Vital Moreira's Blog
October 18, 2025
Não dá para entender (41): A questão da burqa
1. Não é que não haja bons argumentos para proibir o uso da burqa em público, que aliás levaram vários países a fazê-lo, na Europa e fora dela (incluindo países muçulmanos), e justificaram a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos de não considerar tal proibição incompatível com a Convenção.
O problema é que em Portugal se trata de responder a uma questão inexistente, não havendo notícia de uso frequente da burqa em alguma comunidade imigrante. Como mostram os dados recentes, a imigração orinária de países muçulmanos é pouco significativa, e a sua proveniência é de países onde o uso da burqa não é comum.
2. Por isso, a iniciativa do Chega agora aprovada na AR não passa de mais um degrau na construção de uma cruzada anti-islâmica ao serviço do discurso anti-imigração, xenófobo e islamófobo do partido populista. Por isso, é incompreensível que esta proposta, destinada a alimentar o ódio étnico e religioso, tenha colhido o pronto apoio da Iniciativa Liberal e do PSD, em mais um elo no processo de "cheguização" do centro-direita em Portugal.
Há alianças que comprometem.
AdendaUm leitor entende que as pessoas devem ter a «liberdade de se vestir como quiserem e que a burqa só deveria ser interdita, quando forçada». Duas objeções: 1º - como todas, a liberdade no vestuário tem limites, e o rosto tapado coloca problemas de segurança e de identificação de pessoas com mandado de detenção; 2º - no caso da burqa nunca se sabe se se trata de opção livre da mulher que o usa ou de coação familiar ou comunitária. A questão da sujeição feminina na cultura islâmica tradicional não pode ser descartada.http://rpc.twingly.com/October 16, 2025
Contra a tentação presidencialista (4): Do prefácio de António Costa
October 15, 2025
Contra a tentação presidencialista (3): A minha nota de apresentação
October 14, 2025
Contra a tentação presidencialista (2): Sumário do livro
Contra a tentação presidencialista (1): Um livro para um debate necessário
Este meu novo livro, com prefácio de António Costa, sai para as livrarias nesta quinta-feira, e o lançamento público, com apresentação de Pedro Adão e Silva, é na próxima terça-feira em Lisboa.AdendaReportando-se a este comentário do Expresso, um leitor considera «exagerada a crítica de Costa a Marcelo». Sucede, porém, que esse comentário, a começar pelo seu título especulativo, não é uma leitura correta do prefácio do antigo Primeiro-ministro, que cuida de não emitir nenhum juízo sobre o mandato do PR cessante nem sobre nenhum episódio entre ele e o PR. No livro o encargo da crítica ao desempenho presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa recai sobre o autor do livro, e não sobre o prefaciador.
Adenda 2O livro já se encontra em pré-venda no site da Bertrand.
http://rpc.twingly.com/
October 12, 2025
Ainda bem! (8): "Notícias" claramente exageradas
1. Nas eleições locais de ontem (resultados AQUI) não se confirmaram os maus augúrios sobre o "declínio do PS", a que a humilhante derrota nas eleições parlamentares, sob a desastrosa liderança de Pedro Nuno Santos, tinham dada origem no comentariado nacional.
Quer pela percentagem de votos nacional (mais de 30%, somando as coligações com pequenos partidos), quer pelo número de municípios ganhos (incluindo a conquista de cidades como Bragança, Viseu, Coimbra, Évora e Faro), o PS está de volta claramente à cena política como um dos dois grandes partidos nacionais. A notícia da iminente "morte do PS" era manifestamente exagerada.
2. Tambem eram manifestamente exagerados os riscos de o Chega transferir para o poder local o elevado resultado que obteve nas eleições legislativas.
Com uma susbtancial quebra eleitoral e com apenas três presidências de CM, atrás do PCP e do CDS, dificilmente poderiam ser mais modestos os ganhos da extrema-direita populista. O desaire de Ventura também é uma boa notícia.
http://rpc.twingly.com/October 10, 2025
Como era de temer (16): Sem escrúpulos
Estas eleições locais deram para mostrar Montenegro no seu pior quanto à falta escrúpulos políticos no combate eleitoral.
Por um lado, não teve pejo político em instrumentalizar miseravelmente o projeto de orçamento para efeitos eleitorais, primeiro atrasando deliberadamente as eleições para data posterior à data normal de apresentação do orçamento e, depois, fazendo das promessas orçamentais (reais ou fictícias) uma alavanca de campanha eleitoral. Nem a oportuna advertência do PR, plenamente justificada, o levou a moderar o abuso.
Por outro lado, e mais grave, Montenegro não teve o mínimo pudor político em utilizar explicitamente a sua condição de chefe do Governo em campanha eleitoral, incluindo o anúncio de medidas governamentais em ações de campanha, confundindo abusivamente a sua condição de primeiro-ministro com a de líder partidário e ignorando a regra constitucional da isenção eleitoral dos titulares de cargos públicos, enquanto tais, nas campanhas eleitorais.
Não me recordo de nenhum PM que tenha mostrado tão ostensivo desprezo por regras de conduta tão elementares numa democracia eleitoral.
AdendaUm leitor comenta que, «considerando a evidente falta de cultura democrática de Montenegro, não é de admirar». Podemos não nos surpreender, mas não nos devemos conformar. Para serem "livres e justas" (free and fair) as eleições não têm de obedecer somente a regras constitucionais e legais, mas também a "convenções" e mores consensuais destinados a garantir a igualdade de armas e a lisura, sem golpes baixos, no combate eleitoral. Não há nada mais perigoso para a democracia eleitoral do que a perda de confiança na integridade do processo eleitoral.http://rpc.twingly.com/October 8, 2025
Eleições presidenciais (16): Fora da caixa
1. Gouveia e Melo incorre num escusado excesso retórico, quando fala numa «perigosa oligarquia política» alegadamente liderada por Marques Mendes, e constituída por uma «casta política» que se julga «dona da democracia».
Mas tem toda a razão quando denuncia a tentativa - ensaiada por uma parte do comentariado e pelos candidatos oriundos dos partidos, em particular por Marques Mendes - de lhe retirar legitimidade política para ser Presidente, seja pela sua origem militar, seja pelo facto de não ter carreira nem experiênca política.
Na verdade, o cargo presidencial não está vedado a nenhuma categoria de cidadãos nem é reserva dos diplomados em prática política, com exclusão dos "leigos".
2. A meu ver, para desempenhar bem as funções que incumbem ao PR no nosso sistema constitucional - de representação institucional, de moderação da conflitualidade política e de garantia do regular funcionamento das instituições - a carreira militar não é um handicap e a experiência política, embora podendo ser uma mais-valia, não é seguramente uma condição necessária.
Mais importantes do que isso para a magistratura presidencial são seguramente cinco outros requisitos: (i) compromisso incondicional com os valores constitucionais (democracia, Estado de direito, Estado social, autonomia local e regional, etc.); (ii) perceção clara do papel do Presidente no sistema constitucional de separação de poderes, especialmente quanto aos limites dos seus poderes; (iii) estrita imparcialidade partidária, como representante unitário de toda a coletividade nacional; (iv) adesão firme ao princípio republicano da separação entre interesse público e interesses particulares ou de grupo; (v) prudência, ponderação, recato institucional e elevação nas suas decisões e declarações, qualidades que devem ser timbre dos inquilinos de Belém.
Não vejo porque é que Gouveia e Melo há de ser excluído à partida de fazer prova, tal como os demais candidatos, de preenchimento destes requisitos.
AdendaUm leitor manifesta-se surpreendido por eu «apoiar GM, quando há um candidato do PS», mas há aí um óbvio equívoco: 1º - não declarei nenhum apoio a GM (cujas posições, aliás, já critiquei, duas vezes, AQUI e AQUI) e apenas contestei a sua exclusão liminar da competição, como querem alguns; 2º - não há um candidato do PS, mas sim provavelmente um candidato apoiado pelo PS, apoio que, porém, não será vinculativo, pois nas eleições presidenciais não há candidatos partidários; 3º - tirando os dois candidatos que já excluí, por causa das suas posições (AQUI e AQUI), todos os outros se mantêm em prova, até porque tudo indica que vai haver uma segunda volta. O caminho para Belém ainda é longo.http://rpc.twingly.com/Um pouco mais de coerência (4): Quando nos toca também
Montenegro tem toda a razão para protestar contra a notícia filtrada de dentro do Ministério Público, em plena campanha eleitoral para as eleições locais, segundo a qual os investidores estariam inclinados a propor a abertura de inquérito-crime contra ele no caso Spinumviva, a sua empresa pessoal.
Só que, quando os alvos dos abusos do Ministério Público e da instrumentalização política da investigação penal são outros, concretamente do PS, nunca o vimos protestar, nem a ele nem ao comentariado afeto à direita. Pelo contrário, o que vimos foi aproveitarem-se oportunisticamwente dessas "notícias" para combate político de baixo nível -, o que o PS, felizmente, não está a reciprocar.
É de esperar que aprenda a lição e tire as devidas consequências!
http://rpc.twingly.com/September 24, 2025
Não concordo (52): Abandono de cargo público
1. Discordo desta decisão de um juiz (e vice-presidente) do Tribunal Constitucional, cujo mandato terminou em julho, de "renunciar ao mandato", a fim de deixar o exercício do cargo, antes de ser devidamente substituído.
Em primeiro lugar, a lei estabelece que os juízes do TC só «cessam funções com a posse do juiz designado para ocupar o respetivo lugar», e não exceciona o caso de renúncia (de resto, não faz sentido renunciar a um mandato que já terminou, estando em "prorrogação"). Aliás, defendo há muito que a prorogatio de cargos públicos constitui um princípio constitucional geral e não apenas uma obrigação legal pontual, quando expressamente esbelecida, como é o caso.
Em segundo lugar, sempre entendi que, por uma questão de responsabilidade republicana, quem aceita um cargo público de duração temporária, deve estar preparado para continuar no exercício de funções para além do termo do mandato, enquanto não for substituído.
2. Acresce que, por propósito político deliberado desde a sua origem na revisão constitucional de 1982 (eu estive lá), no sentido de fundamentar a legitimidade democrática do Tribunal Constitucional, a sua composição dá expressão equilibrada às principais correntes ou "sensibilidades" constitucionais, que podem divergir na interpretação do texto constitucional e gerar decisões por maioria tangencial em litígios constitucionais mais sensíveis político-doutrinariamente.
Por isso, ao deixar o cargo antes de ser substituído por um juiz da mesma sensibilidade constitucional, o referido juiz abre uma vaga no Tribunal que pode causar um desequilíbrio no statu quo quanto a esse aspeto crucial do funcionamento do colégio de juízes, podendo originar inoportunas tensões internas e indesejáveis acusações externas quanto à autoridade pública das suas decisões.
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