das barreiras ao crescimento e à competitividade da economia da União, nomeadamente completar o mercado interno de serviços, lançar o mercado único de valores mobiliários, etc, bem como realizar o plano de investimentos na investigação e na implementação das tecnologias de ponta, tal como proposto no relatório de Mário Draghi de há meses.
Decididamente, com esta errada aposta, perdemos mesmo a corrida da prosperidade económica, pondo em causa, não somente o bem-estar dos cidadãos europeus, mas também o Estado social europeu.



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Published on March 04, 2025 02:47

March 3, 2025

Praça da República (84): Contra o derrube do Governo

1. Em divergência com algumas vozes no campo do PS (mas, desta vez, em concordância com o seu líder), entendo que o PS não deve promover nem apoiar neste momento o derrube do Governo mediante moção de censura na AR, que só teria êxito em conjunção de votos com o Chega. 

Penso que há duas boas razões para essa prudência: primeiro, obviamente colocado em dificuldades, Montenegro agradeceria fazer-se de vítima e denunciar perante a opinião pública a culpa do PS na abertura de uma nova crise política e de novas eleições, um ano depois das últimas, para mais em convergência objetiva com o Chega; segundo, as boas condições económicas, sociais e financeiras do País (cortesia da herança dos governos de António Costa...) poderiam fazer evitar uma derrota do PSD, ou mesmo dar-lhe nova vitória, mesmo que minoritária (como as sondagens, aliás, indiciam).

O PS poderia ver-se na situação de "ir à lã e ficar tosquiado", com efeitos perniciosos nas eleições locais do outono.

2. Por conseguinte, a não ser que haja alguma mudança substancial de circunstâncias, penso que o PS fará melhor em optar por explorar o "buraco" fundo em que o PM enfiou o Governo, continuando a pressionar pelo cabal esclarecimento da situação, nomeadamente sobre a responsabilidade de Montenegro na gestão da suposta sociedade familiar, sobre o modo de recebimento dos pagamentos das "avenças" e sobre a efetividade dos serviços alegadamente prestados. Se a situação de Montenegro se agravar, o PS pode passar a exigir a substituição dele à frente do Governo ou exigir que avance para uma moção de confiança, pois foi o PM que colocou na agenda a necessidade de confiança para governar. 

Em certas circunstâncias, mais vale continuar a queimar o Governo em "lume brando", ou convidá-lo a arriscar a sua sorte, do que tomar a iniciativa de precipitar a sua queda, e pagar por isso.

[Suprimido um § 3 do post originário, que vai ser publicado como post autónomo.]

AdendaEm consonância com este post, concordo com a decisão do PS de manter a rejeição de uma moção de censura neste momento, e de avançar com um inquérito parlamentar sobre o caso.http://rpc.twingly.com/
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Published on March 03, 2025 10:16

March 1, 2025

Eleições presidenciais 2026 (14): Uma proposta de saneamento legislativo


1. Na edição do Expresso de ontem, num artigo sobre a campanha eleitoral de Marques Mendes, lê-se o seguinte: 
«A direção do PSD já fez saber que apoia a candidatura de Marques Mendes à Presidência da República, mas Luís Montenegro deixou escrito na moção que apresentou ao Congresso que a participação do partido se vai cingir à declaração de apoio. Ou seja, não haverá qualquer apoio financeiro

Supondo que esta foi uma opção do próprio candidato, congratulo-me com a decisão, que vem ao encontro do meu entendimento - que exprimi AQUI e AQUI - sobre a ilegitimidade, e não somente a inconveniência, da organização e do financiamento partidário das campanhas presidenciais, por violação do princípio constitucional da pessoalidade e independência das candidaturas, que é manifestamente incompatível com compromissos ou dependências partidárias. 

2. Dada a importância crucial deste ponto para a igualdade das candidaturas e a legitimidade política das eleiçoes, penso que a questão não deve ser deixada à livre decisão dos candidatos e dos partidos que eventualmente os apoiem, pelo que entendo que deve ser afastada da ordem jurídica a infeliz cláusula legal que permite a organização e o financiamento partidário da campanha dos candidatos presidenciais.

Para alcançar esse objetivo há duas vias: (i) a revogação desse preceito pela AR, para o que é necessária um maioria absoluta, dado tratar-se de matéria de "lei orgânica"; (ii) a sujeição desse preceito a fiscalização da sua constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, que pode ser desencadeada, entre outros, pelo PR ou por 1/10 dos Deputados.

Aqui fica o meu desafio, dirigido em especial ao grupo parlamentar do PSD, como partido governante (que decidiu não utilizar aquela faculdade), e ao PR cessante (que também não beneficiou dela na sua eleição). Limpar a referida norma da ordem jurídica, seria um bom serviço à República, a bem da ordem constitucional e da equidade nas eleições presidenciais.

 

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Published on March 01, 2025 10:24

February 28, 2025

Não vale tudo (14): O Primeiro-Ministro em causa

1. Não tendo sido desmentida, a notícia do Expresso de hoje, segundo a qual a "empresa fimiliar" do Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, continua a receber uma transferência mensal de 4.500 euros por mês, por uma "avença" do Casino da Costa Verde, pode ser fatal. Na hipótese menos má, pode tratar-se de remuneração de serviços, em violação óbvia da regra do exclusividade dos cargos governamentais; na pior, poderia tratar-se de um pagamento de favor da empresa concessionária, à espera de retribuição política do Governo, configurando, portanto, um caso de corrupção preventiva. 

Mesmo na hipótese menos grave, parece evidente que a tal empresa familiar de Montengro - que tem como contacto o número de telemóvel pessoal do Primeiro-Ministro e na qual nenhum dos outros familiares (ou seja, a mulher e os filhos) tem competências profissionais para a consultoria em causa (proteção de dados, etc.), como se argumenta aqui -, pode não passar de um mecanismo fraudulento, que é corrente entre os profissionais liberais, para fugirem ao IRS (substituindo-o pelo IRC, com taxas muito mais baixas), descontarem as despesas domésticas e obterem a devolução do IVA nas suas aquisições (incluindo serviços e produtos domésticos...).  

Só que o PM não é um profissional qualquer, não podendo incorrer em tais esquemas de fuga ao fisco e de instrumentalização de fictícias "sociedades familiares" para efeitos fiscais, além da possível violação da regra da exclusividade profissional dos governantes.

2. Nesta situação, se o PM não tomar a iniciativa pessoal de esclarecer cabalmente estas questões, é obrigatório que ele peça à Autoridade Tributária um relatório sobre as contas da suposta sociedade, para verificar :(i) que houve efetivamente serviços prestados nestes meses ao Casino de Espinho e outros clientes, com as devidas faturas, (ii) que o prestador de tais serviços não foi pessoalmente o PM, ou seus delegatários pessoais, e (iii) que os encargos da empresa não incluem despesas familiares.

A confirmarem-se as gritantes suspeitas levantadas para referida notícia, tratar-se-ia da mais grave situação de má conduta institucional de um PM neste meio século de democracia, em termos de conflito de interesses, que poderia preencher a figura do "irregular funcionamento das instituições", que permite ao PR excecionalmente a demissão direta do PM. 

Não tenho dúvidas de que, se se tratasse de um PM do PS, o PSD e o comentariado que lhe é afeto, já estariam a reclamar a sua imediata demissão. E, na falta de defesa convincente, teriam toda a razão!

AdendaUm leitor argumenta que, perante este exemplo, a antigo ministro do PS, Manuel Pinho, «bem poderia ter evitado a prisão, se tivesse inventado uma empresa familiar com sua mulher e uma avença com o BES, para ser a empresa a receber aquilo que tontamente recebeu por debaixo da mesa». O que penso é que quem aceita desempenhar cargos políticos não pode continuar a beneficiar das "habilidades" que o Fisco e a sociedade perdoam aos cidadãos comuns, mas que não são compatíveis com as responsabilidades de um governante, segundo a ética republicana e a integridade política num Estado de direito democrático.
Adenda 2Há quem entenda que a solução está em Montenegro «afastar-se totalmente da Spinummviva», a tal empresa familiar, como sugere o Público. Porém, por um lado, isso não poderia amnistiar a irregular situação passada, nem suprimir as vantagens até aqui recebidas das tais "avenças"; por outro lado, não se vê como é que o PM se pode separar da empresa, se ele é verdadeiramente a empresa, pois não se vê como é que ela existiria ou teria algum cliente sem ele. 
Adenda 3«E se Montenegro se demitisse, o que se seguiria?» No meu entender, dadas as circuntâncias, o PR não poderia recusar a demissão, mas deveria convidar o PSD a tentar formar novo Governo com outro PM. Existe, porém, uma dificuldade, que é o facto de há pouco mais de um ano, aquando da autodemissão de António Costa, por causa do celerado comunicado da então PGR no caso Influencer, o PR não aceitou a proposta do PS de constituição de novo Governo, preferindo a dissolução da AR, de que resultou o afastamento do PS do Governo. Tendo eu criticado na altura essa decisão, continuo a pensar que a autodemissão do PM não justifica a antecipação de eleições parlamentares, se houver condições para formar novo governo no quadro parlamentar existente, mas não sei como que MRS iria emendar a mão, só por se tratar do seu partido...
Adenda 4Muito «zangado com os comentadores», um leitor acha que é preciso «chamar os bois pelo nome, [que] a Spinum viva é um pseudónimo de Montenegro, [que] os clientes dela são clientes seus e os empregados dela são empregados seus e [que] o resto é gozar com o pagode». Descontando a linguagem despejada, não vejo como se pode contrariar o argumento.
Adenda 5Penso que tem razão o leitor que alerta para o facto de que «o único partido que ganha com situações comprometedoras como estas, é o Chega». Sim, como é sabido, a extrema-direita populista alimenta-se dos desprestígio da "classe política".http://rpc.twingly.com/
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Published on February 28, 2025 09:02

February 27, 2025

Stars & stripes (20): A caminho de um Estado autoritário

1. Trump está manifestamente a trabalhar afanosamente nos vários esteios que sustêm qualquer Estado autoritário, nomeadamente o controlo da economia, da informação, dos tribunais e dos militares. 

Quanto à economia, a presença dos tycoons da indústria tecnológica na sua tomada de posse mostra que está alinhada desde o início com Trump, e a prometida redução de impostos e o aumento das tarifas sobre as importações consolidam tal apoio. Quanto à informação, que depende essencialmente do financiamento privado e da publicidade dos negócios, muita já está nas maõs de capangas de Trump, como a Fox e o Washington Post, e outra acabará também por alinhar, com algumas exceções mais resilientes, como a CNN e o New York Times; a discriminação presidencial dos média no acesso às fontes da Casa Branca completa o controlo. 

Quanto aos tribunais e aos militares, a competência presidencial para a nomeação dos juízes federais e dos chefes militares e a maioria Republicana no Senado asseguram o devido controlo. O sistema de governo presidencialista, conjugado com uma maioria conforme no Congresso, ajuda.

2. Na justiça federal, Trump já nomeou  no anterior mandato cerca de duas centenas e meia de juízes, que são vitalícios, e tem numerosas vagas para preencher neste. Controlo avassalador, portanto. Nas forças armadas, ao contrário do que tinha feito no seu primeiuro mandato, desta vez Trump está a proceder, sem escrúpulos, a uma meticulosa purga nas chefias militares (como se descreve AQUI), para prevenir qualquer resistência ou oposição à instrumentalização política do exército. 

Sem oposição visível dos Democratas - ainda a lamber as feridas da traumática derrota nas presidenciais -, o caminho para o autoritarismo presidencial nos Estados Unidos está a ser friamente aplanado e avança a passos rápidos. 

Outras tentativas houve no passado, que acabaram por não vingar. Resta esperar que, também desta vez, a força das liberdades civis e políticas que fizerem a democracia liberal na América acabem por levar a melhor. Como sempre, o principal fator pode ser o insucesso da aventureira política económica de Trump, virando o feitiço contra o feiticeiro, se possível já nas eleiçõess intercalares do Congresso em 2026. Mas, mesmo que tal ocorra, a reversão os estragos de Trump não vai ser fácil nem rápido.

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Published on February 27, 2025 16:00

Contra a corrente (11): "Canhões" em vez de "manteiga"

1. Vai por aí, em toda a Europa, uma onda a favor do aumento substancial da despesa militar, que começou por fixar o objetivo de 2% do PIB, mas que agora já vai em mais de 3%, o que em vários países significaria mais do duplicar o seu atual nível, como seria o caso de Portugal, passando de 3 000 milhões, por ano, para 6 400 milhões de euros

Capitaneada pelo Secretário-geral da Nato, esta onda é vigorosamente instigada pelos países do Leste europeu e acompanhada pelos líderes da UE e do Reino Unido, especialmente depois de Trump ter anunciado o abandono pelos EUA do seu papel de escudo da defesa da Europa ocidental, que assumira, no quadro da Nato, desde o início da "guerra fria" entre o ocidente e a então União Soviética.

A principal alavanca desta corrida armamentista é uma alegada ameaça russa, que a invasão da Ucrânia teria ilustrado. Ora, para além desse inverosímil pretexto (como mostrei AQUI), os factos mostram que a Europa ocidental já dispõe de uma evidente vantagem sobre a Rússsia, não só em população e capacidade económica, mas também em poderio militar, pois como mostra a figura junta (colhida AQUI), só por si, os três maiores países europeus da Nato (Alemanha, Reino Unido e França), têm em conjunto uma despesa militar muito superior à russa (231 mil milhões de dólares contra 146 mil milhões), apesar de esta estar em guerra há três anos. 

Mesmo que a tal ameaça russa tivesse algum fundamento, não se vê por que é necessário multiplicar a despesa militar ocidental para a dissuadir eficazmente.

2.  No estado atual das finanças públicas dos países europeus (défice e endividamento público elevados, problemas de sustentabilidade dos sistemas de saúde e de pensões, etc.), o esforço orçamental para satisfazer uma subida da despesa militar daquela grandeza só seria possível, ou mediante uma subida da carga fiscal (já hoje muito elevada) ou, mais provavelmente, mediante um corte sério noutras despesas públicas, desde o investimento público (afetando o crescimento económico, já de si débil), passando pela ajuda internacional ao desenvolvimento (de que dependem tantos países pobres), até à despesa social, em saúde, educação, proteção social -, despesa esta que costuma ser o primeiro alvo em situações de constrangimento financeiro dos Estados.

A tese de que é possível gastar muito mais em "canhões" sem cortar na despesa em "manteiga", parece-me de todo improcedente, tanto mais que a despesa social não para de aumentar, desde logo por razões demográficas. No caso português, não se vê como é que se pode somar à despesa em defesa mais de 3 000 milhões de euros por ano, sem cortar na despesa social. 

Como a experiência passada mostra, se os maiores beneficiários do aumento da despesa militar são a indústria armamentista e os países mais avançados nela, a sua vítima imediata, e a longo prazo, é o Estado social.

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Published on February 27, 2025 03:58

February 26, 2025

O que o Presidente não deve fazer (53): Os limites do Presidente-comentador

1. Segundo o Diário de Notícias de hoje, ontem, pouco depois de o Ministro da Defesa ter afirmado perante a comissão parlamentar respetiva que os EUA são aliados permanentes, «independentemente do que a administração Trump disser ou fizer», Marcelo Rebelo de Sousa veio declarar aos jornalistas que «temos de perceber se a NATO é para levar a sério ou não, porque se a América tem reservas, na prática, em relação ao seu envolvimento na Ucrânia (...)já se percebeu que está difícil de convencer os aliados, ou antigos aliados norte-americanos - nunca se percebe bem, com esta nova administração -, a participarem nesse esforço de segurança [da Europa]».

Se é inaceitável em geral que o PR faça comentários públicos sobre a política de defesa, que é da exclusiva competência do Governo, é inadmissível que contrarie publicamente as posições governamentais na matéria, por mais discutíveis que sejam -, mas isso é tarefa para a oposição e para os comentadores (como eu), não para o Presidente da República.

2. Além de estatuir que é ao Governo que compete «a condução da política geral do País» - respondendo politicamente por ela apenas perante a AR - , a única obrigação que Constituição impõe ao Primeiro-Ministro é a de «informar o Presidente da República acerca dos assuntos respeitantes à condução da potica interna e externa do Páis».

Mas, além dessa estrita obrigação de informação, é comummente aceite o entendimento constitucional de que, embora não tendo responsabilidades governativas, o PR pode aconselhar o Governo, desde que o faça diretamente e de forma discreta (ou seja, nunca por intermédio de jornalistas!), para respeitar a separação de poderes e a liberdade do Primeiro-Ministro na condução da política governamental. E, indo mais além, também parece consensual a ideia de que em matéria de política de defesa e de política externa existe mesmo um dever do PM de consultar antecipadamente o PR sobre a execução dessas políticas, dados os poderes presidenciais específicos nessas duas áreas (comandante supremo das Forças Armadas, presidente do Conselho Superior de Defesa Nacional, representante externo da República, nomeação de embaixadores). Aliás, ambas estas regras fazem parte, desde há muito, da prática política normal e incontroversa entre São Bento e Belém.

Por conseguinte, para respeitar o quadro constitucional das suas competências, quando perguntado pelos jornalistas sobre questões dessa natureza, o PR deveria responder simplesmente o seguinte: «Como sabem, trata-se de matéria da competêmcia do Governo, sobre a qual terei certamente a oportunidade de transmitir a minha opinião ao PM, mas compreendem que não possa adiantá-la publicamente.»

Chegado ao último ano do seu mandato, será tarde para convencer Marcelo Rebelo de Sousa de que não é um comentador externo da vida política; mas, para impedir qualquer forma de "usucapião" de poderes nesta matéria, nunca é tarde para lembrar os estritos limites constitucionais dos seus limitados poderes em relação ao Governo.

AdendaComentando as muitas intervenções públicas de MRS, um leitor observa que ele «regressou, completamente, à sua posição pré-presidencial decomentador e explicador da vida política». Pois é, mas o que sustento é que a atividade de comentador político, sobretudo quando tem por objeto a política governamental ou as posições da oposição, não é compatível com o mandato presidencial, e não é para isso que elegemos o PR. 
Adenda 2Não estou de acordo com o leitor que observa que «as pessoas já não ligam muito aos comentários de MRS e [que] daí não vem grande mal ao mundo». Na minha opinião, as frequentes declarações em modo de comentador banalizam a função presidencial, e a sua interferência na esfera própria do Governo e da AR subverte a separação constitucional de poderes e gera confusão entre os cidadãos sobre quem dirige a política nacional. http://rpc.twingly.com/
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Published on February 26, 2025 05:17

February 25, 2025

Guerra na Ucrânia (61): Uma "ameaça russa" sobre a Europa?

 1. Comprende-se que o presidente ucraniano repita sem descanso a ideia de que o alvo da Rússia, depois da Ucrânia, é a Europa, porque isso serve de argumento para reivindicar o decisivo apoio financeiro e militar da UE e do Reino Unido. E também se compreende que essa ideia seja repetida à saciedade pelos falcões da Nato e pelos chefes de fila russófobos no Leste da Europa, porque ela alimenta os seus interesses belicistas. O que se não compreende é que a suposta "ameaça russa à Europa" se tenha tornado um "mantra" no discurso dos próprios dirigentes da UE.

A questão é esta: existe algum indício minimamente credível de algum plano ou projeto de ataque russo à Europa? Faz algum sentido uma tal eventualidade, em termos militares, tendo em conta que se trata de países da Nato (quase todos) e que dois deles (França e Reino Unido) são potências nucleares? E qual seria o objetivo político de uma guerra da Rússia contra a Europa ocidental: expansão e ocupação territorial, submissão política, capricho imperial?

A história regista devastadoras invasões da Rússia provindas da Europa ocidental (Napoleão e Hitler), mas não o contrário, mesmo quando a Rússia encabeçava o império soviético e o mundo comunista em geral. Equacionar uma operação dessas nos dias de hoje, não faz o mínimo sentido.

2. Desde o início que a Rússia enunciou claramente os seus objetivos na invasão da Ucrânia: impedir a  entrada desta na Nato, abandonando o seu estatuto de neutralidade, por razões de segurança nacional russa; libertar a maioria russófona no Dombass da flagelação militar ucraniana, em flagrante incumprimento dos acordos de Minsk; e mudar o regime em Kiev, de modo a assegurar ambos os objetivos anteriores.

Portanto, a Rússia nem põe em causa a existência da Ucrânia (cuja entrada na UE não questiona), nem deu algum sinal de ter alvos militares para além da Ucrânia (ao contrário do que se chegou a temer em relação à Moldova). Mesmo depois da recente retirada do apoio dos EUA a Kiev, o máximo a que Putin poderá aspirar, na base da sua vantagem militar no conflito, além da exclusão da integração da Ucrânia na Nato (que obviamente é uma "linha vermelha" para Moscovo), é o reconhecimento da anexação da Crimeia e do Dombass, sabendo, porém, que isso só pode ser alcançado no quadro de um acordo credível, envolvendo terceiros paises, que inclua firmes garantias políticas e militares de segurança da Ucrânia (e, reciprocamente, da Rússia).

O apoio ocidental à Ucrânia deve valer por si mesmo, como ajuda à autodefesa de um país vítima de agressão externa, mas não precisa da ideia infundada de que a defesa de Kiev é a primeira linha da defesa de Berlim, Paris ou Londres...

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Published on February 25, 2025 16:30

Como era de temer (13): O fim do ensino politécnico?

1. Aproveitando a "deixa" do projeto governamental de revisão do RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior), que levianamemte admite a conversão de instituições politécnicas em universitárias (como denunciei AQUI), começou a corrida para o abandono do ensino politécnico, iniciada pelo IP do Porto, a que outros se seguirão, obviamente.

Sucede, porém, que tal alteração da lei ainda não está aprovada, e é de esperar que o não seja, tanto mais que o projeto do PS não contempla essa possibilidade. Aliás, espero que a abertura desta corrida de migração do ensino politécnico para o ensino universitário e a verificação do perigo que o apagamento do sistema binário encerra, sejam um bom argumento para não avançar por aí.

O desaparecimento do ensino politécnico e a uniformização do ensino superior seriam uma enorme perda para o País. É de esperar que, mesmo em ano de eleições autárquicas, o bom senso político prevaleça sobre os interesses dos lobbies profissionais e locais que promovem esta subversão do sistema do ensino superior no nosso país.

2. Na sua reivindicação, o IP do Porto argumenta que a conversão já é admitida pela lei atual, mas não tem nenhuma razão. 

O atual RJIES não permite tal metamorfose, pela simples razão de que, no sistema binário, os dois subsistemas têm natureza diferente, quando ao tipo e aos fins do ensino ministrado e da investigação efetuada. Uma coisa são os requisitos para um "instituto universitário" se transformar em "universidade", quanto a áreas de ensino e de graus académicos - e é só disso que trata o RJIES -, e outra coisa completamente diferente seria a transformação de uma instituição politécnica em universitária -, o que, pura e simplesmente, está fora da atual lei.

O que pode vir a ser possível, porque nisso há convergência entre os projetos de revisão do RJIES, é a promoção de "institutos politécnicos" em "universidades politécnicas", quando verificados certos requisitos quanto a áreas de ensino e graus académicos, os quais, a meu ver, devem semelhantes aos da passagem de institutos universitários a universidades. Mas, como é bom de ver, as futuras "universidades politécnicas" continuam no subssistema de ensino politécnico.

No entanto, a aprovação da nova lei não está para amanhã. No estado atual da legislação, o precipitado pedido do IP do Porto só merece a rejeição liminar do Governo.

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Published on February 25, 2025 10:00

February 24, 2025

Eleições presidenciais 2026 (12): Ideias perigosas

1. É muito provável que o verdadeiro manifesto de candidatura que Gouveia e Melo (GM) publicou no Expresso do fim de semana passada venha confirmar, se não reforçar, a sua liderança nas sondagens sobre intenções de voto nas eleições presidenciais de janeiro do próximo ano. 

A receita não poderia ser mais bem concebida: (i) exploração da nota das virtudes pessoais de "liderança" e "capacidade de decisão", subliminarmente associadas à condição militar; (ii) reiterada afirmação das vantagens de um Presidente sem fidelidade partidária, e por isso à margem de "compadrios ou intrigas político-partidárias"; (iii) afastamento das dúvidas sobre a sua colocação no expectro político, colocando-se no seu centro geométrico, entre o PS e o PSD; (iv) compromisso expresso com a democracia liberal e a economia de mercado, respeitando o acquis quase consensual deste meio século de regime democrático; (v) last but not the least, a promessa de submeter a "referendo" dos eleitores, mediante a antecipação das eleições parlamentares, a destituição dos governos que, no entender do Presidente, traiam as suas promessas eleitorais ou deixem de contar com o apoio da opinião pública. A única falha digna de registo é a estranha ausência de qualquer referência à integração nacional na União Europeia.

Em suma, a começar pelo feliz título da peça ("Honrar a democracia"), há nela pouco para afastar e muito para atrair a generalidade dos eleitores, salvo a extrema-direita e a extrema-esquerda. 

2. Mas uma análise mais funda sobre o entendimento de GM acerca dos poderes presidenciais, em especial o de dissolução parlamentar, suscita sérias preocupações. 

Constitucionalmente, salvo dois curtos períodos de "defeso" - após a eleição parlamentar e antes da eleição presidencial -, a dissolução parlamentar surge, à primeira vista, como um poder discricionário do Presidente, sem condições especiais, só dependente de adequada fundamentação. Todavia, por um lado, traduzindo-se a dissolução na interrupção da legislatura e do mandato quadrienal conferido pelos eleitores, ela constitui uma derrogação da separação de poderes e da autonomia do parlamento, pelo que só deve ocorrer em caso de necessidade, como medida de última instância, nomeadamente para solucionar impasses ou crises políticas. Por outro lado, levando a dissolução parlamentar necessariamente à demissão do Governo em funções, ela não pode ser instrumentalizada como mecanismo de tutela política do Presidente sobre o executivo, quando a Constituição, desde a revisão de 1982, exclui manifestamente a responsablidade política do Governo perante o PR.

Ora, no texto de GM é evidente o propósito de usar a dissolução parlamentar em função do juízo de Belém sobre o mau desempenho do Governo, tornando em regra geral o que até agora só tinha ocorrido no caso excecional da dissolução de 2004 (Jorge Sampaio).

3. O texto merece ser reproduzido aqui, para não haver dúvidas: 

«Este poder [de dissolução] só deve ser exercido quando existir a forte convicção que o contrato entre governados e governantes [estabelecido nas eleições parlamentares] foi significativamente comprometido: por uma perda de confiança insanável do povo no Parlamento e/ou no Governo em funções; por um desfasamento grave entre os objetivos-prática do Governo e a vontade previamente sufragada pelo povo (...).»

Nesta passagem nuclear do seu texto, GM adota uma visão essencialmente errada dos mandatos políticos numa democracia representativa, em que (i) os governos não são diretamente eleitos, em que (ii)  nem os partidos nem os deputados têm um mandato vinculativo, em que, portanto, (iii) não existe nenhum "contrato governativo" entre governantes e governados, em que (iv) os governos têm direito a ser julgados no final do seu mandato, e não num momento menos favorável do seu percurso, e em que, (v) consequentemente, não há lugar para a figura do recall, ou seja, submeter a votação popular a destituição antecipada do mandato de um cargo político.

Acresce que a maior parte dos governos são minoritários ou de coligação, pelo que os partidos de governo se veem impedidos à partida de realizar os seus programas eleitorais, seja por falta de apoio parlamentar, seja pelos compromissos inerentes às coligações de governo. Neste quadro, faz muito pouco sentido falar em incumprimento de um suposto "contrato governativo". E se houvesse, a Constituição não confere ao PR o poder de sancionar o governo e a mairia parlamentar pelo alegado incumprimento, que cabe à oposição no parlamento durante o mandato e aos eleitores no final dele. 

Ao contrário, quem não responde pelos abusos de poder no seu mandato - que, aliás, não pode ser encurtado -, é o próprio Presidente da República, pelo que o mais prudente é não facilitar numa definição expansiva do âmbito desses poderes.

4. O autor utiliza a controversa noção de "semipresidencialismo" para qualificar o sistema de governo vigente, o que pode explicar a sua conceção intervencionista do papel do PR. 

É certo que, sendo, a meu ver, errada a qualificação semipresidencialista do nosso sistema de governo, desde a revisão de 1982 (como mostrei AQUI), há, porém, muita gente, incluindo muitos comentadores e politólogos, que a usam acriticamente sem nenhuma substância própria, para designar indiferenciadamente os países que conjugam o sistema de governo parlamentar com um PR diretamente eleito, onde, portanto, também caberia Portugal. No entanto, no caso de GM, não sobram dúvidas de que a noção está usada em sentido próprio, ou seja, para designar uma fórmula de governo em que o Presidente também compartilha do poder executivo e em que o Governo não responde politicamente somente perante o parlamento, mas também perante aquele, pelo menos através da tutela presidencial sobre o desempenho do Governo para efeitos de dissolução parlamentar, como se viu.

Mas, como é evidente, instalar a ameaça de dissolução parlamentar, a qualquer momento, por alegado incumprimento do "contrato de governo" ou de invocada perda de confiança do eleitorado no Governo seria uma receita para a desconfiança permanente nas relações entre Presidente e o PM e para a insegurança e a instabilidade política, que é justamente o contrário do que se espera do "poder moderador" do PR no nosso sistema de governo, tal como está desenhado na Constituição.

AdendaUm leitor, que diz não ter filação partidária e já ter votado em vários partidos, considera inaceitável considerar, como insinua Galvão e Melo, que os quatro PR anteriores (Soares, Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo R. S. ), todos tendo sido líderes dos reptivos partidos, exerceram o seu mandato "ao serviço dos partidos". Concordo: a independência e a isenção política que é inerente a vários cargos públicos, e não somente ao PR, não pressupõe a virgindade partidária, mas somente a suspensão da vinculação partidária.http://rpc.twingly.com/
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Published on February 24, 2025 17:24

Vital Moreira's Blog

Vital Moreira
Vital Moreira isn't a Goodreads Author (yet), but they do have a blog, so here are some recent posts imported from their feed.
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