Vital Moreira's Blog, page 16
January 28, 2025
+ União (85): Requiem pela Nato?
1. Que sentido faz uma aliança político-militar, como a Nato, quando a sua maior potência política e militar (os EUA) faz um ultimatum a um pequeno aliado (a Dinamarca) para obter a cedência de uma parte do território deste (a Gronelândia), ameaçando-o com a aplicação de elevadas tarifas aduaneiras (aliás, patentemente ilegais, ao abrigo das normas que regem o comércio internacional, que justamente proíbem a discriminação nas relações comerciais internacionais)?
Se a Nato é uma aliança de defesa solidária dos seus membros contra ameaças externas, ela pressupõe claramente, sob pena de contradição insanável, a exclusão de ameaças de anexação territorial dentro da própria aliança, de um dos seus membros sobre outro.
2. Todavia, perante a soez provocação imperialista de Washington, enquanto a Dinamarca riposta com um assertivo "não" e anuncia o reforço do seu investimento de defesa da Gronelândia, as instituições políticas da UE optam por uma equívoca não-condenação, como se Trump não estivesse a falar a sério e a ameaça fosse "hipotética".
Ora, o mínimo que se impõe é que em situações de ameaça externa desta gravidade e perante a desproporção de forças em confronto, a União condene sem ambages a iniciativa norte-americana e preste à partida plena solidariedade ao seu Estado-membro, a fim de desativar a insólita ameaça.
AdendaEm exceção ao pusilânime silêncio dos restantes Estados-membros, saúde-se a disponibilidade da França para instalar tropas na Gronelândia, se a Dinamarca o pedir. Sim, há quem ponha os princípios acima das conveniências.Adenda 2O jornal eletrónico Politico informa que a Comissária das Relações Internacionais da UE convidou o seu homólogo americano a participar numa reunião dos embaixadores da União, para avaliar as relações transatlânticas, e que Rubio nem sequer respondeu. Penso que, depois de excluir Bruxelas dos convites para cerimónia da sua tomada de posse, parece óbvio que Trump nem sequer reconhece a UE como interlocutor político e que vai fazer tudo para a dividir e debilitar.http://rpc.twingly.com/
January 27, 2025
Causa palestina (13): Uma vergonha
Como se não bastasse a chacina israelita em Gaza, ao longo destes meses, com pleno apoio de Washington, sob Biden, perante o silência cúmplice da UE, Trump vem agora defender a deportação da população gazense para outros países árabes, obviamente de modo a integrar definitivamente o território em Israel, livre dos seus habitantes (ao mesmo tempo, aliás, que os colonatos israelitas vão acupando o que resta da Cisjordânia....).
Se esta proposta de verdadeira e própria limpeza étnica e de aniquilação da Palestina é infame, não o é menos o cobarde silêncio da UE e de quase todos os Estados-membros, incluindo Portugal. Uma cumplicidade com o novo imperialismo agressivo americano-islaelita que nos envergonha como europeus e como portugueses.
http://rpc.twingly.com/January 26, 2025
Ética republicana (6): Indignidade parlamentar
Concordo com o comentário de Marques Mendes de hoje, a propósito do miserável caso do deputado manifestamente envolvido no furto de malas no aeroporto, quando defende que a AR deveria ter um instrumento de julgamento e punição das infrações do código deontológico dos deputados, incluindo a suspensão do mandato, nos casos mais graves, como este.
Todavia, não existindo tal mecanismo disciplinar no Estatuto dos Deputados (e sendo pelo menos duvidoso que pudesse existir sem credencial constitucional, como é o caso...), a AR vai ter de esperar pela instauração do procedimento criminal para poder suspender o deputado, para efeito de seguimento do processo - como previsto na Constituição -, ficando portanto dependente da celeridade das autoridades judiciárias em promover a acusação.
Entretanto, num caso da gravidade deste, que afronta grosseiramente a dignidade parlamentar, há um remédio sempre disponível para o caso de a criatura não se autossuspender, que é a sua ostracização dentro do parlamento, no plenário e fora dele.
http://rpc.twingly.com/January 25, 2025
Estado social (13): Alerta do Tribunal de Contas
1. É bem-vindo este alerta do Tribunal de Contas na sua recente auditoria ao Relatório sobre a sustentabilidade financeira da Segurança Social, em especial quanto à sustentabilidade do sistema de pensões, acusando-o de «não ser completo nem abrangente, prejudicando a compreensão dos riscos financeiros, económicos e demográficos que recaem sobre a sustentabilidade global com a proteção social».
Com efeito, por um lado, as pensões da Caixa Geral de Aposentações - relativas aos funcionários públicos entrados antes de 2006 - estão a ser financiadas em grande parte por transferências orçamentais, ou seja, por impostos, por causa da perda das contribuições dos novos funcionários, que passaram para o sistema geral; por outro lado, o sistema geral passou a beneficiar crescentemente dessas contribuições, sem contrapartida no pagamento de pensões, por os beneficiários ainda não terem atingido a idade da aposentação.
2. Por isso, a sustentabilidade do sistema de pensões só pode ser avaliada globalmente, entrando em linha de conta com os dois subsistemas, incluindo o défice crescente da CGA (por efeito da diminuição de subscritores e do aumento de pensionistas), em vez de olhar somente para o saldo positivo do sistema geral, claramente favorecido pela entrada das contribuições dos funcionários públicos depois de 2005.
Ora, nessa visão abrangente, e ao contrário do que estamos habituados a ouvir, a conclusão que se obtém quanto à sustentabilidade financeira do sistema de pensões é tudo menos tranquilizadora, revelando um défice anual substancial nas próximas décadas.
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January 24, 2025
Corporativismo (60): Ordem ou sindicato?
Perante mais esta investida oficial da Ordem dos Advogados quanto a segurança social dos seus membros, ocorre perguntar quando é que a OA se convence definitivamente de quatro coisas elementares:
- que as ordens profissionais não são sindicatos nem associações profissionais privadas, com a liberdade reivindicativa de que ambos gozam;- que, como entidades públicas que são, as ordens só têm as atribuições e os poderes conferidos por lei, que têm a ver exclusivamente com a supervisão do acesso e do exercício profissional e com a disciplina das respetivas profissões;
- que, tal como as tarefas sindicais, a segurança social também não faz parte das atribuições das ordens, ao contrário do que sucedia no regime corporativo do "Estado Novo", extinto há meio século;
- que, estando a segurança social dos advogados confiada legalmente à CPAS, numa insólita solução de autoadministração delegada, é por essa via própria que os advogados (e solicitadores) devem fazer as suas propostas nessa área.
Entretanto, como não é a primeira vez que a OA atua ultra vires nesta matéria, tendo chegado a organizar um referendo ilícito sobre o assunto, a pergunta que se coloca é esta: quando é que, no desempenho da sua incumbência constitucional de "defesa da legalidade democrática", o Ministério Público decide finalmente impugnar judicialmente estes atos da OA, confinando-a aos poderes que lhe foram delegados pelo Estado?
http://rpc.twingly.com/January 23, 2025
História constitucional (11): Constituição de 1822
1. Decorreu ontem na AR a sessão de lançamento do vol II da História Constitucional Portuguesa, dedicado à Constituição de 1822, produto da minha coautoria com o meu colega da Universidade Lusíada / Porto, José Domingues.
Publicada pelo departamento editorial da AR, a sessão de apresentação foi presidida pela Vice-presidente, Deputada Teresa Morais, e consistiu essencialmente numa excelente e cuidada análise da obra pelo Professor Pedro Barbas Homem, da FDUL (à direita na foto), ele próprio um estudioso do constitucionalismo liberal, que pôs em relevo a revolução constitucional trazida pela Constituição e os seus traços essenciais, bem como os fatores que motivaram o insucesso do constitucionalismo vintista e a sua breve duração.
2. Enquanto o Prof. José Domingues expôs brevemente a origem e o plano do projeto da publicação da nossa obra - cujos próximos volumes, em 2026, vão ser naturalmente dedicados à Carta Constitucional de 1826 e à Constituição de 1976, por sinal as duas únicas constituições nacionais que passaram o "teste do tempo" -, eu sublinhei que, se a Constituição vintista teve vida efémera, foi, porém, duradouro e marcante o legado que deixou às constituições posteriores, nomeadamente a Constituição setembrista de 1838, a Constituiação republicana de 1911 e a Constituição democrática de 1976, sob a qual vivemos.
Como afirmei, no meu entendimento, pela rutura histórica que significou em relação ao Antigo Regime e pelo legado que deixou, nenhuma outra contribuiu tanto como a Constituição de 1822 para a identidade constitucional e para a cultura constitucional nacional.
http://rpc.twingly.com/January 19, 2025
Stars & Stripes (16): A "internacional reacionária" em Washington
1. A tomada de posse de Trump em Washington vai ser uma verdadeira reunião daquilo que já é designado por "internacional reacionária", ou seja, a rede dos expoentes da extrema-direita populista mundial.
No caso europeu, entre os chefes de Governo convidados para a cerimónia, só estão Orban (Hungria) e Meloni (Itália). Nos demais países da UE, os convidados são os líderes nacionais dos partidos da extrema-direita, como A. Weidel (Alemanha), Zemour (França), Abascal (Espanha), Ventura (Portugal), e assim por diante. Sem surpresa, dado o desprezo de Trump por ela, a UE é totalmente ignorada, não havendo convite nem para a Presidente da Comissão, nem muito menos para o Presidente do Conselho Europeu...
Como se vê, a lista de convites de Trump para a cerimónia não poderia ser mais expressiva da sua identidade política, nem mais provocatória.
2. A direita tradicional europeia foi pura e simplesmente excluída, evidenciando as novas alianças do Partido Republicano dos Estados Unidos, que costumava enfileirar externamente com a direita democrática. E como mostra a direta ingerência do bilionário e dono da rede X (ex-Twitter), Elon Musk, novo braço direito de Trump, apoiando a AFD na Alemanha na atual campanha eleitoral, a nova "internacional reacionária" não desampara os seus membros.
Decididamente, Washington passou a ser o farol da extrema-direita mundial e o conceito ocidental de democracia liberal deixou de ser bem acolhido do outro lado do Atlânico-norte.
http://rpc.twingly.com/January 18, 2025
Antologia do nonsense político (27): Abolição do IUC !?
Mesmo sendo uma associação de defesa dos interesses dos automobilistas, não se compreende como é que o ACP pode defender nos dias de hoje a abolição do Imposto Único de Circulação (IUC), que é, na verdade, uma pequena compensação das "externalidades negativas" do automóvel sobre a coletividade, a começar pelos danos ambientais, pela degradação dos pisos e pelo congestionamento urbano.
Pelo contrário, entendo que o IUC deveria ser aumentado, a par de outras medidas para tornar o automóvel mais oneroso e para reduzir o seu uso (em favor do transporte público, do táxi e do TVDE), tais como o fim do estacionamento público gratuito e o aumento da zonas interditas ao trânsito nas cidades.
Decididamente, a qualidade de vida urbana não é compatível com o crescimento ilimitado da invasão automóvel em curso.
http://rpc.twingly.com/January 17, 2025
O que o Presidente não deve fazer (52): Uma condecoração indevida
Que merecimento especial no exercício do seu cargo ou que contribuição destacada à causa pública é que justifica a condecoração presidencial da ex-PGR, Lucília Gago?
Eu sei que as condecorações - que a I República procurou inicialmente abolir - se tornaram um ritual crescentemente desvalorizado pela sua banalização, sendo atribuídas com grande prodigalidade, incluindo, desde logo, todos os titulares de certos cargos públicos, independentemente do mérito no seu desempenho. Mas no caso concreto, trata-se de premiar um mandato lamentável, em que a responsável máxima da PGR manteve a captura sindical-corporativa da instituição, deixou campear a violação sistemática do segredo de justiça na fase do inquérito e instrumentalizar a investigação criminal para efeitos de perseguição política e que culminou a sua atuação com o verdadeiro golpe de Estado que levou à demissão do Primeiro-Ministro, António Costa, dando ao PR um pretexto para dissolver a AR e virar o ciclo político.
Por isso, correndo o risco de ser interpretada como um prémio por esse abuso qualificado de poder, esta condecoração não deveria ter sido atribuída.
http://rpc.twingly.com/January 16, 2025
Eleições presidenciais 2026 (6): "Estrada real" para o Almirante?
1. A clara liderança do Almirante Gouveia e Melo nas sondagens de opinião nesta fase preparatória das eleições presidenciais, a realizar daqui a um ano, tem a ver não somente com o seu brilhante desempenho à frente da missão anti-Covid e o assertivo comando da Marinha, mas também por ser militar e, nessa qualidade, ser percebido pela opinião pública como o contrário de Marcelo de Rebelo de Sousa em três aspetos onde este falhou:
- voltar a conferir ao cargo presidencial a elevação, a discrição e o recato institucional, que MRS deliberadamente desbaratou;
- dar garantias de exigente independência partidária e equidade política no exercício do cargo, o que MRS descuidou em alguns momentos críticos;
- respeitar o perfil constitucional do Presidente como "poder moderador" e a autonomia política do Governo, sem pretender ser cotitutlar da função governativa, como foi a tentação de MRS.
2. Acresce que do lado dos candidatos de origem partidária não se perfila, por agora, nenhum adversário que o possa bater facilmente.
O candidato oficial do PSD, Marques Mendes, apesar da sua notoriedade como comentador televisivo, pode não ser capaz de ir além dos eleitores do seu partido, o que não chega. O autoafastamento de Mário Centeno, além de poder condenar o PS a apoiar, sem nenhum entusiasmo, o seu antigo secretário-geral, A. J. Seguro, exclui da corrida presidencial um dos poucos candidatos da área socialista que poderia ir à segunda volta e disputar a vitória. Acresce que a multiplicação de candidatos partidários, quer à direita (Chega, Livre, etc.), quer provavelmente à esquerda (BE e PCP), vai contribuir para a fragmentação do voto na 1ª volta e reduzir a votação dos candidatos apoiados pelo PSD e pelo PS.
Se, face aos dados atuais, a passagem de Gouveia e Melo à 2ª volta parece provável, não se sabe por quem será acompanhado.
3. Até aqui, mesmo sem se ter ainda anunciado publicamente a sua candidatura, as coisas não poderiam estar a correr melhor ao Almirante.
Mas faltam obviamente dois testes políticos decisivos: (i) o teor do seu manifesto de candidatura e (ii) a composição da sua comissão de apoio. Isto, sem falar da dificuldade em mobilizar o necessário apoio logístico e financeiro para a campanha.
Ou seja, o caminho de Gouveia e Melo para Belém não vai ser uma "estrada real".
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